Usuário(a):Kkmarques/Testes

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Conjunto de habitações públicas em Singapura. Nesse país, mais de 80% da população vive em construções da Secretaria de Moradia e Desenvolvimento do governo.
Conjunto habitacional financiado pelo governo de Hong Kong para a população de baixa renda.

Habitação social ou habitação de interesse social é um tipo de habitação destinada à população cujo nível de renda dificulta ou impede o acesso à moradia através dos mecanismos normais do mercado imobiliário. Empreendimentos habitacionais de interesse social são geralmente de iniciativa pública e têm, como objetivo, reduzir o défice da oferta de imóveis residenciais de baixo custo dotados de infraestrutura (redes de abastecimento d'água, esgotamento sanitário e energia elétrica) e acessibilidade. Alguns empreendimentos também visam à realocação de moradias irregulares ou construídas em áreas de risco.

Programas de habitação social existem em vários países, desenvolvidos ou não, e os imóveis podem ser alugados ou comprados mediante financiamentos subsidiados pelo governo. Geralmente, são realizados em grandes conjuntos de prédios de apartamentos, casas ou lotes urbanizados.

Habitação como direito[editar | editar código-fonte]

O reconhecimento do direito à moradia digna e adequada como direito humano internacional ganhou força no fim do século XX e a luta por esse direito foi travada em um movimento que resultou na mobilização popular em 1996, na 2ª Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos (que deu origem à agenda Habitat II[1]).

Ressalta-se, porém, que seu reconhecimento como direito universal foi um dos pontos mais polêmicos e assegurou, com ressalvas, o direito à moradia como direito humano e o fim dos despejos forçados.[2]

Contudo, ainda que a habitação como direito “encontre substância legal em diversos textos internacionais de direitos humanos e tenha sido ratificado e reafirmado por meio de diversos instrumentos declaratórios e de orientação de políticas” [3], os despejos forçados continuam a ocorrer em todos os lugares do mundo e para tanto, foram criadas as Relatorias pelo Direito Humano à Moradia Adequada, com uma rede internacional que denuncia, acompanha e procura soluções para pôr fim aos despejos forçados e garantir o direito à moradia [2].

O direito à moradia é um direito humano protegido pela Constituição Brasileira e pelos Instrumentos Internacionais. Os cidadãos brasileiros são sujeitos de direito internacional aptos a exigir processualmente a promoção e o cumprimento de seus direitos humanos junto aos organismos internacionais de proteção. Essa relação entre indivíduos, Estados Nacionais e Organismos Internacionais decorre da adoção pelas Nações Unidas dos Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais (1966), cujo fundamento é a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

O direito à moradia é reconhecido como um direito humano em diversas declarações e tratados internacionais de direitos humanos do qual o Estado Brasileiro é parte, em especial na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (artigo XXV, item 1[4]); no Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais de 1966, Artigo 11 na Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965, Artigo 5(e)(iii); na Declaração sobre Raça e Preconceito Racial de 1978, Artigo 9; na Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher de 1979, Artigo 14; Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, Artigo 27; na Declaração sobre Assentamentos Humanos de Vancouver de 1976, Seção III(8) e capítulo II(A.3); na Agenda 21 sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, capítulo 7 e na Agenda Habitat de 1996.

Na Constituição Brasileira o direito à moradia está previsto como um direito social, a exigir a ação positiva do Estado por meio da execução de políticas públicas habitacionais. É obrigação do Estado impedir a regressividade do direito à moradia e também tomar medidas de promoção e proteção deste direito. Os compromissos que constam nos Tratados e Convenções internacionais têm natureza vinculante aos países signatários, acarretando obrigações e responsabilidades aos Estados pela falta de cumprimento das obrigações assumidas.

A Constituição Brasileira adota a prevalência dos direitos humanos  como um dos princípios que deve reger as relações internacionais, no Artigo 4º, II. O Congresso Nacional aprovou o texto do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais por meio do Decreto Legislativo nº 226 de 1991, assim como a Presidência da República também o fez por meio do Decreto nº 591 de 1992, afirmando que o Pacto será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém.

