Direitos humanos na Arábia Saudita

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Praça Dira, em Riade, onde pessoas são regularmente decapitadas e têm membros amputados.[1][2][3]

A Arábia Saudita tem sido muito criticada por seu histórico de desrespeito aos direitos humanos. As questões que têm atraído fortes críticas incluem a posição extremamente desvantajosa das mulheres dentro da sociedade saudita, a discriminação religiosa e a falta de liberdade religiosa e política. Entre 1996 e 2000, a Arábia Saudita aderiu a quatro convenções da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre direitos humanos e, em 2004, o governo aprovou a criação da Sociedade Nacional para os Direitos Humanos (SNDH), composta por funcionários do governo, para monitorar sua implementação. As atividades da SNDH têm sido limitadas e subsistem dúvidas sobre a sua neutralidade e independência.[4] A Arábia Saudita continua a ser um dos poucos países do mundo que não aceitam a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU. Em resposta às críticas contínuas de seu histórico de direitos humanos, o governo saudita aponta para o caráter islâmico especial de seu país e afirma que isso justifica uma ordem social e política diferente da do resto do mundo.[5]

Histórico[editar | editar código-fonte]

Em 2014, o escritor saudita Raif Badawi foi condenado a 10 anos de prisão e 1 000 chibatadas por "insultar o Islã"

O britânico Ziauddin Sardar, de origem paquistanesa, comenta: "O Estado Islâmico sempre existiu, é a Arábia Saudita. E continua: "Se olharmos para as leis que o ISIS pratica são exatamente as mesmas em vigor na Arábia Saudita (onde as mulheres têm de ter um guardião masculino e andar cobertas, e crimes como a blasfêmia são sentenciados como chicotadas ou alguém que tenha cometido adultério pode ser condenado à morte). Só há uma diferença entre o ISIS e a Arábia Saudita, a Arábia Saudita comete as suas atrocidades atrás de uma cortina enquanto o ISIS transforma as suas atrocidades em vídeos do YouTube. O ano passado, (refere-se a 2014) na verdade, mais pessoas foram executadas na Arábia Saudita [oficialmente, 151] do que pelo ISIS."[6] O escritor e jornalista argelino Kamel Daoud, tem opiniões semelhantes.[7] Carmen Bin Laden náo tem dúvidas: "A única diferença entre o islamismo saudita e o dos talibans afegãos de linha ultra- dura é a opulência e a auto-indulgência privada dos al-Saud. Os sauditas são os Taliban, com luxo."[8]

As sentenças capitais e amputações são habitualmente levadas a cabo em público, na praça Dira, em Riade, a capital, todas as sextas-feiras.[9] Os prisioneiros muitas vezes desconhecem que estão prestes a ser executados. São levados para a praça pública, vendados, obrigados a ajoelhar-se e decapitados. A lei é vaga e permite todos os atropelos: os condenados não têm direito a defesa e muitas confissões são obtidas mediante tortura.[2][9][10][11]

Em 2 de outubro de 2018, o jornalista saudita Jamal Khashoggi, desapareceu depois de entrar no consulado saudita em Istambul, na Turquia, para tratar de documentação. Segundo fontes do governo turco, há gravações de áudio e vídeo que provam ter sido torturado, assassinado e desmembrado dentro do consulado por uma equipa de execução de quinze elementos.[12] A Arábia Saudita acabou por admitir que o jornalista foi morto no consulado durante uma luta; o Presidente dos EUA, Donald Trump, criticou a explicação dada, mas adiantou que a Arábia Saudita era um "incrível aliado", e que os EUA não deixariam que o episódio interrompesse a sua mais recente e substancial encomenda de armas para aquele país.[13]

A sociedade saudita tem uma série de problemas e tensões. Uma rara pesquisa de opinião independente publicada em 2010 indicou que as principais preocupações sociais sauditas eram o desemprego (em 10% em 2010), a corrupção política e o extremismo religioso.[14][15] O crime, no entanto, não é um problema significativo. O objetivo do governo da Arábia Saudita em torná-la um país islâmico e religioso, juntamente com dificuldades econômicas, criou profundas tensões sociais na sociedade saudita. Muitos grupos querem uma reforma, com um governo mais secular e onde os cidadãos possam ter mais influência no processo político. Por outro lado, os níveis nacionais de delinquência juvenil, o uso de drogas ilícitas e o consumo excessivo de álcool estão piorando. A elevada taxa de desemprego e uma geração de homens jovens cheios de desprezo em relação a família real que governa o país são uma ameaça significativa para a estabilidade social e política da nação. Alguns sauditas sentem que têm o direito de empregos públicos bem pagos e o fracasso do governo em satisfazer esse objetivo traz ainda mais insatisfação social.[16][17][18]

