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O nome "cínico" ({{lang-grc|κυνικός}} ''kynikos'', igual a um cão, ''κύων'' (kyôn)|[[cão]] ([[genitivo]]: ''kynos'').<ref>[http://www.perseus.tufts.edu/cgi-bin/ptext?doc=Perseus%3Atext%3A1999.04.0057%3Aentry%3D%2360864 '''Kynikos''', "A Greek-English Lexicon", Liddell and Scott, at Perseus]</ref> Uma explicação existente em tempos antigos de porque os cínicos eram chamados de ''cães'' era porque o primeiro cínico, [[Antístenes]], ensinava no ginásio [[Cinosargo]], um ginásio e templo para ''nothoi'' atenienses.<ref>''[http://books.google.com/books?id=A-GXM9MFaB4C&pg=PA87 Violence and Abuse in Society: Understanding a Global Crisis]''. ABC-CLIO; ISBN 978-0-313-38276-5. p. 87.</ref> "''Nothoi''" é um termo que designa aquele que não possui a cidadania ateniense por ter nascido de uma escrava, estrangeira, prostituta, de pais cidadãos mas não legalmente casados,<ref name="CynicsIEP">{{Citar web | url=http://www.iep.utm.edu/cynics/#H1|título=Cynics|acessodata=4/6/2014|autor=Julie Piering|data= |formato= |publicado= The Internet Encyclopedia of Philosophy |páginas=|língua=inglês|citação=}}</ref> ou ainda, bastardos de mulheres [[hilota]]s<ref name="MorrisScheidel2009">Ian Morris; Walter Scheidel. ''[http://books.google.com/books?id=XnDtcvRwsrgC&pg=PT333 The Dynamics of Ancient Empires: State Power from Assyria to Byzantium]''. Oxford University Press; 2009. ISBN 978-0-19-988817-7. p. 333.</ref><ref name="Triches"/>{{Rp|70}} <ref>[[Diógenes Laércio]], vi. 13. Cf. ''The Oxford Companion to Classical Literature'', 2nd edition, p. 165.</ref>
O nome "cínico" ({{lang-grc|κυνικός}} ''kynikos'', igual a um cão, ''κύων'' (kyôn)|[[cão]] ([[genitivo]]: ''kynos'').<ref>[http://www.perseus.tufts.edu/cgi-bin/ptext?doc=Perseus%3Atext%3A1999.04.0057%3Aentry%3D%2360864 '''Kynikos''', "A Greek-English Lexicon", Liddell and Scott, at Perseus]</ref> Uma explicação existente em tempos antigos de porque os cínicos eram chamados de ''cães'' era porque o primeiro cínico, [[Antístenes]], ensinava no ginásio [[Cinosargo]], um ginásio e templo para ''nothoi'' atenienses.<ref>''[http://books.google.com/books?id=A-GXM9MFaB4C&pg=PA87 Violence and Abuse in Society: Understanding a Global Crisis]''. ABC-CLIO; ISBN 978-0-313-38276-5. p. 87.</ref> "''Nothoi''" é um termo que designa aquele que não possui a cidadania ateniense por ter nascido de uma escrava, estrangeira, prostituta, de pais cidadãos mas não legalmente casados,<ref name="CynicsIEP">{{Citar web | url=http://www.iep.utm.edu/cynics/#H1|título=Cynics|acessodata=4/6/2014|autor=Julie Piering|data= |formato= |publicado= The Internet Encyclopedia of Philosophy |páginas=|língua=inglês|citação=}}</ref> ou ainda, bastardos de mulheres [[hilota]]s<ref name="MorrisScheidel2009">Ian Morris; Walter Scheidel. ''[http://books.google.com/books?id=XnDtcvRwsrgC&pg=PT333 The Dynamics of Ancient Empires: State Power from Assyria to Byzantium]''. Oxford University Press; 2009. ISBN 978-0-19-988817-7. p. 333.</ref><ref name="Triches"/>{{Rp|70}} <ref>[[Diógenes Laércio]], vi. 13. Cf. ''The Oxford Companion to Classical Literature'', 2nd edition, p. 165.</ref>


