Autismo no Brasil: diferenças entre revisões

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A partir da segunda década de 1980, as organizações pioneiras de autismo tinham, como característica em comum, uma busca pela [[internacionalização]] e também pela divulgação do autismo em território nacional. A AMA conseguiu o apoio do ator [[Antônio Fagundes]], que gravou gratuitamente em 1987 um comercial televisivo de circulação nacional sobre o diagnóstico. Neste período, familiares ativistas viajavam para países do exterior para aprenderem novas formas de tratamento e buscar recursos. Os pais tinham vários pesquisadores referenciais. Um deles era [[Bernard Rimland]]. Além disso, o trabalho de [[Ole Ivar Lovaas]] com a [[Análise do comportamento aplicada]] também começou a ser disseminada.<ref name="historiaeducacao" /><ref name="retratos" /><ref name="historiaautismobrasil" /> Originalmente, o movimento do autismo esteve concentrado na figura de mães e pais de autistas, uma tendência que se seguiu ao longo das décadas.<ref>{{citar web |url=https://estudio.r7.com/autismo-visibilidade-e-aceitacao-01102020|título=Autismo, visibilidade e aceitação|autor1=Sá, Clarice|autor2=Conrado, Hysa|data=1 de outubro de 2020|acessodata=15 de outubro de 2020|publicado=[[R7]]|arquivourl=https://web.archive.org/web/20201006125624/https://estudio.r7.com/autismo-visibilidade-e-aceitacao-01102020|arquivodata=15 de outubro de 2020|urlmorta=no}}</ref> Outros fenômenos também começaram a contribuir para a fomentação do cenário do autismo no Brasil durante a criação da [[Nova República]], como a criação do [[Sistema Único de Saúde]] com a [[Constituição Brasileira de 1988]] e a [[reforma psiquiátrica no Brasil|reforma psiquiátrica]].<ref>{{citar livro |data=2016 |titulo=Re-Thinking Autism: Diagnosis, Identity and Equality |url=https://books.google.com.br/books?id=cu8ZDAAAQBAJ&pg=PA67&dq=autism+wars+brazil&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwiV07T6qbXsAhUxGbkGHXiGDuMQ6AEwAHoECAUQAg#v=onepage&q=autism%20wars%20brazil&f=false |editora=Jessica Kingsley Publishers |isbn=9781784500276}}</ref>
A partir da segunda década de 1980, as organizações pioneiras de autismo tinham, como característica em comum, uma busca pela [[internacionalização]] e também pela divulgação do autismo em território nacional. A AMA conseguiu o apoio do ator [[Antônio Fagundes]], que gravou gratuitamente em 1987 um comercial televisivo de circulação nacional sobre o diagnóstico. Neste período, familiares ativistas viajavam para países do exterior para aprenderem novas formas de tratamento e buscar recursos. Os pais tinham vários pesquisadores referenciais. Um deles era [[Bernard Rimland]]. Além disso, o trabalho de [[Ole Ivar Lovaas]] com a [[Análise do comportamento aplicada]] também começou a ser disseminada.<ref name="historiaeducacao" /><ref name="retratos" /><ref name="historiaautismobrasil" /> Originalmente, o movimento do autismo esteve concentrado na figura de mães e pais de autistas, uma tendência que se seguiu ao longo das décadas.<ref>{{citar web |url=https://estudio.r7.com/autismo-visibilidade-e-aceitacao-01102020|título=Autismo, visibilidade e aceitação|autor1=Sá, Clarice|autor2=Conrado, Hysa|data=1 de outubro de 2020|acessodata=15 de outubro de 2020|publicado=[[R7]]|arquivourl=https://web.archive.org/web/20201006125624/https://estudio.r7.com/autismo-visibilidade-e-aceitacao-01102020|arquivodata=15 de outubro de 2020|urlmorta=no}}</ref> Outros fenômenos também começaram a contribuir para a fomentação do cenário do autismo no Brasil durante a criação da [[Nova República]], como a criação do [[Sistema Único de Saúde]] com a [[Constituição Brasileira de 1988]] e a [[reforma psiquiátrica no Brasil|reforma psiquiátrica]].<ref>{{citar livro |data=2016 |titulo=Re-Thinking Autism: Diagnosis, Identity and Equality |url=https://books.google.com.br/books?id=cu8ZDAAAQBAJ&pg=PA67&dq=autism+wars+brazil&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwiV07T6qbXsAhUxGbkGHXiGDuMQ6AEwAHoECAUQAg#v=onepage&q=autism%20wars%20brazil&f=false |editora=Jessica Kingsley Publishers |isbn=9781784500276}}</ref>


