Usuário(a):Ciriatico/Testes/Caravaggio

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Caravaggio
Ciriatico/Testes/Caravaggio
Retrato de Caravaggio, por Ottavio Leoni, de cerca de 1621
Nome completo Michelangelo Merisi da Caravaggio
Nascimento 29 de setembro de 1571
Milão, Itália
Morte 18 de julho de 1610 (38 anos)
Porto Ercole, Monte Argentario, Itália
Nacionalidade italiano
Ocupação Pintor
Movimento estético Barroco

Michelangelo Merisi da Caravaggio (Milão, 29 de setembro de 1571 – Porto Ercole, Monte Argentario, 18 de julho de 1610) foi um pintor italiano. É considerado o primeiro grande expoente do estilo barroco e estabeleceu sua carreira em Roma, Nápoles, Malta e Sicília por volta de 1592 a 1610, onde ganhou reconhecimento pelas suas técnicas, dentre as quais destacam-se a observação realista do estado humano, tanto físico quanto emocional, e o dramatismo das expressões faciais e do uso da luz, que tiveram uma influência formativa na pintura barroca.[1]

Era filho de um arquiteto e de uma burguesa, e recebeu até a adolescência educação formal normal e que, com a morte de seu pai e de seu avô, foi enviado pela mãe como aprendiz de pintura de Simone Peterzano, aprendiz de Ticiano. Quando terminou sua aprendizagem em 1592, Caravaggio mudou-se para Roma para consolidar sua carreira, atraído pela enorme quantidade de igrejas e palácios que estavam sendo construídos na Itália nesse período, de certo modo como a resposta da Igreja à ascensão do protestantismo e de seu maneirismo.

Em 1600 conquistou grande sucesso em Roma com a entrega de suas duas primeiras encomendas públicas, Martírio de São Mateus e Vocação de São Mateus, o que proveu-lhe pelo resto da vida de encomendas e patronos de arte. Pouco depois de conquistar a fama, Caravaggio passou a ser foco de inúmeras controvérsias, tendo sido preso diversas vezes, destruído sua casa e, por fim, recebido uma sentença de morte do papa, o que causou seu exílio. Seu estilo de vida agitado[2] acabou levando-o a uma morte precoce, aos 38 anos, em 1610, em circunstâncias misteriosas que fizeram com que seus restos mortais fossem desconhecidos até 2010, quando uma equipe de pesquisadores descobriu sua suposta ossada no pequeno cemitério de Porte Ercole, na comuna de Monte Argentario, na Toscana.[3]

Apesar de ter sido famoso em vida, logo após a morte Caravaggio foi praticamente esquecido, e sua importância para a arte ocidental só foi redescoberta no século XX.[4] Sua influência permeia todo o surgimento do barroco, podendo ser vista direta ou indiretamente na obra de artistas como Rubens, José de Ribera,[5] Bernini[6] e Rembrandt.[7] Os artistas da geração seguinte que foram muito influenciados por ele eram chamados de “caraveggistas” ou “caraveggescos”, assim como “tenebristas” ou “tenebrosos”.[8] O historiador de arte André Berne-Joffrey afirmou no século XX que “o que começa na obra de Caravaggio é, simplesmente, a pintura moderna”.[4]

Biografia[editar | editar código-fonte]

Juventude (1571-1592)[editar | editar código-fonte]

Nascimento[editar | editar código-fonte]

Batizado como Michelangelo Merisi da Caravaggio em 30 de setembro de 1571 em Milão, na Itália, Caravaggio nasceu em 29 de setembro, o primeiro filho de Fermo Merisi e Lucia Aratori.[9] Seu pai era um arquiteto e sua mãe era uma burguesa, a segunda esposa de Fermo, tendo casado bastante jovem no mesmo ano, em 24 de janeiro.

A família de Michelangelo tinha uma boa posição na pequena cidade de Caravaggio, o que permitiu que ele crescesse em um lar economicamente estável: o pai de Lucia, Giovan Giacomo Aratori, era um homem influente na pequena cidade em que o casal casou-se e estabeleceu-se, Caravaggio, onde era agrimensor, dono e avaliador de terras, com uma relação próxima com Francesco Sforza, o marquês de Caravaggio, que foi a testemunha do casamento de Fermo e Lucia. Michelangelo Caravaggio teve quatro irmãos: uma irmã que veio do casamento anterior de Fermo; e três irmãos mais velhos.

