Reflexologia (psicologia)

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Reflexologia significa, literalmente, o estudo dos reflexos e corresponde à escola de fisiologia objetiva de origem russa que teve, como seus epígonos, Ivan Sechenov (1829-1905), Vladimir Bekhterev (1857-1927) e Ivan Pavlov (1849-1936). Foi uma escola que exerceu um profundo efeito sobre a psicologia behaviorista[1] e as teorias da aprendizagem.

Em sua "Breve história da psicologia", Cabral & Oliveira consideram Bekhterev o legítimo iniciador da psicologia reflexológica ao publicar, em 1907, o primeiro dos três volumes de sua "Psicologia Objetiva" (1907-1910), fundamentada no comportamento e não na fisiologia nervosa. Por outro lado, não se pode ignorar o impacto da obra "Reflexos do Cérebro" (1863), de Sechenov, que inaugurou a psicofisiologia russa, e cujas proposições de investigação resultaram na fundação do primeiro laboratório de psicofisiologia (por Bekhterev em 1863) e no experimento prototípico de Ivan Pavlov sobre reflexo condicionado, com seu conhecido desdobramento (numa série de publicações e experimentação posteriores) para estudo da "atividade nervosa superior".[2])

Ivan Pavlov (1849 - 1936) e equipe em 1935

Entre a Fisiologia e a Neuropsicologia[editar | editar código-fonte]

A psicologia russa desenvolveu-se em dois nítidos períodos com orientações opostas. Antes da Revolução Russa de 1917, a psicologia oficial era herdeira da metafísica herdada da filosofia e desenvolveu-se fundamentada na fisiologia do sistema nervoso desenvolvida a partir dos contribuições de I. Pavlov, cujos feitos foram inclusive usados por outras escolas de psicologia científica da época (behaviorismo) para o estudo do comportamento observável e o surgimento de uma psicologia marxista. Com a orientação ideológica do governo revolucionário instituído para qualquer atividade na União Soviética, graças a Lev Vygotsky (1896-1934) e seus colaboradores, a psicologia soviética não se limitou nem à tradição fisiologista (da reflexologia desenvolvida por W. M. Bechterew (1857-1927) nem ao controle da ideologia do Estado. Com habilidade, conciliou as perspectivas sociais à psicologia cognitiva de base neurofisiológica (a exemplo de seus trabalhos sobre defectologia,[3]) numa abordagem que provou ser tão interessante que continua atual, graças à continuidade dada após sua morte por Alexander Luria (1902 — 1977), sem perder a sua própria identidade, a psicologia cultural-histórica.[4][5]

Para Vygotsky, a reflexologia compunha-se dos postulados de Békhterev sobre os reflexos concatenados (como aquelas reações de resposta do organismo a estímulos externos em situações experimentais) e dos postulados de I. Pavlov sobre reflexos condicionados. Contudo, como ele mesmo assinala, a reflexologia passa do estudo das relações mais elementares do homem com o meio ambiente (a atividade que responde às formas e fenômenos mais primitivos) à investigação de interações muitíssimo complexas e variadas, sem as quais não se pode decifrar o comportamento humano em suas leis mais importantes.[6]

Békhterev assim a definiu:

A ciência que denomino Reflexologia consiste no estudo da atividade correlativa do organismo no sentido amplo da palavra, e por atividade correlativa denomino todas as reações inatas e adquiridas individualmente, começando pelos reflexos inatos e reflexos organizados-complexos até os reflexos mais complexos adquiridos que no homem começam nas ações e condutas e incluem sua conduta característica (BECHTEREV, 1973, p. 171 [7] ).

O programa de Bekhterev apesar de ter iniciado, como visto, na proposição de desenvolvimento de uma "psicologia objetiva" pretendia inovar as ciências humanas, o que tem sido até agora explorado principalmente no contexto da história da psicologia russa. Segundo Byford [8] Menos atenção tem sido dada ao lugar que a “psicologia objetiva” e a “reflexologia” ocuparam na “ciência infantil” - o campo amorfo (muldisciplinar), porém dinâmico, do esforço científico que floresceu mundialmente na virada do século XX, reunindo uma diversidade de áreas, incluindo psicologia do desenvolvimento e educação, psiquiatria infantil e educação especial, higiene escolar e testes mentais, criminologia juvenil e antropologia da infância, o que se denominou como pedologia, ou estudo sistemático da vida e do desenvolvimento das crianças. Ainda segundo este autor a principal inovação embutida na ideia de “pedologia” era a conceituação da criança como um objeto distinto da investigação científica - uma forma humana emergente e, portanto, substancialmente diferente, exigindo novos modelos teóricos e métodos empíricos de estudo.