Em 1988, era fundada em Belo Horizonte a [[Associação Brasileira de Autismo]] (Abra), com a adesão inicial de pequenas organizações de seus estados do Brasil com o objetivo de consolidar um movimento de representação nacional. Sob este mesmo caráter unificador, a Associação Terapêutica Educacional para Crianças Autistas (Asteca) promoveu em 1989 o I Congresso Nacional de Autismo juntamente com outras organizações. Naquele ano, já existiam 23 associações de autismo no país. Em 1991, a segunda edição do congresso contou com mais de 2000 pessoas, palestrantes nacionais e figuras internacionais como o psiquiatra e psicanalista [[René Diatkine]] e também [[Eric Shopler]], criador do programa TEACCH. Durante o evento, Shopler, com base nas pesquisas da época, promoveu críticas ao uso da psicanálise para tratamento de autismo. A AMA implantou TEACCH pelos anos subsequentes, com a supervisão de profissionais estrangeiros.<ref name="historiaeducacao" /><ref name="historiaautismobrasil" />
Em 1988, era fundada em Belo Horizonte a [[Associação Brasileira de Autismo]] (Abra), com a adesão inicial de pequenas organizações de seus estados do Brasil com o objetivo de consolidar um movimento de representação nacional. Sob este mesmo caráter unificador, a Associação Terapêutica Educacional para Crianças Autistas (Asteca) promoveu em 1989 o I Congresso Nacional de Autismo juntamente com outras organizações<ref name="historiaeducacao" /><ref name="historiaautismobrasil" /> (com um público de cerca de 1300 pessoas).<ref>{{Citar tese |sobrenome=Santos Júnior |nome=Wilson Claudino dos |data=2007 |titulo=O autismo infantil e a enfermagem: uma revisão bibliográfica |tipo=monografia |página=17 |publicado=[[Centro Universitário de Brasília]] |url=https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/123456789/2557/2/20324985.pdf |acessodata=1 de fevereiro de 2021 }}</ref> Naquele ano, já existiam 23 associações de autismo no país. Em 1991, a segunda edição do congresso contou com mais de 2000 pessoas, palestrantes nacionais e figuras internacionais como o psiquiatra e psicanalista [[René Diatkine]] e também [[Eric Shopler]], criador do programa TEACCH. Durante o evento, Shopler, com base nas pesquisas da época, promoveu críticas ao uso da psicanálise para tratamento de autismo. A AMA implantou TEACCH pelos anos subsequentes, com a supervisão de profissionais estrangeiros.<ref name="historiaeducacao" /><ref name="historiaautismobrasil" />