Portanto, o Estado brasileiro tem a obrigação de adotar políticas públicas de habitação que assegurem a efetividade do direito à moradia. Tem também responsabilidade de impedir a continuidade de programas e ações que excluem a população de menor renda do acesso a uma moradia adequada. A dimensão dos problemas urbanos brasileiros contém a questão habitacional como um componente essencial da atuação do Estado Brasileiro como promotor de políticas voltadas para a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades e a justiça social. A cidade informal evidencia a necessidade de construção de uma política urbana que vise a inclusão social e territorial da população, tendo como meta a regularização fundiária e a urbanização dos assentamentos de baixa renda

A Relevância da Habitação e Suas Funções[editar | editar código-fonte]

A função primordial da habitação é a de abrigo. Com o desenvolvimento de suas habilidades, o homem passou a utilizar materiais disponíveis em seu meio, tornando o abrigo cada vez mais elaborado. Mesmo com toda a evolução tecnológica, sua função primordial tem permanecido a mesma, ou seja, proteger o ser humano das intempéries e de intrusos [5]

Junqueira e Vita (2002) observam que hoje a aquisição da habitação faz parte do conjunto de aspirações principais de uma parcela significativa da população brasileira, embora venha perdendo importância relativa para a educação, saúde e previdência privada. Esta perda de importância relativa não foi devido à realização da aspiração da moradia pela população mas, em grande parte, devido à deficiência crescente destes serviços públicos.

Segundo Fernandes (2003), a habitação desempenha três funções diversas: social, ambiental e econômica. Como função social, tem de abrigar a família e é um dos fatores do seu desenvolvimento. A habitação passa a ser o espaço ocupado antes e após as jornadas de trabalho, acomodando as tarefas primárias de alimentação, descanso, atividades fisiológicas e convívio social. Assim, entende-se que a habitação deve atender os princípios básicos de habitabilidade, segurança e salubridade [5].

Já a função econômica da moradia é inquestionável: sua produção oferece novas oportunidades de geração de emprego e renda, mobiliza vários setores da economia local e influencia os mercados imobiliários e de bens e serviços. A construção da habitação responde por parcela significativa da atividade do setor de construção civil: em 2002, o subsetor de construção de edifícios, que envolve a construção habitacional, foi responsável por 25,29% na riqueza gerada pelo macro setor da construção no país. Em 2003, o macro setor da Construção Civil brasileiro gerou R$ 96,8 bilhões, correspondendo a 6,4% do PIB. Esta relevância se estende também ao aspecto social: a construção foi responsável, em dezembro de 2004, por 1,28 milhões de empregos com carteira assinada no país (FGV/SINDUSCON, 2004).

A Habitação de Interesse Social: Definições[editar | editar código-fonte]

O termo Habitação de Interesse Social (HIS) define uma série de soluções de moradia voltada à população de baixa renda. O termo tem prevalecido nos estudos sobre gestão habitacional e vem sendo utilizado por várias instituições e agências, ao lado de outros equivalentes, como apresentado abaixo [5]

  • Habitação de baixo custo (low-cost housing): termo utilizado para designar habitação barata sem que isto signifique necessariamente habitação para população de baixa renda;
  • Habitação para População de Baixa Renda (housing for low-income people): é um termo mais adequado que o anterior, tendo a mesma conotação que habitação de interesse social; estes termos trazem, no entanto a necessidade de se definir a renda máxima das famílias e indivíduos situados nesta faixa de atendimento;
  • Habitação Popular: termo genérico envolvendo todas as soluções destinadas ao atendimento de necessidades habitacionais.

Na conceituação das abordagens da gestão habitacional, se defende que “a habitação popular não deve ser entendida meramente como um produto e sim como um processo, com uma dimensão física, mas também como resultado de um processo complexo de produção com determinantes políticos, sociais, econômicos, jurídicos, ecológicos, tecnológicos”. Neste conceito, o autor propõe que a habitação não se restringe apenas à unidade habitacional, para cumprir suas funções. Assim, além de conter um espaço confortável, seguro e salubre, é necessário que seja considerada de forma mais abrangente [5] :

  • serviços urbanos: as atividades desenvolvidas no âmbito urbano que atendam às necessidades coletivas de abastecimento de água, coleta de esgotos, distribuição de energia elétrica, transporte coletivo, etc.;
  • infra-estrutura urbana: incluindo as redes físicas de distribuição de água e coleta de esgotos, as redes de drenagem, as redes de distribuição de energia elétrica, comunicações, sistema viário, etc.;
  • equipamentos sociais: compreendendo as edificações e instalações destinadas às atividades relacionadas com educação, saúde, lazer, etc.