A minoria xiita que vive no país, principalmente na região Oriental, é submetida a discriminação institucionalizada pelo governo, além de desigualdade econômica e repressão política. De acordo com um estudo conduzido pelo Dr. Al- Nura Suwaiyan, diretor do programa de segurança da família no Hospital da Guarda Nacional, uma em cada quatro crianças são abusadas sexualmente na Arábia Saudita.[19] A Sociedade Nacional de Direitos Humanos informou que quase 45% dos crianças do país estão enfrentando algum tipo de abuso e violência doméstica.[20] O tráfico de mulheres também é considerado um problema particular na Arábia Saudita, devido ao grande número de trabalhadoras domésticas estrangeiras no país, sendo muitas delas vítimas de abuso e tortura.[21]

A endogamia é generalizada no país e resultou da prática tradicional de incentivar o casamento entre parentes próximos, o que produziu altos níveis de várias doenças genéticas, como talassemia, anemia falciforme, atrofia muscular espinal, surdez e mudez.[22]

Mulheres[editar | editar código-fonte]

Mulher saudita. A Arábia Saudita é um dos países árabes onde o vestuário feminino é definido por lei. A abaya é obrigatória.[23]A falta de exposição à luz solar é um dos fatores da deficiência em vitamina D, comum entre as mulheres árabes (mais de 70 por cento)[24][25]

O Departamento de Estado dos Estados Unidos considera a "discriminação contra as mulheres um problema significativo" na Arábia Saudita e observa que as mulheres têm poucos direitos políticos devido a políticas discriminatórias do governo local.[26]

Na Arábia Saudita não existe uma idade mínima para o casamento. Por falta de dados, o número de casamentos infantis é difícil de quantificar. De acordo com Ali al-Ahmed, longe de condenar o casamento infantil, a própria monarquia saudita tem uma longa história de casamento com raparigas muito jovens.[27][28][29][30]

Um relatório especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a violência doméstica em 2008, notou a ausência de leis que criminalizem a violência contra as mulheres.[26] Um relatório produzido pelo Fórum Econômico Mundial de 2010 sobre igualdade de gênero classificou a Arábia Saudita no 129º lugar entrem os 134 países avaliados.[31]

Sob a lei saudita, cada mulher adulta deve ter um parente do sexo masculino como seu "guardião".[26] Como resultado, a organização Human Rights Watch descreve a situação jurídica das mulheres sauditas como equivalente a de um menor de idade, com pouca autoridade legal sobre a sua própria vida. As autoridades governamentais podem forçar as mulheres a obter a permissão legal de um guardião masculino para viajar, estudar ou trabalhar.[32] O guardião está legalmente autorizado a fazer uma série de decisões críticas em nome de uma mulher.[26][32][33]

Em 11 de março de 2002, os próprios jornais sauditas noticiaram que a Mutaween (polícia religiosa) tinha impedido a fuga de estudantes de uma escola em chamas em Meca, porque as meninas não estavam usando o vestuário islâmico - hijab e abayas. 15 meninas morreram no incêndio e mais de 50 outras ficaram feridas.[34]

Em abril de 2017, a Arábia Saudita foi eleita para a Comissão dos Direitos das Mulheres na ONU. Comentou Hillel Neuer, diretor da UN Watch: "Eleger a Arábia Saudita para proteger os direitos das mulheres é como escolher um incendiário para chefe dos bombeiros". O regime saudita obteve 47 votos dos 54 países que participaram nesta eleição.[35][36]

Em 10 de abril de 2017, a saudita Dina Ali Lasloom de 24 anos de idade, viajava do Kuwait para a Austrália com a intenção de pedir asilo político, mas foi detida em trânsito no aeroporto de Manila, nas Filipinas. Ela queria escapar de um casamento forçado.[37] No dia seguinte três homens árabes, com a ajuda de dois familiares, raptaram Dina. Manietada com fita adesiva, foi levada à força numa cadeira de rodas para um voo da Saudia Airlines para Riyadh no dia 11 de Abril. Outros passageiros ouviram-na gritar por ajuda no avião.[37] Ela nunca mais foi vista.[37] Foi nesse mesmo mês, que a Arábia Saudita foi eleita para a Comissão dos Direitos das Mulheres da ONU.[38]