A palavra ''tho'' significa ou pode significar ainda "2", ou "dois", ou "cão rápido"(Francislene).<ref name="BrunschwigLloyd2003">Jacques Brunschwig; Geoffrey Ernest Richard Lloyd; Pierre Pellegrin. ''[http://books.google.com/books?id=AXl9j4n2iP4C&pg=PA322 A Guide to Greek Thought: Major Figures and Trends]''. Harvard University Press; 2003. ISBN 978-0-674-02156-3. p. 322.</ref> Parece certo, contudo, que a palavra "cão" também foi lançada aos primeiros cínicos como um insulto por sua rejeição descarada quanto às convenções sociais e sua decisão de viver nas ruas.
A palavra ''Cynosarges'' significa ou pode significar ainda "alimento de cão", "cão branco", ou "cão rápido".<ref name="BrunschwigLloyd2003">Jacques Brunschwig; Geoffrey Ernest Richard Lloyd; Pierre Pellegrin. ''[http://books.google.com/books?id=AXl9j4n2iP4C&pg=PA322 A Guide to Greek Thought: Major Figures and Trends]''. Harvard University Press; 2003. ISBN 978-0-674-02156-3. p. 322.</ref> Parece certo, contudo, que a palavra "cão" também foi lançada aos primeiros cínicos como um insulto por sua rejeição descarada quanto às convenções sociais e sua decisão de viver nas ruas.


Diógenes de Sinope, em particular, foi referido como ''o cão'', ao ter afirmado que "os outros cães mordem seus inimigos, eu mordo meus amigos para salvá-los".<ref>Diógenes de Sínope, citado por [[Estobeu]], ''Florilegium'', iii. 13. 44.</ref> Mais tarde, os cínicos também buscaram transformar a palavra a seu favor, como um comentarista explicou:
Diógenes de Sinope, em particular, foi referido como ''o cão'', ao ter afirmado que "os outros cães mordem seus inimigos, eu mordo meus amigos para salvá-los".<ref>Diógenes de Sínope, citado por [[Estobeu]], ''Florilegium'', iii. 13. 44.</ref> Mais tarde, os cínicos também buscaram transformar a palavra a seu favor, como um comentarista explicou:
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<blockquote>''Há quatro razões de por que os "cínicos" são assim chamados. Primeiro por causa da ''indiferença'' de seu modo de vida, pois fazem um culto à indiferença e, assim como os cães, comem e fazem amor em público, andam descalços e dormem em barris nas encruzilhadas. A segunda razão é que o cão é um animal sem pudor, e os cínicos fazem um culto á falta de pudor, não como sendo falta de modéstia, mas como sendo superior a ela. A terceira razão é que o cão é um bom guarda e eles guardam os princípios de sua filosofia. A quarta razão é que o cão é um animal exigente que pode distinguir entre os seus amigos e inimigos. Portanto, eles reconhecem como amigos aqueles que são adequados à filosofia, e os recebem gentilmente, enquanto os inaptos são afugentados por ele, como os cães fazem, ladrando contra eles.''<ref name="dudley5">Escólio na ''Retórica'' de Aristóteles, citado em {{Harvnb|Dudley|1937|p=5}}</ref><ref name="Navia2001">Luis E. Navia. ''[http://books.google.com/books?id=-dwDAQAAIAAJ Antisthenes of Athens: Setting the World Aright]''. Greenwood Press; 2001. ISBN 978-0-313-31672-2. p. 99.</ref></blockquote>
<blockquote>''Há quatro razões de por que os "cínicos" são assim chamados. Primeiro por causa da ''indiferença'' de seu modo de vida, pois fazem um culto à indiferença e, assim como os cães, comem e fazem amor em público, andam descalços e dormem em barris nas encruzilhadas. A segunda razão é que o cão é um animal sem pudor, e os cínicos fazem um culto á falta de pudor, não como sendo falta de modéstia, mas como sendo superior a ela. A terceira razão é que o cão é um bom guarda e eles guardam os princípios de sua filosofia. A quarta razão é que o cão é um animal exigente que pode distinguir entre os seus amigos e inimigos. Portanto, eles reconhecem como amigos aqueles que são adequados à filosofia, e os recebem gentilmente, enquanto os inaptos são afugentados por ele, como os cães fazem, ladrando contra eles.''<ref name="dudley5">Escólio na ''Retórica'' de Aristóteles, citado em {{Harvnb|Dudley|1937|p=5}}</ref><ref name="Navia2001">Luis E. Navia. ''[http://books.google.com/books?id=-dwDAQAAIAAJ Antisthenes of Athens: Setting the World Aright]''. Greenwood Press; 2001. ISBN 978-0-313-31672-2. p. 99.</ref></blockquote>


