Paz de Vestfália

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Banquete da Guarda Civil de Amsterdã em celebração da Paz de Münster de Bartholomeus van der Helst, 1648

A chamada Paz de Vestfália (ou de Vestefália, ou ainda Westfália), também conhecida como os Tratados de Münster e Osnabruque (ambas as cidades atualmente na Alemanha), designa uma série de tratados que encerraram a Guerra dos Trinta Anos e também reconheceram oficialmente as Províncias Unidas e a Confederação Suíça. O Tratado Hispano-Neerlandês, que pôs fim à Guerra dos Oitenta Anos, foi assinado no dia 30 de janeiro de 1648 (em Münster). Já o tratado de Vestfália, assinado em 24 de outubro de 1648,[1] em Osnabruque, entre Fernando III, Imperador Romano-Germânico, os demais príncipes alemães, o Reino da França e a Suécia, pôs fim ao conflito entre estas duas últimas potências e o Sacro Império. O Tratado dos Pirenéus (1659), que encerrou a guerra entre França e Espanha, também costuma ser considerado parte da Paz de Vestfália.

Este conjunto de diplomas inaugurou o moderno sistema internacional, ao acatar consensualmente noções e princípios, como o de soberania estatal e o de Estado-nação. Embora o imperativo da paz tenha surgido em decorrência de uma longa série de conflitos generalizados, surgiu com eles a noção embrionária de que uma paz duradoura derivava de um equilíbrio de poder, noção essa que se aprofundou com o Congresso de Viena (1815) e com o Tratado de Versalhes (1919). Por essa razão, a Paz de Vestefália costuma ser o marco inicial do Direito Internacional clássico e uma das bases de estudo das Relações Internacionais.[2]

A Paz de Westfalia estabeleceu os princípios que caracterizam o estado moderno, destacando-se a soberania, a igualdade jurídica entre os estados, a territorialidade e a não intervenção.

As negociações de paz, após as conversações iniciais, foram realizadas nas cidades de Münster e Osnabruque como uma alternativa favorecida pela Suécia, enquanto que Hamburgo e Colônia eram as alternativas francesas. As duas localidades eram necessárias, pois líderes protestantes e católicos recusavam reunir-se (os protestantes ficaram em Osnabruque, os católicos em Münster).

Principais resultados[editar | editar código-fonte]

A maior parte do tratado pode ser atribuída ao trabalho do cardeal Jules Mazarin, que era à época o governante de facto da França. A França também saiu da guerra em uma posição muito melhor do que as outras potências, sendo capaz de ditar boa parte do tratado.

Consequências para a Europa[editar | editar código-fonte]

Europa em 1648, após o Tratado de Vestfália. A área em cinza representa os estados germânicos do Sacro Império

As consequências do tratado foram muito abrangentes. Dentre outras, os Países Baixos ficaram independentes da Espanha, terminando-se com a Guerra dos Oitenta Anos; a Suécia ficou com a Pomerânia, Wismar, Bremen e Werden. O poder dos imperadores romano-germânicos foi irreparavelmente abalado e os governantes dos estados germânicos voltaram a gozar da prerrogativa de determinar a religião oficial dos seus territórios. O tratado deu reconhecimento legal aos calvinistas. Grandes potências emergiram: as Sete Províncias Unidas dos Países Baixos, o Reino Unido, o Império Sueco e a França. O poderio da Suécia foi, contudo, de pouca duração.

Relevância histórica[editar | editar código-fonte]

A Alemanha após o Tratado de Vestfália

A Paz de Vestfália é frequentemente apontada como o marco da diplomacia moderna, pois deu início ao sistema moderno de Estados-nação. Pela primeira vez reconheceu-se a soberania de cada um dos Estados envolvidos. As guerras posteriores ao acordo não mais tiveram como causa principal a religião, mas giravam em torno de questões de Estado. Isto permitiu que potências católicas e protestantes pudessem se aliar, provocando grandes inflexões no alinhamento dos países europeus.

Também fortaleceu as divisões internas no território da atual Alemanha, impedindo-a de formar um Estado-nação unido, o que perdurou até o final do século XIX.

Outro resultado importante do tratado foi ter colocado por terra a ideia de que o Sacro Império Romano-Germânico pudesse dominar secularmente o Mundo Cristão por inteiro. A afirmação da soberania do Estado-nação inviabilizou a pretensão de que o Sacro Império teria a primazia sobre (e deveria englobar) toda a Cristandade.

Portugal[editar | editar código-fonte]

A diplomacia portuguesa da Restauração tinha como grandes objetivos o reconhecimento da legitimidade de D. João IV, do carácter irreversível da independência e soberania de Portugal e a manutenção dos territórios ultramarinos. Portugal procurou participar no Congresso, ainda que não tivesse sido uma potência beligerante, uma vez que este definiria a nova ordem europeia. Espanha opôs-se firmemente a tal desiderato, sob ameaça de abandonar as negociações. Ainda que não tenham chegado a ser acreditados, os emissários portugueses mantiveram uma ampla atividade diplomática, com múltiplos contactos com os participantes à margem do congresso, promovendo a causa portuguesa.