Somente Michelangelo, a irmã Caterina e Giovanni Battista, nascido em 1572, constam no censo feito em Milão em 1576, o que sugere que as outras duas crianças foram criadas pelos avôs em Caravaggio.[10] O jovem Michelangelo passou a infância em Milão, então território espanhol pertencente a Filipe II de Espanha, que era o responsável pela indicação ao governador da cidade já conhecida por sua beleza natural, suas construções arquitetônicas e suas forças militares. Michelangelo, no entanto, viveu justamente no período em que a cidade passava por diversas crises e lidava com as consequências de crises passadas: enquanto foi palco de diversos conflitos armados e de surtos de peste bubônica, no inverno de 1570 diversos religiosos foram desalojados, e no inverno seguinte inúmeras pessoas morreram de fome.

Como foi relatado pelo jornalista contemporâneo Giovan Ambrogio Popolano em 1576: “no ano de 1570 houve um grande surto de fome, sem ser possível encontrar nenhuma comida por perto... depois do surto a taxa de mortalidade subiu, e mais pessoas morreram entre aquelas sem comida que entre aquelas que tinham, e sofreram de fome, e este era o ano de 1571.[11]

Infância[editar | editar código-fonte]

Igreja de São Bernardo na comuna de Caravaggio.

O período em que Michelangelo cresceu também foi palco de uma grande fervorosidade religiosa, já que a Igreja ainda estava fortalecendo o movimento da contrarreforma[12] e Milão era controlada pelo Cardeal e arcebispo italiano Carlos Borromeu, sobrinho do Papa Pio IV que chegou à cidade em 23 de setembro de 1565[13] com a missão de infundir uma grande fé religiosa no catolicismo e colocar em prática todas as medidas da contrarreforma entre o povo milanês, que antes do nascimento de Michelangelo não nutria grande fervor religioso, mas que mudou com as mudanças feitas por Borromeu.[14]

Em 1576 a cidade estava lotada com peregrinos prontos para as celebrações luxuosas de boas-vindas a João de Áustria, meio-irmão do rei Filipe II, e um surto de peste bubônica começou a espalhar-se pela cidade.[15] Os peregrinos e a corte espanhola abandonaram a cidade, ficando Borromeu, que passou a cuidar dos doentes. Como relata Popolano: “quando as pessoas saíam para a rua, as que ficavam dentro gritavam e batiam nas janelas, lamentando pelos riscos a que estavam expondo-se... Carlos consolou aqueles doentes com muito humanismo, o quanto pôde...[11] A vida de Michelangelo, então com 6 anos, foi afetada diretamente pela primeira vez pelas crises que assolavam Milão: a família de Michelangelo trancou-se em casa; os outros dois irmãos de Michelangelo foram enviados possivelmente aos avôs em Caravaggio para prevenir-se da peste; e, por fim, em 20 de outubro de 1577, seu pai, Fermo, com 38 anos, e seu avô por parte de pai, Bernardino, morreram no mesmo dia, com poucas horas de diferença.[16] No mesmo ano a peste matou outras 17,239 pessoas da população milanesa, o pior surto de peste da cidade até então.[15]

Francesco Sforza, que por ter sido a testemunha do casamento cuidava da família de Michelangelo, morreu pouco depois, em 1583, e sua jovem esposa, Costanza Colonna, passou a tomar conta de todas as suas responsabilidades e bens, bem como de seu filho Muzio, mandado à corte espanhola para completar sua educação. As propriedades de Fermo Merisi passaram a ser administradas pelo avô materno de Caravaggio, morto em 1584. Costanza, em um ato de caridade, pouco depois deu uma casa para a tia de Caravaggio, que anos antes servira de ama seca a seus filhos. Essa ligação com a família de Costanza Colonna mais tarde ajudaria Michelangelo em muitos momentos delicados de sua vida.[17]

Adolescência[editar | editar código-fonte]

Lucia Aratori passou a cuidar das terras, bem como da custódia das crianças, e a partir daí cuidou da educação de seus dois filhos que viviam consigo: o filho mais novo, Giovanni Battista, seguiu os passos do tio, um capelão em Milão, e tornou-se um padre, recebendo sua primeira tonsura em 1584. Documentos mostram que Giovanni Battista não estava mais presente em Caravaggio depois de janeiro de 1596, ano em que, de agosto a até ao menos junho, ficou estudando moral teológica com os jesuítas. Em novembro de 1599 ele voltou a Caravaggio e passou a viver uma vida provinciana de padre.[17]

