Divisão por zero
Na matemática, uma divisão é chamada divisão por zero se o divisor é zero. Tal divisão pode ser formalmente expressada como = no qual a é o dividendo. Um valor bem definido para essa expressão depende do contexto matemático. Para a aritmética com números reais, a expressão não possui significado.[1]
Em programação, uma tentativa de dividir um número de ponto flutuante por zero deve resultar em infinito () de acordo com o padrão IEEE 754 para pontos flutuantes. No entanto, dependendo do ambiente de programação e do tipo de número sendo dividido por zero (como o inteiro, por exemplo), é possível que: seja gerada uma exceção, seja produzida uma mensagem de erro, faça o programa terminar, resulte em infinito positivo ou negativo ou resulte em um valor especial não numérico (NaN).[2]
Interpretação em aritmética elementar
[editar | editar código-fonte]Quando uma divisão é explicada no nível elementar, frequentemente usa-se a descrição da divisão de um conjunto de objetos em partes iguais. Como exemplo, se tem-se dez maçãs, e deseja-se distribuí-las entre cinco pessoas, cada pessoa irá receber = = 2 maçãs. Se tem-se dez maçãs e deseja-se distribuir entre zero pessoas, quantas maçãs cada pessoa receberá? Uma tentativa para calcular = = maçãs.
Outra maneira de entender a natureza indefinida da divisão por zero é perceber uma divisão como repetidas subtrações. Para dividir treze por cinco, pode-se subtrair cinco duas vezes, restando três. O dividendo é subtraído até que o resto seja menor que o divisor. Mas, no caso do zero, repetidas subtrações por zero nunca resultarão em um resto menor que o divisor, então a divisão não é definida.
Primeiras tentativas
[editar | editar código-fonte]Brahmasphutasiddhanta de Brahmagupta (598–668) é o primeiro texto conhecido a tratar o zero como um número e a definir operações envolvendo o zero.[3] O autor falhou, entretanto, em sua tentativa a explicar a divisão por zero: sua definição pode ser facilmente provada a levar a absurdos algébricos. De acordo com Brahmagupta, "um número positivo ou negativo, quando divido por zero, é uma fração com o zero como denominador. O zero dividido por um número positivo ou negativo é tanto zero ou expresso como uma fração com zero como numerador. Zero dividido por zero é zero."
Em 830, Mahavira tentou sem sucesso corrigir a falha de Brahmagupta em seu livro Ganita Sara Samgraha: "um número permanece inalterado quando dividido por zero."
Bhaskara II tentou resolver o problema ao definir . Essa definição, apesar de fazer sentido, pode levar a paradoxos se não tratadas com cuidado.[4]
Interpretação algébrica
[editar | editar código-fonte]É geralmente considerado entre matemáticos que uma maneira natural de interpretar a divisão por zero é primeiramente definir a divisão em termos de outras operações aritméticas. Nas regras padrão da aritmética de inteiros, racionais, reais e complexos, a divisão por zero é indefinida. A divisão por zero deve ser deixada indefinida em qualquer sistema matemático que obedece os axiomas de um corpo.[5] A razão é que a divisão é definida como a operação inversa da multiplicação, o que significa que o valor de () é a solução x da equação sempre que o valor existir e for único. Senão o valor é deixado indefinido.[6]
Para b = 0, a equação pode ser reescrita como ou simplesmente 0 = a. Nesse caso, a equação não possui solução se a é diferente de zero, e possui qualquer x como solução se a é igual a 0. Em qualquer caso, não há solução única, então () é indefinida.[7]
Falácias
[editar | editar código-fonte]É possível distinguir um caso especial da divisão por zero em um argumento algébrico, levando a provas inválidas tais como 2 = 1 como a seguinte:[3]
Assume-se:
O seguinte deve ser verdadeiro:
Dividindo por zero temos:
Simplificando, resulta-se em :
A falácia é assumir que dividir por zero é uma operação legítima com . Apesar da maioria das pessoas provavelmente assumirem que a prova acima é falaciosa, o mesmo argumento pode ser apresentado de uma forma que torna-se mais difícil encontrar o erro. Por exemplo, se 1 é denotado por , pode ser escondido em e escondido em . A prova acima pode ser apresentada como:[8]
Então:
Dividindo por temos:
E dividindo por temos:
Contra argumentação da prova:
Cria-se paradoxo quando se atribui várias igualdades simultâneas a uma equação.
