Trajanópolis (Trácia)

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Trajanópolis
Τραϊανούπολης
Trajanópolis (Trácia)
Ruínas de quatro edifícios termais romano-otomanos
Localização atual
Trajanópolis está localizado em: Grécia
Trajanópolis
Localização de Trajanópolis na Grécia
Coordenadas 40° 52' N 25° 59' E
País  Grécia
Unidade regional Evros
Município Alexandrópolis
Unidade municipal Trajanópolis
Dados históricos
Fundação Entre 98-117
Abandono século XV-XVI
Início da ocupação Antiguidade Clássica
Fundação de Trajano
Notas
Acesso público Sim
Denário com efígie de Trajano (r. 98–117)

Trajanópolis (em grego: Τραϊανούπολης; romaniz.:Trajanoúpolis; em latim: Trajanopolis; em búlgaro: Orichovo)[1] foi uma antiga cidade romano-bizantina da unidade municipal homônima, na unidade regional de Evros, na periferia da Macedônia Oriental e Trácia, na Grécia. Foi fundada por ou em nome do imperador romano Trajano (r. 98–117) provavelmente sobre o sítio duma antiga colônia grega chamada Dorisco. Dada sua localização em meio ao importante sistema de estradas do Império Romano, prosperou e tornou-se uma grande cidade.

Pelo séculos III-IV, foi transformada na capital da província de Ródope e tornou-se uma metrópole eclesiástica. Permaneceu proeminente até o período bizantino tardio quando foi concedida pelos cruzados como um apanágio para Anselmo de Courcelles e foi saqueada por Joanitzes  da Bulgária (r. 1197–1207). Durante o século XIV, foi repetidamente saqueada por invasores, vindo a ser completamente abandonada pelo período ou, no mais tardar, durante o século XV. Suas ruínas estão localizadas próximo a moderna vila de Lutrá Trajanópolis.

História[editar | editar código-fonte]

Trajanópolis foi fundada por ou em nome do imperador romano Trajano (r. 98–117), à época da fundação de Plotinópolis, fundada e nomeada em nome da imperatriz Plotina, como parte da politica provincial e distrital que visava a urbanização da Trácia. Como o historiador D. R. Samsaris supõe, o critério para a escolha de seu sítio foi, além de seus recursos termais, sua excelente posição no sistema de estradas dos Bálcãs e do Império Romano em geral.[2] Ela localizava-se equidistantemente entre Tempira e Cípsela,[3] provavelmente sobre o sítio da antiga cidade trácia de Dorisco,[4] seguindo o modelo grego de pólis e o helenístico de sinecismo, implicando que incorporou todas as vilas circundantes.[5] Como toda povoação grega, tinha sua própria zona rural (cora) que provavelmente se estendeu, no sentido leste-oeste, do sopé da cordilheira do Ródope ao rio Evros, e no sentido norte-sul, da moderna Sufli à "cora santa" da Samotrácia. A respeito da organização de sua cora há um marco miliário danificado, datado de 202, no qual são listadas todas as vilas que compunham sua periferia. Nele pode-se ler os nomes: Celerva ou Celevai, Rúptulo, Pilémolo, Corsanto e Estrime.[6]

Em pouco tempo, Trajanópolis tornou-se um florescente centro urbano, em parte graças a seu pertencimento ao circuito de cidades que compunham a Via Egnácia, a estrada romana que por séculos ligou Dirráquio e Apolônia à Bizâncio/Constantinopla.[7] No final de século III, durante as reformas de Diocleciano (r. 284–305), converteu-se na capital da província de Ródope. Apesar disso, é omitida na descrição do século IV da Trácia feita por Amiano Marcelino, na qual ele afirma que as principais cidades do Ródope eram Maximianópolis, Maroneia e Eno.[8] Segundo a "Carta para o Solitário" (em latim: Epistola ad Solitarios) de Atanásio do século IV, um bispado foi estabelecido na cidade e,[9] desde pelo menos o século V, Trajanópolis era uma metrópole da província eclesiástica do Ródope.[10] Michel Le Quien cita em sua obra o nome de vários bispos trajanopolitanos: Teódulo, perseguido pelos arianos no século IV; Sinclécio, um amigo do arcebispo constantinopolitano João Crisóstomo; Pedro, que esteve presente no Primeiro Concílio do Éfeso de 431 e assinou a carta dos bispos orientais pró-Nestório; Basílio, que esteve no Concílio da Calcedônia de 451;[a] Abundâncio e Elêusio, bispos respectivamente em 521 e 553.[11]

