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Capa do [Livro] de George Boole, o fundador da lógica matemática

O livro Leis do Pensamento ("The Laws of Thought") de George Boole foi publicado em 1854 com a intenção de ampliar e aperfeiçoar o que Aristóteles iniciou 22 séculos antes. Além da importância histórica, por ser a obra fundacional da lógica matemática, há muitas maravilhas nesse livro. De um lado, o Leitor não precisa saber qualquer lógica matemática para lê-lo, e por outro lado, o livro já é uma leitura excitante. [1]

C. D. Broad (1917)[2] escreveu que "este livro é a uma das leituras mais facinantes que já fez. É um deleite do começo ao fim. Ela retém algum frescor, e até mesmo atualmente, ela evoca novos pensamentos. O leitor começa a sentir, através de escritos intensos, sérios e às vezes laborosos que algo de muito importante está sendo testemunhado. De todos os escritos fundacionais que tratam da lógica matemática, este é o mais acessível."

George boole percebeu que a lógica era na realidade um ramo da matemática, e não uma forma de filosofia como se tinha pensado previamente. [1]

Bertrand Russel (1905) [3]reconheceu a natureza pivotal do livro ao escrever: "A lógica matemática foi perseguida com certo vigor, e obteve um desenvolvimento técnico muito considerável".

Ivor Grattan-Guinness (2004)[4] notou que o sistema de Boole recebeu sua forma definitiva com o livro. A construção da teoria lógica começou com Aristóteles, cujos escritos eram conhecidos e admirados por Boole, que explicitamente (1854, p. 124)[5] aceitava a lógica de Aristóteles como uma coleção de verdades científicas, e se considerava estar seguindo as pegadas de Aristóteles.

Boole pensou que estava fornecendo um fundamento unificador para a lógica de Aristóteles e que estava ao mesmo tempo expandindo as gamas de proposições e deduções que eram formalmente tratáveis na lógica. Boole (1854, p. 241)[5] pensava que a lógica de Aristóteles era "não uma ciência, mas uma coleção de verdades científicas, incompletas demais para formar um sistema por si mesmas e não suficientemente fundamentais para servir como fundamento sobre o qual um sistema perfeito pode repousar". Boole foi um dos muitos leitores de Analíticos Anteriores que não conseguiu discernir o intrincado e totalmente desenvolvido sistema lógico que Aristóteles havia concebido. [1]

Boole nunca encontrou falhas na doutrina de Aristóteles. As críticas de Boole foram todas dirigidas àquilo que Aristóteles omitiu, e não àquilo que Aristóteles produziu. Interessantemente, Aristóteles estava completamente ciente que lógicos iriam criticar suas omissões, mas infortunamente ele não revelou quais omissões poderiam ser (Refutações sofismáticas, cap. 34)[6].

Aristóteles alcançou resultados lógicos que foram reconhecidos e totalmente aceitos pelos lógicos subsequentes, incluindo George Boole. A sugestão de que Boole rejeitou a teoria lógica de Aristóteles como incorreta não tem mérito ou fundamento, apesar do fato de que o sistema de Boole pode parecer estar em conflito com o de Aristóteles. As interpretações dos Analíticos Anteriores de Aristóteles estabeleceram o paradigma dentro do qual os predecessores de Boole trabalharam, um paradigma que não foi contestado até o último quarto do século XIX, até a publicação das intuições revolucionárias de Boole. A origem da lógica é mais bem marcada do que talvez qualquer outro campo de estudo – os Analíticos Anteriores marcam a origem da lógica (Smith 1989, p. vii[7] e Aristoteles Sophistical Refutations; cap. 34)[6].

Talvez a identificação da lógica como um campo potencial de estudo, ou como um possível ramo do aprendizado, deva ser tomada como o momento em que os humanos, tendo descoberto a existência da dedução lógica, foram capazes de perceber uma diferença entre prova objetiva e persuasão subjetiva. (Corcoran, 1994)[8].


Linguagens coloquiais e formalizadas[editar | editar código-fonte]

A intuição chave para desvendar as complexidades da lógica foi o mesmo para Boole e para Aristóteles. Exigiu uma combinação de dois pontos intimamente relacionados:

a) primeiro, distinguir:

- a forma gramatical de uma frase usada para expressar uma proposição

- da forma lógica da proposição expressa pela frase;

b) segundo, reconhecer que a forma gramatical de uma frase usada para expressar uma proposição não corresponde necessariamente à forma lógica da proposição expressa em palavras.

Alguns dos exemplos mais simples de discrepância lógico-gramatical são encontrados nas chamadas sentenças elípticas que foram abreviadas por conveniência ou nas chamadas sentenças expletivas que foram redundantemente alongadas para dar ênfase ou para algum outro propósito retórico. A frase “zero é par e um não é par” não parece nem elíptica nem expletiva. Mas, a frase 'Zero é par e um não é' é elíptica (a segunda ocorrência de 'par' foi excluída). E a frase 'Verdadeiramente, o assim chamado zero é genuinamente par e, de fato, estritamente falando, um na verdade não é realmente par' é expletivo. Os expletivos que foram adicionados, 'verdadeiramente', 'assim chamado', 'genuinamente', 'de fato', 'estritamente', 'na verdade' e 'realmente', em nada contribuem para o conteúdo informacional veiculado. Para Boole, a forma gramatical da sentença de onze palavras 'Alguns triângulos são agudos, alguns obtusos e, claro, alguns nenhum dos dois' corresponde menos à forma lógica da proposição que expressa do que a forma gramatical da frase de vinte e uma palavras 'Alguns triângulos são triângulos agudos e alguns triângulos são triângulos obtusos, e alguns triângulos não são nem triângulos agudos nem triângulos obtusos'. As duas sentenças (a sentença original, que é elíptica e expletiva, e sua paráfrase ou tradução lógica completa, não abreviada e não anotada) expressam a mesma proposição. Do ponto de vista lógico, o expletivo é mera anotação ou decoração. (Corcoran, 2003)[1]

Com a distinção lógico-gramatical estabelecida, uma tarefa do lógico é conceber um sistema de notação canônica para que as sentenças da linguagem comum possam ser traduzidas em sentenças canônicas ou paráfrases lógicas que correspondam melhor às formas lógicas das proposições. Um lógico matemático moderno notou a necessidade, para propósitos da lógica, de “empregar uma linguagem especialmente concebida” (...) que inverterá a tendência das línguas naturais e seguirá ou reproduzirá a forma lógica' (Church, 1956, p. 2)[9].

Boole concordou com Aristóteles que os dois termos de uma proposição eram substantivos, expressos por substantivos comuns ou frases nominais e não apenas adjetivos ou verbos. (Boole 1847 (p. 20)[10]), 1854 (pp. 27, 42, 52, 60 – 1)[5]. Para ambos, tudo o que é um predicado de proposições é também um sujeito de proposições e vice-versa (Ross 1923/1959, p. 32)[11]. É por isso que acima 'Algum triângulo é agudo' foi traduzido para 'Algum triângulo é um triângulo agudo'. Nas próprias palavras de Boole (1854, p. 52)[5]: Dizer que 'a neve é branca' é, para fins de lógica, equivalente a dizer que 'a neve é uma coisa branca'.


