Geração à Rasca

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Protesto da "Geração à Rasca"
Geração à Rasca
Avenida da Liberdade, Lisboa
Localização Lisboa, Porto e outras cidades
Data 12 de março de 2011

O protesto da Geração à Rasca foi um conjunto de manifestações ocorridas em Portugal e noutros países - nestes últimos, por parte de portugueses -, no dia 12 de Março de 2011. Foi uma maiores manifestações não vinculadas a partidos políticos desde a Revolução dos Cravos[1] e o primeiro grande evento convocado através da Internet em Portugal.

Um evento no Facebook e um blogue, criados por um grupo de amigos - Alexandre de Sousa Carvalho, António Frazão, João Labrincha e Paula Gil - foram o ponto de partida[2] para o movimento de protesto, autointitulado "apartidário, laico e pacífico" e que reivindicava melhorias nas condições de trabalho, como o fim da precariedade. O manifesto incitava à participação numa manifestação dos "desempregados, “quinhentos-euristas” e outros mal remunerados, escravos disfarçados, subcontratados, contratados a prazo, falsos trabalhadores independentes, trabalhadores intermitentes, estagiários, bolseiros, trabalhadores-estudantes, mães, pais e filhos de Portugal".[3][4]

Antecedentes[editar | editar código-fonte]

Frente da manifestação em Lisboa.

O nome é um jogo de palavras usado para descrever a geração que protestou durante os anos 90 do século XX, apelidada «Geração Rasca» por Vicente Jorge Silva, em 1994. Aquando destas manifestações estudantis contra o aumento das propinas, sendo ministro da Educação Couto dos Santos[5] e, depois, nas manifestações contra a prova global, com a ministra Manuela Ferreira Leite, tinham sido gritados slôganes obscenos e alguns estudantes tinham baixado as calças, mostrando as nádegas.[6]

Canção dos Deolinda[editar | editar código-fonte]

A iniciativa inspirou-se na canção dos Deolinda de 2011, "Parva que Sou", que fala sobre a precariedade laboral que afetava - e ainda afeta, à data de 2021 - milhares de portugueses, em particular licenciados:

Que mundo tão parvo
Onde para ser escravo é preciso estudar

Os membros da banda não participaram nos protestos, embora se tenham solidarizado com os manifestantes.[7]

Homens da Luta e o Festival da Canção[editar | editar código-fonte]

A vitória dos Homens da Luta com a canção "A Luta é Alegria", no Festival RTP da Canção de 2011, uma canção humorística inspirada nas canções revolucionárias de Zeca Afonso, veio trazer ainda mais aderentes às manifestações do dia 12 de março.[7][8]

Protesto[editar | editar código-fonte]

Manifestantes no Porto.
Manifestantes em Bruxelas, Bélgica.

O protesto encheu a Avenida da Liberdade, em Lisboa. As estimativas para o número de pessoas presentes no protesto em Lisboa variaram entre as 200 000 e as 300 000 pessoas.[9][10] Houve também manifestações no Porto (80 000 pessoas),[11] Funchal,[12] Ponta Delgada,[13] Viseu,[14] num total de 11 cidades portuguesas. Houve também manifestações mais pequenas em Barcelona, Londres, Berlim, Haia, Madrid, Liubliana, Luxemburgo, Bruxelas, Maputo, Nova Iorque, Copenhaga e Estugarda, em frente às embaixadas de Portugal.[15] A Polícia de Segurança Pública estima a presença de 100 000 pessoas em Lisboa e 60 000 no Porto, enquanto a organização fala de 200 000 e 80 000, respectivamente.[16]

Reações[editar | editar código-fonte]

Miguel Sousa Tavares comentou no Jornal da Noite da SIC de 7 de março de 2011 que o movimento era demagógico, considerando que uma proposta de demitir todos os políticos vinha do mesmo movimento, o que veio a ser desmentido,[17] apelidando, com um tom de desdém, os manifestantes de "deolindos" (referindo-se a "Parva que Sou") e afirmando o seguinte: "Eu talvez me engane, mas eu acho que a manifestação não terá grande sucesso, a menos que o Partido Comunista se associe a ela. Se tiver um grande sucesso, então quer dizer que a demagogia está em primeiro plano, está ativa."[18]