Nas formas de oferta de habitação às populações de baixa renda, diferencia-se a “habitação de interesse social” da “habitação de mercado popular”. Nesta última há produção e consumo de habitações populares (pequenas construções, autoconstrução, em iniciativas próprias ou contratadas diretamente pelos usuários da habitação), porém estas não estão sujeitas aos mesmos critérios de planejamento e implementação que os programas produzidos pelo poder público[6].

Uma importante contribuição para a consolidação do princípio da função social do solo urbano se dá também a partir das conclusões da Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos (HABITAT II, 1996), que elegeu os temas “Moradia adequada para todos” e “Desenvolvimento sustentável dos assentamentos humanos num mundo em urbanização”, como os maiores desafios a serem enfrentados em nível global. O Habitat II estabelece o conceito de “adequação da habitação”, reconhecendo que “...o acesso a abrigo e serviços básicos saudáveis e seguros, é essencial para o bem-estar físico, psicológico, social e econômico da pessoa” (UNCHS, 1996; FERNANDES, 2003).

Mais recentemente, com a promulgação do Estatuto das Cidades (Lei Federal No 10.257, de 10 de julho de 2001), que regulamenta a Constituição, foi ratificada a função social do solo urbano e a habitação assume efetivamente o caráter de direito básico da população. As políticas e estratégias habitacionais para a população de baixa renda passam a ser legalmente submetidas ao interesse da sociedade, sobretudo em nível local nos municípios, onde se dão os impactos de sua implantação.

No nível das ações dos governos municipais, observa-se que a habitação de interesse social deve ser definida como aquela necessariamente induzida pelo poder público. O Estatuto das Cidades prevê diretrizes para implementação da função social do uso do solo urbano, que devem ser aplicadas por meio de uma série de instrumentos [6].

Entre tais instrumentos, é obrigatória a adoção e planos diretores de desenvolvimento urbano, para cidades de mais de 20 mil habitantes (a partir de 10 de julho de 2006). Estes instrumentos destinam-se a assegurar a função social da propriedade urbana, como o parcelamento e edificação compulsória de áreas e imóveis urbanos, o usucapião urbano, a concessão de direito real de uso e as zonas especiais de interesse social. O Estatuto das Cidades também procura categorizar a habitação de interesse social quanto a faixas de renda restrita e localizada em zonas “especiais”, assim apontadas por critérios de localização, usos afins e particularidades ambientais, entre outros [6].

Das definições coletadas nesta etapa de revisão bibliográfica, pode-se concluir os seguintes requisitos básicos que caracterizam a Habitação de Interesse social:

  • é financiada pelo poder público, mas não necessariamente produzida pelos governos, podendo a sua produção ser assumida por empresas, associações e outras formas instituídas de atendimento à moradia;
  • é destinada sobretudo a faixas de baixa renda que são objeto de ações inclusivas, notadamente as faixas até 3 salários mínimos;
  • embora o interesse social da habitação se manifeste sobretudo em relação ao aspecto de inclusão das populações de menor renda, pode também manifestar-se em relação a outros aspectos, como situações de risco, preservação ambiental ou cultural;

A habitação de interesse social e suas variáveis, portanto, interage com uma série de fatores sociais, econômicos e ambientais, e é garantida constitucionalmente como direito e condição de cidadania.

Entretanto, para se fazerem cumprir estas garantias no Brasil, observam-se inúmeros desafios a serem superados, sobretudo nos fatores que se impõem como obstáculos ao desenvolvimento da sociedade como um todo. Além disso, a questão habitacional é fruto de uma cadeia de fatos históricos que modelaram sua situação atual. Assim, o conhecimento aprofundado dos fatores sócio-econômicos e históricos que moldam as necessidades habitacionais do país permite a compreensão atual e a projeção futura da habitação.