A visão de Boole sobre sua relação com Aristóteles[editar | editar código-fonte]

Como indicado acima, Boole era um analista matemático talentoso que pensava conhecer a lógica de Aristóteles completamente e que achava que a lógica de Aristóteles era impecável até onde ia. No entanto, como logo veremos em detalhes, Boole não achava que a lógica de Aristóteles fosse suficientemente profunda ou ampla. Um dos objetivos do trabalho de Boole era preservar os resultados que Aristóteles havia alcançado e, ao mesmo tempo, contribuir de duas maneiras contrastantes para o desenvolvimento do projeto iniciado por Aristóteles. Boole queria simplificar o sistema de Aristóteles em um aspecto, tornando-o mais complicado em outros aspectos. Boole queria, por um lado, unificar a lógica de Aristóteles e dotá-la de um fundamento algébrico-matemático. No início de seu trabalho lógico, ele disse que a lógica não deveria ser associada à filosofia, mas à matemática (Boole 1847, p. 13)[10]. Em "Leis do Pensamento" ele expressou esta convicção sobre a lógica: ‘é (...) certo de que suas formas e processos últimos são matemáticos' (1854, p. 12)[5]. Por outro lado, Boole queria ampliar a lógica de Aristóteles, expandindo a gama de proposições cujas formas poderiam ser adequadamente representadas e expandindo as transformações inferenciais básicas de modo que as derivações da matemática familiares a Boole, como a substituição de iguais por iguais e a aplicação da mesma operação para ambos os lados de uma equação, poderia ser transportada para a argumentação silogística comum.

Boole pode ter visto a relação de sua lógica matemática com a lógica silogística de Aristóteles, de modo similar como Einstein veria a relação de sua mecânica relativística com a mecânica clássica de Newton. Em ambos os casos, grosso modo, a teoria mais antiga fornecia um paradigma e uma classe de resultados aceitos para a nova, e os resultados mais antigos se tornariam aproximações ou casos-limite para os resultados da teoria mais recente. Em ambos os casos, o teórico posterior assumiu os objetivos do teórico anterior, mas depois passou a produzir uma nova teoria que ele adotou para melhor atender a esses objetivos. Demopoulos (com. pess.) sugere que Boole pode ter pensado que a relação de sua lógica com a de Aristóteles era como a relação da teoria da gravidade de Newton com a teoria kepleriana do movimento planetário baseada nas três leis de Kepler. Em cada uma das duas analogias, a teoria mais recente foi pensada como uma ampliação da mais antiga. Aceitar a analogia de Newton/Kepler sugeriria que a teoria de Boole explica ou dá as razões para os resultados lógicos de Aristóteles, ao mesmo tempo em que exclui a possibilidade de que Boole possa ter pensado que Aristóteles era deficiente e errado, não apenas parcial ou incompleto. Do ponto de vista de Newton, a teoria de Kepler dava descrições corretas dos movimentos dos planetas, mas sem apresentar uma explicação; Entretanto, a teoria de Newton explicou por que Kepler estava certo.[1]


A reconstrução de Boole da lógica de Aristóteles[editar | editar código-fonte]

O primeiro passo de simplificação e unificação de Boole foi tentar mostrar como os quatro conectores de Aristóteles poderiam ser reduzidos a um e como cada um dos quatro conectores que Aristóteles havia tratado como unitários era de fato coloquial ou idiomático e não estavam em correspondência com qualquer parte da estrutura lógica das proposições. Este projeto foi empreendido da mesma forma ao mencionado acima por Russell (1905)[3] quase 50 anos depois envolvendo as chamadas descrições definidas. Para Boole, a forma lógica de uma proposição como Todo quadrado é um polígono, tratada por Aristóteles como Polígono pertence a todo quadrado, é na verdade uma equação (dois termos conectados por igualdade). Uma equação em que nada corresponde a pertence-a-todos. Aqui, a igualdade é a igualdade matemática mais estrita: “é-um-e-o-mesmo-que”, também chamada de identidade numérica. Mais especificamente, por incrível que pareça, Boole teria dito que Todo quadrado é um polígono é melhor pensado como 'Todo quadrado é (um e o mesmo que) um polígono, ou melhor como Todos os quadrados são (um e o mesmo que) alguns polígonos, considerando a chamada indicação de quantidade como parte dos sujeitos e predicados e não como parte do conector , como Aristóteles fez (Boole 1847, pp. 21 – 25[10], 1854, pp. 28, 59 – 61[5]). Isso não é como se, o que Aristóteles via como um pato, Boole visse como um coelho (Audi 1999, pp. 310 – 311)[12]. Nenhum pato é um coelho. Onde Aristóteles via predicações, Boole via equações. Boole percebeu que sua teoria da forma lógica estava em oposição radical à de Aristóteles, mas parece ter pensado que Aristóteles simplesmente não tinha ido fundo o suficiente, não que Aristóteles estivesse fundamentalmente errado. O padrão de Boole era S – é – P (Sujeito – é – Predicado, ou S = P), Sujeito é igual a Predicado. Para Aristóteles, “todos” e “alguns” contribuíram para a expressão dos conectores; para Boole, eles contribuíram para as expressões dos termos. Há dois pontos aqui para Boole: primeiro que essas proposições eram realmente equações entre termos de classe, não predicações de substantivos comuns para substantivos comuns, e segundo que as chamadas expressões de sujeito quantificado e predicado quantificado foram usadas como nomes. A primeira dessas duas ideias provou ser muito frutífera para Boole. A segunda o colocaria em apuros (Gasser 2000, p. 116)[13].

A qual classe ‘‘Alguns polígonos’’ poderia corresponder? 'Todos os quadrados' poderia ser um nome da classe dos quadrados, como em 'Todos os quadrados são polígonos', como pensa Boole? (1854, p. 28)[5] Boole estava forçando proposições em formas que não podem contê-las e ele estava interpretando mal o inglês. Mas ele não é o último lógico a cometer o que foi chamado de falácia de segmentação. 'Todos os humanos' não nomeia uma classe como Russell (1905, p. 95)[3] finalmente revelou para nós no seu famoso ensaio ''On denoting'' (em que Bertrand Russell apresenta pela primeira vez ao público sua teoria das descrições definidas, considerado um dos paradigmas da história da filosofia[14]). Não é um defeito do idioma que ‘a classe dos humanos’ seja singular e ‘todos os humanos’ seja plural.

Boole utilizava apenas um conector onde Aristóteles apresentava quatro, e por isso Boole teve que redefinir a terminologia aristotélica para classificar proposições com base em qual dos quatro conectores eles envolviam: afirmativa universal, negativa universal, afirmativa particular e negativa particular. Em suas palavras, ‘será conveniente aplicar (...) os epítetos de quantidade lógica, 'universal' e 'particular', e de qualidade, 'afirmativa' e 'negativa', aos termos das proposições, e não às próprias proposições' (1854, p. 228)[5]. Esta não foi a única terminologia aristotélica que Boole iria “reinterpretar” (ver seção 6 abaixo). Por si só, parece implausível para Boole sugerir a substituição de todos os quatro conectores aristotélicos por um novo conector.

Mas Boole teve outra inovação que faria a substituição parecer plausível para muitos lógicos. Boole queria tratar como logicamente complexos aqueles termos que são expressos por expressões gramaticalmente complexas. Como mencionado acima, tais termos complexos não foram tratados por Aristóteles em Prior Analytics ou foram tratados por Aristóteles como simples, como unitários. Para mostrar o que Boole estava fazendo, colchetes podem ser usados para fazer a transição do inglês para as equações de Boole. Para Boole, as três expressões 'retângulo que é equilátero', 'retângulo ou círculo' e 'retângulo que não é quadrado' seriam pensadas, respectivamente, como 'retângulo e equilátero', 'retângulo ou círculo' e 'retângulo não quadrado'. E estes, por sua vez, seriam representados por termos representados de letras, como na análise matemática ou na álgebra. O ponto de multiplicação (.) é usado aqui para 'e' onde Boole (1854, p. 27)[5] usou o sinal de vezes (×). O sinal de mais (+) é usado para 'ou' e o sinal de menos (-) para 'não'. Os termos simples foram representados por letras. Assim, as três expressões acima seriam traduzidas para ‘(r×e)’, ‘(r+c)’ e ‘(r–q)’.

