Usuária:Domusaurea/teste - Romanização 2

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.


O conceito de romanização foi cunhado no fim do século XIX para designar o processo histórico de aculturação e assimilação de atributos culturais romanos (costumes, língua, religião, cultos, formas de lazer) pelos grupos sociais das províncias anexadas durante o período de expansão da República Romana e do Império Romano, ou Principado.[1]

A princípio pode-se entender que o processo de aculturação, ou assimilação cultural, teria começado de cima para baixo, com as elites locais adotando a cultura romana em primeiro lugar e, de modo mais lento, essa assimilação se espalharia para as regiões mais internas e periféricas entre os camponeses. Segundo a visão dos historiadores dos séculos XIX e XX sobre a romanização, essa aculturação romana seria vista de maneira positiva e progressista, e os nativos estariam desejosos de fazerem parte da extensão territorial do império[2]. Essa abordagem tem sido repensada pelos historiadores conteporâneos, pois presume que uma cultura seja superior a outra e que esta evoluiria com a instalação romana[3].

Histórico do termo[editar | editar código-fonte]

Theodor Mommsen[editar | editar código-fonte]

O historiador alemão Theodor Mommsen utilizou pela primeira vez o termo romanização' em 1885, no volume 5 de sua História de Roma, obra depois agraciada com o Nobel de Literatura em 1902. No volume, que tratava das províncias do Império Romano, ele defendia a ideia que a adoção da cultura romana, especialmente no lado ocidental, teria sido o resultado natural da posição superior da cultura romana em relação às culturas locais, que ainda estavam na Idade do Ferro. Assim, esse seria um processo positivo e ativamente desejado pelas populações locais, com uma adoção completa do estilo de vida romano[4].

Francis Haverfield[editar | editar código-fonte]

Em seu trabalho A romanização da Bretanha Romana - publicado pela primeira vez em 1905 - o arqueólogo britânico Francis Haverfield estabeleceu um modelo para o processo de mudança progressiva, "romanização", que tem muito em comum com os conceitos de progresso e de "desenvolvimento" próprios do século XIX e do início do XX, período em que o Império Britânico se estabelecia e necessitava de fundamentos positivistas que explicassem a história do Império Romano para justificar suaspráticas imperialistas na África e na Ásia.

Haverfield sugere que Roma manteve seu império de duas maneiras: organizando as defesas das fronteiras e intervindo no crescimento das "civilizações internas". O autor denomina de romanização a maneira de não-romanos receberem uma nova língua, cultura, arte, estilo de vida urbana e religião. Suas duas conclusões sobre o processo foram: primeiramente, o processo no geral visa extinguir a distinção entre romanos e provinciais quanto à cultura material, política e língua; ele também defendia que o processo não foi igual em todas as províncias e não destruiu, de uma vez só, todos os traços tribais e sentimentos "nacionalistas" dos conquistados.

O pós-colonialismo e os Nativistas[editar | editar código-fonte]

Nas décadas de 1970 e 1980, a contra-resposta dos nativistas surgiu para descentralizar as visões e teorias sobre o termo, adicionando a noção de resistência para as culturas não-romanas. Para esse grupo, que apontou a lenta incorporação do latim, a rápida urbanização das cidades e o aparente reviver dos celtas no final do império, a romanização foi pouco mais do que uma "pincelada", onde as culturas regionais sobreviveram. Para os nativistas britânicos, o modo romano de viver não foi nem "abraçado" nem rejeitado, mas sim ignorado[carece de fontes?].

Martin Millett[editar | editar código-fonte]

Martin Millett defendeu em 1990[5] uma reconceituação da definição de Haverfield. Sem querer reacender as tensões com os nativistas, mas tentando uma coexistência entre as duas teorias, ele conciliou a conclusão deste em relação ao "recebimento" de uma nova cultura com a teoria nativista britânica da participação ativa de toda a população conquistada. Assim, para ele, a romanização foi um processo espontâneo em que as elites locais procuraram por interesse próprio adotar os costumes romanos, como forma de ascensão social e integração na estrutura política, administrativa e social do império, reforçando sua posição local de poder.