Fazendo o cálculo de forma individual não se percebe erro lógico ao afirmar que todo número que seja dividido por si resulte em 1, inclusive zero.
Subtrações sucessivas
[editar | editar código-fonte]Toda divisão pode ser interpretada como uma sequência finita de subtrações. E, utilizando o método de subtrações sucessivas, pode-se provar que a divisão por zero é impossível. Esta operação peculiar gera uma sequência infinita de subtrações, isto é, obriga a efetuar infinitas repetições (mais conhecidas na área computacional como loops infinitos).[9]
Passo-a-passo
[editar | editar código-fonte]- Subtrair o dividendo pelo divisor;
- Caso o quociente obtido seja maior ou igual ao divisor, subtrair o quociente obtido pelo divisor;
- Repetir o segundo passo até que o quociente obtido seja menor que o divisor, encerrando o processo e tornando o atual quociente em resto.
18 ÷ 18 = 1
[editar | editar código-fonte]- 18 – 18 = 0 (1a subtração)
Como foi feita apenas uma subtração, a divisão de 18 por 18 resulta em 1 com resto 0.
18 ÷ 9 = 2
[editar | editar código-fonte]- 18 – 9 = 9 (1a subtração)
- 9 – 9 = 0 (2a subtração)
Como foram feitas duas subtrações, a divisão de 18 por 9 resulta em 2 com resto 0.
18 ÷ 6 = 3
[editar | editar código-fonte]- 18 – 6 = 12 (1a subtração)
- 12 – 6 = 6 (2a subtração)
- 6 – 6 = 0 (3a subtração)
Como foram feitas três subtrações, a divisão de 18 por 6 resulta em 3 com resto 0.
18 ÷ 4 = 4,5
[editar | editar código-fonte]- 18 – 4 = 14 (1a subtração)
- 14 – 4 = 10 (2a subtração)
- 10 – 4 = 6 (3a subtração)
- 6 – 4 = 2 (4a subtração)
Como foram feitas quatro subtrações, a divisão de 18 por 4 resulta em 4 com resto 2, ou seja, verdadeiramente resulta em 4,5.
18 ÷ 3 = 6
[editar | editar código-fonte]- 18 – 3 = 15 (1a subtração)
- 15 – 3 = 12 (2a subtração)
- 12 – 3 = 9 (3a subtração)
- 9 – 3 = 6 (4a subtração)
- 6 – 3 = 3 (5a subtração)
- 3 – 3 = 0 (6a subtração)
Como foram feitas seis subtrações, a divisão de 18 por 3 resulta em 6 com resto 0.
18 ÷ 2 = 9
[editar | editar código-fonte]- 18 – 2 = 16 (1a subtração)
- 16 – 2 = 14 (2a subtração)
- 14 – 2 = 12 (3a subtração)
- 12 – 2 = 10 (4a subtração)
- 10 – 2 = 8 (5a subtração)
- 8 – 2 = 6 (6a subtração)
- 6 – 2 = 4 (7a subtração)
- 4 – 2 = 2 (8a subtração)
- 2 – 2 = 0 (9a subtração)
Como foram feitas nove subtrações, a divisão de 18 por 2 resulta em 9 com resto 0.
18 ÷ 1 = 18
[editar | editar código-fonte]- 18 – 1 = 17 (1a subtração)
- 17 – 1 = 16 (2a subtração)
- 16 – 1 = 15 (3a subtração)
- 15 – 1 = 14 (4a subtração)
- 14 – 1 = 13 (5a subtração)
- 13 – 1 = 12 (6a subtração)
- 12 – 1 = 11 (7a subtração)
- 11 – 1 = 10 (8a subtração)
- 10 – 1 = 9 (9a subtração)
- 9 – 1 = 8 (10a subtração)
- 8 – 1 = 7 (11a subtração)
- 7 – 1 = 6 (12a subtração)
- 6 – 1 = 5 (13a subtração)
- 5 – 1 = 4 (14a subtração)
- 4 – 1 = 3 (15a subtração)
- 3 – 1 = 2 (16a subtração)
- 2 – 1 = 1 (17a subtração)
- 1 – 1 = 0 (18a subtração)
Como foram feitas dezoito subtrações, a divisão de 18 por 1 resulta em 18 com resto 0.