==História==
==Matemática da vida==
Os cínicos gregos e romanos clássicos consideravam a [[virtude]] como a única necessidade para a ''[[eudaimonia]]'' (felicidade) e viam a virtude como inteiramente suficiente para alcançar a felicidade. Os cínicos clássicos seguiram esta filosofia a ponto de negligenciarem tudo que não promovesse a perfeição da virtude e alcance da felicidade, assim, o título ''cínicos'', deriva da palavra em grego ''κύων'' (significando "cão") porque supostamente negligenciavam a sociedade, a higiene, a família, o dinheiro, etc, de uma forma que lembra os cães. Eles procuraram libertar-se de convenções; tornando-se auto-suficientes - possuindo ''autarquia'' - e vivendo apenas de acordo com a natureza. Eles rejeitavam todas as noções convencionais de felicidade que envolvessem dinheiro, [[poder (sociologia)|poder]], ou [[celebridade|fama]] a fim de viverem de forma virtuosa e portanto feliz.<ref name="CynicsIEP"/>
Os cínicos gregos e romanos clássicos consideravam a [[virtude]] como a única necessidade para a ''[[eudaimonia]]'' (felicidade) e viam a virtude como inteiramente suficiente para alcançar a felicidade. Os cínicos clássicos seguiram esta filosofia a ponto de negligenciarem tudo que não promovesse a perfeição da virtude e alcance da felicidade, assim, o título ''cínicos'', deriva da palavra em grego ''κύων'' (significando "cão") porque supostamente negligenciavam a sociedade, a higiene, a família, o dinheiro, etc, de uma forma que lembra os cães. Eles procuraram libertar-se de convenções; tornando-se auto-suficientes - possuindo ''autarquia'' - e vivendo apenas de acordo com a natureza. Eles rejeitavam todas as noções convencionais de felicidade que envolvessem dinheiro, [[poder (sociologia)|poder]], ou [[celebridade|fama]] a fim de viverem de forma virtuosa e portanto feliz.<ref name="CynicsIEP"/>


Os cínicos antigos rejeitavam os valores sociais convencionais e criticavam alguns tipos de comportamentos, como a ganância, que era vista como causadora de sofrimento. Uma maior ênfase sobre este aspecto de seus ensinamentos levou, ao final do século 18 e início do 19,<ref name="Mazella2007">David Mazella. ''[http://books.google.com/books?id=8zBk8k35SFEC&pg=PA1 The Making of Modern Cynicism]''. University of Virginia Press; 2007. ISBN 978-0-8139-2615-5.</ref>à compreensão moderna de cinismo como "uma atitude de desdém negativo ou cansado, especialmente uma desconfiança geral quanto à integridade ou motivos professos dos outros."<ref>[http://dictionary.reference.com/browse/Cynicism ''Cynicism''], ''The American Heritage Dictionary of the English Language''. Fourth Edition. 2006. Houghton Mifflin Company.</ref> Esta definição moderna de cinismo está em contraste marcante com a filosofia antiga, que destacou "a virtude e a liberdade moral na libertação do dese
Os cínicos antigos rejeitavam os valores sociais convencionais e criticavam alguns tipos de comportamentos, como a ganância, que era vista como causadora de sofrimento. Uma maior ênfase sobre este aspecto de seus ensinamentos levou, ao final do século 18 e início do 19,<ref name="Mazella2007">David Mazella. ''[http://books.google.com/books?id=8zBk8k35SFEC&pg=PA1 The Making of Modern Cynicism]''. University of Virginia Press; 2007. ISBN 978-0-8139-2615-5.</ref>à compreensão moderna de cinismo como "uma atitude de desdém negativo ou cansado, especialmente uma desconfiança geral quanto à integridade ou motivos professos dos outros."<ref>[http://dictionary.reference.com/browse/Cynicism ''Cynicism''], ''The American Heritage Dictionary of the English Language''. Fourth Edition. 2006. Houghton Mifflin Company.</ref> Esta definição moderna de cinismo está em contraste marcante com a filosofia antiga, que destacou "a virtude e a liberdade moral na libertação do desejo."<ref name="Russell2004">Bertrand Russell. ''[http://books.google.com/books?id=mgO--Gjl5ZgC&pg=PA231 History of Western Philosophy]''. Routledge; 2004. ISBN 978-1-134-34366-9. p. 231.</ref>