Além das associações de autismo, familiares começaram a produzir materiais diversos para conscientização do autismo. No Rio, a Associação de Pais de Autistas do Rio de Janeiro (Aparj) lançou em 1989 a ''Autismo em Revista'', a primeira publicação do gênero do Brasil. Além disso, eram frequentes a disseminação de artigos e livros estrangeiros traduzidos, bem como palestras para auxiliar as famílias. No período, o pediatra Christian Gauderer lançou o livro ''Autismo, década de 80'', um referencial frequente para pesquisadores e pais. A AMA, por sua vez, passou a ter núcleos em vários estados do Brasil em todas as regiões.<ref name="historiaeducacao" /><ref name="historiaautismobrasil" />
Além das associações de autismo, familiares começaram a produzir materiais diversos para conscientização do autismo. No Rio, a Associação de Pais de Autistas do Rio de Janeiro (Aparj) lançou em 1989 a ''Autismo em Revista'', a primeira publicação do gênero do Brasil. Além disso, eram frequentes a disseminação de artigos e livros estrangeiros traduzidos, bem como palestras para auxiliar as famílias. No período, o pediatra Christian Gauderer lançou o livro ''Autismo, década de 80'', um referencial frequente para pesquisadores e pais. A AMA, por sua vez, passou a ter núcleos em vários estados do Brasil em todas as regiões.<ref name="historiaeducacao" /><ref name="historiaautismobrasil" />
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Na história global do autismo, a década de 1990 foi caracterizada pelas mudanças de classificação de diagnóstico do autismo,<ref>{{citar jornal |jornal=Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia |ano=2008 |volume=13 |numero=3 |paginas=296-299 |titulo=Uma breve revisão histórica sobre a construção dos conceitos do Autismo Infantil e da síndrome de Asperger |autor=TAMANAHA, Ana Carina; PERISSINOTO, Jacy; CHIARI, Brasilia Maria |lingua=português |url=https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1516-80342008000300015&script=sci_arttext }}</ref> e pelo papel central da internet no ativismo<ref name="historiaautismobrasil" /> e, no Brasil, o período é marcado pelo desenvolvimento de políticas educacionais.<ref>{{citar jornal |jornal=Em Aberto |ano=1993 |volume=13 |numero=60 |paginas=11–24 |titulo=AUTISMO: uma história de conquistas |autor=Bereohff, Ana Maria P. |lingua=português |url=http://rbep.inep.gov.br/ojs3/index.php/emaberto/article/download/2225/1964 }}</ref> Durante o [[Governo Itamar Franco|governo]] de [[Itamar Franco]], a [[educação especial]] foi reestrurada, o que coincidiu com a [[Declaração de Salamanca]].<ref>{{citar periódico |ultimo1=Padilha |primeiro1=Caio Augusto Toledo |data=2016 |título=A política educacional do governo Itamar Franco (1992-1995) e a questão da inclusão|url=http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/29541}}</ref> As organizações pioneiras seguiram suas atividades, ora com problemas financeiros, ora com a adesão de novos membros. Neste contexto, a AMA ganhou em 1998, por meio do então presidente [[Fernando Henrique Cardoso]], o Prêmio Direitos Humanos da [[Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura|Unesco]] daquele ano.<ref name="amahistoria" /><ref>{{citar periódico |ultimo1=Dias |primeiro1=Fabrizia Miranda de Alvarenga |ultimo2=Lyrio |primeiro2=Ana Carolina de Oliveira |último3=Jorge |primeiro3=Ana Paula Silva Andrade |último4=Rodrigues |primeiro4=Daniele Fernandes |data=2019 |título=Transtorno do Espectro Autista e a Internet: O empoderamento de movimentos sociais em saúde |url=http://seer.faccat.br/index.php/redin/article/view/1559|periódico=Redin - Revista Educacional Interdisciplinar |páginas=11 |acessodata=15 de outubro de 2020 |arquivourl=https://web.archive.org/web/20200724030514/http://seer.faccat.br/index.php/redin/article/view/1559 |arquivodata=24 de julho de 2020}}</ref>
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Em 13 de dezembro de 1998, era inaugurada uma lista de discussão sobre o autismo no [[Yahoo!]].<ref>{{citar web |url=https://www.paivajunior.com.br/livros/autismo-nao-espere-aja-logo/conteudo-extra-livro-autismo/grupos-a-respeito-de-autismo-na-internet-livro/|título=Grupos a respeito de autismo na internet|acessodata=31 de janeiro de 2021|publicado=Paiva Junior }}</ref> Durante certo período, foi o mais influente espaço de interação virtual no Brasil acerca do autismo, em que pais compartilhavam histórias e dúvidas sobre o diagnóstico.<ref>{{citar web |url=https://abraca.net.br/ora-direis-ouvir-autistasopiniaoargemiro-garcia/|título=Ora, direis, ouvir autistas!|primeiro=Argemiro|último=Garcia|acessodata=31 de janeiro de 2021|publicado=Associação Brasileira por Direitos das Pessoas Autistas }}</ref> Uma das características destas interações virtuais, segundo a historiadora Bruna Lopes, era a solidariedade entre mães, a interação com pessoas de todo o país e uma nova caracterização do ativismo do autismo, apesar da precariedade da conexão à internet na época, marcada pela [[conexão discada]].<ref name="historiaautismobrasil" />
Em 13 de dezembro de 1998, era inaugurada uma lista de discussão sobre o autismo no [[Yahoo!]].<ref>{{citar web |url=https://www.paivajunior.com.br/livros/autismo-nao-espere-aja-logo/conteudo-extra-livro-autismo/grupos-a-respeito-de-autismo-na-internet-livro/|título=Grupos a respeito de autismo na internet|acessodata=31 de janeiro de 2021|publicado=Paiva Junior }}</ref> Durante certo período, foi o mais influente espaço de interação virtual no Brasil acerca do autismo, em que pais compartilhavam histórias e dúvidas sobre o diagnóstico.<ref>{{citar web |url=https://abraca.net.br/ora-direis-ouvir-autistasopiniaoargemiro-garcia/|título=Ora, direis, ouvir autistas!|primeiro=Argemiro|último=Garcia|acessodata=31 de janeiro de 2021|publicado=Associação Brasileira por Direitos das Pessoas Autistas }}</ref> Uma das características destas interações virtuais, segundo a historiadora Bruna Lopes, era a solidariedade entre mães, a interação com pessoas de todo o país e uma nova caracterização do ativismo do autismo, apesar da precariedade da conexão à internet na época, marcada pela [[conexão discada]].<ref name="historiaautismobrasil" /> O grupo permaneceu ativo e produtivo durante anos, com até a distribuição de materiais informativos sobre autismo. Em 2006, membros do grupo chegaram a lançar uma versão traduzida de um manual de treinamento em ABA<ref>{{citar periódico |ultimo1=Lear |primeiro1=Kathy |data=2006 |título=Ajude-nos a aprender |url=http://www.alex.pro.br/tea_manual_treinamento_ABA.pdf |acessodata=1 de fevereiro de 2021 }}</ref> e parte de seus membros fundaram várias associações pelo Brasil, entre elas a Associação de Familiares e Amigos da Gente Autista (Afaga).<ref>{{citar web |url=http://afaga.com.br/afaga01.htm|título=A Afaga|acessodata=1 de fevereiro de 2021|publicado=Associação de Familiares e Amigos da Gente Autista }}</ref>