Como Giovanni pôde entrar em uma carreira na Igreja ainda em 1584,[18] supõe-se que seu irmão, Michelangelo, tenha recebido a mesma educação formal rígida. O costume da época era que o filho mais velho fosse criado para seguir os pais do pai, mas não se sabe se Michelangelo foi criado para ser um pedreiro e para cuidar das terras da família. Em 6 de abril de 1584, Lucia colocou Michelangelo, aos 13 anos, em uma aprendizagem de duração de 4 anos com Simone Peterzano (cerca de 1535-1599), o melhor professor de Milão na época e responsável por alguns afrescos no palácio dos Sforza em Milão.[17] O contrato custou caro: 24 ducados de ouro por ano, que cobriam também roupa, quarto e refeição. Os efeitos dos gatos foram rapidamente vistos: além das pressões familiares, em 1585, Lucia foi forçada a obter uma ordem de dispensação especial para poder vender um pedaço da terra herdada em conjunto com seus filhos. O motivo do pedido era o de conseguir dinheiro para garantir que o primeiro ano de aulas com Peterzano seria pago, permitindo assim uma continuação na educação de Michelangelo. A venda conseguiu 48 ducados de ouro, quantia exata para dois anos de aulas. As preocupações inicias de Lucia eram de que Michelangelo aprendesse outro ofício, o que indica que Michelangelo não demonstrou grandes talentos durante a infância.[17]

Aprendizagem[editar | editar código-fonte]

Simone Peterzano, tutor de Caravaggio.

A aprendizagem com Simone Peterzano, que possivelmente durou de 1585 a 1589, foi muito importante para o desenvolvimento das habilidades artísticas de Caravaggio. Peterzano era nativo da comuna italiana de Bergamo e foi um aluno de Ticiano em Veneza. Uma das técnicas de Peterzano era a retratação dos personagens destacados no quadro, muito longe um do outro e até da própria paisagem, o que influenciaria muito Caravaggio, que desenvolveria a técnica até ela tornar-se uma característica própria. Depois que Peterzano estabeleceu-se em Milão tornou-se uma figura artística popular entre a aristocracia local, o que justifica, junto a suas experiências, o alto preço de suas aulas.[19]

Pelo foco em sua carreira artística, Michelangelo acabou por não receber muita educação intelectual formal, mas, em compensação, pôde durante 4 anos não só aprimorar suas habilidades como pintor como também testemunhar a criação artística de obras de Peterzano e o cenário da arte de Milão durante esse tempo, já que seu tutor era figura de destaque ali.

Essa experiência com contemporâneos de Peterzano muitas vezes é relacionada à inspiração que levou Caravaggio a desenvolver a dramaticidade da luz em suas obras: Antonio Campi completou no mesmo ano em que Caravaggio tornou-se aprendiz de Peterzano o quadro A visita da imperatriz Faustina à Santa Catarina na prisão, em que ele une a técnica clássica de luz de Rafael em A libertação de São Pedro às técnicas da arte lombarda de usar cores escuras.[20]

Em 25 de setembro de 1589 Michelangelo volta a sua comuna natal para vender seu pedaço de terra junto com seu irmão - o que sugere que Michelangelo completou suas aulas de quatro anos. A venda foi feita para conseguir dinheiro para os dois e sua mãe, mas a venda foi retida até 1590 pelos dois ainda terem 20 anos e precisarem de uma ordem de dispensação especial por serem menores de idade. Lucia não chegou a ver a venda ser realizada: morreu em 29 de outubro, deixando seus três filhos vivos como herdeiros igualitários. Por volta de maio de 1592 os parentes chegaram a um acordo em relação à venda da terra que sobrou e à divisão da herança.[17]

Michelangelo não recebeu nada da herança como forma de agradecimento pelos gastos com sua educação, ao contrário do que dizem rumores sem sustentação de que houve disputas legais na família pela herança e até um assassinato cometido por um jovem em Caravaggio, que surgiram devido a alguma ação legal familiar ocorrida na cidade em 1591.[17]

Carreira em Roma (1592-1606)[editar | editar código-fonte]

Chegada a Roma[editar | editar código-fonte]

Giuseppe Cesari em 1621, dono de um dos ateliês em que Caravaggio trabalhou.