==Filosofia==
O cinismo é uma das filosofias mais marcantes de toda a [[filosofia helenística ]].<ref name="long28">Robert Bracht Branham; Marie-Odile Goulet-Cazé (2000). [http://books.google.com/books?id=ybYGAPqkyh8C ''The Cynics: The Cynic Movement in Antiquity and Its Legacy'']. Universidade da California Press. pp. 28 – 46. ISBN 978-0-520-21645-7.</ref> O cinismo oferecia às pessoas a possibilidade de felicidade e liberdade do sofrimento em uma época de incertezas. Embora nunca tenha havido uma doutrina cínica oficial, os princípios fundamentais do cinismo podem ser resumidos da seguinte forma:<ref name="kidd">Jonathan Ree; J.O. Urmson (2005). [http://books.google.com/books?id=Nq7lGO4Fn4kC&pg=PA91 ''The Concise Encyclopedia of Western Philosophy and Philosophers'']. Routledge. p. 91. ISBN 978-1-134-89779-7.</ref><ref name="long28"/>{{Rp|29}}<ref name="Navia">Luis E. Navia (1996). [http://books.google.com/books?id=khpY2fQaIg0C&pg=PA140 ''Classical Cynicism: A Critical Study'']. Greenwood Publishing Group. p. 140. ISBN 978-0-313-30015-8.</ref>
O cinismo é uma das filosofias mais marcantes de toda a [[filosofia helenística ]].<ref name="long28">Robert Bracht Branham; Marie-Odile Goulet-Cazé (2000). [http://books.google.com/books?id=ybYGAPqkyh8C ''The Cynics: The Cynic Movement in Antiquity and Its Legacy'']. Universidade da California Press. pp. 28 – 46. ISBN 978-0-520-21645-7.</ref> O cinismo oferecia às pessoas a possibilidade de felicidade e liberdade do sofrimento em uma época de incertezas. Embora nunca tenha havido uma doutrina cínica oficial, os princípios fundamentais do cinismo podem ser resumidos da seguinte forma:<ref name="kidd">Jonathan Ree; J.O. Urmson (2005). [http://books.google.com/books?id=Nq7lGO4Fn4kC&pg=PA91 ''The Concise Encyclopedia of Western Philosophy and Philosophers'']. Routledge. p. 91. ISBN 978-1-134-89779-7.</ref><ref name="long28"/>{{Rp|29}}<ref name="Navia">Luis E. Navia (1996). [http://books.google.com/books?id=khpY2fQaIg0C&pg=PA140 ''Classical Cynicism: A Critical Study'']. Greenwood Publishing Group. p. 140. ISBN 978-0-313-30015-8.</ref>


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Assim como a preocupação com o próprio sofrimento, a saúde, a morte e o sofrimento dos outros também era algo do qual os cínicos desejavam libertar-se. Por isso que a palavra cinismo adquiriu a conotação que tem hoje em dia, de indiferença e insensibilidade ao sentir e ao sofrer dos outros.
Assim como a preocupação com o próprio sofrimento, a saúde, a morte e o sofrimento dos outros também era algo do qual os cínicos desejavam libertar-se. Por isso que a palavra cinismo adquiriu a conotação que tem hoje em dia, de indiferença e insensibilidade ao sentir e ao sofrer dos outros.