Como Boole tem apenas um conector onde Aristóteles tem quatro, Boole não pode usar a terminologia aristotélica para classificar proposições com base em qual dos quatro conectores eles envolviam: afirmativa universal, negativa universal, afirmativa particular e negativa particular. Em sua opinião, essas distinções só podem se relacionar com a forma gramatical, não com a forma lógica. Mas, em vez de abandoná-los como equivocados ou relegá-los ao domínio da gramática, ele redefine as expressões. Para Boole, as expressões 'todos os quadrados', 'todas as coisas que não são quadrados', 'alguns quadrados' e 'algumas coisas não são quadrados' são nomes de termos, que são respectivamente afirmativa universal, negativa universal, afirmativa particular e negativa particular, em sua nova terminologia. Usar terminologia antiga para expressar novas ideias é uma ocorrência frequente na história da lógica[1].

As inovações de Boole não pararam por aí. Em sua lógica, Aristóteles não reconheceu o termo universal 'entidade' ou 'coisa' nem reconheceu o termo nulo 'não entidade' como em 'Ser uma entidade é ser quadrado ou não quadrado' e 'Ser uma não entidade é ser um quadrado que não é um quadrado'. Essas duas omissões foram provavelmente deliberadas e baseadas em considerações teóricas (Corcoran 1974, p. 104)[15]. Em qualquer caso, as duas omissões assumem um significado especial nos estudos matemáticos modernos do sistema de Aristóteles (Lukasiewicz 1951[16], Corcoran 1972[17] e Smiley 1973[18]). No entanto, Boole não apenas reconheceu tanto o termo universal quanto o termo nulo, ele concedeu a eles um status teórico central. Vendo uma analogia entre universalidade e unidade, Boole adotou o dígito '1' para expressar o termo universal. Vendo uma analogia entre não-ser e zero, ele tomou o dígito '0' para expressar o termo nulo (1854, pp. 47, 411)[5].

Agora estamos prontos para ver a primeira das maneiras pelas quais Boole (1847, p. 21)[10] tratou a proposição afirmativa universal como uma equação. Ele deve ter notado primeiro que proposições afirmativas universais são logicamente equivalentes a proposições que se assemelham a equações em vários aspectos. Por exemplo, ‘‘Todo quadrado é um polígono’’ é logicamente equivalente à proposição de coextensão ‘‘Ser um quadrado é ser um quadrado e um polígono’’. Uma vez que isso é visto, a seguinte redução é sugerida. Quadrado = [[quadrado] e polígono. Usando a notação de Boole, isso corresponde a: q = (q×p). O negativo universal é ainda mais simples. ‘‘Nenhum quadrado é um círculo’’ é logicamente equivalente a ‘‘Ser uma nulidade é ser um quadrado que é um círculo’’. Isso se traduz no seguinte. Não entidade = quadrado e círculo. E na notação de Boole isso se traduz na equação: 0 = (q×c). Traduções alternativas para essas duas proposições e o tratamento de Boole para os outros dois são fornecidos na mesma página (1854, 228)[5].

Comparação entre as notação de Aristóteles e a de Boole[editar | editar código-fonte]

Aristóteles notação Boole Equação
Todo Y é X. Ayx All Y's are X's.
Nenhum Y é X. Eyx No Y's are X's.
Algum Y é X. Iyx Some Y's are X's.
Algum Y é não X. Oyx Some Y's are not-X's.
Todo não Y é X.(*) All not-Y's are X's.
Nenhum não Y é X.(*) No not-Y's are X's.
Algum não Y é X.(*) Some not-Y's are X's.
Algum não Y é não X.(*) Some not-Y's are not-X's.
(*)Na página 228 do livro[10] são mencionadas essas quatro novas proposições categóricas, e na p. 227 que teriam sido recentemente adicionadas por Sir W. Hamilton, que foram discuidas muito respeitosamente na obra "Thomson's Outlines of the Laws of Logic", p. 177. Na página 227 do livro[10] é mencionado que De Morgan, na obra "Formal Logic" mencionou que essas oito formas poderiam ser reduzidas a seis.


Boole foi além de Aristóteles ao reconhecer formalmente termos complexos contendo dois termos simples cada e, ao mesmo tempo, reduzir os quatro tipos simples de proposições à forma equacional. Mas ele introduziu outra inovação que deve ser explicada antes de prosseguirmos.

Boole (1854, pp. 42, 47)[5] em Leis do Pensamento utilizou o símbolo '1', por tradução significa a palavra 'entidade', que marca um marco na lógica. Em seu trabalho anterior (Boole 1847, p. 15)[10], '1' expressava 'o universo', onde o universo é considerado a classe mais abrangente, a classe da qual todas as outras classes são uma subclasse. Isso corresponde ao uso da palavra “entidade” em seu sentido mais amplo e invariável. Assim, no trabalho anterior de 1847, '1' é uma constante, ou palavra-rótulo, como 'quadrado', 'triângulo', 'sete' ou 'Aristóteles', uma expressão cujo referente é considerado fixo independentemente do contexto em que é usado.

Esta é a primeira vez na história da língua inglesa que a expressão ‘universo do discurso’ é usada. Desta forma, Boole abre espaço para que uma mesma linguagem seja usada em muitas interpretações diferentes. Nos discursos aritméticos, o universo do discurso é frequentemente a classe dos números naturais; nos discursos geométricos, o universo do discurso é uma classe de figuras geométricas; e, na teoria dos conjuntos, o universo do discurso é uma classe de conjuntos. É importante notar que Boole parece considerar a sensibilidade ao contexto ou a relatividade do contexto do nome de classe ‘1’ como pertencente apenas à sua extensão (referência ou denotação) e não à sua intenção (significado, sentido ou conotação). Assim, como um nome de classe, ‘1’ tem um significado fixo algo como ‘‘o universo do discurso’’, enquanto a extensão de ‘‘o universo do discurso’’ é diferente em diferentes contextos. Isso é notavelmente semelhante ao funcionamento de palavras egocêntricas pessoais, como, por exemplo, ‘eu’, que tem o mesmo sentido sempre que é usado, mas sua referência é sensível ao contexto. Quando digo isso, a referência sou eu; mas quando você diz isso, a referência não sou eu, mas você[1].

Esta visão estranha e fascinante de que, em suas palavras Boole (1854, p. 42)[5], 'o universo do discurso é o assunto último' de toda proposição é prenunciada no trabalho anterior de Boole (1847, pp. 15, 16)[10], onde ele explicitamente diz que quando um símbolo eletivo como 'x' ocorre sozinho, deve ser considerado como elíptico para o nome de classe 'x.(1)'. Assim, naquela obra, onde o universo é o universo do discurso, ‘1’ ocorre em todas as expressões de termo, exceto algumas envolvendo ‘0’, por exemplo ‘0’ em si e ‘(x×0)’. A visão de Boole é baseada em seu perspicaz princípio epistêmico de que o processo mental de formulação de um pensamento proposicional começa com o ato de conceber o universo do discurso. Qualquer especialização posterior do sujeito da proposição é construída como um conceito baseado no conceito de universo do discurso mais o que quer que ele envolva. Para ser claro, a visão de Boole é que o significado de, por exemplo, o substantivo comum 'humano' em um discurso particular (o conceito de substantivo comum expresso por 'humano') tem uma forma lógica correspondente a 'entidade que é humana' ou 'entidade que é ser humano' (1854, p. 42)[5].

Boole 1854 (p. 27)[5] escreve: é a mesma coisa dizer ‘‘Água é uma coisa fluida’’ como dizer ‘‘Água é um fluido’’. Isso significa que, para Boole, as sentenças que não usam a palavra 'entidade' são elípticas para sentenças correspondentes que usam a palavra 'entidade' ou um sinônimo como 'coisa' ou 'ser'. Por exemplo, ‘Ser um quadrado é ser um quadrado e um polígono’ é elíptico para algo como ‘Ser uma entidade que é quadrada é ser uma entidade que é quadrada e uma entidade que é poligonal’. Isso, por sua vez, significa que as equações que não usam o dígito '1' são elípticas para equações que usam '1' (1847, p. 15)[10]. Por exemplo, a equação ‘q = (q×p)’ é elíptica para algo como ‘(q×1) = (q×(p×1))’. Da mesma forma, ‘Ser uma nulidade é ser um quadrado que é um círculo’ é elíptico para algo como ‘Ser uma nulidade é ser uma entidade que é um quadrado que é um círculo’. Assim, a equação ‘0 = (q×c)’ é elíptica para algo usando ‘1’ como ‘0 = ((q×1)×c)’. Na linguagem de Boole, nenhuma equação totalmente expressa é composta inteiramente de um conector, letras e símbolos de operação sem um dígito. Cada uma dessas equações contém pelo menos duas ocorrências de dígitos, uma de cada lado[1].