O bispo do Porto, D. Manuel Clemente, disse em declarações à Rádio Renascença não ter ficado surpreendido com a dimensão da manifestação e que devia ser dada uma resposta por parte dos políticos.[19] Em entrevista à Lusa, também afirmou que estes protestos eram "antes de mais, para respeitar muito" e "levar a sério", afirmando que não se pode relativizar o que fizeram jovens "que [viam] o seu futuro com uma grande interrogação".[20]

Paulo Portas, líder do CDS-PP - que, então, estava a meses de se tornar Ministro dos Negócios Estrangeiros do 19º governo constitucional, que ficou conhecido pelas suas medidas de austeridade - afirmou a 11 de março de 2011 que "os partidos [políticos] devem resistir à tentação de colonizar" a manifestação e que os organizadores "não têm nenhuma obrigação de apresentar soluções".[21]

Aquando do anúncio da receção do Prémio Pritzker, em 28 de março de 2011, Eduardo Souto de Moura disse, em conferência de imprensa, que receber esse prémio era bom porque "[…] Não há emprego, está tudo a emigrar. Temos bons arquitetos e a chamada Geração à Rasca está mesmo à rasca. E não há para onde ir. […]".[22]

Consequências[editar | editar código-fonte]

Manifestantes em Lisboa.

A 15 de março de 2011, João Labrincha, um dos organizadores do protesto, fez na RTP um balanço muito positivo da manifestação, apelidando-a de "dia histórico", com cerca de 400 mil pessoas estiveram nas ruas, e afirmando que "agora a luta tem que passar por todos", para que a energia desse dia não morra. Acusou ainda o Primeiro-Ministro José Sócrates e Pedro Passos Coelho, líder do maior partido da oposição (o PSD), de "desfasamento face à realidade", por estes não terem feito comentários nem tido reação após a gigante manifestação.[23]

Poucos dias após a manifestação da Geração à Rasca, Paula Gil afirmou que "o protesto não era o final [...] queríamos que as pessoas percebessem que a democracia não termina no direito ao voto".[24]

Adolfo Mesquita Nunes, do CDS-PP, apresentou uma proposta de um pacote de 20 medidas urgentes para a "geração à rasca", incluindo que as universidades informem os alunos da empregabilidade dos cursos que lecionam, uma maior flexibilidade do mercado de trabalho e a liberalização do mercado de arrendamento.[25]

A 23 de março de 2011, José Sócrates apresenta a sua demissão como primeiro-ministro de Portugal, após um chumbo no Parlamento a medidas de austeridade propostas no âmbito do Pacto de Estabilidade e Crescimento.[26]

Na sequência da marcação de eleições legislativas, o Bloco de Esquerda lançou uma campanha intitulada Retratos da Geração à Rasca.[27][28]

A 15 de abril de 2011, os organizadores iniciais do protesto fundam o Movimento 12 de Março. A esse pequeno grupo de jovens juntaram-se outros ativistas, com o desejo de criar um movimento com o objetivo de "fazer de cada cidadão um político" (expressão originária de um pensamento de José Saramago[29]), prometendo ser "uma voz ativa na promoção e defesa da democracia em todas as áreas da [vida das pessoas]".[30]

A 19 de abril de 2011, o Movimento 12 de Março, os Precários Inflexíveis, o FERVE e os Intermitentes do Espetáculo e do Audiovisual lançaram uma Lei Contra a Precariedade.[31]

A partir de 15 de maio de 2011, manifestações semelhantes ocorreram em Espanha, inspiradas nos protestos em Portugal. Os organizadores do movimento Democracia Real Já apontam a Geração à Rasca como uma referência, pois em Espanha falava-se, como afirmou José David (um dos organizadores do movimento, com o seguinte: "Muito do que estava a acontecer em Portugal e deu-nos vergonha que [em Espanha] não tivéssemos feito nada. Em Portugal, mostraram que não se deve ter medo, que se deve sair à rua".[32]

