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Jean-Baptiste de Lamarck

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 Nota: Para por outras acepções, veja Lamarck (desambiguação).
Jean-Baptiste de Lamarck
Lamarck, por Charles Thévenin (c. 1802)
Nome completoJean-Baptiste Pierre Antoine de Monet
Conhecido(a) porEvolução; herança de caracteres adquiridos; Philosophie Zoologique
Nascimento
Morte
28 de dezembro de 1829 (85 anos)

NacionalidadeFrancês
OcupaçãoNaturalista

Jean-Baptiste-Pierre-Antoine de Monet, chevalier de Lamarck (Bazentin, 1 de agosto de 1744Paris, 28 de dezembro de 1829) foi um naturalista francês[1] que desenvolveu o lamarckismo, uma teoria da evolução agora desacreditada. Foi ele que, de fato, introduziu o termo biologia. Embora a ideia de que a vida não fosse fixa, mas mudasse ao longo do tempo já existisse antes de Lamarck, esta é considerada a primeira teoria coesa de evolução biológica. Lamarck personificou as ideias pré-darwinistas sobre a evolução. As principais diferenças em relação ao Darwnismo e que foram responsáveis pela refutação do Lamarckismo dizem respeito aos mecanismos que causam a evolução. A teoria lamarckiana é dita finalista, pois pressupõe uma força desconhecida que dá direção à evolução.

Originário da baixa nobreza (daí o título de 'chevalier'), Lamarck pertenceu ao exército, interessou-se por história natural e escreveu uma obra de vários volumes sobre a flora da França. Isto chamou a atenção do Conde de Buffon que o indicou para o Museu de História Natural, em Paris. Após ter trabalhado durante vários anos com plantas, Lamarck foi nomeado curador dos invertebrados (mais um termo introduzido por ele), e começou uma série de conferências públicas. Antes de 1808, ele era um essencialista que acreditava que as espécies eram imutáveis. Mas graças ao seu trabalho sobre os moluscos da Bacia de Paris, ficou convencido da transmutação das espécies ao longo do tempo, e desenvolveu a sua teoria da evolução (apresentada ao público em 1809 na sua Philosophie Zoologique).

A teoria evolutiva de Lamarck

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A teoria de Lamarck não obteve grande aceitação na França, mesmo entre os seus colegas do Museu de História Natural, como, por exemplo, o eminente naturalista Georges Cuvier. Entretanto, houve uma boa aceitação na Inglaterra.[carece de fontes?] Apesar disto, Lamarck não foi capaz de convencer aos homens do seu tempo que a evolução fosse um fato. O consenso científico sobre a realidade da evolução só veio cerca de cinco décadas mais tarde, com as ideias de Charles Darwin publicadas em A Origem das Espécies (1859).

A teoria da evolução de Lamarck se baseia em quatro leis:[2]

  1. A tendência dos seres para um melhoramento constante rumo à perfeição, um aumento da complexidade dos seres menos desenvolvidos aos mais desenvolvidos.
  2. O surgimento de um novo órgão ou parte de um organismo resultaria de uma necessidade e do hábito do organismo no sentido de suprir tal necessidade. O novo órgão ou parte surgiria no decorrer de muitas gerações caso a necessidade e o hábito se mantivessem.
  3. O uso e desuso, no qual o estado e grau de desenvolvimento de um órgão dependeria de quanto ele é usado. Quanto mais um órgão é utilizado, mas ele se desenvolve; caso seja pouco usado, pode atrofiar e até desaparecer.
  4. A herança dos caracteres adquiridos, na qual as mudanças ocorridas com os organismos ao longo de sua vida, tais como aquelas decorrentes do uso e desuso, seriam transmitidas para a geração seguinte.

Tais ideias não eram originais de Lamarck, sendo em sua maioria de ampla aceitação na Europa mesmo antes de Lamarck e defendidas até por Charles Darwin (como em sua teoria da pangênese[3]). A novidade introduzida por Lamarck foi aplicar estas ideias a uma teoria de contínua transformação dos seres vivos. Assim, o uso contínuo de um órgão ou parte do corpo faz com que este se desenvolva e seja apto para o correto funcionamento, e o desuso de um órgão ou parte do corpo faz com que este se atrofie e com o tempo perca totalmente a sua função no corpo do indivíduo. Estas mudanças são transmitidas aos descendentes através da transmissão das características adquiridas. Assim, o uso e desuso de partes do corpo provocam alterações no organismo do indivíduo e essas alterações podem ser transmitidas às gerações seguintes. Por exemplo, as crias das girafas herdam o pescoço comprido dos pais que supostamente o desenvolvem quando comem folhas das árvores mais altas. Desta forma, com o acúmulo sucessivo destas modificações entre gerações, as espécies evoluem.