Boole não é o único lógico importante a aceitar algo semelhante ao princípio da referência holística. Chateaubriand (2001, p. 53)[19] diz ‘(...) Frege manteve essas declarações (...) não poderia referir-se a aspectos isolados da realidade (...) que sua conexão com a realidade deve ser (...) (total)'. Assim, parece que Frege aceitou algo como o princípio da referência holística, embora diferisse de Boole em muitos outros pontos.

A própria visão de Chateaubriand é quase diametralmente oposta ao princípio da referência holística (2001, cap. 2)[19]. Mas ele não vai tão longe quanto o princípio da referência mencionada, ou seja, que em uma linguagem logicamente perfeita nem toda frase menciona o universo do discurso e cada frase se refere apenas aos referentes das expressões não lógicas que ocorrem na frase.

Embora Aristóteles não falasse sobre termos complexos, Boole analisou até mesmo as proposições de termos simples de Aristóteles como equações envolvendo termos complexos compostos de dois termos simples. Lembre-se de que ‘‘Todo quadrado é um retângulo’’ de Aristóteles, é visto por Boole como ‘‘Ser uma entidade que é quadrada é ser uma entidade que é retangular que é quadrada’’. Onde Aristóteles viu simplicidade, Boole encontrou complexidade.

Uma vez que termos complexos contendo dois termos simples estão disponíveis, termos complexos envolvendo qualquer número de termos simples também estão disponíveis: polígono equilátero, polígono equilátero que é equiângulo, polígono equilátero que é equiângulo e de seis lados e assim por diante. Uma vez disponíveis, proposições envolvendo três ou mais termos simples também estão disponíveis: Todo triângulo equilátero é equiângulo, Todo quadrilátero equilátero que é equiângulo é um quadrado, Algum polígono equilátero que é equiângulo não é nem um triângulo nem um quadrado. A lógica de Boole está começando a parecer muito mais extensa do que a lógica de proposições de dois termos de Aristóteles[1].


Sistemas de dedução[editar | editar código-fonte]

Uma vez que as proposições equacionais estão disponíveis, podem ser construídas cadeias de raciocínio que envolvem, além de análogos das inferências silogísticas retiradas do sistema de Aristóteles, inferências equacionais retiradas da análise matemática, incluindo álgebra e aritmética. Agora as deduções de Boole – suas cadeias de inferências – parecem radicalmente diferentes das de Aristóteles, mas há diferenças ainda mais sutis. Era muito importante para Aristóteles que seu sistema de deduções – seu sistema de cadeias de inferências dedutivas – fosse baseado em inferências epistemicamente imediatas, ou seja, em inferências primitivas que são logicamente evidentes em si mesmas e que não podem ser explicadas sem redundância lógica. Se uma cadeia de raciocínio é comparada a uma palavra, então uma inferência epistemicamente imediata (elementar, básica ou primitiva) corresponderia ao processo de adicionar uma letra. Não há maneira mais simples de formar uma palavra do que adicionar letras uma a uma[1].

Aristóteles chamou as quatro mais proeminentes de suas inferências imediatas de silogismos perfeitos, sugerindo que eles têm uma espécie de lacuna absoluta. No entanto, no sistema de Boole, cada uma das inferências “imediatas” de Aristóteles envolvia longas e intrincadas cadeias de etapas equacionais. O que era imediato para Aristóteles exigia mediação para Boole. Mais uma vez, a simplicidade aristotélica torna-se a complexidade booleana. Por exemplo, Aristóteles iria das duas premissas “Todo quadrado é um retângulo” e “Todo retângulo é um polígono” imediatamente – em um passo – para a conclusão “Todo quadrado é um polígono”. Boole dividiu isso em oito passos equacionais tediosamente meticulosos. O primeiro passo vai da segunda premissa, Todo retângulo é um polígono para uma conclusão intermediária obtida por algo análogo à multiplicação de iguais por iguais, ou seja, Todo quadrado que é um retângulo é um quadrado que é um polígono ', multiplicando ambos os lados da equação por quadrado. Toda a dedução sem lacunas em oito etapas foi escrita por Susan Wood (Corcoran e Wood 1980, p. 619[20]; Gasser 2000, p. 111[13]).

Assim, a lógica de Boole pode parecer muito mais logicamente precisa, detalhada e refinada do que a de Aristóteles. Boole acha que está preenchendo lacunas no raciocínio de Aristóteles. Em Leis do Pensamento, ele (1854, p. 10)[5] diz que as inferências que Aristóteles tomava como imediatas “não são os processos últimos da Lógica”. A alegação de ter descoberto as formas mais fundamentais de raciocínio – muitas vezes consideradas implícitas nos escritos de Aristóteles, ou feitas em seu nome por seus admiradores – parece ser categoricamente refutada por Boole. Talvez o mais importante, Boole estava convencido de que havia descoberto a linguagem logicamente perfeita. Ele diz: 'Vamos imaginar qualquer (...) linguagem livre de expressões idiomáticas e despojada de supérfluos (...) a transição de tal linguagem para a notação de análise (utilizada aqui) consistiria apenas na substituição de um conjunto de signos por outro, sem mudança (...) de forma (...)' (Boole 1854, p. 174)[5].

Para um leitor moderno, uma das coisas mais surpreendentes a notar na comparação do tratamento de Aristóteles dos processos dedutivos com o de Boole é que Aristóteles era de longe o mais científico e matemático. Aristóteles tomou seu próprio sistema dedutivo como objeto de interesse científico e provou matematicamente que duas de suas quatro regras de duas premissas eram elimináveis. Aristóteles mostra que toda conclusão dedutível de um determinado conjunto de premissas usando qualquer uma ou todas as suas regras, incluindo as quatro regras de duas premissas, também é dedutível do mesmo conjunto de premissas sem usar nenhuma das duas chamadas regras particulares de duas premissas, chamadas Darii e Ferio por lógicos medievais. Não há nada nos escritos de Boole remotamente comparável a isso. Talvez essa limitação do pensamento de Boole fosse um subproduto de sua falta de interesse em determinar um sistema completo de deduções contínuas. Ao buscar tal sistema, é quase inevitável que o lógico ultrapasse o alvo, por assim dizer, e liste mais regras do que o necessário, criando assim um sistema que admite um resultado de eliminabilidade. De fato, em muitos casos, se não em todos, cada conjunto de regras que um lógico considera epistemicamente imediato para uma dada linguagem formalizada contém uma ou mais regras que são elimináveis no sentido acima. Assim, mesmo nos casos em que não existe um sistema completo, uma tentativa de abrangência epistêmica pode produzir um sistema que admite eliminabilidade[1].

Para Boole, como para Aristóteles, nunca houve uma questão de limitar o número de premissas que uma dedução pode ter ou de limitar o número de conclusões intermediárias que podem ser necessárias antes que a conclusão final possa ser alcançada. Cada um reconheceu implicitamente a existência de deduções baseadas em uma única premissa, em duas premissas, três premissas e assim por diante. No entanto, foi Aristóteles, e não Boole, quem considerou e rejeitou a possibilidade de uma dedução com um conjunto infinito de premissas (Scanlan 1983)[21]. Além disso, foi Aristóteles, e não Boole, quem fez cálculos preliminares sobre o número máximo de conclusões intermediárias necessárias para chegar a uma conclusão a partir de um determinado número de premissas (Corcoran 1974)[22].