A 15 de Agosto de 2022, a saudita Salma al-Shehab, que vivia no Reino Unido, foi condenada a 34 anos de prisão por edições no Tweeter que, segundo os tribunais, causavam agitação pública e desestabilizavam a segurança civil e nacional. Um tribunal de recurso considerou ainda que Shehab estava “a ajudar os que procuram causar distúrbios públicos e desestabilizar a segurança civil e nacional, seguindo as suas contas no Twitter”.[39]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. di Giovanni, Janine (14 de Outubro de 2014). «When It Comes to Beheadings, ISIS Has Nothing Over Saudi Arabia». Newsweek 
  2. a b Sampson, William (14 de Outubro de 2008). «How I survived chop chop square (Como sobrevivi á Praça chop chop) - em inglês». The Guardian 
  3. Bacchi, Umberto (1 de Julho de 2014). «Execution Central: Saudi Arabia's Bloody Chop-Chop Square (Central de Execuçõesː A sangrenta Praça Chop Chop da Arábia Saudita) - em inglês». International Business Times 
  4. Al-Rasheed, Madawi (2010). A History of Saudi Arabia. [S.l.: s.n.] pp. 250–252. ISBN 978-0-521-74754-7 
  5. Otto, Jan Michiel (2010). Sharia Incorporated: A Comparative Overview of the Legal Systems of Twelve Muslim Countries in Past and Present. [S.l.: s.n.] pp. 168, 172. ISBN 978-90-8728-057-4 
  6. Lorena, Sofia (7 de Dezembro de 2015). «O Estado Islâmico sempre existiu, é a Arábia Saudita" Ziauddin Sardar, reformista muçulmano, acredita que se um grupo terrorista for destruído outro ocupará o seu lugar. Isto, até se atacar a ideologia na base do extremismo, o uaabismo saudita. Riad e os terroristas usam as mesmas leis, diz.». Público 
  7. Daoud, Kamel (20 de Novembro de 2015). «L'Arabie saoudite, un Daesh qui a réussi (A Arábia Saudita, um Daesh que resultou) - em francês». The New York Times 
  8. Bin Laden, Carmen (2004). Inside the Kingdom: My Life in Saudi Arabia - 2004. [S.l.]: Warner Books. p. 162 
  9. a b «CBC News: the fifth estate - A State of Denial - Justice in Saudi Arabia». web.archive.org. 7 de março de 2005. Consultado em 10 de janeiro de 2021 
  10. «Execution Central: Saudi Arabia\'s Bloody Chop-Chop Square». International Business Times UK (em inglês). 3 de abril de 2013. Consultado em 20 de julho de 2019 
  11. «Saudi Arabia Beheads and Crucifies Yemeni for Sodomy, Amnesty Releases Final Words of Man Executed for Robbery». International Business Times UK (em inglês). 29 de março de 2013. Consultado em 20 de julho de 2019 
  12. «Gravação de áudio revela novos detalhes sobre desaparecimento de jornalista saudita - Depois de ter sido levado para o escritório da embaixada, os agentes prenderam Jamal Khashoggi e, quase imediatamente a seguir, terão começado a espancar e a torturar o jornalista.». Observador. 17 de Outubro de 2018 
  13. Hudson, John ( e outros) (21 de Outubro de 2018). «Jamal Khashoggi: Trump administration privately doubts Saudi Arabia and worries Jared Kushner's close relationship is a 'liability' - President publicly supports work of Kushner and Saudi crown prince but increasingly concerned by inconsistent explanation for journalist death, officials say». The Independent 
  14. «'Saudi Public Opinion: A rare look'». pechterpolls.com  27 de janeiro de 2010, Pechter Polls. Acessado em 1 de dezembro de 2013.
  15. «'Saudi Arabia by numbers'». pechterpolls.com  12 de fevereiro de 2010, Pechter Polls. Acessado em 1 de dezembro de 2013.
  16. 'Jihad in Saudi Arabia: Violence and Pan-Islamism since 1979' by Thomas Hegghammer, 2010, Cambridge Middle East Studies ISBN 978-0-521-73236-9
  17. «'Saudi Arabia, a kingdom divided'». www.thenation.com  The Nation, 22 de maio de 2006. Acessado em 2 de fevereiro de 2011,
  18. «Saudis confront gap between expectation and reality». Financial Times. 21 de fevereiro de 2011. Consultado em 2 de dezembro de 2013 