Lamarck acreditava que, como o meio ambiente sofre modificações constantes, as suas alterações estruturais forçam os seres que nele vivem a se transformarem para se adaptarem ao novo meio. Ao longo de muitas gerações (milhões de anos), o acúmulo de alterações pode levar ao surgimento de novos grupos de seres vivos. Assim, modificações no ambiente causam alterações nas "necessidades", no comportamento, na utilização e desenvolvimento dos órgãos, na forma das espécies ao longo do tempo - por isso causam a transmutação das espécies (evolução).

Lamarck defendia a geração espontânea contínua das espécies, com os organismos mais simples a serem depois transmutados com o tempo (pelo seu mecanismo) tornando-se mais complexos e próximos da perfeição ideal. Acreditava, portanto, num processo teleológico, com um fim determinado em que os organismos se tornam mais perfeitos à medida que evoluem.

A comparação das ideias de Lamarck (1809) e Darwin (1859) permite que se monte um quadro sobre as mudanças na forma de pensar e no desenvolvimento da ciência. Embora ambos defendessem a evolução, Lamarck e Darwin divergiram quanto ao principal mecanismo evolutivo, que para Darwin era a seleção natural; Lamarck era teleológico, enquanto a evolução de Darwin não tinha fins determinados; para Lamarck, havia várias origens, para Darwin, uma origem comum; ambos eram gradualistas, ou seja, as mudanças evolutivas eram o acúmulo de pequenas mudanças; ambos incluíram o Homem na evolução.

As teorias e os pensamentos de Lamarck podem ser considerados Transformistas, pois propõem a transformação e a evolução dos organismos. As suas ideias também evoluíram ao longo dos seus estudos, e formaram um panorama que muito contribuiu para a biologia moderna.

Lápide no túmulo de Lamarck

É provável que a visão que os teóricos contemporâneos têm de Lamarck seja injusta. As contribuições dele para a biologia são muito importantes. Ele acreditava na evolução numa época em que não existiam muitos conhecimentos para sustentar essa teoria. Defendeu ainda que a função precede a forma, uma ideia controversa na sua época. No entanto, a herança dos caracteres adquiridos foi quase completamente refutada. August Weismann provou que a teoria era falsa em experiências em que a cauda de ratos era cortada para verificar se as crias nasciam com a cauda cortada. Algumas culturas humanas, como os judeus, têm por hábito circuncidar os homens, mas após várias gerações os homens continuam a precisar de ser circuncidados. Mas Lamarck não considerava as mutilações como uma forma de adquirir novas características. Ele julgava que só eram adquiridas novas características quando o animal se esforçava para satisfazer as suas próprias necessidades.

Charles Darwin elogiou Lamarck na terceira edição da "A Origem das Espécies" por ele apoiar o conceito da evolução e por contribuir para a sua divulgação. Segundo Darwin, Lamarck foi "merecidamente célebre" e "o primeiro a chamar a atenção à probabilidade de todas as mudanças tanto no mundo orgânico como no inorgânico serem resultado de uma lei e não de intervenção milagrosa."[4] Darwin aceitava a ideia do uso e do desuso, e desenvolveu a sua teoria da pangênese em parte para explicar esse fenômeno. Não foi Darwin que refutou a teoria dos caracteres adquiridos, mas sim a descoberta dos mecanismos celulares da hereditariedade e da genética (ideias que Darwin reconheceu que precisava para completar a sua teoria).

Opiniões sobre a religião

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No seu livro Philosophie Zoologique, Lamarck referiu-se a Deus como o "sublime autor da natureza". As opiniões religiosas de Lamarck são examinadas no livro Lamarck, o Fundador da Evolução (1901), de Alpheus Packard. De acordo com Packard a partir dos escritos de Lamarck, ele pode ser considerado como um deísta.[5]

O filósofo da biologia Michael Ruse descreveu Lamarck "como acreditando em Deus como um impulsionador imóvel, criador do mundo e das suas leis, que se recusa a intervir milagrosamente na sua criação".[6] O biógrafo James Moore descreveu Lamarck como um "deísta meticuloso".[5]