Em 1592, aos 21 anos, Michelangelo Caravaggio deixou Milão e seguiu para Roma, onde pretendia estabelecer-se como pintor, atraído pela capital italiana pela necessidade de artistas decorativos nas novas construções de igrejas e palácios e também pelo movimento da contrarreforma, impulsionado pela Igreja e que buscava também novas estilos na pintura para contra-atacar o protestantismo e seu maneirismo. De acordo com o biógrafo e pintor Giovani Baglione, durante a viagem Caravaggio aproveitou para aprimorar suas técnicas, visitando em Parma a igreja dos Capucinhos e tomando nota de uma obra de Annibale Carraci. Outro evento que aconteceu pouco antes da mudança e que teria tido grande influência na carreira de Caravaggio foi a leitura de dois textos sobre pintura no ateliê de seu antigo tutor, um de Giorgio Vasari e o Tratatto, de Lomazzo, em que falava-se que Masaccio “apenas iluminava e sombreava as figuras sem contorno”, uma informação que teria ficado gravada na memória de Caravaggio.

Ao chegar em Roma, Caravaggio começou a trabalhar em um pequeno ateliê de um pintor siciliano, Lorenzo Siciliano, pintando, de acordo com o biógrafo Giovanni Pietro Bellori, cópias de rostos vendidas no lugar. Por essa época Caravaggio conheceu Mario Minniti, artista jovem e ambicioso que veio, de acordo com Francesco Susinno, fugindo de problemas desconhecidos. Minniti trabalhava na loja de outro siciliano, onde teve a oportunidade de conhecer Caravaggio e de compartilhar com ele seu desprezo por seu trabalho e servir de modelos um para o outro, já que não tinham dinheiro para tanto.

Nessa época Caravaggio recebeu moradia e comida de um padre chamado Pandolfo Pucci, da comuna de Recanati, em troca de tarefas domésticas. O trabalho não o satisfazia e ele relataria anos mais tarde que a única comida servida era salada, motivo pelo qual passou a referir-se a Pucci como “Senhor Salada” depois que saiu de suas instalações algum tempo depois. Ali ele pintou alguns quadros religiosos levados em 1600 pelo padre para Roma, os quais hoje desconhecidas, assim como outra pintura citada por Giulio Mancini, biógrafo de Caravaggio, a de um estalajadeiro que teria abrigado Caravaggio certa noite.

Ateliê dos Cesari[editar | editar código-fonte]

Rapaz descascando fruta (1592-1593), sua pintura mais velha de que tem-se notícia.

A última das três pinturas do início da estada de Caravaggio em Roma citadas por Mancini faz com que alguns pesquisadores confiem em suas informações, pois é o quadro Rapaz descascando fruta (1592-1593), o mais velho de Caravaggio que tem-se notícia e que conta com pelo menos dez versões.

No começo de 1593, Caravaggio entrou, depois de deixar as instalações do padre Pucci, para o ateliê do artista cinese Antiveduto Gramatica, sobre cuja vida pouco sabe-se e que vendia quadros comuns que Caravaggio copiava. No meio do mesmo ano Caravaggio mudou-se para seu próximo ateliê, desta vez um de maior reputação, o de Giuseppe Cesari, um dos artistas mais famosos em Roma na década de 1590, nascido em uma família de artistas. Seu irmão Bernardino também era dono do negócio, para o qual retornou no fim de 1592, quando conseguiu um perdão papal após fugir por ter sido condenado à morte por associação com criminosos. Atualmente tem-se notícia somente de dois quadros de Caravaggio que podem ser datados nesse período, dentre os quais está o autorretrato Pequeno Baco Doente (1593), pertencente à coleção pessoal de Giuseppe Cesari até 1607 e que para algumas fontes só teria sido pintado após o artista sair de seu internamento hospitalar.

A relação de Caravaggio com o trabalho e seus chefes teria sido turbulenta, com o pintor insatisfeito com suas cópias de natureza morta, apesar de elas atraírem certa atenção nos mercados. Na época havia uma ordem hierárquica na pintura: no topo estava quem pintava figuras humanas em poses completas, de cenas bíblicas ou mitológicas; depois vinha retratos e pinturas de animais; depois paisagem; e finalmente natureza morta. Por razões desconhecidas, os irmãos Cesari teriam desejado demiti-lo diversas vezes e passado a escondê-lo após um evento desastroso desconhecido.

