Profundidade de saturação dos carbonatos

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Distribuição da profundidade de saturação dos carbonatos no oceano global: aragonita (mapa superior) e calcita (mapa inferior).

Em oceanografia, profundidade de saturação dos carbonatos é a profundidade na qual o equilíbrio termodinâmico da reação de precipitação e dissolução de carbonato de cálcio (CaCO3) é atingido na coluna de água do oceano. Esse equilíbrio significa que a água do mar está saturada em termos de carbonato de cálcio naquela profundidade.[1]

Reação química[editar | editar código-fonte]

A reação química que descreve o equilíbrio termodinâmico do carbonato de cálcio em uma solução é a seguinte:[1]

Quando a reação é deslocada para a direita, os íons cálcio (Ca2+) e carbonato (CO32-) reagem para formar carbonato de cálcio (CaCO3), que é um sólido e precipita. Quando a reação é deslocada para a esquerda, o carbonato de cálcio se dissolve para formar os íons cálcio e carbonato. A reação química é controlada pelo seu produto de solubilidade (KPS).

Na reação de dissolução do carbonato de cálcio, o equilíbrio químico pode ser matematicamente expresso da seguinte maneira:[1]

onde [Ca2+], [CO32-] e [CaCO3] são as respectivas concentrações de íon cálcio, íon carbonato e carbonato de cálcio na solução.

Saturação na água do mar[editar | editar código-fonte]

A saturação do carbonato de cálcio (Ω) na água do mar pode ser expressa pela seguinte equação:[1]

Quando Ω (ômega) é igual a 1, a água do mar está saturada em termos de carbonato de cálcio. Valores de Ω inferiores a 1 indicam que a água do mar encontra-se subssaturada, enquanto valores superiores a 1 indicam que a água do mar está superssaturada.[1]

De uma maneira geral, o oceano superficial encontra-se superssaturado (Ω > 1) em termos de carbonato de cálcio.[1][2] Entretanto, esse estado de superssaturação diminui com o aumento da profundidade até atingir o valor unitário (Ω = 1). A profundidade na qual isso ocorre é conhecida como profundidade de saturação dos carbonatos. Abaixo dela, a saturação do carbonato de cálcio continua diminuindo e a água do mar torna-se subssaturada (Ω < 1). O estado de saturação do carbonato de cálcio diminui em direção ao oceano profundo devido às temperaturas mais baixas em relação à superfície e devido aos efeitos da pressão no oceano profundo.[1]

O conceito de saturação dos carbonatos é muito importante para os organismos marinhos (especialmente aqueles planctônicos) que utilizam carbonato de cálcio para secretar suas carapaças. Quando a água do mar está superssaturada, isso favorece o desenvolvimento desses organismos calcificantes.[1][3][4] Por outro lado, uma água do mar subssaturada é desfavorável para esses organismos. Assim, o estado de saturação da água pode ser um fator limitante para o crescimento desses organismos em caso de subssaturação.[1][3]

Aragonita e calcita[editar | editar código-fonte]

Existem duas formas minerais de carbonato de cálcio: aragonita e calcita. Na água do mar, a aragonita é mais solúvel que a calcita.[1] Consequentemente, a profundidade de saturação da aragonita no oceano global é menor do que a profundidade de saturação da calcita. Os fatores que mais influenciam a solubilidade do carbonato de cálcio na água do mar são temperatura, pressão e pH.[1][2] Temperaturas mais baixas aumentam a solubilidade tanto da aragonita quanto da calcita, assim como pressões mais elevadas. Massas de água ricas em dióxido de carbono apresentam pH com caráter mais ácido, facilitando a solubilidade do carbonato de cálcio. Por isso, massas de água frias, profundas e antigas apresentam maior solubilidade de aragonita e calcita.[1]

Distribuição geográfica da profundidade de saturação dos carbonatos[editar | editar código-fonte]

