Debate sobre os bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki

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Explosão nuclear em Nagasaki, Japão, em 9 de agosto de 1945.

O debate sobre os bombardeios atômicos (português brasileiro) ou bombardeamentos atómicos (português europeu) de Hiroshima e Nagasaki diz respeito às controvérsias éticas, jurídicas e militares que cercam bombardeios atômicos dos Estados Unidos em Hiroshima e Nagasaki em 6 de agosto e 9 de agosto 1945, no final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Apoio à utilização de armamento atômico[editar | editar código-fonte]

Embora os apoiantes do bombardeamento concedam que as autoridades civis japonesas estivessem, desde Janeiro de 1945 e logo a seguir à invasão de Luzon (Filipinas), a enviar cautelosa e discretamente vários comunicados, apontam também o fato de os oficiais militares japoneses, antes do uso da bomba atômica, se oporem em unanimidade a quaisquer negociações.

Embora alguns membros das autoridades civis tenham usado dissimuladamente canais diplomáticos para iniciar as negociações pela paz, por si só não poderiam negociar uma rendição ou mesmo um cessar-fogo. O Japão, sendo uma Monarquia constitucional, apenas poderia entrar num tratado de paz com o apoio unânime do gabinete japonês, e todo esse era dominado por militaristas do Exército Imperial Japonês e da Marinha Imperial Japonesa, sendo todos inicialmente opostos a qualquer tratado de paz. Na altura, chegou-se a uma situação de empate político entre os líderes civis e militares, estando esses últimos cada vez mais determinados a lutar sem olhar custos e eventuais desfechos. No pós-guerra, vários continuaram a acreditar que o Japão poderia ter negociado termos de rendição mais favoráveis caso tivessem continuado a infligir alto nível de baixas nas forças inimigas, terminando, eventualmente, a guerra sem uma ocupação do Japão e sem a mudança de Governo.

O historiador Victor Davis Hanson chama a atenção para a resistência japonesa crescente, fútil como foi em retrospecto, como a guerra veio a sua conclusão inevitável. A Batalha de Okinawa mostrou esta determinação de lutar a todo custo. Mais de 120 mil tropas japonesas e 18 mil tropas americanas foram mortas na batalha mais sangrenta do teatro do Pacífico, somente 8 semanas antes da rendição final do Japão. Na verdade, mais civis morreram na Batalha de Okinawa do que na explosão inicial das bombas atômicas.

Quando a União Soviética declarou guerra contra o Japão em 8 de agosto de 1945 e conduziu a Operação Tempestade de Agosto, o Exército Imperial Japonês ordenou que suas forças na Manchuria lutassem "até o último homem". Entretanto, em apenas três semanas, o Exército da URSS conseguiu destruir a força principal do Exército Imperial japonês que ocupava o norte da China e a Coréia, composta por cerca de 1 milhão de homens.

Alguns historiadores consideram, ainda, que os estrategistas dos Estados Unidos também queriam terminar a guerra rapidamente para minimizar a expansão da influência soviética nos territórios libertados pela URSS da ocupação japonesa. Especialmente porque havia começado a invasão soviética da Manchúria e da Coréia, em agosto de 1945, com uma ofensiva que destruiu rapidamente o Exército Imperial Japonês que ocupava o norte da China. Enquanto isso, em adição aos ataques soviéticos, ofensivas foram programadas para setembro no sul da China e Malásia.

O Major General Masakazu Amanu, chefe da seção de operações nos quartéis generais imperiais japoneses, declarou que estava absolutamente convencido que suas preparações defensivas, que começaram no começo de 1944, poderiam repelir qualquer invasão Aliada de suas ilhas com as mínimas perdas. Os japoneses não desistiriam facilmente por causa de sua forte tradição de orgulho e honra — muitos seguiam o Código Samurai e lutariam até o último homem ser morto.