Em meados de 2004, ativistas no [[Distrito Federal (Brasil)|Distrito Federal]] promoveram uma [[blitz]] informativa sobre o autismo, que se tornaria mais tarde a organização Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab).<ref>{{citar web |url=http://rafaelsallet.com.br/2020/05/14/a-historia-do-moab-com-fernando-cotta/ |título=A HISTÓRIA DO MOAB com Fernando Cotta |acessodata=1 de fevereiro de 2021|publicado=Rafael Sallet }}</ref> Em 2005, Brasília foi sede de um dos eventos do [[Dia do Orgulho Autista]], cujo lema foi "Aceitação, não cura". Foi a primeira vez que o tema [[neurodiversidade]] adentrou as discussões sobre autismo no Brasil.<ref>{{citar periódico |ultimo1=Ortega |primeiro1=Fernando |data=2009 |título=Autismo, deficiência e neurodiversidade |url=https://www.scielosp.org/article/csc/2009.v14n1/67-77/pt/ |acessodata=1 de fevereiro de 2021 }}</ref>
===2010–atualmente: Legislações e ativismo autista===
===2010–atualmente: Legislações e ativismo autista===
Em 2012, durante o governo de [[Dilma Rousseff]], foi instituída a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, pela qual autistas foram classificados como pessoas com deficiência.<ref>{{citar web |url=http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm |título=LEI Nº 12.764, DE 27 DE DEZEMBRO DE 2012}}</ref>
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[[Categoria:Autismo no Brasil]]
[[Categoria:Autismo no Brasil]]

