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Geo-história[editar | editar código-fonte]

Geo-história é um ramo da Geografia Histórica, contemplada pela Geografia Humana, que surgiu influenciada pela "virada ambiental" que ocorreu nas ciências, na política e na sociedade em geral a partir de meados do século XX em todo o mundo ocidental. A geo-história consiste em um método de análise que alia as dimensões espacial e temporal para compreender a evolução econômica das civilizações. Nesse sentido, essa abordagem busca extrapolar as tradições científicas nos campos da Geografia e da História, incorporando elementos sócio-biofísicos na composição da "história completa" do mundo.[1]

Fernand Braudel é considerado o pai da Geo-história e pensou nessa abordagem como uma forma de propor uma superação da crise epistêmica vigente na Geografia e na História, procurando atualizar conceitos e métodos para estudar a história das sociedades e dos ambientes no mundo. Um dos principais objetivos da geo-história é estudar as relações estabelecidas entre seres humanos e natureza, de modo a tentar depreender disso as formas como as transformações civilizatórias se deram apoiadas na lógica da expropriação de recursos terrestres.[2]

Antecedentes históricos[editar | editar código-fonte]

Na virada do século XIX para o século XX, acontecem os momentos importantes do processo de institucionalização das ciências humanas na Europa Ocidental (ref - Foucault,1999 (Karina)). Nesse contexto, surge em diversos países a necessidade de construir identidades nacionais, daí a contribuição dos saberes produzidos por essas ciências - tais quais a História e a Geografia - na evocação do sentimento nacionalista. Por meio da influência da Escola dos Annales no começo do século XX, houve uma virada epistemológica que promoveu a transição de uma história factual para uma história crítica, conhecida como História Nova. Nesse escopo, cientistas humanos envolvidos - sobretudo historiadores e geógrafos, como Marc Bloch e Lucien Febvre - começam a valorizar a interdisciplinaridade entre espaço e tempo, dando ênfase ao estudo das relações entre homem e meio.

A Geografia Histórica é institucionalizada ainda no final do século XIX, quando seus estudos estavam voltados às civilizações antigas, fronteiras e Estados territoriais. No entanto, é a partir do século XX que a Geografia Histórica passa a buscar cada vez mais resgatar e valorizar a importância da ciência histórica para compreender os processos geográficos. É nesse contexto que Fernand Braudel (1902-1985), historiador francês vinculado à Escola dos Annales e à História Nova, cunha o termo "geo-história" para designar sua abordagem científica que conecta geografia e história mediante as noções de ritmo e circulação. Em sua obra intitulada La Mediterrannée (1949), Braudel passa a denominar a história mundial como sendo uma geo-história das economias-mundo, gestadas com o passar do chamado tempo geográfico. Contudo, após sofrer perseguição intelectual pelos nazistas alemães e passar um período em encarceramento político durante a Segunda Guerra Mundial, Braudel abandonou brevemente o termo "geo-história" nos seus estudos, vernáculo visto com desprezo na academia durante muito tempo por estar supostamente associado à ideologia nazifascista.[3]

Epistemologia[editar | editar código-fonte]

Fotografia de Fernand Braudel, historiador francês considerado pai da Geo-história no mundo.

A Geo-história é concebida como uma abordagem teórica que busca nas interseções e distinções entre Geografia e História um meio de superar a dicotomia clássica entre espaço e tempo. O pai da Geo-história enquanto uma metodologia científica e um tipo de abordagem considerada dentro do ramo da Geografia Histórica é tido como Fernand Braudel (1902-1985), historiador francês do século XX. Braudel iniciou sua graduação na Universidade de Sorbonne, em Paris, na França, na década de 1920, mas completou a pós-graduação (mestrado e doutorado) apenas na década de 1950, orientado pelo também historiador Lucien Febvre, um dos fundadores da Escola dos Annales. Sua formação acadêmica foi interrompida entre as décadas de 1940 e 1950 devido à perseguição intelectual e política pelo regime nazifascista alemão durante a Segunda Guerra Mundial.[4]