A relação entre eles acabaria pouco depois, quando Caravaggio ficou gravemente doente (os biógrafos da época afirmam que foi um coice na perna, embora especialistas tenham concluído em 2009, com base no autorretrato que teria sido feito após sua estada no hospital, que a doença era malária) e os irmãos não chamaram um médico desejando escondê-lo, sendo preciso que um comerciante siciliano, possivelmente Lorenzo Siciliano, levasse-o a um hospital, no qual não foi visitado pelos irmãos e do qual não visitou-os ao recuperar-se. Passou seis meses tratando-se no hospital Santa Maria della, onde teria pintado vários retratos do prior, que levou-os consigo para Sevilha, na Espanha, onde morava, e que hoje permanecem desconhecidos.

Carreira independente[editar | editar código-fonte]

Rapaz mordido por um lagarto (1595-1596), quadro do início de sua carreira independente.

Por volta de 1595, logo após sair do hospital, Caravaggio deu um fim, possivelmente tempestuoso, com suas relações com os Cesari. De acordo com os biógrafos, uma das motivações para Caravaggio abandonar o ateliê dos Cesari foi o pintor Prospero Orsi, com o qual o artista começou a disputar pela glória da pintura, abandonando as técnicas clássicas e começando a pintar as suas próprias inclinações. Esse novo passo em sua carreira abriu sua independência artística, com a qual ascenderia gradualmente em Roma, mas que então fez com que ele mergulhasse na miséria e procurasse ajuda no meio artístico.

Nesse período ele encontrou abrigo com o licenciado Monsignor Fatin Petrigiani, estada que provavelmente não durou muito, pois Baglione afirma que logo depois o pintor tentou viver por si próprio vendendo quadros. Dentre esses quadros está Rapaz mordido por um lagarto, que chegou aos dias de hoje com duas versões, pintadas provavelmente no início de 1595 ou 1596 e vendidas por preços baixos. Desesperado por dinheiro, o artista acabou por ter contato com outros pintores, que ajudaram-no, dentre os quais estava Maestro Valentino, um comerciante de pinturas da Igreja de São Luís dos Franceses, que dispôs-se a vender algumas pinturas de Caravaggio.

A relação com Valentino, que chamava-se na verdade Costantino Spata, foi importante para a carreira do artista, já que ele foi o primeiro a reconhecer o talento de Caravaggio e através dele conseguiu contato com o principal patrono de sua tempo em Roma, o cardinal Francesco Maria Bourbon del Monte Santa Maria. Os dois quadros que chamaram a atenção de del Monte, cliente de Valentino, ainda existem: Os trapaceiros e A adivinha. (Há divergências sobre o modo como del Monte conheceu Caravaggio, se foi através de Valentino ou de um amigo do licenciado que teria lhe vendido A adivinha.) De acordo com os críticos de arte, os dois quadros são curiosos porque já mostram que Caravaggio, desde o início de sua carreira, demonstrava interesse pelo lado obscuro de Roma, retratando trapaceiros e charlatões, grupos marginalizados com os quais tinha contato.

Primeira patronagem[editar | editar código-fonte]

Júpiter, Netuno e Plutão (1599), sua única obra claramente maneirista.

Caravaggio pela primeira vez em sua estada em Roma teve uma hospedagem calma e satisfatória, recebendo teto e comida de del Monte na segunda de sua casa, Palazzo Madama, perto da Igreja de São Luís dos Franceses e onde ele também vivia. O cardinal era um colecionador de arte insaciável, tendo o seu inventário alcançado cerca de 600 quadros quando morreu em 1627, e também era um filantropo que colaborava com hospitais. Mancini relata que dentre os quadros levados por Caravaggio para o Palazzo Madama que não tinham sido vendidos estavam as duas obras religiosas Madalena arrependida e Descanso na fuga para o Egito, pintados na mesma época de A adivinha e redescobertas somente em 1652 em uma coleção particular.