18 ÷ 0 =
[editar | editar código-fonte]- 18 – 0 = 18 (1a subtração)
- 18 – 0 = 18 (2a subtração)
- 18 – 0 = 18 (3a subtração)
- ...
Como foram feitas infinitas subtrações, a divisão de 18 por 0 resulta em . Isso ocorre, pois o resultado das subtrações continuarão sendo 18 e jamais serão um número menor que o dividendo (lembrando que o resto deve ser sempre menor que o dividendo), portanto seria infinitas subtrações.
Outras formas de subtrações como prova
[editar | editar código-fonte]6 ÷ 6 = 1
[editar | editar código-fonte]- 6 – 6 = 0
6 ÷ 5 = 1,2
[editar | editar código-fonte]- 6 – 5 = 1
6 ÷ 4 = 1,5
[editar | editar código-fonte]- 6 – 4 = 2
6 ÷ 3 = 2
[editar | editar código-fonte]- 6 – 3 – 3 = 0
6 ÷ 2 = 3
[editar | editar código-fonte]- 6 – 2 – 2 – 2 = 0
6 ÷ 1 = 6
[editar | editar código-fonte]- 6 – 1 – 1 – 1 – 1 – 1 – 1 = 0
6 ÷ 0 =
[editar | editar código-fonte]- 6 – 0 – 0 – 0 ... = 6
Três possíveis situações
[editar | editar código-fonte]Sabendo que a expressão algébrica (a dividido por b é igual a c) equivale à expressão algébrica a = (a é igual a b multiplicado por c), podemos definir as três possíveis situações encontradas ao tentar dividir algum número por zero.[10]
99 ÷ 0 =
[editar | editar código-fonte]- Qualquer número positivo dividido por zero resulta em .
(-99) ÷ 0 = (-)
[editar | editar código-fonte]- Qualquer número negativo dividido por zero resulta em (-).
0 ÷ 0 = indeterminado
[editar | editar código-fonte]- Zero dividido por zero resulta em indeterminado, pois qualquer número (com exceção do infinito e do infinito negativo) multiplicado por zero, sempre irá resultar em zero e não é determinado o único valor de quociente para esta divisão. Vale ressaltar que zero é número neutro[11], ou seja, não é positivo e nem negativo.
Divisão por zero na natureza
[editar | editar código-fonte]É possível encontrar a divisão por zero sendo representada pela singularidade de um buraco negro. Usando a fórmula da densidade , a massa de um buraco negro está contida em um volume que tende a zero, concebendo assim, a singularidade.[12][13]
Ver também
[editar | editar código-fonte]Referências
- ↑ Cajori, Florian (1929). «Absurdities due to division by zero: An historical note». The Mathematics Teacher. 22: 366–368. JSTOR 27951153. doi:10.5951/MT.22.6.0366
- ↑ «Perl BigInt documentation». Perl 5 Porters. Cópia arquivada em 26 de julho de 2019
- ↑ a b Kaplan, Robert (1999). «The Nothing That Is: A Natural History of Zero». Oxford. New York: Oxford University Press: 68–75. ISBN 978-0-19-514237-2
- ↑ «Zero». Consultado em 11 de agosto de 2007. Arquivado do original em 4 de dezembro de 2008
- ↑ Klein, Felix (1925). «Elementary Mathematics from an Advanced Standpoint» 3ª ed. Arithmetic, Algebra, Analysis: 24
- ↑ Schumacher, Carol (1996). «Chapter Zero : Fundamental Notions of Abstract Mathematics». Addison-Wesley: 149. ISBN 978-0-201-82653-1
- ↑ Prindle, Anthony; Prindle, Katie (2009). «E-Z Math». Barron's Educational Series: 35. ISBN 978-0-7641-4132-4
- ↑ Bunch, Bryan (1997). «Mathematical Fallacies and Paradoxes». Dover. ISBN 978-0-486-29664-7
- ↑ Kahan, Willian (14 de outubro de 2011). «Desperately Needed Remedies for the Undebuggability of Large Floating-Point Computations in Science and Engineering» (PDF)
- ↑ Erro de citação: Etiqueta
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- ↑ Toda Matéria. «Números inteiros». Consultado em 24 de outubro de 2023
- ↑ «O que é a singularidade, o coração dos buracos negros onde todas leis da natureza são quebradas». BBC News Brasil. Consultado em 17 de agosto de 2021
- ↑ «Singularidade». Super. Consultado em 17 de agosto de 2021