A 22 de maio de 2011, no primeiro dia de campanha eleitoral para as legislativas antecipadas, o Movimento 12 de Março lançou uma campanha paralela pela realização de uma Auditoria Cidadã à Dívida Pública,[33] que se formalizou oficialmente na Convenção de Lisboa realizada a 17 de dezembro de 2011,[34] onde foi criada uma "Comissão de Auditoria", na qual muitas outras pessoas e coletivos se vieram a integrar, através de um movimento que adotou o nome de Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida Pública.

A 15 de outubro de 2011, o Movimento 12 de Março fez parte da plataforma de movimentos sociais que organizaram uma manifestação em Lisboa, naquele que ficou conhecido como o primeiro protesto convocado à escala global.[35]

Tanto o Movimento 12 de Março, como outros que surgiram após o Protesto da Geração à Rasca, mantêm-se atuantes em vários domínios da política, do ativismo e da cidadania.[36]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. «Decenas de miles de portugueses se manifiestan contra la precariedad en la mayor concentración al margen de los partidos · ELPAÍS.com». Consultado em 13 de março de 2011. Cópia arquivada em 9 de novembro de 2011 
  2. Um desempregado, um bolseiro e uma estagiária inventaram o Protesto da Geração à Rasca - Público. Página visitada a 15 de Fevereiro de 2014
  3. Manifesto do Protesto da Geração à Rasca Arquivado em 6 de janeiro de 2012, no Wayback Machine. - Página oficial da organização - Página visitada a 15 de Fevereiro de 2014
  4. «Protesto Geração à Rasca alastra no Facebook». Consultado em 12 de março de 2011. Arquivado do original em 22 de fevereiro de 2011 
  5. Quando a "geração rasca" mostrou o rabo ao ministro Arquivado em 21 de fevereiro de 2014, no Wayback Machine. - RTP. Página visitada a 15 de Fevereiro de 2014
  6. A Geração Rasca e os Velhos, por Alberto Pinto Nogueira Arquivado em 29 de janeiro de 2016, no Wayback Machine. - Público 17/09/2013. Página visitada a 25 de Setembro de 2015
  7. a b «Deolinda, o grupo que dá voz à "geração à rasca", presente "em consciência"». SIC Online. Consultado em 12 de março de 2011 
  8. «Homens da Luta aumentam adesões à 'Geração à Rasca' - Sol». Consultado em 12 de março de 2011. Cópia arquivada em 21 de março de 2012 
  9. «Protesto/crise: "Geração à rasca" enche a avenida da Liberdade até ao Rossio - dn - DN». Consultado em 12 de março de 2011. Cópia arquivada em 28 de setembro de 2011 
  10. «Geração à rasca leva 300 mil manifestantes à Avenida da Liberdade- Economia - Jornal de negócios online». Consultado em 12 de março de 2011. Cópia arquivada em 15 de março de 2011 
  11. «"Geração à Rasca" no Rossio de Lisboa - Portugal - DN». Consultado em 12 de março de 2011. Cópia arquivada em 28 de setembro de 2011 
  12. «Geração à rasca: protesto chegou ao Funchal > Sociedade > TVI24». Consultado em 12 de março de 2011. Cópia arquivada em 15 de março de 2011 
  13. «IOL Diário - Geração à rasca: protesto forte em Ponta Delgada». Consultado em 12 de março de 2011 
  14. «IOL Diário - Geração à Rasca: Viseu protestou no Rossio». Consultado em 12 de março de 2011 
  15. «IOL Diário - «Geração à rasca»: luta também em Barcelona». Consultado em 13 de março de 2011 
  16. «Protesto Geração à Rasca juntou entre 160 e 280 mil pessoas só em Lisboa e Porto - Sociedade - PUBLICO.PT». Consultado em 13 de março de 2011. Arquivado do original em 15 de março de 2011 