Revisão das 19h03min de 1 de fevereiro de 2021

Congresso Nacional, durante o Dia Mundial da Conscientização do Autismo em 2019.

O autismo no Brasil é um conjunto de manifestações em torno do autismo no Brasil.

História

1950–1980: Antecedentes

De acordo com a historiadora Bruna Alves Lopes, há poucos registros sobre autismo no Brasil até a década de 1980. Durante a década de 1940, quando o trabalho do psiquiatra Leo Kanner inseriu o autismo enquanto diagnóstico independente, o Brasil já contava com uma influência significativa da psicanálise no atendimento infantil. O campo psicanalítico iniciou sua penetração no país nos anos 1920 e alcançou uma hegemonia dentro da própria psiquiatria em meados de 1950.[1] Ao mesmo tempo, a ideia de que a causa do autismo era a falta de vínculo dos pais (especialmente mães) com a criança surgiu com Kanner em 1948, mas foi o psicanalista Bruno Bettelheim foi quem desenvolveu-a ao longo das décadas de 1950 e 1960.[2][3]

No Brasil, as primeiras publicações jornalísticas sobre autismo eram formadas de matérias traduzidas por agências de notícias de países como os Estados Unidos e Reino Unido e caracterizavam o diagnóstico enquanto doença. Parte delas era influenciada por um viés psicanalítico – ao considerar crianças autistas como pertencentes a pais frios e distantes, outra parte abordava-o como um dos sintomas da esquizofrenia. O pensamento de Bettelheim teve influência significativa no conteúdo jornalístico destes períodos, com raras exceções que citam o trabalho de Kanner e até abordagens comportamentalistas. Maioria delas não cita papéis relevantes e positivos em relação aos familiares de autistas.[1]

Ao mesmo tempo, o campo profissional em torno do autismo estava alinhado ao atendimento da psiquiatria infantil e da deficiência infantil, de forma geral. Em 1956, era criada a Associação Paulista de Psiquiatria Infantil e Higiene Mental, e em 1965 a Associação Brasileira de Deficiência Mental. Na cidade de Porto Alegre, surgiu em 1963 a Comunidade Terapêutica Leo Kanner.[4] Para grande parte da população, o atendimento de autistas ocorria em instituições não especializadas, como a Sociedade Pestalozzi, fundada em 1932, e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), com unidades em todo o país, e organizada em 1962.[1]

Durante a década de 1970, as discussões sobre o autismo no Brasil começam a se intensificar, o que culminaria, anos depois, na formação de uma comunidade. Ainda em junho de 1970, o Centro de Estudos da Casa de Saúde Dr. Eiras, no Rio de Janeiro, promoveu um debate sobre o diagnóstico a partir de um filme. Eventos similares começaram a ocorrer ao longo dos anos em instituições pelo país, como rodas de conversas baseadas em filmes sobre o autismo, palestras, congressos e cursos promovidos por profissionais nacionais e internacionais da psiquiatria e de outros campos do conhecimento, bem como a publicação das primeiras pesquisas nacionais sobre o autismo. As publicações jornalísticas deste período passaram a mencionar mais frequentemente a contribuição familiar no tratamento do autismo. No Rio de Janeiro, em 1978, foi fundada a Casa Azul, que provavelmente foi a primeira organização de atendimento terapêutico exclusivo à crianças autistas no Brasil, com influência psicanalítica. No mesmo ano e na mesma cidade, também foi fundada a Centro de Educação Especial Casarão por uma mãe de uma criança autista.[1]