Leis do pensamento[editar | editar código-fonte]

Boole também pensou ter desenterrado a verdadeira forma analítica das leis do pensamento. Para as leis de não contradição, por ex. ‘‘Ser uma nulidade é ser ao mesmo tempo um quadrado e uma entidade que não é um quadrado’’, ele tinha ‘0 = (q×(1 – q))’ (1854, p. 49)[5]. Depois de citar Aristóteles na língua grega original usando caracteres gregos, Boole diz que provou que "o princípio da contradição", anteriormente considerado um axioma da metafísica, é na verdade uma lei da lógica, uma lei do pensamento, para usar sua expressão. Um fato pouco notado é que as leis de não contradição não desempenham nenhum papel na lógica silogística de Aristóteles; sua linguagem carece da capacidade até mesmo de enunciá-los (Corcoran 1972)[23].

Boole deveria ter deixado claro que a lei de não contradição de Aristóteles é uma única proposição sobre todas as qualidades, como é evidente na própria tradução de Aristóteles de Boole: 'É impossível que a mesma qualidade pertença e não pertença à mesma coisa' (1854 , pág. 49)[5]. Essa tradução de Boole é bastante próxima da de estudiosos recentes. Por exemplo, Anton (1972, p. 44)[24] tem 'O mesmo atributo não pode ao mesmo tempo pertencer e não pertencer ao mesmo sujeito no mesmo aspecto'.

Boole estava plenamente consciente de que estava abrindo novos caminhos com sua declaração simbólica de leis de não-contradição em um sistema lógico. Ele abriu a porta da lógica para o que hoje é chamado de ontologia formal (Cohen e Nagel 1962, p. xli, cap. IX e Corcoran 1994, pp. 9, 18, 19)[25], ou seja, a disciplina que, nas palavras de Tarski, estabelece leis que regem os conceitos comuns a todas as ciências (Tarski 1941/1994, pp. xii, 1986, p. 145)[26]. Isso iniciou uma mudança de paradigma na lógica, de modo que, muitos anos depois, Russell (1919, p. 169)[27] poderia dizer que “a lógica se preocupa com o mundo real tão verdadeiramente quanto a zoologia, embora com suas características mais abstratas e gerais”. Antes de Boole, a lógica era o estudo da validade e invalidade formal, o que foi chamado de epistemologia formal (Corcoran 1994, pp. 9, 18, 19)[28]. Depois que a lógica de Boole passou a incluir a ontologia formal, que se tornou a preocupação quase exclusiva de Frege e depois dos chamados logicistas, que praticamente ignoraram o papel da lógica na dedução das consequências de proposições ainda não conhecidas como verdadeiras, ou mesmo conhecidas como falsas. (Corcoran 1969)[29].

Para leis de comutatividade, por ex. ‘‘Ser um equilátero e um equiângulo é ser um equiângulo e um equilátero’’, Boole expressava ‘‘(e×a) = (a×e)’’ (1854, p. 31)[5]. Uma de suas descobertas de maior orgulho foi o que ele chamou de leis de índice, por exemplo, para “‘Ser tanto um círculo quanto um círculo é ser um círculo’’ ele tinha ‘‘(c.c) = c’’ (1854, p. 31)[5]. Boole percebeu muito claramente que o reino das leis lógicas (incluindo muitas que agora são chamadas de tautologias) é infinitamente mais extenso do que jamais imaginou antes, um ponto que ele mesmo desenvolve mais tarde em um manuscrito inédito escrito depois de 1854 (Rhees 1952, pp. 211 – 29)[30]. No mesmo manuscrito não publicado, Boole escreve que suas 'leis do pensamento' são 'proposições verdadeiras apenas em consequência de sua forma' (Rhees 1952, p. 215)[30], que é uma locução que nunca aparece em Leis do pensamento ou em escritos publicados anteriormente.

Para esclarecer o quão abrangentes foram as inovações de Boole nesse aspecto da lógica, é necessário justapor dois fatos impressionantes. A primeira é que Boole estava plenamente consciente de que sua linguagem formal poderia expressar infinitas tautologias ou leis de pensamento, todas com diferentes formas lógicas. Assim como a lei da não contradição e a lei do terceiro excluído envolvem cada uma um termo substantivo, Boole reconheceu leis análogas envolvendo dois termos substantivos, três termos substantivos e assim por diante (Rhees, 1952, p. 223)[30]. A segunda é que a linguagem formal de Aristóteles não poderia expressar nem mesmo uma tautologia ou lei do pensamento. Acredita-se amplamente que a linguagem formal de Aristóteles poderia expressar tautologias triviais como “Todo quadrado é um quadrado” e “Algum quadrado é um quadrado”, mas esse não é o caso. Mesmo Lukasiewicz (1951, p. 20)[16] admite que ‘Nenhuma dessas leis foi explicitamente declarada por Aristóteles (...)'. Aristóteles adotou estritamente o princípio de que em toda proposição envolvendo predicação uma coisa é predicada de outra diferente (Corcoran, 1974, p. 99[15]; M. Mulhern 1974, pp. 144-5[31]; Smith 1989, p. xix[7]). Mesmo quando a linguagem de Aristóteles é estendida para incluir proposições de um termo e, portanto, também tautologias, como aparentemente foi feito pelos peripatéticos mais tarde (Lukasiewicz 1951, p. 20)[16], ainda há um enorme abismo a ser transposto diante da riqueza de 'leis do pensamento' disponível na teoria de Boole.


Inadequações de Boole[editar | editar código-fonte]

Se este verbete parasse aqui, o leitor ficaria com a impressão de que Boole conquistou uma vitória abrangente e devastadora, embora não intencional, sobre Aristóteles – uma vitória que apagaria o lugar de liderança de Aristóteles na lógica e instalaria Boole como o novo líder. Mas, infelizmente ou felizmente, as coisas não são tão simples.

Em primeiro lugar, o trabalho de Boole é marcado pelo que parecem ser confusões, incoerências, falácias e omissões flagrantes. Michael Dummett (1959, p. 203[32] e Gasser 2000, p. 79[13]) escreveu que os leitores dos escritos lógicos de Boole ficarão desagradavelmente surpresos ao descobrir "quão mal construída sua teoria realmente foi e quão confusas foram suas explicações".

Boole parece ter tentado fazer várias coisas ao mesmo tempo sem perceber. Alguns de seus objetivos eram incompatíveis, ou pelo menos incompatíveis devido aos métodos que ele havia escolhido. Vou mencionar alguns dos projetos de Boole. Boole estava desenvolvendo um novo ramo não quantitativo e não geométrico da matemática, a álgebra das classes.

Ele estava descrevendo as formas lógicas de certas proposições expressas em inglês usando frases nominais compostas e analisando a dedução envolvendo tais proposições. Ele estava construindo algo parecido com o que hoje conhecemos como lógica verofuncional. Ele estava reconstruindo a lógica silogística de Aristóteles. Ele estava desenvolvendo uma epistemologia distinta da lógica. Ele estava dando os primeiros passos em direção à lógica no sentido de Tarski, ou seja, a lógica como ontologia formal. No decorrer da execução de tais objetivos, os erros são inevitáveis. A seguir serão mencionadas apenas duas falhas principais. Outras estão documentadas na literatura (Nambiar 2003[33]; Corcoran e Wood 1980[20]; Dummett 1959[32]). E o leitor sem dúvida encontrará outros na literatura científica que ainda não foram mencionados.

Em primeiro lugar, apesar de todo o poder e complexidade do sistema de Boole, ele de alguma forma conseguiu ignorar o raciocínio indireto, ou reductio ad absurdum, uma das formas mais importantes e produtivas de inferência. O raciocínio indireto, também chamado de raciocínio por contradição, é uma das formas mais comuns de raciocínio encontradas nos Elementos de Euclides e no raciocínio humanístico e científico em geral (Hardy 1940/1992, p. 94)[34]. No sistema de Aristóteles, existem dois tipos paralelos de deduções, diretas e indiretas. Para a dedução direta, depois de assumir as premissas e identificar a conclusão final a ser alcançada, o raciocinador deriva conclusões intermediárias uma após a outra por inferências epistemicamente imediatas até que a conclusão final seja alcançada. No sistema de Boole, as deduções são todas diretas. Os leitores devem confirmar por si mesmos esse ponto surpreendente (Wood 1976, p. 25)[35].