Sob o imperador bizantino Justiniano (r. 527–565), Trajanópolis foi reparada.[12] Em torno de 640, tinha duas sés sufragâneas sob sua jurisdição, enquanto que, pelo começo do século X, havia sete.[11] No século X, sob o imperador Constantino VII Porfirogênito (r. 913–959), a cidade ainda era importante.[13] Em 1077, durante a revolta contra o imperador Miguel VII Ducas (r. 1071–1078) e seu primeiro-ministro Niceforitzes, foi o ponto de encontro das tropas rebeldes lideradas pelos irmãos João e Nicéforo Briênio[14] e durante o reinado de Aleixo I Comneno (r. 1081–1118) pertenceu às propriedades de seu filho Isaac Comneno.[15] Em 1204, com a conquista de Constantinopla pela Quarta Cruzada, ela, Macri e Vira (atual Feres) foram concedidas como apanágio para Anselmo de Courcelles, sobrinho do cronista cruzado Godofredo de Vilearduin.[16] Dois anos depois, em 1206, o czar Joanitzes  da Bulgária (r. 1197–1207) começou a saquear e destruir as cidades da Trácia, incluindo Trajanópolis. Na obra de Le Quien há o registro dum bispo trajanopolitano, chamado Cudumenes, para cerca de 1270.[11]

Em 1329, um frota turca de 70 navios proveniente de Esmirna desembarcou no delta do Evros e saqueou Trajanópolis e Vira. O imperador bizantino Andrônico III Paleólogo (r. 1328–1341), que estava em Didimoteico, enviou o grande doméstico João Cantacuzeno para impedi-los, tendo ele conseguido dispersá-los sem, porém, garantir com isso a permanência da população na cidade, que à época estava quase deserta. Este evento foi seguido pela Guerra civil bizantina de 1341-1347, um conflito travado entre Ana de Saboia (r. 1326–1341), a imperatriz-viúva de Andrônico III, e João Cantacuzeno (com aliados turcos) pelo controle do império. Durante o conflito, talvez em 1343 segundo Stilpon Kyriakides, Trajanópolis foi destruída, tendo permanecido deserta desde então;[17] apesar disso, há a referência ao nome dum bispo, chamado Germano, para o ano 1352.[11] Segundo Konrad Mannert, teria sido destruída pelos turcos no século XV.[13] Em 1564, há uma menção dum bispo residente de Maroneia, chamado Gabriel, que proclamava-se "metropolita de Trajanópolis", indicando que, com a destruição da cidade, o título de metropolita foi transferido para a vizinha Maroneia. Atualmente Trajanópolis é listada dentre as sés titulares da Igreja Católica.[11]

Arqueologia[editar | editar código-fonte]

Ruínas do Hana de Gazi Evrenos

Segundo Konrad Mannert, após a destruição da cidade pelos turcos, suas ruínas permaneceram sem qualquer exame. No século XVIII, Paul Lucas, durante uma de suas viagens exploratórias, descobriu resquícios dum aqueduto pertencente a Trajanópolis.[13] Apesar disso, a cidade só foi de fato descoberta e identificada no século XIX por Auguste Viquesnel e A. Dumont;[11][18][19] a identificação foi possível somente devido a descoberta duma inscrição bizantina nas termas na qual se pode ler "Trajanopó[lis] ... Macedônia" (em grego: Τραϊανουπό[λει] ... Μακεδονίας; romaniz.:Traianoupó[les] ... Makedonías).[20] Pouco foi escavado desde sua descoberta, sendo a temporada mais importante a de agosto de 1995, que revelou 13 túmulos; ela foi motivada por reformas agendadas numa rodovia que vinha de Salonica.[21] Dentre os achados encontrados nas escavações estão inscrições, moedas, muitas delas com efígies do rio Evros personificado, o pedestal duma estátua de Marco Aurélio (r. 161–180),[22] um relógio solar[b][23] e abundante material de construção.[21] Grande parte destes objetos está atualmente abrigado no Museu Arqueológico de Comotini.

A área murada do sítio localiza-se próximo às termas da vila moderna de Lutrá Trajanópolis, descendo a Colina de São Jorge ao lado das fontes termais. O cemitério de Trajanópolis está localizado a leste da muralha e ocupa uma grande área, que estende-se do sopé da Colina de São Jorge até além da rodovia nacional que liga Alexandrópolis com Feres.[21] Do período bizantino ainda existem algumas ruínas de duas igrejas e dois ícones em mármore com relevos, ambos datáveis entre os séculos XI-XII.[12] No centro do sítio está o edifício retangular conhecido como Hana, que teria sido construído entre 1370-1390 pelo paxá otomano Gazi Evrenos e funcionou como albergue para os transeuntes, e atrás dele há um complexo de termas abobadadas do século XVI. Outro edifício otomano atualmente em ruínas é um tekke localizado sobre a Colina de São Jorge, descrito em 1668 pelo viajante Evliya Çelebi, porém provavelmente construído cerca de 1361. Segundo a descrição de Evliya, ele atuou como convento da ordem dos dervixes bectachis, com 40 ou 50 membros, e abrigou viajantes e pobres. Tinha um moinho, que era uma atração famosa, e uma fonte, cujas águas ainda hoje são consideradas sagradas pelos muçulmanos. Atualmente há sobre as ruínas do tekke uma capela de pedra dedicada a São Jorge.[24]