Origem das habitações de interesse social[editar | editar código-fonte]

Habitação de interesse social no Brasil[editar | editar código-fonte]

As iniciativas tomadas pelos governos da República Velha (1889-1930) no sentido de produzir habitação ou de regulamentar o mercado de locação residencial são praticamente nulas (GAP, 1985).

Fiel ao liberalismo predominante, o Estado privilegiava a produção privada e recusava a intervenção direta no âmbito da construção de casas para os trabalhadores. Assim, suas iniciativas restringiam-se à repressão às situações mais graves de insalubridade, via legislação sanitária e ação policial, e à concessão de isenções fiscais, que beneficiavam basicamente os proprietários de casas de locação, ampliando sua rentabilidade (Rolnik, 1981).

A produção da moradia operária no período de implantação e consolidação das relações de produção capitalistas e de criação do mercado de trabalho livre, que corresponde aos primórdios do regime republicano, era uma atividade exercida pela iniciativa privada, objetivando basicamente a obtenção de rendimentos pelo investimento na construção ou aquisição de casas de aluguel[7] .

Num momento de enorme crescimento das cidades brasileiras, principalmente na região Sudeste, com destaque para São Paulo e Rio de Janeiro, que recebiam forte contingente populacional egresso da imigração estrangeira, a valorização imobiliária era acentuada e se constituía numa importante opção de investimento para reserva de valor, na ausência de um mercado de capitais 712 [8].

São Paulo, sobretudo, sediando a economia cafeeira e recebendo um fluxo imigratório intenso (a população da cidade cresceu de 40.000 habitantes em 1886 para 260.000 em 1900 e 580.000 em 1920), apresentava um superdinâmico processo imobiliário, com forte expansão urbana e uma hipervalorização de glebas, terrenos e prédios. Em poucos anos, chácaras de características eminentemente rurais eram loteadas e transformadas em zona urbana, fortemente ocupada. Assim, além da rentabilidade da locação habitacional, o investimento imobiliário garantia não só uma reserva de valor, como um intenso processo de valorização[7]

É neste contexto que se inseria a intensa produção habitacional realizada pela iniciativa privada para locação. Em São Paulo, em 1920, apenas 19% dos prédios eram habitados pelos seus proprietários, predominando largamente o aluguel como forma básica de acesso a moradia [7]. Considerando-se que boa parte dos prédios ocupados pelos trabalhadores de baixa renda eram cortiços e, portanto, ocupados por mais de uma família, conclui-se que quase 90% da população da cidade, incluindo quase a totalidade dos trabalhadores e da classe média, era inquilina, inexistindo qualquer mecanismo de financiamento para aquisição da casa própria.

Surgem, assim, inúmeras soluções habitacionais, a maior parte das quais buscando economizar terrenos e materiais através da geminação e da inexistência de recuos frontais e laterais, cada qual destinado a uma capacidade de pagamento do aluguel: do cortiço, moradia operária por excelência, sequência de pequenas moradias ou cômodos insalubres ao longo de um corredor, sem instalações hidráulicas, aos palacetes padronizados produzidos em série para uma classe média que se enriquecia, passando por soluções pobres mas decentes de casas geminadas em vilas ou ruas particulares que perfuravam quarteirões para aumentar o aproveitamento de um solo caro e disputado pela intensa especulação imobiliária.

Sem a proteção do Estado, a definição do valor de locação constituía-se no principal ponto de conflito entre proprietários e inquilinos e a questão central que movia os inquilinos a se mobilizarem em torno do problema da habitação. Se, por um lado, o Estado não intervém na produção de moradias e no controle dos aluguéis, as organizações populares também não parecem reconhecer no Estado o interlocutor capaz de dar andamento a suas reivindicações em torno da questão. Embora a forte influência do anarquismo no movimento operário explique, em parte, esta postura de não reconhecimento da responsabilidade estatal na questão da moradia, a própria caracterização do Estado no período liberal, sem interferir no âmbito da reprodução da força de trabalho contribuía no sentido de levar os movimentos populares a negarem o poder público como uma instância à qual deveriam ser dirigidas reivindicações. Em suma, o Estado não assumia a responsabilidade de prover moradias nem a sociedade lhe atribuía esta função.