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Revisão das 19h15min de 4 de novembro de 2016

Estátua de um filósofo cínico desconhecido no Museus Capitolinos em Roma. Esta estátua é uma cópia romana de uma estátua grega do início do século III a.C.[1]

O cinismo (em grego clássico: κυνισμός kynismós, em latim cinicus) foi uma corrente filosófica fundada por Antístenes, discípulo de Sócrates e como tal praticada pelos cínicos (em grego clássico: Κυνικοί, latim: Cynici). Para os cínicos, o propósito da vida era viver na virtude, de acordo com a natureza.[2]

O primeiro filósofo a definir o cinismo foi Antístenes, ex-aluno de Sócrates no final do século V a.C. Ele foi seguido por Diógenes de Sinope que levou o cinismo aos seus extremos lógicos e passou a ser visto como o arquétipo de filósofo cínico, sua autarkeia (auto-suficiência) e a apatheia perante as vicissitudes da vida eram os ideais do cinismo.[3]

O cinismo se espalhou durante a ascensão do Império Romano no século I quase se tornando um movimento de massa[3], e assim, os cínicos eram encontrados pedindo e pregando ao longo das cidades do império. A doutrina finalmente desapareceu no final do século V, embora alguns afirmam que o cristianismo primitivo adotou muitas de suas ideias ascéticas e retóricas. [nota 1]

Por volta do século XIX, a ênfase sobre os aspectos negativos da filosofia cínica levou ao entendimento moderno de cinismo a significar uma disposição de descrença na sinceridade ou bondade das motivações e ações humanas[5] e como caraterização de pessoas que desprezam as convenções sociais. Para encorajar as pessoas a renunciarem aos desejos criados pela civilização e convenções, os cínicos empreenderam uma cruzada de escárnio anti-social e assim mostrar as frivolidades da vida social.[6]

Origem do termo

O nome "cínico" (em grego clássico: κυνικός kynikos, igual a um cão, κύων (kyôn)|cão (genitivo: kynos).[7] Uma explicação existente em tempos antigos de porque os cínicos eram chamados de cães era porque o primeiro cínico, Antístenes, ensinava no ginásio Cinosargo, um ginásio e templo para nothoi atenienses.[8] "Nothoi" é um termo que designa aquele que não possui a cidadania ateniense por ter nascido de uma escrava, estrangeira, prostituta, de pais cidadãos mas não legalmente casados,[9] ou ainda, bastardos de mulheres hilotas[10][3]:70 [11]

A palavra Cynosarges significa ou pode significar ainda "alimento de cão", "cão branco", ou "cão rápido".[12] Parece certo, contudo, que a palavra "cão" também foi lançada aos primeiros cínicos como um insulto por sua rejeição descarada quanto às convenções sociais e sua decisão de viver nas ruas.

Diógenes de Sinope, em particular, foi referido como o cão, ao ter afirmado que "os outros cães mordem seus inimigos, eu mordo meus amigos para salvá-los".[13] Mais tarde, os cínicos também buscaram transformar a palavra a seu favor, como um comentarista explicou:

Há quatro razões de por que os "cínicos" são assim chamados. Primeiro por causa da indiferença de seu modo de vida, pois fazem um culto à indiferença e, assim como os cães, comem e fazem amor em público, andam descalços e dormem em barris nas encruzilhadas. A segunda razão é que o cão é um animal sem pudor, e os cínicos fazem um culto á falta de pudor, não como sendo falta de modéstia, mas como sendo superior a ela. A terceira razão é que o cão é um bom guarda e eles guardam os princípios de sua filosofia. A quarta razão é que o cão é um animal exigente que pode distinguir entre os seus amigos e inimigos. Portanto, eles reconhecem como amigos aqueles que são adequados à filosofia, e os recebem gentilmente, enquanto os inaptos são afugentados por ele, como os cães fazem, ladrando contra eles.[14][15]