Notas[editar | editar código-fonte]


[a] ^ Tanto Pedro como Basílio assinaram nas atas dos concílios como metropolitas de Trajanópolis.[9]


[b] ^ Este relógio solar, de datação desconhecida, foi feito em mármore. Possui uma porção superior circular e oca, na qual estão gravadas faixas verticais concêntricas e equidistantes que aludem as horas, e uma decoração que imita pés de meses. Nele há inscrições, nas quais afirma-se que foi dedicado às musas dum indivíduo chamado Diógenes.[23]

Referências

  1. Schmitz 1867, p. 127.
  2. Samsaris 2005, p. 109-110.
  3. Smith 1870, p. 1219.
  4. Isaac, p. 139.
  5. Samsaris 2005, p. 108-109.
  6. Samsaris 2005, p. 110-113.
  7. Roisman 2011, p. 266.
  8. Smith 1870, p. 1220.
  9. a b Leitch 1868, p. 184.
  10. Leitch 1868, p. 65; 184.
  11. a b c d e f Herbermann 1912, p. 16.
  12. a b «Bυζαντινά χρόνια» (em inglês). Consultado em 6 de fevereiro de 2015 
  13. a b c Knight 1843, p. 115.
  14. «Ioannes Bryennios, brother of usurper Nikephoros M / L XI» (em inglês). Consultado em 21 de novembro de 2014 
  15. Hendy 2008, p. 87.
  16. Vilearduin 1829, p. 166-167.
  17. Kyriakides 1960, p. 57.
  18. Dumont 1876, p. 174.
  19. Viquesnel 1868, p. 297.
  20. «Αρχαιολογικοί χώροι» (em inglês). Consultado em 6 de fevereiro de 2015 
  21. a b c «H αρχαιολογική έρευνα στην Τραϊανούπολη» (em inglês). Consultado em 6 de fevereiro de 2015 
  22. «Ρωμαϊκά χρόνια» (em inglês). Consultado em 6 de fevereiro de 2015 
  23. a b «Ηλιακό ρολόι Τραϊανούπολης» (em inglês). Consultado em 5 de fevereiro de 2015 
  24. «Οθωμανική περίοδος» (em inglês). Consultado em 6 de fevereiro de 2015 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Dumont, A. (1876). «Inscriptions et monuments figurés de la Thrace». Paris. Archives des missions scientifiques et littéraires. 3 
  • Hendy, Michael F. (2008). Studies in the Byzantine Monetary Economy C.300-1450. Cambridge: Cambridge University Press. ISBN 0521088526 
  • Herbermann, Charles G.; Pace, Edward A.; Shahan, Thomas J.; Pallen, Condé B.; Wynne, John J. (1912). The Catholic Encyclopedia. 15. Nova Iorque: The Encyclopaedia Press Inc. 
  • Isaac, Benjamin H. (1986). The Greek Settlements in Thrace Until the Macedonian Conquest. Leida: BRILL 
  • Knight, C. (1843). The Penny Cyclopædia of the Society for the Diffusion of Useful Knowledge. Londres: Charles Knight and Co. 
  • Kyriakides, Stilpon (1960). Sobre a História da África. Salonica: [s.n.] 
  • Leitch, John (1868). Handbook of the Geography and Statistics of the Church. 1. Londres: Bosworth & Harrison 
  • Roisman, Joseph; Ian Worthington (2011). A Companion to Ancient Macedonia. Hoboken, Nova Jérsei: John Wiley & Sons. ISBN 144435163X 
  • Samsaris, D. R. (2005). Geografia histórica da Trácia Ocidental durante a antiguidade romana. Serres: Municipal Company for Cultural and Social Development 
  • Schmitz, Leonhard (1867). A Manual of Ancient Geography. Filadélfia: Blanchard and Lea 
  • Smith, William (1870). Dictionary of Greek and Roman Geography. 2. Boston: Little, Brown and Company 
  • Vilearduin, Godofredo de (1829). The chronicle of Geoffrey of Villehardouin Marshal of Champagne and Romania, Concerning the conquest of Constantinople, by the French and Venetians, anno M.CCIV. Londres: William Pickering 
  • Viquesnel, Auguste (1868). Voyage dans le Turquie d'Europe: description physique et géologique de la Thrace. II. Paris: Arthus Bertrand, Éditeur