Na epistemologia braudeliana construída para a Geo-história, a primeira barreira teórico-conceitual a ser transpassada é a do afastamento disciplinar entre Geografia e História. De modo geral, o pensamento científico corrente dita que essa cisão entre as disciplinas existe porque os seus objetos de estudo e métodos de pesquisa empregados são diferentes: enquanto a Geografia trabalha com objetos materiais relacionados ao espaço, a História trabalha com objetos imateriais porque estão relacionados ao tempo. Na geo-história, a História passa a ser vista como a universalidade dos processos que acontecem na superfície terrestre enquanto a Geografia é tida como a particularidade dos universos históricos existentes no mundo.[5] Nesse sentido, a espacialidade funciona como o elemento responsável por particularizar os fenômenos históricos. Além disso, assumir a geo-história como método analítico dentro das ciências sociais e humanas significa necessariamente transcender a visão clássica da Geografia enquanto ciência que descreve as paisagens e da História enquanto ciência que narra os acontecimentos.[6]

Para tanto, a Geo-história enquanto abordagem inserida no escopo da Geografia Histórica, apresenta duas premissas: fugir da teoria evolucionista da historiografia clássica; e incorporar elementos espaciais - tais como natureza, posição, distância, território - na composição da história. Como resultado, o paradigma linear que persiste na ideia de uma suposta evolução do estágio da barbárie ao estágio da civilização é abandonado, tendo em vista que é preciso compreender a mudança histórica dos fenômenos geográficos. A relação espaço-tempo se torna um ponto de articulação entre o mental, o social, o econômico, o político, o cultural e o físico.[7]

Em suma, os marcos que orientam o "fazer geo-histórico", isto é, o modo de compreensão da realidade e análise dos fenômenos terrestres a partir dos preceitos da Geo-história são listados a seguir: os lugares apresentam participação essencial na execução de fatos históricos; os relacionamentos topológicos (entre lugres) e escalares (entre escalas) possuem destaque na história considerada como espacial e temporal; os estudos históricos passam a ser realizados com base também na sensibilidade geográfica; o território e a territorialidade exercem papel fundamental na gênese dos processos históricos; entre outros.[8]

Perspectivas e abordagens[editar | editar código-fonte]

Tempo geográfico[editar | editar código-fonte]

O Mundo Antes do Dilúvio (1828), de William Etty. A obra simboliza uma visão do futuro situada em uma época anterior ao Grande Dilúvio, que teria sido revelada a Adão. A relação explorada aqui envolve questões como tempo e espaço, visões de mundo, prosperidade e destruição.

O tempo geográfico foi um conceito desenvolvido para atender à demanda de superar a visão dicotômica que separa Geografia e História e reescrever a relação entre espaço e tempo. Nessa perspectiva, a sequência passado-presente-futuro é substituída por uma articulação teórico-conceitual que mescla temporalidades distintas e cujas durações são diversas. Isso porque a abordagem geo-histórica considera que cada temporalidade carrega consigo ideais ligados às características socioeconômicas do período e ainda introduz as ideias de permanência e/ou ruptura como forma de estabelecer um protótipo de periodização. Com isso, a "história total" do mundo, sempre situada nos seus devidos recortes espaciais, passa a ser dividida em temporalidades de curta, média e longa duração, associadas respectivamente aos tempos dos eventos, das conjunturas e das estruturas.[9][10]

Epistemologia territorial[editar | editar código-fonte]

Barricada na rua Soufflot (1848), de Horace Vernet. A pintura expõe uma cena da revolução conhecida como Primavera dos Povos, em que as classes operárias europeias organizaram revoltas contra a expropriação dos patrões.

A epistemologia territorial é uma abordagem científica apropriada pela Geo-história, que estuda a genealogia dos processos históricos e a capacidade de movimentação no espaço dos fatores de produção (pessoas, mercadorias, capitais, informação, etc). Seus estudiosos estão preocupados em examinar as relações entre processos de ordem local - as territorialidades - e processos de ordem vasta - as mobilidades espaciais -, além de conceber o território como essa causa explicativa das dinâmicas sociais. Esses relacionamentos topológicos definidos pelas tensões entre o local e o vasto justificam a existências de variadas estruturas espaciais de poder, a exemplo dos Estados territoriais e dos territórios autônomos. Essa variedade é expressa pela oposição entre desenvolvimento funcionalista, representado na figura do Estado, e polimorfismo social, representado pela diversidade de formações societárias.[11]

Um conceito interessante desenvolvido pelo sociólogo braudeliano Giovanni Arrighi é o de territorialismo, utilizado para explicar as contradições políticas existentes em dados contextos territoriais. Segundo o autor, é possível identificar no espaço a influência de impulsos homogeneizantes, advindos das práticas capitalistas, associados às próprias características heterogêneas de cada lugar, advindas das práticas territorialistas exercidos pelas sociedades. Nesse sentido, numa ótica marxista, as lutas de classes seriam não somente entre donos dos meios de produção e proletariado, como também entre diferentes elites econômicas e políticas e entre grupos proletarizados.[12]