Bekhterev identificou a psicologia como ocupando uma posição central nas ciências humanas e da vida, situada na junção entre o biofisiológico e o sócio-histórico. Enquanto professor de doenças nervosas e psiquiátricas da Universidade de Kazan e fundador do primeiro laboratório russo a realizar pesquisas em psicologia experimental tanto ao em proposições wundtianas como, (para Byford o.c., principalmente), suas pesquisas experimentais exploraram um contexto médico, como demanda de uma clínica neuropsiquiátrica que exercia, e os experimentos realizados foram voltados a pesquisas neuroanatômicas e neurofisiológicas.

Observe-se que apesar de o mérito da cunhagem do termo neuropsicologia caber ao psicólogo canadense Donald Olding Hebb (1904-1985), pode-se afirmar tranquilamente que, além das contribuições do próprio Bekhterev nessa área, foram imprescindíveis as contribuições de Vygotsky e Luria, os psicofisiologistas de segunda geração da "escola russa de fisiologia objetiva", onde destacam-se seus estudos sobre a localização das funções cerebrais, modificando as noções de centros da ação reflexa a partir dos analisadores corticais fixos propostos por Pavlov (1849-1929), que inauguram a moderna noção de neuroplasticidade, segundo Karl H. Pribram (1919) conciliando a observação clínica, como testes neuropsicológicos e relatórios cirúrgicos e patológicos dos portadores de lesão cerebral.[9]

Reflexoterapia(s)[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Reflexoterapia

A reflexologia situa-se no âmbito da psicofisiologia, sendo inquestionável o valor do estudo dos reflexos para a neurologia. Após as contribuições de Pavlov, passou a possuir ampla aplicação ao desenvolvimento da medicina psicossomática e à compreensão de diversos aspectos da patologia. Segundo Pavlov, "os estados patológicos correspondem a um encontro ou contato do organismo com uma condição extraordinária qualquer, ou mesmo a condições habituais em proporções insólitas". Inclui, nas condições adversas, a exposição a tóxicos, micróbios etc. e os fenômenos de ordem psicossocial.[10]

Para Souza Júnior & Crino,[11] os principais trabalhos desenvolvidos no início do século XX na medicina psicossomática e doenças do sistema nervoso pelo grupo liderado por Bechterew se caracterizavam pelas tentativas de interpretação simultânea de aspectos anatomofisiológicos e psicossociais. Ocupavam-se tanto das abordagens com vieses comportamentalistas e cognitivistas da dinâmica fisiológica das emoções, como da interpretação e intervenções para correção de neuropatologias e défices de organização e integração de diferentes funções cerebrais, a partir da aprendizagem reflexa como base para diversos dos seus procedimentos terapêuticos, um outro aspecto de importância para pesquisas atuais.

Para Astrup,[12] que, inclusive, destaca o valor da sonoterapia no tratamento das doenças psicossomáticas, nessa área, o especialista defronta-se com os distúrbios locais dos órgãos e com as perturbações da atividade nervosa superior. Segundo este autor, nos últimos anos, os aspectos comportamentais têm sido integrados com os aspectos da pesquisa eletrofisiológica e bioquímica mas, embora a importância dos mecanismos córtico-viscerais tenha sido demonstrada, o conhecimento nessa campo é, ainda, fragmentário.

Atualmente, essa disciplina científica possui aplicações à prática psiquiátrica com variações bastante difundidas tais como o "treinamento autógeno de Shultz" (1884-1970); o método de relaxamento progressivo de Jacobson (1888-1983); a técnica do "parto sem dor" (método psicoprofilático para analgesia do parto) que, segundo consta, foi desenvolvida pelos neuropsicólogos russos Velvovski e Platonov a partir da teoria do condicionamento de Pavlov e das aplicações terapêuticas da hipnose em colaboração com os toxólogos V. Ploticher e E. Shugon por volta de 1947.[13] [14]

Mais recentemente, assistimos a uma intensificação de aplicações da reflexologia à terapia, talvez decorrente do sucesso (valor preditivo da teoria) das explicações pavlovianas ao mecanismo de ação da acupuntura, seja a teoria do reflexo víscero-cutâneo; inibição cortical (advindas dos experimentos de sono prolongado [15]) e teoria da contra-irritação de Alexei D. Speranski (1888 - 1961) ou mesmo as considerações de variações do efeito da aplicação de agulhas segundo os temperamentos descritos à luz dos mecanismos de inibição – excitação nervosa proposto por Pavlov [16].