Esse período da carreira de Caravaggio é caracterizado por composições maduras e recepção morna dos especialistas em arte, que passaram a ter contato com Caravaggio através de seu patrono. Seu primeiro quadro nas novas hospedagens foi Os músicos (cerca de 1595), um de seus primeiros sucessos e que retrata um ensaio de músicos, supostamente feito para o cardinal, que também era um músico. Por essa época Caravaggio pintou seu segundo quadro referente a música: O tocador de flauta, encomendado pelo frade Vincenzo Giustiniani, amigo de del Monte, por volta de 1596, e que ganhou mais duas versões, uma no mesmo ano e outra em cerca de 1600.

Já pelo fim da década de 1590 veio Cesto de frutas, baseado em Rapaz com cesto de frutas e possivelmente encomendado por Federico Borromeo (ou então doado por del Campo), patrono de Jan Bruegel e um dos primeiros colecionadores de natureza-morta. O quadro foi a única natureza-morta artística de Caravaggio e exerceu grande importância no gênero cuja reputação ainda estava em desenvolvimento.

Pouco depois Caravaggio pintou São Francisco de Assis em êxtase (cerca de 1595), considerada sua principal obra religiosa de início de carreira e um marco decisivo para seu desenvolvimento técnico, que a partir de agora ficaria cada vez mais tenebroso. O responsável pela encomenda do quadro é motivo de debate entre pesquisadores: Ottavio Costa, um banqueiro rico, ou o próprio del Monte, em cuja casa o quadro ficou por certo tempo.

Em cartas e artigos da época sobre Caravaggio, um dos principais destaques já era a técnica característica de fusão entre o profano e o religioso, que foi aprofundada ainda mais em Baco (1597-1598). O quadro mostra um Baco diferente do de Baco doente, não só por este estar saudável quanto pelo o modelo não ser mais o próprio Caravaggio, mas supostamente seu amigo siciliano Mario Minnitti. Foi encomendado por del Monte como um presente para os Médici, com quem tinha contato, mas aparentemente presente não foi bem recebido, possivelmente pelo foco na sensualidade do garoto retratado como o deus, e logo foi guardado fora da vista das pessoas, sendo reencontrado somente um século depois.

Em 1598 del Monte deu outra pintura de Caravaggio para os Médici, desta vez Medusa, para Fernando I, Grão-Duque da Toscana. Ao contrário de Baco, Medusa foi recebido calorosamente pelos Médici, que logo colocaram a pintura como destaque em sua coleção. Os traços masculinos da Medusa no quadro faz com que especialistas afirmem que ela é, na verdade, um autorretrato do artista feito com um espelho. Caravaggio usou a encomenda como um pretexto para exibir para a alta sociedade suas qualidades como pintor, e durante certo tempo fez estudos de animais e expressões que ajudaram a criar o quadro. Atualmente é considerada uma das principais obras de Caravaggio e tem duas versões.

Enquanto Caravaggio morava com del Monte, o cardinal comprou uma terceira residência, perto da Porta Pinciana, para a qual o artista foi convidado em 1599 e onde recebeu a encomenda de pintar uma parede no laboratório onde o licenciado fazia experimentos químicos. O resultado foi a única obra claramente maneirista de Caravaggio, Júpiter, Netuno e Plutão, que acabou por simbolizar esse período de sua carreira em que buscava novas técnicas.

Início dos problemas legais[editar | editar código-fonte]

Retrato de uma cortesã (cerca de 1598), em que vê-se Fillide Melandroni, uma de suas cortesãs favoritas.

Por volta de 11 e 12 de julho de 1597 Caravaggio teve seu primeiro problema legal depois de envolver-se em uma briga com um aprendiz de barbeiro chamado Pietropaolo. O rapaz primeiramente recusou-se a revelar quem foi seu agressor, e outras duas testemunhas foram convocadas a prestar depoimento: Costantino Spata e Prospero Orsi, pintores amigos de Caravaggio. No decorrer do processo as autoridades acabaram por ligar Caravaggio ao crime devido ao retrato-falado dado pelo aprendiz e pelos depoimentos subsequentes, que revelaram ele teria devolvido uma capa perdida na luta e portava uma espada com permissão de del Monte, mas o caso foi encerrado antes de ele ter sido convocado, graças a suas ligações com a alta sociedade.

O caso não teve muita importância na época, mas, para o biógrafo Bellori, simboliza a vida que Caravaggio começou a levar, metendo-se em brigas e andando armado. As autoridades, que estavam preocupadas com o porte de arma, acabaram por levá-lo novamente a processo em 4 de maio de 1598 por causa de sua espada, após ser interceptado sem licença por um soldado. No dia seguinte ele é levado à corte e dá ênfase, em seu depoimento, à sua importância e de seus contatos, que acabam novamente por encerrar o caso e libertá-lo da cadeia.