Após descobrirem que a destruição de Hiroshima fora causada por uma arma nuclear, os líderes civis ganharam mais e mais firmeza em seus argumentos de que o Japão tinha de admitir sua derrota e aceitar os termos da Declaração de Potsdam. Mesmo após a destruição de Nagasaki, o Imperador mesmo precisou intervir para terminar um impasse no gabinete.

Alguns estrategistas americanos acreditavam que o plano de invasão do Japão que teria início em novembro de 1945, a Operação Downfall, teria um alto custo em vidas de soldados dos EUA

Apoiadores do bombardeio também apontaram que esperar que os japoneses se rendessem não era uma opção sem custo — como um resultado da guerra; não-combatentes estavam morrendo por toda a Ásia em uma taxa de cerca de 200 mil por mês. O Bombardeio de Tóquio na II Guerra Mundial tinha matado muito mais de 100 mil pessoas no Japão desde fevereiro de 1945, diretamente e indiretamente. O bloqueio submarino, a operação de minas navais das Forças Aéreas do Exército dos Estados Unidos e a Operação Salvação tinham efetivamente cortado as importações do Japão. Uma operação complementar, contra as ferrovias do Japão, estava prestes a começar, isolando as cidades do sul de Honshu da comida que crescia em outros lugares de suas ilhas. Isso, combinado com o atraso nos suprimentos de alívio dos Aliados, poderia ter resultado em uma estatística de morte muito maior no Japão, devido à fome e à desnutrição - o que a que realmente aconteceu nos ataques. "Imediatamente depois da derrota, alguns estimavam que 10 milhões de pessoas poderiam ter morrido de fome", nota o historiador Daikichi Irokawa.

Os americanos projetavam a perda de muitos soldados na Operação Downfall, que consistiria em duas etapas, a invasão americana no Sul do Japão (na ilha de Kyushu) simultânea à invasão soviética da ilha do norte (Hokkaido), programadas para novembro de 1945 na Operação Olympic, seguida da invasão da ilha principal, Honshu, e da ocupação de Tóquio, que ocorreria na Operação Coronet, programada para março de 1946. Entretanto, os números reais de perdas resultantes da Operação Downfall eram alvo de controvérsias e debates. Basicamente, as perdas dependeriam da persistência, da reabilitação da resistência japonesa e da velocidade com que os americanos conseguiriam ocupar Kyushu (em novembro de 1945), e ainda, se seria realmente necessário o desembarque próximo à baia de Tóquio, projetado para março de 1946. Também havia dúvidas sobre quais seriam as capacidades do Japão de repelir as forças aliadas com o uso de armas químicas, como as que os japoneses utilizaram contra a China.

Anos após a guerra, o Secretário de Estado James F. Byrnes clamou que 500 mil vidas americanas teriam sido perdidas — e esse número tem sido repetido desde então autoritariamente, mas, no verão de 1945, planejadores militares dos EUA projetaram 20 mil - 110 mil mortes em combate da invasão inicial de novembro de 1945, com cerca de três a quatro vezes este número de feridos. (O total de mortes em combate dos EUA em todas as frentes na II Guerra Mundial em quase quatro anos de guerra foram 292 mil). Entretanto, estas estimativas foram feitas usando a inteligência que brutalmente subestimou a força japonesa reunida para a batalha de Kyushu em número de soldados e camicases.

Além disto, a bomba atômica acelerou o fim da Segunda Guerra Mundial na Ásia, liberando centenas de milhares de cidadãos ocidentais, incluindo cerca de 200 mil holandeses e 400 mil indonésios ("Romushas") de campos de concentração japoneses; também, as atrocidades japonesas contra milhões de chineses, tais como o Massacre de Nanquim, tiveram um fim.

Apoiadores também apontam para uma ordem dada pelo Ministro da Guerra japonês em 11 de agosto de 1944. A ordem lidava com a disposição e execução de todos os prisioneiros de guerra Aliados, somando mais de 100 mil, se uma invasão da terra natal dos japoneses acontecesse.