  17. «Grupo anti-político 'cola-se' à Geração à Rasca - Sol». Consultado em 12 de março de 2011. Cópia arquivada em 27 de setembro de 2012 
  18. «Homens da Luta - Miguel Sousa Tavares critica (Manifestação da Geração à Rasca) @ SIC». YouTube. 8 de março de 2021. Consultado em 13 de março de 2021 
  19. Bispo do Porto diz que é preciso atender à “Geração à Rasca”, Rádio Renascença, 13 de Março de 2011. Página acedida em 15 de Março de 2011.
  20. «É preciso "levar a sério" os protestos sociais, diz bispo do Porto - Sociedade - PUBLICO. PT». Consultado em 23 de março de 2011. Cópia arquivada em 26 de março de 2011 
  21. Portas defende legitimidade da «Geração à Rasca» Arquivado em 16 de março de 2011, no Wayback Machine. TVI 24, 11 de Março de 2011. Página acedida em 15 de Março de 2011.
  22. «Souto de Moura: "Nunca pensei receber o prémio Pritzker" - Cultura - PUBLICO.PT». Consultado em 30 de março de 2011. Cópia arquivada em 1 de abril de 2011 
  23. O balanço do Protesto feito por João Labrincha na RTPN Arquivado em 8 de outubro de 2013, no Wayback Machine.. Página visualizada a 15 de Fevereiro de 2014
  24. «Cópia arquivada». Consultado em 23 de junho de 2011. Cópia arquivada em 15 de agosto de 2017 
  25. CDS quer alunos informados de taxa de empregabilidade Arquivado em 22 de outubro de 2013, no Wayback Machine., TVI 24, 15 de Março de 2011. Página acedida em 15 de Março de 2011.
  26. «Ao minuto: Sócrates pediu demissão e diz que vai a eleições - Política - PUBLICO. PT». Consultado em 25 de março de 2011. Arquivado do original em 6 de março de 2012 
  27. [ligação inativa] jpn.icicom.up.pt - bloco_de_esquerda_e_as_rubricas_tematicas
  28. «Bloco de Esquerda e as rubricas temáticas - JPN». JPN - JornalismoPortoNet. 3 de junho de 2011. Consultado em 18 de agosto de 2020 
  29. Outros Cadernos de Saramago Arquivado em 20 de janeiro de 2012, no Wayback Machine. - Fundação José Saramago. Página visitada a 15 de Fevereiro de 2014
  30. Organizadores da "Geração à Rasca" criam "Movimento 12 de Março" Arquivado em 3 de março de 2016, no Wayback Machine. - Jornal de Notícias. Página visitada a 15 de Fevereiro de 2014
  31. Ex- Geração á Rasca quer debater lei contra a precariedade Arquivado em 25 de fevereiro de 2014, no Wayback Machine. - TVI. Página visitada a 12 de Fevereiro de 2014
  32. «"Geração à rasca" é referência para Espanha - JN». Consultado em 22 maio 2011. Cópia arquivada em 27 de setembro de 2011 
  33. "Geração à rasca" quer auditoria às contas públicas Arquivado em 29 de outubro de 2013, no Wayback Machine. - RTP. Página visitada a 15 de Fevereiro de 2014
  34. "Convenção de Lisboa" formaliza hoje auditoria cidadã à dívida pública Arquivado em 26 de fevereiro de 2014, no Wayback Machine. - jornal I. Página visitada a 12 de Fevereiro de 2014
  35. «Protesters in Lisbon surround parliament». Reuters. 15 de outubro de 2011. Consultado em 6 de setembro de 2012. Cópia arquivada em 3 de fevereiro de 2012 
  36. (página eliminada) «Um ano depois, a geração à rasca deu lugar ao Portugal à rasca - i online» Verifique valor |url= (ajuda). Consultado em 29 de junho de 2012. Cópia arquivada em 12 de março de 2012 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

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