Com as anotações deixadas por Francesco Susinno especialistas conhecem os então amigos de Caravaggio, dentre os quais não está mais Minnitti, que cansou-se da vida boêmia e casou-se. Entre os novos está o pintor Orazio Gentileschi, acusado do estupro; o arquiteto lombardo Onorio Longhi, que vez por outra agia como estelionatário, algumas vezes armado com ajuda de Caravaggio. Apesar de os atos de Caravaggio e seus amigos hoje serem vistos hoje como de alguma forma aleatórios, na época faziam parte de uma violência cada vez maior que dominava Roma, cujas autoridades estavam cada vez mais restritivas, tentando combater esse crescimento.

Por essa época o controverso costume de Caravaggio de tomar boêmios e cortesãs como modelos já estava definido, e, enquanto seus modelos favoritos para as figuras masculinas era ele e seus amigos, para as figuras femininas nesse ano de 1598 costumava usar Fillide Melandroni, uma de suas cortesãs favoritas. Sua pintura mais velha em que ela serviu de modelo foi Marta e Maria Madalena, possivelmente uma encomenda de Olimpia Aldobrandini. Ele também pintou um retrato dela, que mais tarde ficaria conhecido como Retrato de uma cortesã e que possivelmente foi destruído durante a Segunda Guerra Mundial, apesar de haver fotografias do quadro. Nessa época ela tinha por volta de dezoito anos e no futuro conquistaria fama em Roma, mas então ainda seria presa por prostituição e suspeita de briga.

Fillide ainda serviria de modelo para dois outros quadros religiosos de Caravaggio, o primeiro dos quais tornou-se um de seus mais populares: Judite e Holofernes (cerca de 1599). O quadro dividiu a opinião de seus contemporâneos: Annibale Carracci julgou-o natural demais; Artemisia Gentileschi, por sua vez, ficaria, anos mais tarde, impressionada com o quadro, cujo autor inspiraria suas técnicas. A outra obra baseada em Fillide é Santa Catarina de Alexandria. Esses três quadros do fim da década de 1590 marcam a consolidação das técnicas próprias de Caravaggio.

Mancini relata que, de 1596 a 1599 o irmão mais novo de Caravaggio, Giovanni Battista, esteve em Roma, estudando com os jesuítas, e na época, prestes a concluir seus estudos e mandado à província de Bergamo, decidiu encontrar-se com seu irmão, cuja fama já conhecia. Foi à residência de del Monte, que pediu-o para esperar três dias para encontrar o artista, que, no entanto, negou ter um irmão. Del Monte descobriu, depois de investigar, que Caravaggio estava mentindo, mas ele continuou insistindo que não tinha familiares mesmo depois que Battista foi colocado à sua presença. O evento foi o fim das relações de Caravaggio com sua família, que já estava afastada dele desde 1594, quando sua irmã Caterina casou-se com o artesão Bartolommeo Vinizzoni e ele não foi ao casamento, assim como evitou seu irmão em Roma.

Ascensão à fama[editar | editar código-fonte]

Obra[editar | editar código-fonte]

Maneirismo juvenil[editar | editar código-fonte]

Barroco maduro[editar | editar código-fonte]

Judite e Holofernes (cerca de 1599), obra do início de sua maturidade artística.

Uma das principais técnicas de Caravaggio foi sempre deixada de lado devido ao foco às polêmicas escolhas de modelo: a transposição de contos antigos e clássicos a sua época. Fazendo isso Caravaggio pôde, além de atrair a atenção de todos seus contemporâneos, começar a desenvolver suas próprias técnicas, já que na época no campo da arte o movimento que destacava-se era o maneirismo, que buscava como ideal o classicismo antigo. Esse apelo moderno de sua obra não fica exatamente claro até cerca de 1599, quando Caravaggio pinta Judite e Holofernes com uma modernidade gritante, sendo, inclusive, Judite, a figura principal, sido pintada com base na cortesã Fillide Melandroni.

Referências

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  20. Pevsner, Nikolaus (1928). Barokmalerei in den romanischen Ländern (em alemão). Wildpark-Potsdam: Akademische verlagsgesellschaft Athenaion, m.b.h.