Para o raciocínio indireto, conforme demonstrado repetidamente na obra de Aristóteles, uma conclusão é deduzida de premissas dadas, mostrando que das premissas dadas aumentadas pela negação da conclusão pode ser derivada uma contradição. Definidas as premissas e identificada a conclusão a que se chega, o próximo passo é assumir para fins de raciocínio a negação da conclusão. Em seguida, as conclusões intermediárias são inseridas passo a passo até que uma contradição seja alcançada. Em outras palavras, para mostrar indiretamente que uma conclusão decorre de dadas premissas, mostra-se que a negação da conclusão contradiz as premissas, ou seja, que se as premissas fossem verdadeiras seria logicamente impossível que a conclusão não fosse verdadeira. O raciocínio indireto, embora comum na análise matemática, está ausente do sistema de Boole (Corcoran e Wood 1980, p. 27)[20]. Evitar o raciocínio indireto às vezes requer caminhos de raciocínio dolorosamente tortuosos e não naturais. O fato de Boole ter omitido até mesmo a menção da dedução indireta, ou reductio ad absurdum, é surpreendente. Não é que ele desaprovasse isso por algum princípio purista; ele nem sequer mencionou isso. Como se explica esta flagrante omissão?

A segunda falha que será mencionada aqui é uma falácia encontrada em muitas das deduções mais cruciais de Boole. Essa falácia ficou conhecida como Falácia das Soluções porque envolve soluções confusas para uma equação com suas implicações ou consequências. Uma solução para uma equação não é necessariamente logicamente dedutível ou implícita na equação. A equação numérica ‘x = (x×y)’ não implica a solução ‘x = 0’ ou ‘y = 0’. Observe que x e y podem ser 1 e ainda assim a equação seria satisfeita, é claro. No entanto, ‘x = 0’ implica em ‘x = (x×y)’. Mas, ao tentar derivar uma consequência, Boole pensou que era convincente “substituir (...) equações expressivas de proposições universais por suas soluções (...) em todas as instâncias (...) '(1847, p. 42)[10]. Por exemplo, quando Boole faz o que era conhecido como conversão por limitação, deduzindo Algum polígono é um quadrado de Todo quadrado é um polígono e deduzindo Algum polígono não é um quadrado de Nenhum quadrado é um polígono. Sua única justificativa é que as equações que representam as respectivas conclusões são soluções para aquelas que representam as premissas (1847, pp. 27, 28)[10]. Em Leis do pensamento, Boole nunca repudia o raciocínio falacioso; mas, devido a algumas inovações, é muito mais difícil de detectar. No entanto, a Falácia das Soluções ainda está aí para ser detectada por aqueles que sabem o que procuram (1854, p. 229)[5].

Boole não se concentrou na analogia ou semelhança entre, por um lado, o raciocínio silogístico encontrado em Aristóteles e, por outro lado, o raciocínio algébrico comum encontrado na análise matemática. Ele não concebeu dois estilos de dedução semelhantes ou idênticos, mas paralelos. Em vez disso, ele comparou o raciocínio silogístico com o processo de resolução de equações. Ele concebeu dois contextos de resolução de equações: um na análise matemática envolvendo números ou quantidades, o outro na lógica envolvendo substantivos ou classes. Depois de produzir alguns análogos equacionais das deduções aristotélicas, Boole faz a seguinte declaração reveladora (1854, p. 230)[5]:

"A partir desses exemplos, vê-se que a conversão é uma aplicação particular de um processo muito mais geral em Lógica, do qual muitos exemplos foram dados neste trabalho. Esse processo tem por objetivo a determinação de qualquer elemento em qualquer proposição, por mais complexo que seja, como função lógica dos demais elementos".

Incrivelmente, Boole está pensando na conversão, não como uma forma de inferência, mas como uma forma de resolução de equações. Isso é provavelmente parte do motivo pelo qual ele perdeu a dedução indireta (ou reductio ad absurdum). Não existe solução indireta de equações, é claro. E, de fato, não existe na linguagem equacional de Boole algo como a negação de uma equação; Boole não tem sinal de desigualdade e não tem como aplicar 'não é o caso' a uma equação. A negação de uma dada proposição é outra proposição que contém toda a proposição dada como uma parte própria e que tem, além disso, um certo conceito negador que encerra a proposição dada como um envelope encerra uma carta.

‘‘Nem todo número é par’’ é a negação de ‘‘Todo número é par’’. Mas a negação de ‘‘Nem todo número é par’’ não pode ser expressa em português pela sentença ‘Nem todo número não é par’ porque isso não é gramatical. Em vez disso, devemos usar 'Não é o caso de nem todo número ser par', ou algo nesse sentido. Em uma linguagem logicamente perfeita, a negação da proposição expressa por uma determinada sentença é o resultado de anexar um certo afixo à sentença. Assim, seria caminhar na direção de uma linguagem logicamente perfeita se aceitássemos a convenção de evitar todas as expressões negativas, exceto 'não é o caso' e concordar que sempre seja usado entre parênteses, a menos que tenhamos outra maneira para indicar a que está sendo aplicado. Assim, evitaríamos escrever 'Não é o caso que Abe é capaz e Ben é corajoso', mas, em vez disso, escreveríamos 'Não é o caso que (Abe é capaz e Ben é corajoso)' ou 'Não é o caso caso que (Abe é capaz) e Ben é corajoso' dependendo de qual proposição foi pretendida. É característico da negação que cada proposição tenha exatamente uma negação, que a negação da negação de uma proposição dada seja uma proposição diferente que, no entanto, seja logicamente equivalente à proposição original dada, e que nenhuma proposição seja materialmente equivalente, ou equivalente no valor verdade, à sua própria negação.

A ausência de negação na linguagem formal de Boole pode ter a consequência de seguir Aristóteles muito de perto, já que a linguagem formal de Aristóteles também carece de negação. No entanto, Aristóteles também foi capaz de expressar a negação, ou o oposto contraditório de qualquer uma de suas proposições. Para ele, uma dedução indireta de, digamos, O retângulo pertence a todos os quadrados toma como sua suposição de contradição O retângulo não pertence a todos os quadrados e vice-versa, e uma dedução indireta de, digamos Retângulo não pertence a nenhum círculo toma como sua suposição de contradição Retângulo pertence a algum círculo e vice-versa. Aristóteles considera a suposição de contradição como o oposto contraditório da conclusão, não a negação. O oposto contraditório do oposto contraditório de uma proposição dada é aquela proposição original dada. Claro que o oposto contraditório de uma dada proposição é logicamente equivalente à sua negação, um ponto que Aristóteles não poderia ter feito sem o conceito de negação que ele não parecia ter. O conceito de negação pode ter sido descoberto durante a vida de Boole.[1]

Outra coisa estranha que pode ajudar a explicar a cegueira de Boole para a Falácia das Soluções é sua prática perversa de usar as letras 'x', 'y' e 'z' ambas para termos proposicionais (ao invés de 'a', 'b' e 'c ') e também para variáveis de metalinguagem (ao invés de 'Q', 'M' e 'P'). Como qualquer analista ou estudante de álgebra sabe, x, y e z são ‘desconhecidos’ e quando vemos incógnitas em uma equação, queremos encontrar uma solução. Nenhum termo na proposição “Nenhum quadrado é um círculo” é um “desconhecido”; não há nada para resolver. Mas se ‘0 = (x.y)’ for usado para expressar uma proposição negativa universal, como Boole fez, pode parecer que há algo para resolver afinal.

No prefácio de Leis do pensamento, Boole (1854, p. ix)[5] foi mencionado que lógica e que álgebra são necessárias para ler o livro; não é dito que o leitor precisa ser capaz de deduzir conclusões equacionais a partir de premissas equacionais, mas ele diz que o leitor precisa conhecer “a solução de equações simples”.