Richard Hingley[editar | editar código-fonte]

Para Richard Hingley[6], arueólogo influenciado pelas teorias pós-modernas, não é possível afirmar um conceito de romano ou de cultura material romana sem recorrer a visões e opiniões modernas ou contemporâneas, ou seja, sem utilizar termos que não pertecem à nossa própria época. Nesse sentido ele chega a propor até mesmo o abandono do termo romanidade. Hingley ressalta também a importância do estudo da cultura material para compreender as diferenças entre a romanização das elites locais e do povo nas províncias.

Características da romanização[editar | editar código-fonte]

Pode-se medir os mecanismos da romanização através de alguns elementos chave da cultura material e da tradição literária antiga. O ponto de partida principal é a cidade, pois é o local onde se manifesta a "humanitas" romana, ou seja, o conjunto de atitudes ideais do modo de vida romano. É também nas cidades romanas construídas nas províncias que se construíam os símbolos urbanísticos romanos clássicos, como o fórum, o teatro, as basílicas, os templos, as estátuas etc. Isso tudo reforçava entre a população nativa a ideia do que é "ser romano".

Definição do "modo de vida romano"[editar | editar código-fonte]

Em termos técnicos e jurídicos, pode-se definir um romano pelo fato dele ter cidadania romana. Porém, vários outros aspectos da cultura romana poderiam também ser incluídos, como o culto aos deuses romanos e depois ao imperador. Mas por causa das diferenças sociais e territoriais entre os habitantes do império, o que identifica um romano passava por assimilar atributos culturais que fariam alguém se tornar romano, “parecer romano”. A criação dessa identidade parte da utilização do latim, do culto imperial, da participação no exército, da promoção do modelo de urbanização típico do mundo romano nas províncias, e principalmente da defesa do ideal de virtus. A virtus é o conjunto das virtudes ideais do homem romano, o vir, ou seja, o modo como um romano típico deveria agir. Originalmente, a “uirtus” descrevia especificamente a coragem guerreira, porém seu sentido foi ampliado e passou a designar também as virtudes romanas no seu conjunto. As virtudes eram divididas em diferentes qualidades, incluindo a prudentia (prudência), a justitia(justiça), a temperantia (auto-controle), a fortitudo (coragem), a grauitas (postura que denota seriedade), a pietas (o culto correto aos deuses), a fides (boa-fé) e a auctoritas (autoridade, poder). Um homem que agisse com uirtus seria então um homem que agiria com humanitas - traduzindo vulgarmente, alguém civilizado, que possui uma conduta moralmente superior.

Diferenças regionais[editar | editar código-fonte]

A expansão do Império Romano não ocorreu de maneira uniforme em todas as regiões conquistadas. Cada povo apresentou reações diferentes - seja através da resistência ou da conciliação de interesses entre os grupos dirigentes e os invasores romanos.

A Germânia, por exemplo, como ressalta Otto C. Barreto Neto[S.l.: s.n.]  Em falta ou vazio |título= (ajuda), era um território remoto e quase desconhecido pelo Império Romano, o que fez com que, em um primeiro momento, a região recebesse poucos investimentos e o seu desenvolvimento não fosse efetivo. Os germanos viviam em aldeias e eram um povo semi-nômade. Ao perceberem a presença dos romanos, fugiam para as florestas e optavam pela guerrilha como forma de resistência, o que dificultava a dominação por parte do Império. A principal presença de romanos na Germânia eram nos acampamentos militares na fronteira, o limes, sendo através deles desenvolvidas práticas comerciais, sociais e as representações culturais romanas. Além das legiões, passavam também pelo território as mais variadas espécies de "cidadãos romanos", tais como comerciantes, prostitutas, aventureiros e políticos.

