Deus seja louvado

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A frase na nota de 20 reais da primeira família, lançada em 2002.

"Deus seja louvado"[nota 1] é uma expressão presente na parte inferior esquerda de todas as cédulas de real atuais no Brasil.[1] Ela existe desde a década de 1980, quando o então presidente da República, José Sarney, católico praticante,[2] solicitou ao Banco Central que fosse incluída na moeda do cruzado. O Governo Federal de então se orientou em doutrinas teístas de outros Estados laicos, como os Estados Unidos da América, que já acrescentavam a frase "In God We Trust" a suas cédulas de dólares.

As primeiras notas com a inscrição foram impressas em 24 de fevereiro de 1986, quando o decreto foi apresentado ao BC.[3] Assim, a expressão permaneceu ao longo do tempo, incluindo as cédulas de real.[4] Apesar das recentes discussões e solicitações por setores laicistas da sociedade civil de que a frase seja removida, ela continua a ser impressa pelo BC, inclusive nas novas cédulas, em impressão desde 2010.[5] Diante das tentativas de remoção da frase nas cédulas por parte do Ministério Público, José Sarney afirmou: "Eu tenho pena do homem que na face da terra não acredita em Deus".[6]

Histórico[editar | editar código-fonte]

Até 1985, nenhuma nota brasileira continha a expressão "Deus seja louvado", como se pode ver na cédula de 100 mil cruzeiros, lançada em 3 de outubro de 1985,[7][8] a última a ser emitida antes do Plano Cruzado.

Em 1986, deu-se a introdução da frase "Deus seja louvado" nas cédulas de 10, 50 e 100 cruzados, que passaram a circular em 22 de abril de 1986: note-se que as cédulas carimbadas aproveitadas do padrão monetário anterior não continham a frase, enquanto as cédulas de cruzados passaram a contê-la.[9]

O uso da expressão continuou até 1990, quando já na presidência de Fernando Collor e a entrada em vigor do plano homônimo, as cédulas do cruzeiro (1990–1993) passaram a não mais conter a frase, diferentemente das cédulas carimbadas aproveitadas do padrão anterior, o cruzado novo, que ainda a continham.[10] Entretanto, ainda em 1991, quando foi introduzida a cédula de 50 mil cruzeiros em 9 de dezembro daquele ano,[11] a expressão voltou a figurar nesta e nas cédulas de cruzeiros de valores mais altos que se lhe seguiram.[12][13]

De 1991 até a atualidade, a frase "Deus seja louvado" seguiu em uso contínuo, com exceção das primeiras séries de cédulas do Plano Real emitidas em 1994, com as chancelas de Pedro Malan (então presidente do Banco Central) e de Fernando Henrique Cardoso (que foi ministro da Fazenda até 30 de março de 1994) e parte do período de seu sucessor, Rubens Ricupero (ministro da Fazenda de 30 de março a 6 de setembro desse ano), conforme tabela abaixo:

Cédula Série Estampa Ministro da Fazenda Presidente do BCB Ref.
R$ 1,00 A0001 - A2409
A2410 - A3833
A
A
Fernando Henrique Cardoso
Rubens Ricupero
Pedro Malan [14]
R$ 5,00 A0001 - A1411
A0001 - A1000
A
B[nota 2]
Fernando Henrique Cardoso Pedro Malan [15]
R$ 10,00 A0001 - A0713
A0001 - A1200
A0714 - A1817
A
B[nota 3]
A
Fernando Henrique Cardoso
Fernando Henrique Cardoso
Rubens Ricupero
Pedro Malan [16]
R$ 50,00 A0001 - A1249
A0001 - A0400
A1250 - A1238
A
B[nota 4]
A
Fernando Henrique Cardoso
Fernando Henrique Cardoso
Rubens Ricupero
Pedro Malan [17]
R$ 100,00 A0001 - A1198
A1199 - A1201
A
A
Fernando Henrique Cardoso
Rubens Ricupero
Pedro Malan [18]

Controvérsias[editar | editar código-fonte]

Críticas[editar | editar código-fonte]

Segundo laicistas, a diversidade religiosa no Brasil não se faz representada numa frase que privilegiaria apenas as religiões monoteístas. Na imagem, o ex-Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, em reunião com adeptos de diferentes religiões do país

A frase "Deus seja louvado" cria discussões porque, segundo alguns, seria contrária ao Estado laico, que não privilegia nenhuma religião, ainda que não haja consenso por parte das comunidades religiosas, especialmente as cristãs.[carece de fontes?] Para muitos a frase não levaria em conta a existência de comunidades não-teístas como as de agnósticos, budistas e ateus, bem como adeptos de outras religiões não-monoteístas, como o hinduísmo e religiões afro-brasileiras, porém a população é em sua imensa maioria adepta do cristianismo,[carece de fontes?] o que não implica insatisfação popular por conta da frase na moeda.

