Mestre dos ofícios
Mestre dos ofícios[1][2] ou mestre de ofícios[3] (em latim: Magister officiorum; em grego: μάγιστρος τῶν ὀφφικίων; romaniz.: magistros tōn offikiōn) era um dos mais elevados cargos administrativos do Império Romano tardio e dos primeiros séculos do Império Bizantino, onde eventualmente foi transformado numa posição honorária, até desaparecer no século XII.
História e funções
[editar | editar código-fonte]Império Romano Tardio
[editar | editar código-fonte]Embora alguns acadêmicos afirmem que o cargo teria sido criado durante o reinado do imperador Diocleciano (r. 284–305), o cargo pode ser estabelecido com certeza apenas durante o reinado de Constantino, em 320. Constantino provavelmente o teria criado como uma maneira de limitar o poder do prefeito pretoriano, então o principal auxiliar administrativo do imperador. O mestre supervisionava o secretariado palatino, dividido em quatro departamentos, os departamentos sagrados (sacra scrinia), cada um comandado por um respectivo mestre: da memória (scrinium memoriae), das epístolas/cartas (scrinium epistularum), das petições (scrinium libellorum) e das epístolas gregas (scrinium epistolarum Graecarum).[4]
O primeiro departamento cuidava das decisões imperiais chamadas de annotationes, chamadas assim por consistirem de notas ("anotações") feitas pelo imperador aos documentos que lhe eram apresentados, e também cuidavam das respostas às petições feitas ao imperador. O segundo manuseava a correspondência com os potentados estrangeiros e com a administrações de províncias e cidades. O terceiro cuidava dos apelos dos tribunais e das petições daqueles que estavam envolvidos com eles. E o quarto dos documentos promulgados em grego e da tradução de documentos em latim para o grego.[5]
Outra função importante transferida para o cargo por Constantino foi a supervisão dos agentes nos assuntos, uma força de mensageiros fiáveis que também funcionavam como controladores da administração imperial.[6] Este controle, em particular, sobre os temidos agentes, ou magistrianos (magistriani), como eram conhecidos coloquialmente, dava ao cargo de mestre dos ofícios um grande poder.[7] O cargo rapidamente aumentou em importância; inicialmente classificado como tribuno, ao fim do reinado de Constantino já havia se tornado um conde.[8]
Os poderes do cargo foram aumentados ainda mais em 395, quando o imperador Arcádio, que reinou de 395 a 408, retirou a prerrogativa do curso público (em latim: cursus publicus; em grego: δημόσιος δρόμος; romaniz.: dēmósios drómos) da guarda do palácio (escola palatina) e dos arsenais (fabricae) imperiais das mãos do prefeito pretoriano e passou-as ao mestre.[9] Estas últimas mudanças constam da Notitia Dignitatum, uma lista de todos os cargos compilada por volta de 400.[10] Em algum ponto no século V o mestre oriental também assumiu a autoridade sobre os limítanes, a guarda de fronteira.[7]
Com o decorrer do tempo, o cargo também assumiu o controle das relações exteriores imperiais (já no fim do século IV os tradutores e intérpretes oficiais estavam sob a autoridade do mestre dos ofícios, por este motivo), e, no Oriente, os registrados da Notitia registram a presença de quatro secretários em cargo do chamado escritório dos bárbaros (em latim: scrinium barbarorum; em grego: σκρίνιον τῶν βαρβάρων; romaniz.: skrinion tōn barbarōn), sob a supervisão do mestre dos ofícios.[10] Um dos mais importantes detentores do cargo foi Pedro, o Patrício, que o ocupou de 539 a 565, e realizou diversas missões diplomáticas neste papel, a serviço de Justiniano (r. 527–565). O cargo foi mantido no Reino Ostrogótico, após a queda do Império Romano do Ocidente, e foi ocupado por diversos senadores romanos importantes, como Boécio e Cassiodoro.[11]
Império Bizantino
[editar | editar código-fonte]O cargo sobreviveu como uma função burocrática no Império Bizantino, mas durante o final do século VII ou início do VIII, a maior parte das funções do cargo foram removidas e ele foi convertido no título dignitário de magistro (em grego: μάγιστρος; forma feminina em grego: μαγίστρισσα; magistrissa).[7][12] Pelo menos até o tempo de Leão VI, o Sábio (r. 886–912), porém, a forma completa do título ainda era lembrada: seu poderoso sogro, Estiliano Zautzes, é relatado como tendo sido um dia "mestre dos ofícios divinos"(em grego: μάγιστρος τῶν θείων ὀφφικίων).[13][14] Em suas funções administrativas, o mestre dos ofícios foi substituído primordialmente pelo logóteta do dromo (logothetēs tou dromou), que supervisionava o correio e as relações exteriores,[15] enquanto que a guarda imperial foi transformada nas tagmas.