Esta regra geral, no entanto, não impediu o surgimento de algumas poucas iniciativas de produção estatal, basicamente no Rio de Janeiro e Recife, exceções que claramente confirmam a regra.

É o caso da construção do provavelmente primeiro grupo de moradias construídas pelo poder público no Brasil: 120 unidades habitacionais na Avenida Salvador de Sá (RJ), em 1906, pela prefeitura do distrito federal, que se via fortemente pressionada pela crise habitacional gerada pela derrubada de milhares de cortiços necessária para a abertura da Avenida Central (GAP, 1985). Ou ainda, o início da construção, pelo governo federal, da «Vila Proletária Marechal Hermes», que foi parcialmente «abandonada com as obras nos alicerces por quase duas décadas» (Vargas, 1938, i, 241) — o que dá bem conta da importância que os governos da República Velha davam à questão —, e a construção em Recife em 1926 de 40 unidades pela Fundação A Casa Operária (GAP, 1985).

Esta Fundação, órgão do governo do estado de Pernambuco criado em 1924 714 com «a finalidade de edificar pequenas casas para habitação de pessoas pobres mediante reduzido aluguel» (GAP, 1985), parece ter sido a primeira instituição pública do país a ser criada especificamente para produzir habitação com caráter social. A iniciativa mostra o pioneirismo de Pernambuco em relação à intervenção do Estado na produção de habitação num momento em que em São Paulo a questão era debatida no âmbito da prefeitura, por iniciativa do prefeito Pires do Rio, concluindo-se que o poder público não deveria construir casas para os trabalhadores, pois isto desestimularia a produção privada.

Defendendo o afastamento do Estado na produção direta, o relatório da comissão encarregada de propor iniciativas para enfrentar o problema habitacional é taxativo: «A Comissão julga dever aconselhar a máxima circunspecção na ação direta do poder público na construção de casas populares, procurando incentivar por todos os meios ao seu alcance a iniciativa privada [...] Não haja ilusões. No estado atual de nossa organização social, política e econômica, a construção de habitações populares pelo poder público diretamente ou por intermédio de empresas, longe de ser uma solução, será uma causa do agravamento da crise atual. O simples anúncio de que o poder público irá construir alguns milhares de casas que serão oferecidos por preços e aluguéis fixos será o bastante para afastar automaticamente os capitais particulares que anualmente se empregam em construções.» (Cintra, 1926, 333.)

A visão presente neste relatório, que aponta no sentido de se conceder favores à iniciativa privada, para que ela possa produzir moradias mais baratas e, portanto, a aluguéis mais baixos, é a predominante em todo o país. "O governo não deve produzir casas para os operários mas estimular os particulares a investirem" é a lógica que orienta, de modo geral, o Estado liberal da República Velha. E a solução tida como a ideal, tendo recebido inúmeros incentivos do poder público, é a promoção de vilas operárias pelos próprios industriais para servirem de moradia a seus empregados.

As vilas operárias eram conjuntos de casas construídas pelas indústrias para serem alugadas a baixos aluguéis ou mesmo oferecidas gratuitamente a seus operários. Estas iniciativas tiveram um impacto importante em várias cidades brasileiras, pois são os primeiros empreendimentos habitacionais de grande porte construídos no país.

Vinculadas à emergência do trabalho livre no país, grande parte das vilas operárias surgem em decorrência da necessidade de as empresas fixarem seus operários nas imediações das suas instalações, mantendo-os sob seu controle político e ideológico e criando um mercado de trabalho cativo. Tais necessidades decorriam de aspectos operacionais (por exemplo, trabalhadores indispensáveis à manutenção das máquinas ou equipamentos vitais ao funcionamento da indústria), de mercado de trabalho (inexistência de trabalhadores qualificados ou mesmo de trabalhadores em geral devido à localização das unidades de produção) ou político-ideológicas (manter os seus operários sob controle, evitando greves ou paralisações, através do relacionamento entre a perda do emprego e o despejo da casa) (Blay, 1982).