Tentativas de remoção[editar | editar código-fonte]

Em dezembro de 2010, o MPF em São Paulo notificou o Banco Central a apresentar defesa em representação por "ofensa à laicidade da República Federativa do Brasil", acionando o BC por manter o termo "Deus seja louvado" nas cédulas de Real. [19] Em 12 de novembro de 2012, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão pediu à Justiça Federal que determinasse a retirada da expressão “Deus seja louvado” das cédulas da moeda nacional, para não privilegiar nenhuma religião já que o Estado é laico. A ação foi movida pelo procurador católico Jefferson Aparecido Dias.[20][21][22]

Segundo Jefferson, a medida "não geraria despesas aos cofres públicos, já que se contempla um prazo de 120 dias para que a Casa da Moeda comece a imprimir as novas notas sem a frase". Também afirmou que nenhuma lei autoriza a inclusão de expressões religiosas no dinheiro. Além disso, disse que o objetivo da ação é resguardar o direito de liberdade religiosa de todos os cidadãos.[23]"Imaginemos a cédula de real com as seguintes expressões: Alá seja louvado, Buda seja louvado, Salve Oxóssi, Salve Lorde Ganexa, Deus Não existe. Com certeza haveria agitação na sociedade brasileira em razão do constrangimento sofrido pelos cidadãos crentes em Deus", diz um trecho da ação da Procuradoria.[23]

As lideranças cristãs e políticos pronunciaram-se com fortes críticas à representação. O pastor Silas Malafaia afirmou, em um vídeo publicado em seu site, que o procurador é o mesmo que aceitou e encaminhou uma denúncia de homofobia contra ele: “Eu to desconfiado que esse procurador não tem nada o que fazer. Eu acho que o procurador-geral da República tinha que arrumar um trabalho para esse cidadão”.[24][25] Malafaia lembrou ainda que a Constituição se apresenta como sendo elaborada "sob a proteção de Deus", e que o procurador deveria propor também a mudança do nome de estados como Santa Catarina, São Paulo e Espírito Santo, além dos feriados católicos nacionais.[24]

Já o secretário geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que faz parte da hierarquia da Igreja Católica, dom Leonardo Ulrich Steiner, afirmou:[26] “Deveríamos nos preocupar com coisas muito mais essenciais. Muitas pessoas dar-se-ão conta da frase somente depois desta ação. Não é novidade esse tipo de ação! A frase, agora, recordará a presença de Deus na vida do povo brasileiro” Para dom Leonardo, a expressão “não constrange, mas pode incomodar aos que afirmam não crer”. “As pessoas que vivem a sua fé, em suas diversas expressões, certamente não se sentem constrangidas, pois vivem da grandeza da transcendência. É que fé não é em primeiro lugar culto a um deus, mas relação. Se a frase lembra uma relação, poderia lembrar que o próprio dinheiro deve estar a serviço das pessoas, especialmente dos pobres, na partilha e na solidariedade. Se assim for, Deus seja louvado!”, afirma o bispo. [26]

A decisão da justiça[editar | editar código-fonte]

Em 30 de novembro de 2012, a Justiça Federal negou o pedido do Ministério Público Federal para obrigar a União e o Banco Central a retirar, em até 120 dias, a frase das notas de reais.[27] Em três páginas da decisão, é relatado que o Ministério Público não comprovou que houve "oposição aos dizeres inscritos na cédula no âmbito do seio social". A juíza ressaltou que o Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP) não ouviu instituições laicas ou religiosas de outras denominações que se manifestassem contra a presença da frase nas cédulas.[28]

A sétima vara diz que "a citação de Deus nas notas, não parece ser um direcionamento do estado na vida de um indivíduo que o obrigue a adotar ou não determinada crença". A decisão provisória[29] foi posteriormente mantida. Em 2013 a juíza federal Diana Brunstein, da 7ª vara Federal Cível de São Paulo, negou o pedido feito pelo Ministério Público Federal[30] para retirar a expressão “Deus seja louvado” das cédulas de Real. A mesma juíza já havia negado a antecipação de tutela em novembro de 2012.[31] A Advocacia-Geral da União argumentou que a expressão “Deus seja louvado” nas notas de Real não afasta a laicidade do Estado. “...O Estado brasileiro não repudia a fé. Ao contrário, ampara o valor religioso quando facilita a prática de atos de fé professada pela população e adota feriados religiosos...".[32]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Notas

  1. Escrito em caixa alta: "DEUS SEJA LOUVADO".
  2. Fabricada na Alemanha pela Giesecke & Devrient.
  3. Fabricada na Inglaterra por De La Rue.
  4. Fabricada na França pela FC Oberthur.

