Manuscritos de Tombuctu

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Manuscrito Kashf al-Ghummah fi Nafa al-Ummah de Nácer. Biblioteca Comemorativa Mamma Haidara, Tombuctu

Manuscritos de Tombuctu (em francês: Tombouctou) ou Timbuctu (Timbuktu) é um termo genérico para um grande número de manuscritos seculares, que estavam preservados em sua maioria por particulares em Tombuctu, no Mali. Uma grande parte dos manuscritos é sobre arte, medicina, ciência e caligrafia do antigo Califado Abássida e até mesmo várias inestimáveis cópias antigas do Alcorão. Estima-se que o número de manuscritos na coleção é tão alto quanto 700 000.[1]

A maioria dos manuscritos foram escritos em árabe, mas alguns foram também em línguas locais, incluindo songai e tuaregue.[2] As datas dos manuscritos abrangem do fim do século XIII ao início do XX (ou seja, a partir da islamização do Império do Mali ao declínio da educação tradicional no Sudão Francês).[3] Com a dominação francesa de Tombuctu muitos manuscritos foram enviados a museus e universidades francesas, enquanto outros muitos permaneceram escondidos sob a areia e em baús até serem redescobertos a três ou quatro décadas atrás.[4]

Os assuntos variam de trabalhos acadêmicos a cartas curtas. Os manuscritos foram passadas de pais para filhos nas famílias de Tombuctu e se encontram em sua maioria em mau estado.[5] A maioria dos manuscritos permanecem por estudar e não são catalogados, e seu número total é desconhecido, passível apenas de estimativas aproximadas. Uma seleção de cerca de 160 manuscritos da Biblioteca Mamma Haidara e do Instituto Ahmed Baba, ambos em Tombuctu, foram digitalizados pelo Projeto Manuscritos de Tombuctu na década de 2000.

Pesquisa[editar | editar código-fonte]

Em 1970, a UNESCO fundou uma organização que englobava dentre seus objetivos a preservação dos manuscritos, porém permaneceu inativa até 1977.[6] Em 1988, o professor da Universidade de Harvard Henry Louis Gates visitou Tombuctu para sua série da PBS Maravilhas do Mundo Africano. A série aumentou a consciência pública e acadêmica acerca dos manuscritos, incitando a Fundação Mellon a fornecer fundos para melhor abrigar aqueles mantidos por Abdalcáder Haidara. A Fundação al-Furqan de Londres, igualmente compelida, criou e publicou uma lista da biblioteca de Abdalcáder e de outras bibliotecas no Mali e África Ocidental.[7]

O Projeto Manuscritos de Tombuctu era um projeto da Universidade de Oslo, que durou de 2004 a 2007, cujo objetivo era ajudar na preservação física dos manuscritos, digitalizá-los e construir um catálogo eletrônico, tornando-os acessíveis para a pesquisa.[8] Foi financiado pelo governo do Luxemburgo,[9] juntamente com a Agência Norueguesa de Cooperação ao Desenvolvimento (NORAD), a Fundação Ford, o Conselho Norueguês para o Programa de Educação Superior de Pesquisa Desenvolvimento e Educação (NUFU), e do Fundo dos Estados Unidos para Preservação Cultural.[10]

Um projeto à parte foi estabelecido com a Universidade da Cidade do Cabo com finalidade de preservar os manuscritos e permitir um acesso mais amplo às bibliotecas públicas e privadas em Tombuctu; a base de dados online do projeto, contudo, atualmente está acessível somente para pesquisadores. Numa parceria com o governo da África do Sul, que contribuiu para o fundo fiduciário de Tombuctu, este projeto é o primeiro projeto cultural oficial do Nova Parceria para o Desenvolvimento da África. Ele foi fundado em 2003 e ainda está em operações. Em 2008, um relatório do projeto foi liberado.[11] Em 2015, foi anunciado que o fundo fiduciário de Tombuctu fecharia após deixar de receber fundos do governo sul africano.[12]

Entre 2007 e 2008 formulou-se o Projeto de Conversação dos Antigos Manuscritos de Tombuctu (MLI/015), implementado em abril de 2009 com finalidade de preservar fisicamente e numericamente, mediante trabalho conjunto dos governos do Luxemburgo e Mali, os manuscritos e seu conteúdo para pesquisa científica, bem como integrar esta herança a políticas, estratégias e programas de desenvolvimento sustentável nos campos econômico, social e cultura à região. Com o eclodir do Conflito no norte do Mali em 2012, o MLI/015 foi transferido para Bamaco, capital do país, onde continuou suas operações até 30 de junho de 2015.[13]

Em 2011, um acordo foi assinado entre a Lux-Development (Agência de Luxemburgo para Cooperação ao Desenvolvimento) e o Centro Juma Almajide para Cultura e Herança com finalidade de salvaguardar o MLI/015 em troca de imagens eletrônicas dos 100 000 manuscritos preservados em 30 bibliotecas chaves do Mali. Conforme estipulado pelo acordo, que duraria até 2013, 5 milhões de euros dos 200 milhões de euros acumulados pelo Luxemburgo para iniciativas culturais seriam destinados para o Centro Juma Almajide para realização dum programa de digitalização, catalogação, restauração e manutenção dos manuscritos.[14]

Cobertura jornalística[editar | editar código-fonte]