A profundidade de saturação dos carbonatos no oceano global não é igual em todos os lugares. Ela varia de acordo com a circulação termohalina no oceano profundo.[1][2][5] Regiões de subsidência de massas de água transportam águas superficiais pobres em dióxido de carbono para o oceano profundo. Isso faz com que a profundidade de saturação dos carbonatos nessas áreas seja grande. Por outro lado, algumas regiões onde há ressurgência transportam massas de água ricas em dióxido de carbono para a superfície, tornando menor a profundidade de saturação dos carbonatos. O Atlântico Norte é a região onde se encontram as maiores profundidades de saturação tanto de aragonita quanto de calcita.[1][5] Isso ocorre porque no entorno da Groenlândia estão as principais áreas de subsidência de massas de água do planeta, transportando águas superficiais pobres em dióxido de carbono para o oceano profundo. Em contrapartida, no Pacifico Norte encontram-se as menores profundidades de saturação de aragonita e calcita.[1][5] Nessa região há ressurgência das massas de água frias, profundas, antigas e ricas em dióxido de carbono. Devido à circulação termohalina no interior do oceano, a profundidade média de saturação dos carbonatos no Atlântico Norte é um pouco mais profunda do que no Atlântico Sul. Situação oposta é encontrada no Oceano Pacífico, onde a profundidade média de saturação dos carbonatos é um pouco mais profunda no sul em relação ao norte.

A profundidade média de saturação no Atlântico Norte está em torno de 4500 m para a calcita e cerca de 3000 m para a aragonita. Já no Pacífico Norte ela está em torno de 700 m para a calcita e cerca de 500 m para a aragonita.[1] A diferença observada entre os valores da profundidade de saturação da aragonita e da calcita é justificada pela maior solubilidade da aragonita em relação à calcita.

Diferença entre as profundidades de saturação e compensação dos carbonatos[editar | editar código-fonte]

A profundidade de saturação dos carbonatos não deve ser confundida com a profundidade de compensação dos carbonatos. A primeira está relacionada à termodinâmica da reação, enquanto a segunda está relacionada à cinética da mesma reação química.[1] A profundidade de saturação é uma propriedade da coluna de água e corresponde à profundidade na qual a saturação do carbonato de cálcio é igual a 100%. A profundidade de compensação dos carbonatos é uma propriedade do sedimento e corresponde à profundidade na qual os sedimentos no assoalho oceânico possuem teor de carbonato de cálcio inferior ou igual a 5%.[1] Ela também pode ser definida como a profundidade na qual não há carapaças de pterópodos depositadas na superfície do sedimento marinho.[6] Geralmente, a profundidade de compensação ocorre onde a saturação do carbonato de cálcio na coluna de água é inferior a 30% (isto é, Ω < 0,3).[1] Logo, a profundidade de compensação é sempre maior do que a profundidade de saturação dos carbonatos.[1][6]

A tabela abaixo apresenta as profundidades médias de saturação e de compensação de calcita e aragonita nos oceanos Atlântico e Pacifico.[1][6]

Mineral Atlântico Pacifico
Profundidade de saturação
Calcita 4300 m 750 m
Aragonita 1500 m 500 m
Profundidade de compensação
Calcita 5000 m 3000 m
Aragonita 2500 m 1000 m

Aquecimento global e acidificação oceânica[editar | editar código-fonte]

Redução estimada da concentração dos íons carbonato (CO32-) nas águas superficiais do oceano entre os anos de 1700 e 1990.

O aquecimento global é provocado por gases do efeito estufa. O mais importante desses gases é o dióxido de carbono, que também participa do sistema carbonato marinho. Abaixo estão as reações químicas envolvidas no sistema carbonato.[1]

Vídeo (em inglês) relativo ao impacto do dióxido de carbono (CO2) antropogênico e da acidificação dos oceanos sobre as conchas de alguns organismos marinhos. [1] Fonte: NOAA Environmental Visualization Laboratory