A Falácia das Soluções de Boole não é como as falácias encontradas em Euclides, ou na rotina da matemática contemporânea, que são erros que podem ser corrigidos deixando os resultados intactos. Estes últimos são maneiras equivocadas de fazer coisas que, no entanto, poderiam e deveriam ter sido feitas corretamente. Em vez disso, uma vez que as conclusões intermediárias derivadas falaciosamente de Boole são excluídas, não há maneira convincente de preencher as lacunas resultantes na dedução; suas conclusões finais não podem ser alcançadas pelo raciocínio convincente das respectivas premissas. Boole não deduziu, e não poderia deduzir de forma convincente os análogos equacionais de algumas das inferências imediatas de Aristóteles. A alegada redução de Boole da lógica silogística de Aristóteles à lógica equacional não funciona. É como se um campeão olímpico fosse obrigado a devolver sua medalha um século depois da corrida por causa de algo que os historiadores desenterraram. Os detalhes técnicos deste resultado estão disponíveis em vários lugares (Corcoran e Wood 1980, §§2.4, 2.5, 2.6[20]; Gasser 2000, pp. 115 – 21[13]; Nambiar 2003, cap. 5[33]).

Boole é um dos mais incompreendidos dos principais filósofos da lógica. Ele é criticado por coisas que não fez ou não fez de errado. Ele nunca confundiu lógica com psicologia. Ele sai sem culpa por erros e omissões que deveria ter corrigido sozinho. Ele recebe crédito por coisas que não fez ou não fez direito. Ele não escreveu o primeiro livro sobre matemática pura, não apresentou um procedimento de decisão e não concebeu a ‘álgebra booleana’. E, talvez, o pior de tudo, ele não consegue obter crédito por sutis percepções lógicas e por descobertas que devem ter sido difíceis. Mesmo quando não há dúvida de culpa ou elogio, suas ideias são muitas vezes mal descritas ou, pior, ignoradas. Como será visto abaixo, ele nunca usou o sinal de mais para ou-exclusivo, ao contrário de muitos lógicos e historiadores, incluindo, por exemplo, Bochenski (1956/1961, pp. 298, 302)[36], Boolos (1998, p. 244)[37] e Lewis e Langford (1932/1959, p. 10)[38]. Os três "sinais de operação" de Boole (1854, p. 27)[5] não denotam o que hoje é conhecido como operações booleanas. Ele nunca endossou a chamada interpretação booleana; por exemplo, ele nunca expressou a menor dúvida de que “Todo triângulo é um polígono” implica “Algum triângulo é um polígono”. Se tivesse, nunca teria sido tentado pela Falácia das Soluções. Os silogismos rejeitados pela erroneamente denominada "interpretação booleana", justamente aqueles que não podem ser derivados sem a Falácia das Soluções, são plenamente aceitos por Boole (1847, pp. 35 – 42)[10]. E ele não recebe crédito por muitas contribuições significativas que fez.

Além dos erros reais de Boole, ele cometeu algumas convenções consideradas tão incômodas que convidam a expressões de descontentamento e desaprovação, duas das quais dizem respeito às suas definições “lógicas” do sinal de mais e do sinal de menos. Para Boole, quando as classes indicadas por 'x' e 'y' não possuem elementos em comum, então, como é de se esperar, a expressão '(x + y)' indica o agrupamento dos elementos, o que agora é chamado de União. Mas, se as duas classes compartilham pelo menos um elemento, então, '(x + y)' não tem referente e, nesse caso, '(x + y) = (y + x)' não expressa uma proposição verdadeira, e também não expressa uma proposição falsa. Da mesma forma, '(x – y)' não tem referente a menos que a classe indicada por 'y' esteja totalmente incluída na classe indicada por 'x' (1854, p. 33)[5].

Nada do que Boole escreveu tem relação com as conexões lógicas entre proposições envolvendo relações como a precedente numérica ('é menor que') e a sequência numérica ('é maior que') (Cohen e Nagel 1993, pp. 113-6)[25]. O que é ainda mais surpreendente é a pouca lógica equacional que Boole descobriu. É claro que ele não compreendeu o problema de formalizar a lógica equacional que usou (Corcoran e Wood 1980[20]; Gasser 2000[13]). Mesmo que ele declare com orgulho suas leis de comutatividade, por ex. ‘(x×y) = (y×x)’, ele ignora as leis da associatividade, por exemplo ‘(x×(y×z)) = ((x×y)×z)’.

Assim, ele não tinha nada a dizer sobre pontos elementares da lógica equacional, como se a associatividade implica ou é implicada pela comutatividade. O que muitos lógicos não percebem é que Boole falhou em fazer para as equações o que Aristóteles fez para as quatro predicações categóricas.

Boole estava mais interessado na álgebra da lógica do que na lógica da álgebra. Em particular, ele estava mais interessado em resolver equações decorrentes de sua representação algébrica da lógica de Aristóteles do que nos detalhes dos processos dedutivos pressupostos na álgebra. Esse foco na resolução de equações, fomentado talvez pela expressão “álgebra da lógica”, persistiria por muitos anos. De fato, no conhecido artigo expositivo de Skolem (1928, pp. 512-24)[39] 'Sobre a lógica matemática', a discussão da lógica booleana é inteiramente concentrada na resolução de equações em vez de realizar deduções. Isso é especialmente significativo porque sua discussão de outras lógicas se concentra na realização de deduções e não na resolução de equações.

Provavelmente existem mais falsidades logicamente independentes ditas sobre Boole, sua lógica e sua filosofia da lógica do que sobre as realizações e opiniões de qualquer outro grande filósofo lógico ou lógico filosófico. Rosenbloom diz anacronicamente que Boole foi o primeiro a estudar a álgebra booleana e nem acerta a nacionalidade de Boole (1950, p. 5)[40]. Boole tem uma maneira de despertar interesse em seu trabalho. Ele foi provavelmente tão lido durante o último século quanto Frege, Russell, Lewis, Quine, Tarski, Carnap ou Church.

Considerações finais sobre o livro[editar | editar código-fonte]

Apesar de suas falhas, George Boole é um dos maiores lógicos de todos os tempos e ele se classifica ainda mais alto como filósofo da lógica do que como lógico. Suas Leis do Pensamento de 1854 foram seu único livro maduro sobre lógica. Foi lido por gerações de lógicos e por estudantes de lógica. E cada nova geração encontra coisas novas para admirar e coisas novas para criticar. É interessante que, de todos os gigantes da filosofia da lógica, é Boole que as pessoas se sentem mais à vontade para criticar. Aristóteles, Ockham, Frege, Russell, Gödel, Church, Quine e até mesmo Tarski fizeram declarações que vão contra as doutrinas mais profundas de nosso período, mas seus “erros” não são mencionados ou são encobertos de maneira respeitosa.

Aristóteles não tem rival para o título de fundador da lógica, embora sua conquista fosse impensável sem a ênfase no raciocínio dedutivo na geometria que ele encontrou na Academia de Platão, ou sem a profunda e crítica consciência do poder da prova e do perigo de falácia anunciado por Sócrates. Boole pode ser, e frequentemente é, considerado o fundador da lógica matemática. Por exemplo, Lewis e Langford escreveram (1932/1959, p. 89)[38]: 'quase todos os desenvolvimentos da lógica simbólica (...) (foram) construídos gradualmente sobre a fundação lançada por Boole (...)'. A única pessoa, além de Boole, que é mencionada como o fundador da lógica matemática é o grande lógico alemão Frege, cujos trabalhos costumam ser terrivelmente difíceis. Mas mesmo os mais fervorosos defensores de Frege não deixam de conceder o status de fundador a Boole, embora um deles tente fazer com que Boole compartilhe honras com outros: 'Boole, De Morgan e Jevons são considerados os iniciadores da lógica (matemática) moderna, e com razão' (van Heijenoort, 1967, p. vi)[41]. Copi e Gould (1967, p. 75)[42] concordam com muitos outros lógicos que dizem que Frege é considerado o segundo fundador da lógica simbólica moderna depois de Boole.