História do capitalismo[editar | editar código-fonte]

De modo geral, o meio biofísico é considerado parte da história do mundo, ora funcionando como vantagem ora como desvantagem ao desenvolvimento das civilizações. A dinâmica ininterrupta dos ciclos naturais se impõe contra a humanidade, enquanto o fenômeno técnico e o trabalho humano se impõem contra o planeta, produzindo distintas formas de relacionamento entre sociedade e natureza. O desenvolvimento histórico do capitalismo se deu no mundo aliado à noção de colonialidade imposta sobre a natureza e determinados grupos humanos - os povos originários. Nesse contexto, a acumulação primitiva de capital é prerrogativa para a prática de dominação das potências mundiais do Velho Mundo sobre as terras ainda virgens do Novo Mundo. Essa transição histórica do feudalismo ao capitalismo aconteceu no formato de um mosaico político, econômico e territorial, em que as nações ditas capitalistas deveriam apresentar regime monárquico absolutista, seguir a doutrina mercantilista e almejar a conquista do espaço marítimo mundial.[13]

Mapa das rotas marítimas na Era dos Descobrimentos a partir da viagem de Vasco da Gama. A técnica de representação cartográfica é uma importante ferramenta de visualização do expansionismo territorial praticado durante a evolução histórica do capitalismo.

As principais causas mencionadas para o êxito do expansionismo territorial que consolidou o capitalismo no mundo colonial são: a escassez dos estoques metálicos e a crise de insegurança alimentar na Europa absolutista; a demanda por escravos para dinamizar a economia açucareira no oceano Atlântico; a tradição náutica de países litorâneos como Portugal e Espanha; a complicação das rotas comerciais terrestres muito disputadas; além da proeminência dos discursos religioso e nacionalista como meio para estabelecer uma identidade nacional.[14] Com isso, fica evidente que é necessário incluir a componente espacial na equação histórica do capitalismo, de modo a compreender como as frentes de ocupação e exploração foram capazes de gerar ampliação e controle de novos mercados consumidores e produtores de matérias-primas. Para a geo-história do capitalismo, a dinâmica de predação de recursos foi responsável não somente pela exaustão dos ecossistemas, mas também pela fragmentação do cenário econômico mundial em circuitos comerciais mais restritos a determinados países ou continentes.

Economia-mundo[editar | editar código-fonte]

Coalbrookdale à Noite (1801), de Philippe-Jacques de Loutherbourg. A pintura indica a paisagem de um assentamento inglês na época da Revolução Industrial, evento histórico fundamental na reorganização da eocnomia-mundo.

Em face das críticas firmadas ao capitalismo como sistema econômico-político desigual e excludente, a ciência braudeliana propõe o conceito de economia-mundo para entender como se dás as relações sociais de produção no mundo. Para Braudel, a economia-mundo seria um sistema organizado em redes - políticas, econômicas, sociais e técnicas - que explicaria a evolução histórica do capitalismo. Nesse sentido, a economia-mundo se firma como a especificidade espacial da vida econômica das sociedades no mundo. Mais além do que isso, existem inúmeras economias-mundo de ordens locais inseridas numa economia-mundo de ordem vasta, o que caracteriza um regime internacional baseado na marginalização socioeconômica de certas regiões, enquanto outras se mantém hegemônicas no globo.[15][16]



Referências[editar | editar código-fonte]

  1. Lira 2018, p. 99-100.
  2. Ribeiro 2011, p. 71-72.
  3. Ribeiro 2015, p. 605.
  4. Ribeiro 2015, p. 606.
  5. Ribeiro 2011, p. 68.
  6. Ribeiro 2015, p. 608.
  7. Lima & Amora 2012, p. 63.
  8. Soares 2013, p. 52.
  9. Lira 2018, p. 104.
  10. Lima & Amora 2012, p. 60-65.
  11. Soares 2013, p. 41-42.
  12. Lira 2018, p. 103.
  13. Soares 2013, p. 43.
  14. Soares 2013, p. 45.
  15. Ribeiro 2015, p. 625.
  16. Lima & Amora 2012, p. 65.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]