O historiador Jacques Roger escreveu: "Lamarck era um materialista ao ponto de não considerar necessário recorrer a qualquer princípio espiritual […] o seu deísmo permaneceu vago, e a sua ideia de criação não o impediu de acreditar em tudo na natureza, incluindo as formas mais elevadas de vida, foi apenas o resultado de processos naturais".[7]

Principais trabalhos

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Na classificação dos invertebrados:

  • 1801. Système des animaux sans vertèbres, ou tableau général des classes, des ordres et des genres de ces animaux; présentant leurs caractères essentiels et leur distribution, d'après la considération de leurs..., Paris, Detreville, VIII: 1–432.
  • 1815–22. Histoire naturelle des animaux sans vertèbres, présentant les caractères généraux et particuliers de ces animaux..., Tome 1 (1815): 1–462; Tome 2 (1816): 1–568; Tome 3 (1816): 1–586; Tome 4 (1817): 1–603; Tome 5 (1818): 1–612; Tome 6, Pt.1 (1819): 1–343; Tome 6, Pt.2 (1822): 1–252; Tome 7 (1822): 1–711.


Referências

  1. «Jean-Baptiste Lamarck | Biography, Theory of Evolution & Facts» (em inglês). Encyclopædia Britannica. 20 de julho de 1998. Consultado em 2 de abril de 2021 
  2. Martins, Lilian Al-Chueyr Pereira (2002). «Martins, Lilian Al-Chueyr Pereira. "Nos tempos de Lamarck: o que ele realmente pensava sobre evolução orgânica.» (PDF). Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Ciência, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 
  3. Arcanjo, Fernanda Gonçalves; Silva, Edson Pereira; Arcanjo, Fernanda Gonçalves; Silva, Edson Pereira (setembro de 2017). «Pangênese, genes, epigênese». História, Ciências, Saúde-Manguinhos (3): 707–726. ISSN 0104-5970. doi:10.1590/s0104-59702017000300009. Consultado em 2 de abril de 2021 
  4. Darwin, Charles (1859). A Origem das Espécies. [S.l.: s.n.] 
  5. a b Packard (2008), pp. 217–22.
  6. Ruse (1999), p. 11.
  7. Roger (1986), p. 291.

Bibliografia

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  • BIZZO, Nélio. Darwin- do telhado das Américas à teoria da evolução. São Paulo: Odysseus Editora, 2002.
  • BRADLEY, J. Mach’s; Philosophy of Science. London: Atholne Press, 1971.
  • DARWIN, Charles. "Origem das Espécies"; Eugênio Amado. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: USP, 1985.
  • FERRERIA, Marcelo Alves. Transformismo e Extinção de Lamarck à Darwin. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8133/tde-24102007-150401/. Acesso em 12/Fevereiro/2008.
  • FOUCAULT. "As Palavras e as Coisas: uma arqueologia das ciências humanas". São Paulo: Martins Fontes, 1966.
  • GOULD, Stephen Jay. "Darwin e os grandes enigmas da vida"; Maria Elisabeth Martinez. 2° edição. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
  • David Dana. "A Galinha e seus dentes e outras reflexões sobre história natural"; Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
  • F. Rangel; "Pilares do tempo: Ciência e Religião na plenitude da vida". Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2002.
  • "The Structure of Evolutionary Theory". Massachusetts: The Belknap Press of Harward University Press; 2002.
  • HORTA, Márcio Rodrigues. "O impacto do manuscrito de Wallace de 1858". Revista Scientiae Studia, vol. 01, n° 02, 2003. Disponível em: http://www.scientiaestudia.org.br/revista/PDF/01_02_06_Marcio.pdf . Acesso em 13 de Fevereiro de 2008.
  • KUHN, Thomas. "A Estrutura das Revoluções Científicas". São Paulo. Pioneira. 1992
  • MAYR, Ernst. "The Growth of Biological Thought: Diversity, Evolution and Inheritance". Massachusetts: The Belknap Press of Harward University Press, 1982.
  • PRATT, Mary L. Os Olhos do Império: relatos de viagem e transculturação. São Paulo: EDUSC, 1999
  • RADL, E. "Historia de las Teorías Biológicas". Madrid: Revista de Occcidente, 1931.
  • STRATHERN, Paul. "Darwin e evolução em 90 minutos"; Maria Helena Geordane; revisão técnica, Geraldo Renato de Paulo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2001.

Ligações externas

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