História

Os cínicos gregos e romanos clássicos consideravam a virtude como a única necessidade para a eudaimonia (felicidade) e viam a virtude como inteiramente suficiente para alcançar a felicidade. Os cínicos clássicos seguiram esta filosofia a ponto de negligenciarem tudo que não promovesse a perfeição da virtude e alcance da felicidade, assim, o título cínicos, deriva da palavra em grego κύων (significando "cão") porque supostamente negligenciavam a sociedade, a higiene, a família, o dinheiro, etc, de uma forma que lembra os cães. Eles procuraram libertar-se de convenções; tornando-se auto-suficientes - possuindo autarquia - e vivendo apenas de acordo com a natureza. Eles rejeitavam todas as noções convencionais de felicidade que envolvessem dinheiro, poder, ou fama a fim de viverem de forma virtuosa e portanto feliz.[9]

Os cínicos antigos rejeitavam os valores sociais convencionais e criticavam alguns tipos de comportamentos, como a ganância, que era vista como causadora de sofrimento. Uma maior ênfase sobre este aspecto de seus ensinamentos levou, ao final do século 18 e início do 19,[16]à compreensão moderna de cinismo como "uma atitude de desdém negativo ou cansado, especialmente uma desconfiança geral quanto à integridade ou motivos professos dos outros."[17] Esta definição moderna de cinismo está em contraste marcante com a filosofia antiga, que destacou "a virtude e a liberdade moral na libertação do desejo."[18]

Filosofia

O cinismo é uma das filosofias mais marcantes de toda a filosofia helenística .[19] O cinismo oferecia às pessoas a possibilidade de felicidade e liberdade do sofrimento em uma época de incertezas. Embora nunca tenha havido uma doutrina cínica oficial, os princípios fundamentais do cinismo podem ser resumidos da seguinte forma:[20][19]:29[21]

  1. O objetivo da vida é a eudaimonia e clareza ou lucidez (ἁτυφια) - libertação da τύφος (nebulosidade) que significava ignorância, inconsciência, insensatez e presunção.
  2. A eudaimonia é alcançada ao se viver de acordo com a Physis (a natureza) como entendida pelo Logos do ser humano.
  3. τύφος (a arrogância) é causada por falsos julgamentos de valor, que causam emoções negativas, desejos não naturais e um caráter vicioso.
  4. A eudaimonia ou o desenvolvimento humano, dependem de auto-suficiência (αὐτάρκεια), apatheia, arete, filantropia, paresia e indiferença para com as vicissitudes da vida (ἁδιαφορία).[21]
  5. Evolui-se através de práticas ascéticas (ἄσκησις) que ajudam o indivíduo a tornar-se livre de influências - tais como riqueza, fama ou poder - que não têm valor na natureza. Exemplos incluem Diógenes de Sínope que vivia em um barril e andava descalço no inverno.
  6. Um cínico pratica o descaramento ou a desfaçatez (Αναιδεια) e desfigura o nomos da sociedade; as leis, os costumes e convenções sociais que as pessoas aceitam como o correto.[22]
  7. A sabedoria maior consistia na ação, não apenas no pensar.[22]

Assim, um cínico não tinha bens e rejeitava todos os valores convencionais de dinheiro, fama, poder ou reputação.[20] Viver de acordo com a natureza requer apenas as necessidades básicas para a existência e qualquer um pode tornar-se livre ao libertar-se de todas as necessidades resultadas da convenção.[19]:34 Os cínicos adotaram Héracles como seu herói e epítome do cínico ideal.[23] De acordo com Luciano de Samósata, Cérbero e o cínico certamente estão relacionados através do cão.[24]

O modo de vida cínico exigia formação contínua, não apenas no exercício de julgamentos e das impressões mentais, mas também treinamento físico:[25] [nota 2]