1980–1993: Primeiras associações e movimentos de familiares

O autismo, enquanto movimento, começa a se consolidar no Brasil a partir da década de 1980. Foi neste período que familiares, especialmente mães, descontentes com a culpa recebida pela condição dos filhos, começaram a se organizar para conseguir acesso a serviços de saúde. Especialmente em grandes capitais, como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, familiares passaram a escrever cartas para grandes jornais, como o Jornal do Brasil, e chamar a atenção do poder público para a causa do autismo.[1]

Em abril de 1980, a Rede Globo exibiu o filme Son-Rise: a Miracle of Love, que foi um sucesso de audiência e motivou a emissora a reprisá-lo várias vezes ao longo da década. Alguns familiares de autistas chegaram a afirmar que o filme teria sido um marco para o conhecimento do autismo na década.[1] O filme, no entanto, destaca um programa terapêutico chamado Son-Rise, que ao longo dos anos foi demonstrado como ineficaz no tratamento do autismo.[5][6]

O ator Antônio Fagundes protagonizou um comercial sobre características do autismo para a AMA.

A primeira associação de autismo do Brasil legalizada foi a Associação de Amigos do Autista (AMA), fundada em 1983[7] por Marisa Fúria e Ana Maria Ros de Melo[1] e formada por clientes do médico Raymond Rosenberg, que tinham em comum a angústia de não ter informações mais aprofundadas sobre o diagnóstico e tratamento de seus filhos. As primeiras reuniões se deram no consultório de Rosenberg e, pouco tempo depois, a organização mantinha uma escola cujo funcionamento se dava no quintal de uma Igreja Batista.[8][9] Também há relatos de familiares ativistas de que, no mesmo período, em cidades como Belo Horizonte e Rio de Janeiro já existiam associações de autismo sem registro legal.[10]

A partir da segunda década de 1980, as organizações pioneiras de autismo tinham, como característica em comum, uma busca pela internacionalização e também pela divulgação do autismo em território nacional. A AMA conseguiu o apoio do ator Antônio Fagundes, que gravou gratuitamente em 1987 um comercial televisivo de circulação nacional sobre o diagnóstico. Neste período, familiares ativistas viajavam para países do exterior para aprenderem novas formas de tratamento e buscar recursos. Os pais tinham vários pesquisadores referenciais. Um deles era Bernard Rimland. Além disso, o trabalho de Ole Ivar Lovaas com a Análise do comportamento aplicada também começou a ser disseminada.[10][9][1] Originalmente, o movimento do autismo esteve concentrado na figura de mães e pais de autistas, uma tendência que se seguiu ao longo das décadas.[11] Outros fenômenos também começaram a contribuir para a fomentação do cenário do autismo no Brasil durante a criação da Nova República, como a criação do Sistema Único de Saúde com a Constituição Brasileira de 1988 e a reforma psiquiátrica.[12]

Em 1988, era fundada em Belo Horizonte a Associação Brasileira de Autismo (Abra), com a adesão inicial de pequenas organizações de seus estados do Brasil com o objetivo de consolidar um movimento de representação nacional. Sob este mesmo caráter unificador, a Associação Terapêutica Educacional para Crianças Autistas (Asteca) promoveu em 1989 o I Congresso Nacional de Autismo juntamente com outras organizações[10][1] (com um público de cerca de 1300 pessoas).[13] Naquele ano, já existiam 23 associações de autismo no país. Em 1991, a segunda edição do congresso contou com mais de 2000 pessoas, palestrantes nacionais e figuras internacionais como o psiquiatra e psicanalista René Diatkine e também Eric Shopler, criador do programa TEACCH. Durante o evento, Shopler, com base nas pesquisas da época, promoveu críticas ao uso da psicanálise para tratamento de autismo. A AMA implantou TEACCH pelos anos subsequentes, com a supervisão de profissionais estrangeiros.[10][1]