A tendência do Estado e da elite dominante durante a República Velha sempre foi considerar as vilas operárias como uma iniciativa modelar a ser estimulada, pois garantia condições dignas de moradia, superando a insalubridade dos cortiços, sem exigir a intervenção do poder público, e, ainda, proporcionando um controle ideológico, político e moral aos trabalhadores, muito bem visto frente ao sempre presente temor de uma revolta operária (Rago, 1985). A Vila Maria Zélia, em São Paulo, é o modelo mais acabado deste processo de tutela do empresariado sobre o operário. Localizada ao lado da fábrica, a Vila Maria Zélia contava com escola, creche, igreja, armazém e salão de recreação, além, obviamente, das moradias, permitindo um controle absoluto do tempo livre dos operários e suas famílias. Vila exemplar em termos da qualidade habitacional, ela realizava a utopia empresarial do controle total dos trabalhadores, sendo saudada pelo poder público como um modelo a ser reproduzido (Rolnik, 1981).

No entanto, vilas como a Maria Zélia são raras exceções. Foram poucas as empresas que construíram vilas modelares e alugaram moradias decentes a preços reduzidos. Predominaram empresas que edificaram moradias apenas com o objetivo de manter trabalhadores indispensáveis próximos a elas, atendendo um número reduzido de seus empregados. As exceções serviram apenas como referências sobre uma idealidade impossível de ser alcançada. Muitos industriais agiam, na verdade, como qualquer outro investidor, que buscava rentabilizar seus capitais em um negócio altamente lucrativo como era o aluguel de casas. Esta era a lógica que presidia à construção da habitação popular na República Velha.

Seria equivocado considerar que o governo Vargas e os que se lhe seguiram chegaram a formular uma política habitacional articulada e coerente. Não houve, efetivamente, a estruturação de uma estratégia para enfrentar o problema nem a efetiva delegação de poder a um órgão encarregado de coordenar a implementação de uma política habitacional em todos seus aspectos (regulamentação do mercado de locação, financiamento habitacional, gestão dos empreendimentos e política fundiária). E, menos ainda, um ação articulada entre os vários órgãos e ministérios que de alguma maneira interferiram na questão.

À medida em que a economia se diversificava e cresciam as oportunidades de investimento industrial, na segunda metade da década de 30 e, sobretudo, nos anos 40, os que dispunham de capital começam a se desinteressar pela construção de casas populares para locação. Evidentemente, o congelamento dos aluguéis acentuou drasticamente este processo (era uma das intenções da lei do inquilinato), de modo que a entrada do poder público na promoção, financiamento e construção de conjuntos habitacionais tem mais o sentido de ocupar o espaço deixado pela iniciativa privada do que de concorrer com ela.

A maneira como se deu a criação pelo governo Dutra, em 1946, da Fundação da Casa Popular, uma resposta do Estado à crise de moradia no pós-guerra, é, contraditoriamente, o melhor exemplo desta ausência de política (Melo, 1991; Aureliano & Azevedo, 1980)

A proposta da Fundação da Casa Popular revelava objetivos surpreendentemente amplos, demonstrando até mesmo certa megalomania (ela se propunha financiar, além de moradia, infra-estrutura, saneamento, indústria de material de construção, pesquisa habitacional e até mesmo a formação de pessoal técnico dos municípios); no entanto, sua fragilidade, carência de recursos, desarticulação com os outros órgãos que, de alguma maneira, tratavam da questão e, principalmente, a ausência de ação coordenada para enfrentar de modo global o problema habitacional mostram que a intervenção dos governos do período foi pulverizada e atomizada, longe, portanto, de constituir efetivamente uma política.

À medida em que a economia se diversificava e cresciam as oportunidades de investimento industrial, na segunda metade da década de 30 e, sobretudo, nos anos 40, os que dispunham de capital começam a se desinteressar pela construção de casas populares para locação. Evidentemente, o congelamento dos aluguéis acentuou drasticamente este processo (era uma das intenções da lei do inquilinato), de modo que a entrada do poder público na promoção, financiamento e construção de conjuntos habitacionais tem mais o sentido de ocupar o espaço deixado pela iniciativa privada do que de concorrer com ela.