Ele costumava afirmar que o treinamento era de dois tipos, mental e corporal: o último dizendo que com o exercício constante, as percepções são formadas, tal como assegura a liberdade para as ações virtuosas; e metade deste treinamento é incompleto sem o outro, boa saúde e força estão entre as coisas essenciais, seja para o corpo ou para a alma. E ele apresentava provas irrefutáveis ​​para mostrar facilmente que com a prática de ginástica chega-se até a virtude. Nos trabalhos manuais e outras artes se pode ver que os artesãos desenvolvem habilidade manual extraordinária através da prática. Mais uma vez, o caso dos tocadores de flauta e dos atletas: que habilidade eles adquirem por sua própria labuta incessante; e, se eles tivessem transferido seus esforços para o treinamento da mente, como em seus trabalhos não teriam sido em vão ou ineficaz.[27]

Nada disso significava que o cínico se afastava da sociedade. Os cínicos viviam sob o olhar público e eram completamente indiferentes em face de qualquer insulto que possam resultar de seu comportamento pouco convencional.[20] Os cínicos dizem ter inventado a ideia do cosmopolita: quando lhe foi perguntado de onde veio, Diógenes respondeu que era "um cidadão do mundo", (kosmopolitês).[nota 3]

O ideal cínico era evangelizar; como o cão de guarda da humanidade, era seu trabalho perseguir as pessoas sobre o erro de suas maneiras.[20] O exemplo de vida do cínico (e o uso da sátira mordaz cínica) expunha as pretensões que se colocam na raiz das convenções cotidianas.[20]

Embora o cinismo concentrou-se exclusivamente em ética, a filosofia cínica, teve um grande impacto no mundo helenístico. Em última análise, tornou-se uma importante influência para o estoicismo. O estoico Apolodoro de Selêucia escrevendo no século II a.C., afirmou que o cinismo é o caminho curto para a virtude.[29]

Influências

Vários filósofos, como os pitagóricos, defenderam a ideia de vida simples nos séculos anteriores aos cínicos. No início do sexto século a.C., Anacársis, um sábio cito exortou o modo de vida simples dos Citas enquanto fez críticas aos costumes gregos a uma maneira que se tornaria o padrão entre os cínicos.[nota 4] Talvez de importância foram contos de filósofos da Índia que eram conhecidos por gregos posteriores como os gimnosofistas, que adotaram um asceticismo rigoroso juntamente com um desrespeito às leis e costumes estabelecidos. [nota 5] Por volta do século 5 a.C., os sofistas tinham começado um processo de questionamento sobre muitos aspectos da sociedade grega, como a religião, a lei e a ética. No entanto, a influência mais imediata para a escola cínica foi de Sócrates. Embora não fosse um asceta, ele professou amor pela Virtude, indiferença para com a riqueza,[32] e um desdém pela opinião geral.[33]

A virtude moral - autarquia

Ao contrário da acepção moderna e vulgar da palavra para o cinismo, o objetivo essencial da vida era a conquista da virtude moral, que somente seria obtida eliminando-se da vontade de todo o supérfluo, tudo aquilo que fosse exterior. Defendiam um retorno à vida da natureza, errante e instintiva, como a dos cães.

Afirmavam que dispunha o homem de tudo que necessitava para viver, independente dos bens materiais. A isto chamavam de autarcia (ou a variante, porém com outra acepção mais difundida, autarquia) - condição de auto-suficiência do sábio, a quem basta ser virtuoso para ser feliz. O termo grego original é autárkeia - significando autossuficiência. Além dos cínicos, foi uma proposição também defendida pelos estoicos.

Desacreditavam as conquistas da civilização e suas estruturas jurídicas, religiosas e sociais - elas não trariam qualquer benefício ao homem. Sendo autossuficiente, tudo aquilo que naturalmente não é dado ao homem pelo nascimento (como o instinto) não pode servir de base para a conceituação da ética. Este pensamento pode ser encontrado no mito do bom selvagem, de Rousseau.