Em resposta ao argumento que a matança de civis em larga escala era imoral e um crime de guerra, apoiadores dos bombardeios tem argumentado que o governo japonês declarou guerra total, ordenando muitos civis (inclusive mulheres e crianças) a trabalhar em fábricas e escritórios militares e lutar contra qualquer força invasora. O padre John A. Siemes, professor de filosofia moderna na Universidade Católica de Tóquio e uma testemunha ocular ao ataque da bomba atômica em Hiroshima escreveu:

Finalmente, apoiadores também apontam os planos japoneses, desenvolvidos por sua Unidade 731, de lançar aviões pilotados por Kamikazes com uma carga de moscas contaminadas por peste bubônica para infectar a população de São Diego, Califórnia. A data alvo era para ser 22 de setembro de 1945, apesar de ser improvável que o governo japonês tivesse permitido que tantos recursos fossem desviados de propósitos defensivos.[2]

Oposição ao uso de bombas atômicas[editar | editar código-fonte]

O Projecto Manhattan tinha sido concebido originariamente como um contra-ataque ao programa da bomba atómica da Alemanha Nazi, e com a derrota da Alemanha, vários cientistas que trabalhavam no projecto sentiram que os EUA não deveriam ser os primeiros a usar tais armas. Um dos críticos proeminentes dos bombardeios era Albert Einstein. Leo Szilard, um cientista que tinha um papel fundamental no desenvolvimento da bomba atómica, argumentou:

O seu uso tem sido classificado como bárbaro, visto que cem mil civis foram mortos, e as áreas atingidas eram conhecidas por serem altamente povoadas por civis. Nos dias imediatamente anteriores ao seu uso, vários cientistas (inclusive o físico nuclear americano Edward Teller) defendiam que o poder destrutivo da bomba poderia ter sido demonstrado sem causar mortes.

O que era originalmente o edifício municipal de promoção industrial tornou-se no Memorial da Paz de Hiroshima, em Hiroshima.

A existência de relatos históricos que indicam que a decisão de usar as bombas atómicas foi feita com o objetivo de provocar uma rendição através do uso de um poder imponente, juntamente com as observações de que as bombas foram usadas propositadamente sobre alvos que incluíam civis, fez com que alguns comentaristas observassem que o incidente foi um acto de terrorismo de estado. O historiador Rober Newman, que é a favor da decisão de lançar as bombas, levou a alegação de terrorismo de estado tão a sério que argumentou que a prática de terrorismo é justificável em alguns casos.[3]

Outros têm alegado que os japoneses já estavam essencialmente derrotados, e portanto o uso das bombas foi desnecessário. O general Dwight D. Eisenhower assim aconselhou o Secretário de Guerra, Henry L. Stimson, em julho de 1945.[4] O oficial de maior patente no Cenário do Pacífico, general Douglas MacArthur, não foi consultado com antecedência, mas afirmou posteriormente que não havia justificativas militares para os bombardeios. A mesma opinião foi expressa pelo Almirante da Frota William D. Leahy (o Chefe de Gabinete do Presidente), general Carl Spaatz (comandante das Forças Aéreas Estratégicas dos E.U.A. no Pacífico), e o brigadeiro general Carter Clarke (o oficial da inteligência militar que preparou cabos japoneses interceptados para os oficiais americanos);[4] Major General Curtis LeMay;[5] e o almirante Ernest King, Chefe das Operações Navais dos E.U.A., e o Almirante da Frota Chester W. Nimitz, Comandante-chefe da Frota do Pacífico.[6]

Eisenhower escreveu no seu livro de memórias The White House Years:

O United States Strategic Bombing Survey escreveu, após ter entrevistado centenas de japoneses civis e líderes militares, depois da rendição do Japão:

No entanto, é de realçar que a pesquisa referida assumiu que seriam necessários adicionais ataques convencionais - com as casualidades directas e indirectas inerentes - para forçar a rendição do Japão nas datas mencionadas no relatório.