A coroa portuguesa indicou diversos Plenipotenciários que deveriam participar no Congresso de Vestefália, nomeadamente D. Luís de Portugal, num primeiro momento nomeado como emissário à Suécia, que viria a viajar junto da comitiva sueca a Vestefália, bem como Rodrigo Botelho de Morais, Luís Pereira de Castro, Francisco de Andrade Leitão, e Cristóvão Soares de Abreu, que foram indicados para diferentes postos em Münster e Osnabrück, com o objetivo de representarem a coroa portuguesa no Congresso. No entanto nenhum destes diplomatas viria a ter acesso às conferências, sobretudo devido à forte oposição espanhola à participação portuguesa no Congresso (devido à guerra da Restauração), limitando-se a exercer uma ampla atividade diplomática à margem do congresso, em defesa dos interesses portugueses.

Com efeito, a correspondência dos representantes portugueses indicados para Vestefália, bem com dos diplomatas acreditados nos países aliados a Portugal (França, Holanda e Suécia), revela uma intensa atividade diplomática no sentido de tentar garantir o seu interesse pela causa portuguesa, no contexto do equilíbrio europeu que se estava a negociar. Era uma teia que passava pela ação concertada entre os diplomatas envolvidos nos diferentes processos.

Portugal pretendia ser parte de um acordo geral de paz, vendo assim reconhecida a sua recém-readquirida independência, contando sobretudo com o apoio da França, ainda que se saiba hoje que o primeiro-ministro francês, Cardeal Mazarino, tenha instruído os seus diplomatas no sentido de que a “questão portuguesa” não deveria bloquear a paz que deveria sair de Vestefália.[3]

Visões contemporâneas[editar | editar código-fonte]

Ratificação do Tratado de Münster (1648), que inaugurou o moderno sistema internacional, ao acatar princípios como a soberania estatal e o Estado-nação de Gerard Terborch

Em 1998, no Simpósio sobre a Relevância política da Paz de Vestfália, ou Paz de Vestfália de 1648, o Secretário General da OTAN, Javier Solana, disse que "humanidade e democracia [foram] dois princípios essencialmente irrelevantes à ordem original de Vestfália" e, como crítica, comentou que "o sistema de Vestfália tinha seus limites. Primeiramente, o princípio da soberania, do qual o sistema dependia, também produzia as bases para a rivalidade e não uma comunidade de Estados; exclusão, não integração".[4]

Em 2000, o Ministro de Assuntos Estrangeiros da Alemanha, Joschka Fischer, em seu discurso proferido na Universidade Humboldt, em Berlim, argumentou que o sistema de políticas europeias estabelecido por Vestfália era obsoleto: "O centro da concepção de Europa pós-1945 era e ainda é uma rejeição do princípio do equilíbrio de poder e das ambições hegemônicas de cada Estado que emergiram seguindo a Paz de Vestfália em 1648, uma rejeição a qual tomou forma de malha fina de interesses e a transferência de direitos soberanos de Estado-nação para instituições supranacionais europeias".[5]

Como consequência dos ataques de 11 de março de 2004, em Madrid, a rede Al-Qaeda também declarou que "o sistema internacional construído pelo Ocidente desde o Tratado de Vestfália entrará em colapso, e um novo sistema internacional ascenderá, sob a liderança de um poderoso Estado islâmico".[6]

Também tem sido frequentemente alegado que a atual globalização implica uma evolução do sistema internacional que vai além da soberania do Estado Vestfaliano.[carece de fontes?]

Referências

  1. Nobre, Pedro. «Westminster, Tratado de (1654)». Universidade Nova de Lisboa. Consultado em 5 de Maio de 2014. Cópia arquivada em 5 de Maio de 2014 
  2. Jubilut, Liliana Lyra. Os Fundamentos do Direito Internacional Contemporâneo: da Coexistência aos Valores Compartilhados. Anuário Brasileiro de Direito Internacional 1 (1), 2006, pp 203-219.
  3. «Congresso de Vestefália». Portal Diplomático. Consultado em 30 de abril de 2021 
  4. NATO: “Securing Peace in Europe”, discurso do Dr. Javier Solana (secretary geral da NATO) no "Simpósio da Relevância Política da Paz de Vestfália", Münster, 12 Nov. 1998. Em inglês. Página visitada 2014-02-03.
  5. Fischer, Joschka (12 de maio de 2000). «From Confederacy to Federation - Thoughts on the finality of European integration». German EU policy (Speeches) (em inglês). Universidade Humboldt de Berlim (traduzido do Alemão para o Inglês). Auswärtiges Amt. Consultado em 12 de março de 2005. Cópia arquivada em 8 de fevereiro de 2006 
  6. Berman, Yaniv (1 de abril de 2004). «Al-Qa'ida: Islamic state will control the world» (em inglês). The Media Line. Consultado em 12 de março de 2005. Cópia arquivada em 16 de fevereiro de 2006 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

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