A maneira como se deu a criação pelo governo Dutra, em 1946, da Fundação da Casa Popular, uma resposta do Estado à crise de moradia no pós-guerra, é, contraditoriamente, o melhor exemplo desta ausência de política (Melo, 1991; Aureliano & Azevedo, 1980)

A proposta da Fundação da Casa Popular revelava objetivos surpreendentemente amplos, demonstrando até mesmo certa megalomania (ela se propunha financiar, além de moradia, infra-estrutura, saneamento, indústria de material de construção, pesquisa habitacional e até mesmo a formação de pessoal técnico dos municípios); no entanto, sua fragilidade, carência de recursos, desarticulação com os outros órgãos que, de alguma maneira, tratavam da questão e, principalmente, a ausência de ação coordenada para enfrentar de modo global o problema habitacional mostram que a intervenção dos governos do período foi pulverizada e atomizada, longe, portanto, de constituir efetivamente uma política.

O fracasso da Fundação da Casa Popular como órgão central e coordenador de uma emergente política habitacional, no entanto, não obscurece o fato de que sua criação, como o primeiro órgão nacional destinado exclusivamente à provisão de moradias para a população de baixa renda, representou o reconhecimento de que o Estado brasileiro tinha obrigação de enfrentar, através de uma intervenção direta, o grave problema da falta de moradias. Embora as carteiras prediais dos IAPs sejam anteriores, estes órgãos não eram destinados especificamente a enfrentar o problema de habitação, e sim instituições previdenciárias, agindo complementarmente dentro de uma lógica marcada pela necessidade de investir os imensos fundos de reserva da Previdência Social para preservar seu valor

Origem da produção Estatal da Habitação Social[editar | editar código-fonte]

O início, em larga escala, da produção de conjuntos habitacionais pelo Estado, cujo marco foi a criação, em 1937, das carteiras prediais dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs)[9], seguida pela instituição da Fundação da Casa Popular, em 1946, foi outra iniciativa relevante dos governos populistas no sentido da habitação social. A produção estatal de moradias para os trabalhadores representa o reconhecimento oficial de que a questão habitacional não seria equacionada apenas através do investimento privado, requerendo, necessariamente, intervenção do poder público. Ao contrário do que ocorria antes de 30, quando a participação estatal na produção de moradia era considerada «uma concorrência desleal à iniciativa privada», a partir do governo Vargas forma-se uma forte corrente de opinião segundo a qual torna-se indispensável a intervenção do Estado. Assim, ninguém contesta, em tese, esta ingerência do governo num setor de produção até então praticamente cativo da iniciativa privada.

À medida em que a economia se diversificava e cresciam as oportunidades de investimento industrial, na segunda metade da década de 30 e, sobretudo, nos anos 40, os que dispunham de capital começam a se desinteressar pela construção de casas populares para locação. Evidentemente, o congelamento dos aluguéis acentuou drasticamente este processo (era uma das intenções da lei do inquilinato), de modo que a entrada do poder público na promoção, financiamento e construção de conjuntos habitacionais tem mais o sentido de ocupar o espaço deixado pela iniciativa privada do que de concorrer com ela.

Por outro lado, a progressiva redução dos investimentos privados na produção habitacional tomou a indústria de construção interessada em receber recursos públicos para manter sua atividade, situação que, aliás, se mantém até hoje. Neste sentido, pode-se inferir que o desenvolvimento da concepção de habitação social, definida como um setor de atividade econômica em que é indispensável a presença estatal, interessava à indústria da construção civil. A defesa rigorosa da intervenção estatal na produção de moradias, feita por homens como Roberto Simonsen, líder empresarial originário do setor da construção civil, talvez seja gerada pela defesa destes interesses, mais do que uma suposta preocupação social.