  19. Khalaf al-Harbi (9 de julho de 2010). «Child abuse: We and the Americans». Arab News. Consultado em 13 de julho de 2010 
  20. Abdul Rahman Shaheen (24 de dezembro de 2008). «Report alleges rise in child abuse in Saudi Arabia». Gulf News. Consultado em 20 de agosto de 2010 
  21. Zawawi, Suzan (24 de janeiro de 2006). «Abuse of Female Domestic Workers Biggest Problem». The Saudi Gazette. Consultado em 22 de setembro de 2010 
  22. «Saudi Arabia Awakes to the Perils of Inbreeding». www.nytimes.com  New York Times, 1 de maio de 2003
  23. Pohjola, Johanna (21 de Abril de 2018). «Naisten kuntosali suljettiin "säädyttömän" videon takia Saudi-Arabiassa (O ginásio feminino foi fechado devido a um vídeo "obsceno" na Arábia Saudita)» (em finlandês). Yle Uutiset 
  24. Plackett, Benjamin (4 de Outubro de 2017). «Researchers Find Vitamin D Deficiency High In Arab Women» (em inglês). Al-Fanar Media 
  25. AlFaris, Nora A.; AlKehayez, Nora M.; AlMushawah, Fatema I.; AlNaeem, AbdulRhman N.; AlAmri, Nadia D.; AlMudawah, Ebtisam S. (30 de dezembro de 2019). «Vitamin D Deficiency and Associated Risk Factors in Women from Riyadh, Saudi Arabia». National Library of Medicine. Scientific Reports (1). ISSN 2045-2322. PMC 6937288Acessível livremente. PMID 31889122. doi:10.1038/s41598-019-56830-z 
  26. a b c d «2010 Human Rights Report: Saudi Arabia». Departamento de Estado dos Estados Unidos. 8 de abril de 2011. Consultado em 11 de julho de 2011 
  27. Sandstrom, Aleksandra (e outro) (12 de Setembro de 2016). «Many countries allow children to marry». Pew Research Center 
  28. al-Ahmed, Ali (8 de Novembro de 2011). «Why is no one protecting Saudi Arabia's child brides?». The Guardian 
  29. «Child marriage is of serious concern in Saudi Arabia, UN agency says». BusinessGhana. Consultado em 12 de julho de 2019 
  30. Al-awsat (13 de Janeiro de 2009). «Saudi Human Rights Commission Tackles Child Marriages». Asharq Al-Awsat 
  31. Fórum Econômico Mundial (2010). The Global Gender Gap Report 2010 (PDF). [S.l.: s.n.] p. 9. ISBN 978-92-95044-89-0. Consultado em 27 de julho de 2011. Arquivado do original (PDF) em 8 de novembro de 2010 
  32. a b Human Rights Watch (2008). Perpetual Minors: human rights abuses from male guardianship and sex segregation in Saudi Arabia. [S.l.: s.n.] p. 2. Consultado em 27 de julho de 2011 
  33. Human Rights Watch (2008). Perpetual Minors: human rights abuses from male guardianship and sex segregation in Saudi Arabia. [S.l.: s.n.] p. 3. Consultado em 27 de julho de 2011 
  34. «Saudi police 'stopped' fire rescue». BBC. 15 de Março de 2002 
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  37. a b c «Fleeing Woman Returned to Saudi Arabia Against Her Will -Taken From Philippines in Transit; Faces Harm, Criminal Charges». Human Rights Watch. 14 de Abril de 2017 
  38. «Arábia Saudita eleita para Comissão dos Direitos das Mulheres da ONU - A ONG UN Watch denunciou a escolha do "regime mais misógino do mundo" para o organismo das Nações Unidas que tem por objetivo promover a igualdade de género e os direitos das mulheres.». Esquerda.net. 23 de Abril de 2017 
  39. Lorena, Sofia (17 de agosto de 2022). «Saudita condenada a 34 anos de prisão por "tweets"». Público 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Laube, Lydia (2003). Behind the Veil: A Nurse's Arabian Nightmare. [S.l.]: Eye Books. ISBN 1-903070-19-8. OCLC 51994153 
  • Mitchell, Sandy; Hollingsworth, Mark (2006). Saudi Babylon: Torture, Corruption and Cover-up Inside the House of Saud. [S.l.]: Mainstream Publishing. ISBN 1-84596-185-4. OCLC 225546299 
  • Sasson, Jean (2001). Princess: A True Story of Life Behind the Veil in Saudi Arabia. [S.l.]: Windsor-Brooke Books. ISBN 0-9676737-4-7. OCLC 46766141 
  • Jones, John Paul (2007). If Olaya Street Could Talk: Saudi Arabia- The Heartland of Oil and Islam. [S.l.]: The Taza Press. ISBN 978-0-9790436-0-4