Referências

  1. Renata Rinaldi e Vanda Cunha Albieri Nery. «O real significado: Análise semiótica das cédulas do Plano Real» (pdf). Revista Idea. Consultado em 23 de março de 2011 
  2. Folha Maranhão: José Sarney não quer retirada de frase do real
  3. SETTI, Ricardo (18 de outubro de 2003). «Deixem Deus em paz». CRE. Consultado em 28 de dezembro de 2003 
  4. BC (1994). «Museu de Valores do Banco Central». Banco Central. Consultado em 27 de dezembro de 2010 
  5. «Banco Central lança novas cédulas do real». O Repórter. 3 de fevereiro de 2010. Consultado em 19 de março de 2011. Arquivado do original em 6 de setembro de 2012 
  6. G1: Sarney diz que retirar menção a Deus de cédulas é 'falta do que fazer'
  7. «Cédula de Cr$ 100.000,00 (Juscelino Kubitschek)». Banco Central do Brasil. Consultado em 26 de dezembro de 2022 
  8. Banknote.ws. «205 Brazil». Consultado em 26 de dezembro de 2022 
  9. «Cédula de Cz$ 100,00 (Juscelino Kubitschek)». Banco Central do Brasil. Consultado em 26 de dezembro de 2022 
  10. Banco Central do Brasil. «Cédula de Cr$100,00 (Cecília Meireles)». Consultado em 26 de dezembro de 2022 
  11. «Cédula de Cr$ 50.000,00 (Câmara Cascudo)». Banco Central do Brasil. Consultado em 26 de dezembro de 2022 
  12. «235 Brazil». Banknote.ws. Consultado em 26 de dezembro de 2022 
  13. «236 Brazil». Banknote.ws. Consultado em 26 de dezembro de 2022 
  14. «243 Brazil». Banknote.ws. Consultado em 26 de dezembro de 2022 
  15. «244 Brazil». Banknote.ws. Consultado em 26 de dezembro de 2022 
  16. «245 Brazil». Banknote.ws. Consultado em 26 de dezembro de 2022 
  17. «246 Brazil». Banknote.ws. Consultado em 26 de dezembro de 2022 
  18. «247 Brazil». Banknote.ws. Consultado em 26 de dezembro de 2022 
  19. Lauro Jardim (2012). «Procurador do MPF quer retirar o termo "Deus seja louvado" das cédulas de Real». VEJA. Consultado em 11 de Junho de 2012. Arquivado do original em 1 de maio de 2012 
  20. «MPF em SP pede retirada da frase 'Deus seja louvado' das notas de reais». Portal G1. Consultado em 12 de novembro de 2012 
  21. Marcelo Rehder (13 de novembro de 2012). «MP quer real sem 'Deus seja louvado'» (htm). Estadão. Consultado em 16 de novembro de 2012 
  22. São Paulo (12 de novembro de 2012). «Procuradoria pede retirada do termo 'Deus seja louvado' das cédulas de real». Folha de S. Paulo. Consultado em 16 de novembro de 2012 
  23. a b «Procuradoria quer excluir 'Deus seja louvado' das notas». Exame. 12 de novembro de 2012. Consultado em 16 de novembro de 2012 
  24. a b «Silas Malafaia, Marco Feliciano, Magno Malta e Sarney comentam polêmica com as notas de real: "Tenho pena de quem não acredita em Deus"». Gospel +. 12 de novembro de 2012. Consultado em 16 de novembro de 2012 
  25. «Silas Malafaia e Sarney comentam retirada do "Deus seja louvado" do real». Gospel Prime. 14 de novembro de 2012. Consultado em 16 de novembro de 2012 
  26. a b «Secretário Geral comenta pedido de retirada da expressão "Deus seja louvado" das cédulas de reais». Arquidiocese de Fortaleza. 14 de novembro de 2012. Consultado em 26 de novembro de 2012 
  27. «Justiça Federal nega pedido para retirar "Deus seja louvado" das notas». Diário de Pernambuco. 30 de novembro de 2012. Consultado em 3 de dezembro de 2012. Arquivado do original em 31 de dezembro de 2012 
  28. «Justiça Federal nega pedido para retirar "Deus seja louvado" das notas». Correio do Estado. 1 de dezembro de 2012. Consultado em 3 de dezembro de 2012 
  29. «Decisão provisória da Justiça mantém frase "Deus seja louvado" nas cédulas». Época. 30 de novembro de 2012. Consultado em 8 de dezembro de 2012 
  30. Diana Brunstein (julho de 2013). «decisão Justiça Federal» (PDF). 7ª vara Federal Cível. Consultado em 13 de junho de 2015 
  31. Diana Brunstein / AGU / Outros (25 de julho de 2013). «Judiciário não pode excluir frase religiosa de cédulas». Por Tadeu Rover em conjur.com.br. Consultado em 13 de junho de 2015 
  32. HOMERO ANDRETTA JUNIOR - Subprocurador Regional da União da 3ª Região e NATALIA PASQUINI MORETTI - Advogada da União (23 de janeiro de 2013). «AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROCESSO Nº: 0019890» (PDF). ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO - PROCURADORIA REGIONAL DA UNIÃO – 3ª REGIÃO SP/MS. Consultado em 13 de junho de 2015