Dermátomos

Reflexologias[editar | editar código-fonte]

Registra-se, de fato, em nossos dias, uma ampliação de modalidades terapêuticas que utilizam a concepção de reflexo (reflexoterapia) denominadas "erroneamente", pelo visto, como reflexologia. Observe-se, porém, que a noção de reflexo é anterior à teoria do reflexo condicionado de I. Pavlov.[17] Tais modalidades terapêuticas são geralmente associadas a técnicas de massoterapia, sendo as mais conhecidas as técnicas de estimulação da coluna vertebral;[18] estimulação dos pés (podorreflexoterapia), mãos e pavilhão auricular. Essa última, confundindo-se com técnicas específicas de acupuntura.[19] A eficácia e reconhecimento social dessas práticas, em sua maioria, não estão bem estabelecidos.

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. CABRAL, Álvaro; OLIVEIRA, Eduardo Pinto. Uma breve história da psicologia. RJ, Zahar, 1972
  2. PAVLOV, Ivan. Reflexos condicionados e inibições. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.
  3. VIGOTSKI, L.S. Fundamentos de defectologia. Lev Semiónovic Vygotski. Obras ecogidas V5. Madrid, A. Machado Libros, 2012
  4. VEGA, Luis García. Historia de la psicología 3V: la psicología rusa: reflexología y psicología soviética (v.III). Madrid, Siglo XXI, 1993.
  5. PARIGUIN, B.D. A psicologia social como ciência. RJ, Zahar, 1972
  6. VIGOTSKY, Leiv S. Os métodos de investigação reflexológicos e psicológicos, 1924 in: VIGOTSKY, Leiv S. Teoria e método em psicologia. SP, Martins Fontes, 2004
  7. BECHTEREV, V. M. General principles of human reflexology. New York: Arnon, 1973. No Google Books. Acesso em: out. 2013. apud: CARVALHO, Maria Aparecida Alves Sobreira; ARAUJO, Sicilia Maria Moreira de; XIMENES, Veronica Morais e PASCUAL, Jesus Garcia. A formação do conceito de consciência em Vygotsky¹ e suas contribuições à Psicologia. Arq. bras. psicol. [online]. 2010, vol.62, n.3, pp. 13-22. ISSN 1809-5267. PDF Acesso em: out. 2013.
  8. BYFORD, ANDY. “V. M. BEKHTEREV IN RUSSIAN CHILD SCIENCE, 1900S–1920S: ‘OBJECTIVE PSYCHOLOGY’/‘REFLEXOLOGY’ AS A SCIENTIFIC MOVEMENT.” Journal of the History of the Behavioral Sciences 52.2 (2016): 99–123. PMC. Web. 30 July 2018.
  9. PRIBRAM, Karl Prefécio à edição inglesa de Luria, A.R. Fundamento de Neuropsicologia. RJ, Livros Técnicos e Científicos; SP, EdUSP, 1981
  10. BEAULIEU, Emilio. Algunas consequencias médicas de trabajos fisiológicos de Pávlov y su escola. in: KLOTZ, H.P. et al El aporte de Pávlov al desarrolo de la medicina. Buenos Aires, Editorial Psique, 1957
  11. SOUZA JÙNIOR,Eustáquio José de; CIRINO, Sérgio Dias. Revistando reflexogia soviética. Mnemosine V.5,nº2 p.131-1 (2009) PDF Acesso. Jan. 2015
  12. ASTRUP, Christian. Psiquiatria pavloviana, a reflexologia atual na prática psiquiátrica. RJ, Atheneu, 1979
  13. VELVOVSKI, I. et al. Psicoprofilaxia de las dolores del parto. Moscú, Ediciones en Lenguas Extranjeras, 1963, apud: SEVASTANO, Helena; NOVO, Djalma Pereira. Aspectos psicológicos da gestante sob o ponto de vista da teoria do Núcleo do Eu. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 15, n. 1, Feb. 1981. PDF acesso em outubro de 2013.
  14. MALDONADO, Maria Tereza P. Psicologia da Gravidez: parto e puerpério. Petrópolis: Vozes, 1980 p.81
  15. ROBERTSON, Donald. Notes on Pavlov & Hypnotic Sleep Therapy UK College of Hypnosis & Hypnotherapy, 2008-2009. Acesso out. 2013
  16. SUSSMANN, David J. Que é a Acupuntura? RJ, Ed Record 1973
  17. PESSOTTI, Isaias. Pré História do condicionamento. SP, Hucitec, 1976
  18. STEEN, L.Van. Reflexo Vertebral. Sp, Ed. Adrei Ltda, 1983
  19. DULCETTI Jr, Orley. Acupuntura, auricular e aurículoterapia. SP, Parma, 1994

Ligações externas[editar | editar código-fonte]