I.M. Bochenski, o principal historiador da lógica do século passado, concorda com muito do que foi dito acima. Em sua seção sobre Boole, ele se refere a Boole como '(...) o primeiro a delinear claramente o programa da lógica matemática (e) o primeiro a conseguir uma execução parcial”. Ele conclui: “Boole se assemelha a Aristóteles tanto em termos de originalidade quanto de fecundidade; na verdade, é difícil nomear outro lógico, além de Frege, que possua essas qualidades no mesmo grau (...)’ (1956/1961, p. 298)[36].

Corcoran (em 1974)[15], depois de ter se concentrado na lógica de Aristóteles por vários anos trabalhando com Lynn Rose, John e Mary Mulhern, Robin Smith e outros, mas antes de iniciar a intensa colaboração em Boole com Susan Wood, Calvin Jongsma e Sriram Nambiar, acreditou e escreveu que Aristóteles e Boole eram comparáveis em abrangência e precisão, dados seus objetivos distintos e sua herança lógica distinta (1974, p. 123). Depois de estudar Boole junto com lógicos recentes como Tarski por alguns anos, a sua estimativa de Aristóteles aumentou e sua estima de Boole diminuiu (Corcoran 1980, pp. 638 – 9, 2000, pp. 130 – 1)[20].

As muitas contribuições sensatas e imaginativas de Boole ao pensamento lógico, que não foram adequadamente descritas por Corcoran (2003)[1] ou em qualquer outra obra, devem receber o maior respeito. No entanto, também deve ser dito que o abismo entre a lógica moderna e a de Boole é muito maior do que entre a lógica moderna e Aristóteles. Em vários aspectos, incluindo suas respectivas concepções filosóficas sobre a natureza da lógica e seu papel na vida intelectual, sua abrangência, seu nível de rigor e sua consciência metalógica, Aristóteles parece superior a Boole e mais próximo do pensamento contemporâneo. O seu palpite seria que Aristóteles teria menos problemas para entender os resultados de Gödel do que Boole[1].

Quando a história da ciência for finalmente escrita, muitas pessoas podem se surpreender com a quantidade de seus conceitos centrais que podem ser encontrados de alguma forma nos escritos de Aristóteles e Boole. Talvez o ponto mais óbvio a ser feito a esse respeito seja que, como mencionado acima, o método de contramodelos para provas de independência (que demonstram a ausência de consequência lógica), uma pedra angular da teoria dos modelos, é proeminente em Analíticos Anteriores, mas infelizmente ausente em Leis do Pensamento[1].

Ironicamente, o recurso de reinterpretar a linguagem, que é uma característica tão vívida da forma moderna do método dos contramodelos, está proeminente e inequivocamente presente em Leis do Pensamento, mas totalmente ausente dos escritos de Aristóteles. A esse respeito, deve-se notar que o recurso de reinterpretar constantes não lógicas ainda não está presente no livro de Tarski de 1936 'Sobre o conceito de consequência lógica' (1956/1983, pp. 409-16)[43], que é amplamente considerado como um dos os documentos que definem a teoria dos modelos. Nessa obra, em vez de reinterpretar uma constante não lógica, Tarski a substitui por uma variável à qual podem ser atribuídos valores adequados. A mesma evitação desajeitada de reinterpretar a linguagem-objeto persiste até meados da década de 1980. Church (1956, p. 324)[9] continua a prática Tarskiana de substituir '(...) cada um dos termos indefinidos (por) uma variável correspondente do mesmo tipo”.

Mesmo em 1986, Quine (1970/1986, cap. 4)[44] evita reinterpretar constantes não lógicas, que ele chama de elementos lexicais. Como já mencionado, até mesmo a expressão “universo do discurso”, hoje onipresente na teoria dos modelos, é de cunhagem booleana, assim como seu uso especial da palavra “interpretação”. Mas o termo ‘universo do discurso’ ainda não está no artigo de Tarski de 1936, nem a ideia de mudar o universo do discurso está lá, cf. Scanlan e Shapiro 1999, (pp. 149 – 51)[45]. Boole provavelmente também merece ser mencionado em qualquer história da teoria da prova, embora Aristóteles fosse melhor nisso. A ideia de Boole de reinterpretar uma linguagem formal abriu caminho para pensar uma linguagem sem qualquer interpretação e esta é uma das ideias básicas da teoria da prova. Além disso, Boole expressou consciência do potencial mecânico e algorítmico em seu 'Cálculo do raciocínio dedutivo' (1847, pp. 2, 11)[10], uma expressão quase oximorônica que continua a reverberar com conotações teóricas de prova.

Aristóteles e Boole usaram variáveis, assim como ambos usaram conectivos verofuncionais, descrições definidas etc. e assim por diante. Nenhum dos dois contribuiu para a compreensão da natureza das variáveis e nenhum deles merece mais do que uma nota de rodapé na história da variável. É claro que nenhum dos dois usa a palavra “variável” neste sentido que se tornou comum na época de Russell (1903, pp. 5, 6)[46], mas que não é encontrado nos escritos de Boole, ou mesmo nos de Frege. É historicamente importante esclarecer o fato de que nem Aristóteles nem Boole tinham variáveis em suas linguagens objeto formalizadas, ao contrário do que foi escrito, por exemplo, Lukasiewicz 1951 (pp. 7 – 10)[16], Smith 1989 (p. xix)[7].

Se dividirmos a lógica em epistemologia formal e ontologia formal como foi feito acima, então podemos dar o devido crédito ao dizer que Aristóteles foi o fundador da lógica como epistemologia formal e que Boole foi o fundador da lógica como ontologia formal. Aristóteles estabeleceu as bases para uma ciência de determinação da validade e invalidade dos argumentos. Boole estabeleceu as bases para uma ciência das leis formais do ser, nas palavras de Tarski 'leis gerais que regem os conceitos comuns a todas as ciências' ou 'as leis mais gerais dos pensáveis' (1941/1994, pp. xii)[26], para usar as palavras que Kneale e Kneale aplicaram ao que Boole chamou de 'leis do pensamento' (1962/1988, p. 407)[47].

Já foi dito que a maior conquista de Galileu foi persuadir os cientistas do mundo de que a realidade física é matemática, ou pelo menos que a ciência deveria ser buscada matematicamente. Em suas palavras, “O Livro da Natureza é escrito em caracteres matemáticos”. Em um espírito surpreendentemente semelhante, Boole (1854, p. 12)[5] afirmou “é certo que as formas e processos últimos (da lógica) são matemáticos”. Talvez a maior conquista de Boole tenha sido persuadir os lógicos do mundo de que a realidade lógica é matemática, ou pelo menos que a lógica deveria ser buscada matematicamente[1].


Lista de algumas proposições categóricas utilizadas no livro Leis do Pensamento[editar | editar código-fonte]

If the sun shines the earth is warmed.

Either animals are rational ou irrational.

Men are, if wise, then temperate.

No men are perfect beings.

Some men are not wise.

No men are placed in exalted stations, and free from envious regards.

No men are heroes but those who unite self-denial to courage.

Men who do not possesses courage and practice self-denial are not heroes.

Clean beasts are those which both divide the hoof and chew the cud.

Responsible beings are all rational beings who are either free to actor have vonluntarity sacrificed their freedom of action.

Triangles whose corresponding angles are equal have their corresponding sides proportional, and vice-versa.

There are no triangles whose corresponding sides are proportional and angles are not equal.

If Fabius was born at the rising of the dogstar, Fabius will not die in the sea.

Referências

  1. a b c d e f g h i j k l m n o p Corcoran, John (2003). «Aristotle's Prior Analytics and Boole's Laws of Thought.». History and Philosophy of Logic (24): p.261-288. ISSN 0144-5340. doi:10.1080/01445340310001604707 
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