Outros críticos[quem?] defendem que o Japão estaria a tentar render-se pelo menos havia dois meses, mas que os Estados Unidos recusavam a rendição pois insistiam que esta deveria ser incondicional. De facto, enquanto que vários diplomatas eram a favor da rendição, os líderes militares japoneses estavam decididos a combater uma batalha decisiva em Kyushu, na esperança de conseguirem negociar melhores termos num futuro armistício - o que os americanos sabiam através da descodificação de comunicações japonesas interceptadas. O governo japonês nunca decidiu em que termos, além da preservação do sistema imperial, aceitaria cessar as hostilidades. Até 9 de agosto, o governo japonês encontrava-se dividido, com os mais conservadores a insistirem que o Japão deveria desmobilizar as suas próprias forças, não deveriam existir tribunais para crimes de guerra nem ocupação. Apenas a intervenção directa do Imperador terminou a disputa e mesmo depois disso, ainda houve uma tentativa militar de golpe de estado falhada para evitar a rendição.[carece de fontes?]

Outra crítica é que os EUA deveriam ter esperado por um breve período a fim de avaliar o efeito da entrada da União Soviética na guerra. Os EUA sabiam, e o Japão não, que a União Soviética havia concordado com declarar guerra ao Japão três meses depois do dia da vitória na Europa; com efeito, os soviéticos de fato realizaram um ataque em 8 de agosto de 1945. A perda de qualquer perspectiva de que a União Soviética poderia servir de mediador neutro para uma paz negociada, aliada à entrada do Exército Vermelho (o maior exército ativo no mundo), poderiam ser suficientes para convencer as forças armadas japonesas da necessidade de aceitar os termos da Declaração de Potsdam (desde que alguma proteção para o Imperador estivesse presente). Como não haveria imediata invasão norte-americana, alega-se[quem?] que os EUA não tinham nada a perder se esperassem alguns dias para descobrir se a guerra poderia ser terminada sem o uso da bomba atômica. A rendição japonesa aconteceu antes que se soubesse da escalada dos ataques soviéticos na Manchúria, na Ilha de Sakhalin, e nas Ilhas Kuril; mas, se a guerra tivese prosseguido, os soviéticos seriam capazes de invadir Hokkaido bem antes da invasão aliada de Kyushu. Outras fontes[quem?] japonesas afirmaram que os bombardeios em si não foram a razão principal para a capitulação. Ao contrário, alegam, foram as rápidas e devastadoras vitórias soviéticas no continente na semana seguinte à declaração de guerra proferida por Stalin que causaram a mensagem de rendição japonesa em 15 de agosto de 1945.[carece de fontes?]

Teorias marginais[editar | editar código-fonte]

Teorias da conspiração de que os bombardeios de Hiroshima e Nagasaki foram realizados com uma nova bomba da época de napalm, acompanhada de material nuclear radiológico para fazer crer uma arma de destruição em massa, estão se tornando cada vez mais populares, embora esmagadoramente refutados[9].

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. «The Avalon Project : The Atomic Bombings of Hiroshima and Nagasaki». Consultado em 1 de julho de 2016. Arquivado do original em 17 de junho de 2012 
  2. Plans to take the germ war to the US homeland. Consultado em julho de 2016.
  3. Newman, Robert. Enola Gay and the Court of History (New York:Peter Lang Publishing, 2004).
  4. a b «Hiroshima: Quotes». Consultado em 1 de julho de 2016 
  5. «A Bio. of America: The Fifties - Feature». Consultado em 1 de julho de 2016 
  6. «Decision: Part I». Consultado em 1 de julho de 2016 
  7. Eisenhower, Dwight D. The White House Years: Mandate for Change, 1953-56. Garden City: Doubleday. (pg. 312-313)"
  8. United States Strategic Bombing Survey. Japan's Struggle to End the War. Washington: Government Printing Office. Consultado em julho de 2016.
  9. https://www.darkmoon.me/2015/the-no-nuclear-bombs-conspiracy-theory/

Ligações externas[editar | editar código-fonte]