Além das associações de autismo, familiares começaram a produzir materiais diversos para conscientização do autismo. No Rio, a Associação de Pais de Autistas do Rio de Janeiro (Aparj) lançou em 1989 a Autismo em Revista, a primeira publicação do gênero do Brasil. Além disso, eram frequentes a disseminação de artigos e livros estrangeiros traduzidos, bem como palestras para auxiliar as famílias. No período, o pediatra Christian Gauderer lançou o livro Autismo, década de 80, um referencial frequente para pesquisadores e pais. A AMA, por sua vez, passou a ter núcleos em vários estados do Brasil em todas as regiões.[10][1]

1994–2009: Expansão e reconhecimento nacional

Na história global do autismo, a década de 1990 foi caracterizada pelas mudanças de classificação de diagnóstico do autismo,[14] e pelo papel central da internet no ativismo[1] e, no Brasil, o período é marcado pelo desenvolvimento de políticas educacionais.[15] Durante o governo de Itamar Franco, a educação especial foi reestrurada, o que coincidiu com a Declaração de Salamanca.[16] As organizações pioneiras seguiram suas atividades, ora com problemas financeiros, ora com a adesão de novos membros. Neste contexto, a AMA ganhou em 1998, por meio do então presidente Fernando Henrique Cardoso, o Prêmio Direitos Humanos da Unesco daquele ano.[8][17]

Em 13 de dezembro de 1998, era inaugurada uma lista de discussão sobre o autismo no Yahoo!.[18] Durante certo período, foi o mais influente espaço de interação virtual no Brasil acerca do autismo, em que pais compartilhavam histórias e dúvidas sobre o diagnóstico.[19] Uma das características destas interações virtuais, segundo a historiadora Bruna Lopes, era a solidariedade entre mães, a interação com pessoas de todo o país e uma nova caracterização do ativismo do autismo, apesar da precariedade da conexão à internet na época, marcada pela conexão discada.[1] O grupo permaneceu ativo e produtivo durante anos, com até a distribuição de materiais informativos sobre autismo. Em 2006, membros do grupo chegaram a lançar uma versão traduzida de um manual de treinamento em ABA[20] e parte de seus membros fundaram várias associações pelo Brasil, entre elas a Associação de Familiares e Amigos da Gente Autista (Afaga).[21]

Em meados de 2004, ativistas no Distrito Federal promoveram uma blitz informativa sobre o autismo, que se tornaria mais tarde a organização Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab).[22] Em 2005, Brasília foi sede de um dos eventos do Dia do Orgulho Autista, cujo lema foi "Aceitação, não cura". Foi a primeira vez que o tema neurodiversidade adentrou as discussões sobre autismo no Brasil.[23]

2010–atualmente: Legislações e ativismo autista

Em 2012, durante o governo de Dilma Rousseff, foi instituída a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, pela qual autistas foram classificados como pessoas com deficiência.[24]

Referências

  1. a b c d e f g h i j k l m Lopes, Bruna Alves (18 de junho de 2019). Não Existe Mãe-Geladeira Uma análise feminista da construção do ativismo de mães de autistas no Brasil (1940-2019) (Tese). Universidade Estadual de Ponta Grossa. Consultado em 27 de dezembro de 2020 
  2. Donvan, John; Zucker, Caren (2016). In a Different Key: The Story of Autism (em inglês). [S.l.]: Crown. ISBN 9780307985675. Consultado em 19 de março de 2017 
  3. Bettelheim, Bruno (1967). The empty fortress : infantile autism and the birth of the self. [S.l.]: Free Press. ISBN 0029031400 
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