Até o reinado de Miguel III, o Ébrio (r. 842–867) parecia haver apenas dois magistros, dos quais o sênior era chamado de protomagistro (em grego: πρωτομάγιστρος; "primeiro magistro") e que era, novamente, um dos principais ministros de estado (sem funções específicas) e líder do Senado bizantino. A partir do reinado dele, o título passou a ser conferido a mais pessoas, efetivamente se tornado um status na corte, o mais alto na hierarquia bizantina até a introdução do proedro (proedros) na metade do século X.[16] O Cletorológio de Filoteu, escrita em 899, nos permite inferir que existiam 12 magistros, enquanto que durante o reinado de Nicéforo II Focas (r. 963–969), Liuprando de Cremona relata a presença de 24.[7][15] O status continuou a existir depois disso, mas foi perdendo a importância. No final do século X e início do XI, ele era conferido junto com o título de vestas. Daí em diante, ele foi consideravelmente desvalorizado, especialmente durante o período da dinastia comnena, desaparecendo inteiramente em meados do século XII.[17]
Referências
- ↑ Monteiro 2009, p. 445.
- ↑ Libera 1993, p. 226.
- ↑ Kenny 2005, p. 38.
- ↑ Kelly 2006, p. 188.
- ↑ Bury 1911, p. 75.
- ↑ Kelly 2006, p. 188-189.
- ↑ a b c d Kajdan 1991, p. 1267.
- ↑ Kelly 2006, p. 189.
- ↑ Kelly 2004, p. 208.
- ↑ a b Notitia Dignitatum. [S.l.: s.n.] Século V. p. IX; XI
- ↑ Martindale 1980, p. 1257.
- ↑ Bury 1911, p. 29-32.
- ↑ Bury 1911, p. 30.
- ↑ Tougher 1997, p. 99.
- ↑ a b Bury 1911, p. 32.
- ↑ Bury 1911, p. 32-33.
- ↑ Kajdan 1991, p. 1267; 2612.
- Este artigo foi inicialmente traduzido, total ou parcialmente, do artigo da Wikipédia em inglês cujo título é «Magister officiorum».
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Bury, John B. (1911). The Imperial Administrative System of the Ninth Century: With a Revised Text of the Kletorologion of Philotheos. Oxônia: Oxford University Press
- Kajdan, Alexander Petrovich (1991). The Oxford Dictionary of Byzantium. Nova Iorque e Oxônia: Oxford University Press. ISBN 0-19-504652-8
- Kelly, Christopher (2004). Ruling the later Roman Empire. Cambrígia, Massachusetts: Harvard University Press. ISBN 9780674015647
- Kelly, Christopher (2004). «Bureaucracy and Government». The Cambridge Companion to the Age of Constantine. Cambrígia: Cambridge University Press. ISBN 978-0-52-152157-4
- Kenny, Anthony (2005). Uma nova história da filosofia ocidental - vol. II: Filosofia medieval. São Paulo: Loyola
- Libera, Alain de (1993). Filosofia medieval. São paulo: Loyola. ISBN 2-13-046000-3
- Martindale, J. R.; Jones, Arnold Hugh Martin; Morris, John (1980). The prosopography of the later Roman Empire - Volume 2. A. D. 395 - 527. Cambridge e Nova Iorque: Cambridge University Press
- Monteiro, João Gouveia; José Eduardo Braga (2009). Vegécio. Compêndio da Arte Militar. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra. ISBN 978-989-8074-87-4
- Tougher, Shaun (1997). The Reign of Leo VI (886-912): Politics and People. 2. Leida: Brill