Já a Lusitânia, que hoje é a região de Portugal, sofreu a primeira interferência romana por volta do ano 194 a.C. Na verdade, ao longo do processo de expansão a região serviu muitas vezes de abrigo para os romanos, antecipando, assim, uma forma de contato entre lusos e romanos. A entrada dos romanos se deu de maneira diferenciada, sendo caracterizada por alguns conflitos e, em algumas áreas, menor resistência -provavelmente pelo interesse dos grupos dirigentes e das classes mais ricas em integrar o Império. A diferença na forma de lidar com a invasão romana deveu-se também à variedade de povos e às suas respectivas formas de organização econômico-social. De modo geral, o avanço do Império romano sobre a Lusitânia deu-se sem longos conflitos, de modo que ali se estabeleceram garantindo o seu domínio sem, no entanto, impor a sua cultura[carece de fontes?].

No Oriente, em especial na Grécia, a romanização foi menos marcante. A cultura grega influenciou mais os romanos do que o contrário, como diz o poeta latino Horácio: "Graecia capta ferum victorem cepit", "A Grécia capturada conquistou seu feroz dominador"[7]). Em um primeiro momento, os gregos desprezaram a cultura de seus dominadores, mas especialmente a partir do século II d. C. pode-se perceber uma presença maior da cultura romana, como por exemplo na popularização de combates de gladiadores, no aumento da participação de gregos dentro do Senado romano, na adoção do culto imperial e no processo de incremento da burocratização durante a Antiguidade tardia.

Ainda que os diferentes aspectos da romanização mereçam melhor abordagem, é preciso enfatizar uma característica comum do processo: em todas as regiões invadidas pelos romanos preservaram-se os traços culturais locais, sendo transformada principalmente a esfera política. Assim, o que se nota de maneira mais geral é que, apesar das diferentes influências e transformações causadas, não se diluíram as culturas locais, sendo esse processo caracterizado antes pela integração das culturas do que pelo sua sobreposição.

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Mendes, Norma Musco. "Romanização e as questões de identidade e alteridade".
  2. Millett, 1990, apud Hingley, 2010.
  3. Richard Hingley: Um novo olhar sobre Roma por Ellen Nemitz.
  4. Mommsen, T. Römische Geschichte, vol. 5, 1885. Texto disponível online pelo Projeto Gutenberg em http://www.gutenberg.org/ebooks/3064.
  5. *MILLET, M. The Romanization of Britain: an essay in archaeological interpretation. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.
  6. Richard Hingley, Globalizing Roman Culture: Unity, Diversity and Empire. London and New York: Routledge, 2005.
  7. Horácio, Epístolas, livro II, 1, 156-157.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • BANCALARI MOLINA, Alejandro. Orbe romano e imperio global. Santiago: Universitaria, 2007.
  • BUSTAMANTE, Regina Maria da Cunha. Práticas culturais no Império Romano: entre a unidade e a diversidade. p. 109-136. In. MENDES, Norma Musco; SILVA, Gilvan da Ventura. Repensando o Império Romano: perspectiva socioeconômica, política e cultural. Rio de Janeiro: Mauad; Vitória, ES/; EDUFES,2006.
  • HAVERFIELD, F. The Romanization of Roman Britain. Oxford: Oxford University Press, 1915.
  • HINGLEY, Richard. O Imperialismo Romano: novas perspectivas a partir da Bretanha. São Paulo: Annablume, 2010
  • MARQUES, Juliana Bastos. Resenha: Bancalari Molina, Alejandro. Orbe Romano e Imperio Global. La Romanización desde Augusto a Caracalla. Revista Aletheia, vol. 2, 2009
  • MENDES, Norma Musco. Romanização e as questões de identidade e alteridade. Conflito social na História da Antiguidade: stasis & discordia-Boletim do CPA, IFCH/UNICAMP, v. 11, n. jan./jun., p. 25-42, 2001
  • MENDES, N.M. Sistema Político do Império Romano do Ocidente: Um Modelo de Colapso. Rio de Janeiro: DP&A Ed., 2002
  • MILLET, M. The Romanization of Britain: an essay in archaeological interpretation. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.
  • WEBSTER, Jane. Creolizing the Roman Provinces. American Journal of Archaeology, vol. 105, n. 2, 2001, p. 209-225.

Ligações externas[editar | editar código-fonte]