Pensamento

Predefinição:Portal-filosofia Sua filosofia partia do princípio de que a felicidade não depende de nada externo à própria pessoa, ou seja, coisas materiais, reconhecimento alheio e mesmo a preocupação com a saúde, o sofrimento e a morte, nada disso pode trazer a felicidade. Segundo os cínicos, é justamente a libertação de todas essas coisas que pode trazer a felicidade que, uma vez obtida, nunca mais poderia ser perdida.

Aliado ao discurso, também o modo de vida do cínico deveria ser conforme as ideias defendidas. Para eles a virtude reside, sobretudo, na conduta moral do homem, naquilo que lhe é intrínseco - e não nas conquistas materiais, na aparência exterior.

Os cínicos, assim como Sócrates, nada de escrito deixaram. O que se sabe sobre eles foi narrado por outros, em geral, críticos de suas ideias.

O mais importante representante dessa corrente foi um discípulo de Antístenes chamado Diógenes. Ele vivia dentro de um barril e possuía apenas sua túnica, um cajado e um embornal de pão. Conta-se que um dia Alexandre Magno parou em frente ao filósofo e ofereceu-lhe, como uma prova do respeito que nutria por ele, a realização de um desejo, qualquer que fosse, caso tivesse algum. Diógenes respondeu: Desejo apenas que te afastes do meu Sol. Essa resposta ilustra bem o pensamento cínico: Diógenes não desejava nada a mais do que tinha e estava feliz assim (apenas, no momento, gostaria que seu sol fosse desbloqueado).

O Sol também pode ser entendido como a Sabedoria ou a fonte do Conhecimento. Platão usou a metáfora do sol em seu mito da caverna, significando a presença do Conhecimento e da Verdade que ilumina. Assim, Diógenes, quando pede para Alexandre Magno não se interpor entre ele e o Sol, aponta para o fato de que o filósofo não necessita de nenhum poder situado entre ele e o Conhecimento.

Assim como a preocupação com o próprio sofrimento, a saúde, a morte e o sofrimento dos outros também era algo do qual os cínicos desejavam libertar-se. Por isso que a palavra cinismo adquiriu a conotação que tem hoje em dia, de indiferença e insensibilidade ao sentir e ao sofrer dos outros.

Notas

  1. (...) o cinismo tem sido um elemento importante no cristianismo desde os primeiros dias.[4]
  2. Os estoicos aprovaram o ideal cínico de fortalecer o corpo: uma boa pessoa aceita treinar seu corpo, a fim de torná-lo forte. Os cínicos aumentavam sua resistência ao se exercitarem físicamente e adotando um estilo de vida ascético. [26]
  3. Perguntado de onde ele veio, Diógenes de Sínope: Eu sou um cidadão do mundo. [28]
  4. Várias cartas de Anacársis elogiam a vida austera dos citos (...) o elogio à vida simples está limitada apenas aos cínicos na antiguidade, [30]
  5. De Estrabão apredemos que estes "sofistas da Índia" eram bem parecidos com os cínicos: eles vestiam pouca ou nenhuma roupa, recusavam todas as formas de luxo e colocavam a natureza cima de todas as leis dos homens.[31][19]:121

Referências

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  12. Jacques Brunschwig; Geoffrey Ernest Richard Lloyd; Pierre Pellegrin. A Guide to Greek Thought: Major Figures and Trends. Harvard University Press; 2003. ISBN 978-0-674-02156-3. p. 322.
  13. Diógenes de Sínope, citado por Estobeu, Florilegium, iii. 13. 44.
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  27. Diógenes Laércio, Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres, vi. 70
  28. Diógenes Laércio, Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres, vi. 63
  29. Diógenes Laércio, Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres, vii. 121
  30. Patricia A. Rosenmeyer (2001). Ancient Epistolary Fictions: The Letter in Greek Literature. Cambridge University Press. p. 214. ISBN 978-0-521-80004-4.
  31. Louisa Shea (2010). The Cynic Enlightenment: Diogenes in the Salon. JHU Press. p. 157. ISBN 978-0-8018-9385-8.
  32. Platão, Apologia, 41e.
  33. Xenofonte, Apologia, 1.
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