O aumento do dióxido de carbono (CO2) antropogênico na atmosfera e as interações oceano-atmosfera causam sua dissolução na água do mar. Essa dissolução tem o efeito de reduzir o pH da água devido à formação de íons H+ a partir dissociação do ácido carbônico (H2CO3).[1][3][5][7][8][9] Isso tem levado a um processo de acidificação da água do mar. O efeito tampão do sistema carbonato marinho tende a regular o pH do oceano para amenizar os efeitos da acidificação.[3][10] Para tanto, as últimas duas reações do sistema carbonato são deslocadas para a esquerda a fim de protonar o excesso de íons H+ na água, formando íons bicarbonato (HCO3-). Como conseqüência, esse deslocamento de reações diminui a saturação do carbonato de cálcio na água do mar devido à redução da disponibilidade dos ions carbonato. Nesse cenário, a coluna de água do oceano torna-se cada vez menos superssaturada em termos de carbonato de cálcio. Eventualmente, a diminuição da profundidade de saturação dos carbonatos poderá atingir a superfície do oceano.[3] Neste caso, organismos planctônicos (por exemplo, pterópodos) e bentônicos (por exemplo, corais escleractíneos) calcificantes sofrerão impactos negativos. Certas espécies poderão ser extintas devido à acidificação que vai causar corrosão em suas carapaças. A subssaturação de carbonato de cálcio na água do mar diminuirá a disponibilidade de carbonato para o desenvolvimento saudável dessas espécies.[3][4] Indiretamente, os predadores desses organismos também serão afetados causando um desequilíbrio na cadeia alimentar.[3] Os recifes de corais serão afetados, levando a perda de habitat para diversos organismos marinhos.[11]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v w Millero, F.J. (2006). Chemical Oceanography 3rd ed. Boca Raton: CRC/Taylor and Francis. ISBN 9780849322808. OCLC 58599896 
  2. a b c Trujillo, A.P. (2008). Essentials of Oceanography 9th ed. Upper Saddle River, N.J.: Pearson. ISBN 9780132401227. OCLC 73742524 
  3. a b c d e f g Orr, J.C.; Fabry, V.J.; Aumont, O.; Bopp, L.; Doney, S.C.; Feely, R.A.; Gnanadesikan, A.; Gruber, N.; Ishida, A. (2005). «Anthropogenic ocean acidification over the twenty-first century and its impact on calcifying organisms». Nature. 437 (7059): 681–686. ISSN 1476-4687. doi:10.1038/nature04095 
  4. a b Doney, S.C. (2006). «The dangers of ocean acidification». Scientific American. 294 (3): 58–65. doi:10.1038/scientificamerican0306-58 
  5. a b c d Feely, R.; Doney, S.; Cooley, S. (2009). «Ocean acidification: present conditions and future changes in a high-CO2 world». Oceanography. 22 (4): 36–47. doi:10.5670/oceanog.2009.95 
  6. a b c Berger, W.H. (1978). «Deep-sea carbonate: pteropod distribution and the aragonite compensation depth». Deep Sea Research. 25 (5): 447–452. doi:10.1016/0146-6291(78)90552-0 
  7. Sarmiento, J.L. (1993). «Most of the carbon released from fossil fuels will end up in the oceans, where a complex cycle of circulation and other processes controls its fate». Chemical & Engineering News. 71 (22): 30–43. ISSN 0009-2347. doi:10.1021/cen-v071n022.p030 
  8. Sarmiento, J.L.; Le Quere, C. (1996). «Oceanic carbon dioxide uptake in a model of century-scale global warming». Science. 274 (5291): 1346–1350 
  9. Feely, R.A.; Sabine, C.L.; Lee, K.; Berelson, W.; Kleypas, J.; Fabry, V.J.; Millero, F.J. (2004). «Impact of anthropogenic CO2 on the CaCO3 system in the oceans». Science. 305 (5682): 362–366. ISSN 0036-8075. PMID 15256664. doi:10.1126/science.1097329 
  10. Cai, W.-J.; Hu, X.; Huang, W.-J.; Murrell, M.C.; Lehrter, J.C.; Lohrenz, S.E.; Chou, W.-C.; Zhai, W.; Hollibaugh, J.T. (2011). «Acidification of subsurface coastal waters enhanced by eutrophication». Nature Geoscience. 4 (11): 766–770. ISSN 1752-0908. doi:10.1038/ngeo1297 
  11. Kleypas, J.; Yates, K. (2009). «Coral reefs and ocean acidification». Oceanography. 22 (4): 108–117. doi:10.5670/oceanog.2009.101 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

  • Carbonate, [2] Dictionary.com. Retrieved 12 November 2017.