Embora tanto as carteiras prediais dos IAPs [9] como a Fundação da Casa Popular tivessem objetivo de viabilizar a construção de habitação, a diferença entre elas é marcante. Nos IAPs, a função de edificação é secundária (seu objetivo primeiro é garantir aposentadoria e pensões aos associados), servindo também como forma de garantir rentabilidade para as reservas dos institutos, enquanto que o objetivo único da FCP é produzir moradia para a população de baixa renda

Exemplos[editar | editar código-fonte]

Blocos de residência do programa social "Minha Casa, Minha Vida", em Eunápolis, Bahia.

São exemplos de empresas governamentais responsáveis pela construção de habitações sociais no mundo: Hong Kong Housing Authority em Hong Kong; a Housing and Development Board em Singapura; Gemeindebau na Áustria; HLM na França; Local Authority Accommodation na Irlanda; Miljonprogrammet na Suécia; Council house no Reino Unido; e Housing New Zealand Corporation na Nova Zelândia.

No Brasil, os empreendimentos habitacionais de interesse social são de iniciativa governamental e visam a atender principalmente a população com renda familiar mensal de até 3 salários-mínimos em localidades urbanas e rurais.[10][11]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. «Realizada a 2ª Conferência Mundial Sobre os Assentamentos Humanos - HABITAT II, em Istambul». www.cronologiadourbanismo.ufba.br. Consultado em 19 de junho de 2018 
  2. a b RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: direito das coisas.v. 5. São Paulo: Saraiva, 2007
  3. ROSA, Lourdes Zunin (VOL.3, Nº. 02, 2015). «HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL -Como surgiram as favelas e o que se tem avançado em novas unidades e consolidação de assentamentos existentes». REVISTA GESTÃO E DESENVOLVIMENTO EM CONTEXTO- GEDECON. Consultado em 18 de junho de 2018  Verifique data em: |data= (ajuda)
  4. Declaração Universal dos Direitos Humanos Art. 1 1.Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.
  5. a b c d ABIKO, Alex Kenya. Introdução à Gestão Habitacional. Texto Técnico da Escola Politécnica da USP, São Paulo, n. 10, 1995.
  6. a b c BONDUKI, Nabil Georges; ROLNIK, Raquel; AMARAL, Angela. São Paulo: Plano Diretor Estratégico . Cartilha de Formação. São Paulo: Caixa Econômica Federal, 2003. 87 p.
  7. a b c BONDUKI, Nabil (1982). Origens do problema da habitação popular em São Paulo 1886-1918. São Paulo: Espaço & Debates 
  8. IBGE. «IBGE | Biblioteca | Detalhes | A Estruturação da Grande São Paulo : estudo de geografia urbana / Juergen Richard Langenbuch. -». biblioteca.ibge.gov.br. Consultado em 19 de junho de 2018 
  9. a b Brasil, CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação História Contemporânea do. «INSTITUTOS DE APOSENTADORIA E PENSOES | CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil». CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. Consultado em 19 de junho de 2018 
  10. Caixa Econômica Federal. Habitação de Interesse Social
  11. Lei nº 11.124, de 16 de junho de 2005. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS e institui o Conselho Gestor do FNHIS.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • BONDUKI, N. Origens da habitação Social no Brasil: arquitetura moderna, Lei do Inquilinato e difusão da casa própria. São Paulo: Estação Liberdade, 1998, 344 p.
  • GOUVÊA, Luiz Alberto de Campos. Habitação popular no Brasil: uma história de exclusão, segregação e construção de ocas, senzalas, casas e apartamentos. São Paulo: Annablume, 2016. 168 p.
  • BRASIL. MINISTÉRIO DAS CIDADES. Plano Diretor Participativo: Guia para Elaboração pelos municípios e cidadãos. Brasília/DF: Ministério das Cidades, Confea, 2005.
  • FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Déficit Habitacional no Brasil 2006. Ministério das Cidades, Secretaria Nacional de Habitação / Fundação João Pinheiro / Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IBGE PNAD, 2006.
  • INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Características da população: o Brasil é um país populoso e com densidades muito heterogêneas. Brasília, 2000.
  • Rolnik, Raquel. As armadilhas do pacote habitacional. In: le monde Diplomatique Brasil, março 2009

Categoria:Habitações