Os manuscritos de Tombuctu de matemática e astronomia
Manuscrito com tabelas astronômicas

Um filme sobre o Projeto Manuscritos de Tombuctu, Os Antigos Astrônomos de Tombuctu, foi liberado em 2009, com fundos da Fundação Ford, Memorial Oppenheimer, Centro de Desenvolvimento e Meio Ambiente (SUM) e Universidade de Oslo.[15] Ainda em 2009, o canal cultural franco-alemão Arte produziu um longa-metragem intitulado Tombuctu: os manuscritos salvos das areias (em francês: Tombouctou: les manuscrits sauvés des sables; em alemão: Timbuktus verschollenes Erbe: vom Sande verweht) no qual discutiu-se a herança cultural dos manuscritos. Outro filme, também de 2009, foi veiculado sob o título de Manuscritos de Tombuctu. Ele foi produzido pelo diretor sul africano Zola Maseko, produzido pela South African Broadcasting Corporation e distribuído pela California Newsreel.[16] Em 2013, BBC Four produziu um documentário chamado As Bibliotecas Perdidas de Tombuctu (The Lost Libraries of Timbuktu).[17]

Destruição parcial[editar | editar código-fonte]

Muitos dos manuscritos foram destruídos, juntamente com muitos outros monumentos da cultura islâmica medieval em Tombuctu, pelos rebeldes islâmicos do Ansar Dine no Conflito no norte do Mali. O Instituto Ahmed Baba e uma biblioteca, ambos contendo milhares de manuscritos, alegadamente foram incendiados pelos rebeldes quando retiravam-se de Tombuctu.[18] Jornalistas, entretanto, descobriram que pelo menos uma das bibliotecas estava em grande parte intacta, e que apenas algumas pilhas pequenas de cinzas, juntamente com dezenas de caixas vazias estavam presentes, sugerindo que os relatórios mais alarmantes eram infundados.[19]

Um assessor do ex-presidente maliense, bem como várias outras pessoas envolvidas com a preservação dos manuscritos, disseram que os documentos tinham sido evacuados em um local seguro em 2012, antes dos terroristas islâmicos invadirem Tombuctu.[20] O estadunidense especialista em preservação de livros Stephanie Diakité e Dr. Abdel Kader Haidara, curador de uma das bibliotecas mais relevantes de Tombuctu, uma posição retida por gerações por sua família, organizaram a evacuação dos manuscritos para Bamaco, no sul do Mali.[21]

Abdel Kader agradeceu a organização SAVAMA-DCI e seus parceiros numa carta concedendo permissão para evacuação dos manuscritos às cidades no sul do país e apoiando seu armazenamento.[22] Apesar disso, uma vez no sul, os manuscritos enfrentaram o perigo da maior umidade e do mofo. Stephanie Diakité and Dr. Abdel Kader Haidara começaram uma campanha para angariar fundos à preservação dos livros, incluindo uma campanha de financiamento colaborativo chamada "Bibliotecas de Tombuctu no exílio".[23]

Referências

  1. Rainier 2003.
  2. Polgreen 2007.
  3. «Tombouctou Manuscripts Project». 2016. Consultado em 12 de julho de 2016 
  4. Goolam 2006, p. 35.
  5. Leydier 2009.
  6. «IHERI-AB Institut des Hautes Etudes et de Recherches Islamiques - Ahmed Baba, Timbuktu». Cópia arquivada em 25 de julho de 2011 
  7. «Islamic Manuscripts from Mali - About the Collection - (Global Gateway from the Library of Congress)». Consultado em 12 de julho de 2016 
  8. «Timbuktu Manuscripts Project for the Preservation and Promotion of African Literary Heritage». 2010. Consultado em 12 de julho de 2016 
  9. «Timbuktu Manuscripts Project Continues with Preservation Study Tours». 2004. Consultado em 12 de julho de 2016. Arquivado do original em 15 de julho de 2012 
  10. Djité 2008, p. 182.
  11. Minicka 2008.
  12. Farber 2015.
  13. «MLI/015 - Conservation of Ancient Manuscripts of Timbuktu». Consultado em 23 de julho de 2016 
  14. «Juma Al Mjid Centre, Lux-Development partner to preserve Timbuktu manuscripts». 2011. Consultado em 13 de julho de 2016 
  15. «The Ancient Astronomers of Timbuktu». 2009. Cópia arquivada em 14 de julho de 2016 
  16. «The Manuscripts of Timbuktu». Consultado em 23 de julho de 2016 
  17. «The Lost Libraries of Timbuktu». Consultado em 23 de julho de 2016 
  18. Harding 2013.
  19. «Priceless manuscripts missing in Timbuktu». The Globe and Mail. 28 de janeiro de 2013 
  20. Walt 2013.
  21. Morgan 2013.
  22. Haidara 2013.
  23. «Timbuktu Libraries in Exile». 2016. Consultado em 23 de julho de 2016 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Djité, Paulin G. (2008). The Sociolinguistics of Development in Africa. [S.l.]: Multilingual Matters. ISBN 1847690459 
  • Leydier, Y.; Ouji, A.; LeBourgeois, F.; Emptoz, H. (2009). «Towards an omnilingual word retrieval system for ancient manuscripts». Pattern Recognition. 42 (9): 2089–2105 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

O Commons possui uma categoria com imagens e outros ficheiros sobre Manuscritos de Tombuctu