Lesão axonal difusa
A lesão axonal difusa (LAD) é uma lesão cerebral na qual ocorrem lesões dispersas em uma área ampla nos tratos da substância branca e da substância cinzenta.[1][2][3][4][5][6][7] A LAD é um dos tipos mais comuns e devastadores de lesão cerebral traumática[8] e é uma das principais causas de inconsciência e estado vegetativo persistente após o traumatismo craniano grave.[9] Ocorre em cerca de metade dos casos de traumatismo cranioencefálico grave e pode ser o dano primário que ocorre na concussão. O resultado é frequentemente coma, com mais de 90% dos pacientes com LAD grave nunca recuperando a consciência.[9] Aqueles que acordam do coma muitas vezes permanecem significativamente debilitados.[10]
A lesão axonal difusa pode ocorrer em todo o espectro de gravidade da lesão cerebral traumática (LCT), cuja severidade da lesão aumenta de leve a grave.[11][12] A concussão pode ser um tipo mais brando de LAD.[12][13]
Mecanismo
[editar | editar código-fonte]A LAD é o resultado de forças traumáticas de cisalhamento que ocorrem quando a cabeça é acelerada ou desacelerada rapidamente, como em acidentes de carro, quedas e agressões.[14] Os acidentes com veículos são a causa mais frequente da LAD, que pode ocorrer também como resultado de abuso infantil[15] como na síndrome do bebê sacudido.[16]
A desconexão imediata dos axônios pode ser observada em lesões cerebrais graves, mas os principais danos da LAD são as desconexões axônicas secundárias, que desenvolvem-se lentamente ao longo de um período prolongado.[2] Traços de axônios, que aparecem brancos devido à mielinização, são referidos como substância branca. Lesões em ambas as substâncias cinzenta e branca são encontradas em cérebros post mortem nos exames de tomografia computadorizada (TC) e de ressonância magnética (RM).[9]
Além da quebra mecânica do citoesqueleto axonal, a patologia da LAD também inclui alterações fisiológicas secundárias, como transporte axonal interrompido, inchaço progressivo e degeneração.[17] Estudos recentes associam essas alterações à torção e degeneração de microtúbulos axônicos quebrados, bem como ao depósito de proteína Tau e proteína precursora do amilóide (de sigla em inglês APP).[17][18]
Características
[editar | editar código-fonte]As lesões normalmente são encontradas na substância branca dos cérebros lesionados pela LAD, variando em tamanho em cerca de 1 a 15 mm e sendo distribuídas em um padrão característico.[9] A LAD afeta mais comumente a substância branca em áreas que incluem o tronco cerebral, o corpo caloso e os hemisférios cerebrais .
Os lobos cerebrais com maior probabilidade de serem lesionados são os lobos frontal e temporal.[19] Outros locais comuns para a LAD são a substância branca no córtex cerebral, os pedúnculos cerebrais superiores,[16] os gânglios da base, o tálamo e os núcleos hemisféricos profundos.[20] Essas áreas podem ser danificadas com mais facilidade devido à diferença de densidade entre elas e as outras regiões do cérebro.[20]
Características histológicas
[editar | editar código-fonte]A LAD é caracterizada por separação axonal, na qual o axônio é rompido no local do estiramento e a parte distal à ruptura se degrada. Embora se pensasse que a principal causa da separação axonal fosse a ruptura devido a forças mecânicas durante o evento traumático, agora se entende que os axônios não são tipicamente rompidos com o impacto. Ao invés disso, cascatas bioquímicas secundárias à lesão primária, que ocorrem como resultado de forças mecânicas no momento do trauma e se processam horas a dias após a lesão inicial, são amplamente responsáveis pelos danos aos axônios.[21][22][23]
Embora os processos envolvidos na lesão cerebral secundária sejam ainda pouco elucidados, hoje se aceita que o estiramento dos axônios durante a lesão cause ruptura física e degradação proteolítica do citoesqueleto[24] e abertura os canais de sódio no axolema, o que faz com que os canais de cálcio dependentes de voltagem se abram e o Ca2+ flua para dentro da célula.[24] Então, a presença intracelular de Ca2+ desencadeia várias reações diferentes, incluindo a ativação de fosfolipases e enzimas proteolíticas, danificando as mitocôndrias e o citoesqueleto e ativando mensageiros secundários, o que pode levar à separação do axônio e à morte da célula.[21]
Ruptura do citoesqueleto
[editar | editar código-fonte]Os axônios são normalmente elásticos, mas quando esticados rapidamente tornam-se quebradiços e o citoesqueleto axonal pode ser rompido, podendo o desalinhamento dos elementos do citoesqueleto após a lesão por estiramento levar à ruptura do axônio e à morte do neurônio. O transporte axonal continua apenas até o local de ruptura do citoesqueleto, levando a um acúmulo de produtos de transporte e inchaço nesse ponto.[25] Quando tal inchaço torna-se grande o suficiente, pode ocorrer ruptura do axônio, fazendo com que ele se retraia em direção ao corpo celular e forme um bulbo.[11] Este é denominado "bola de retração", a marca histológica da LAD.[9]
Quando o axônio é rompido, a Degeneração Walleriana, na qual a parte do axônio distal à ruptura se degrada, ocorre dentro de um a dois dias após a lesão.[26] Há desintegração do axolema,[26] a mielina se decompõe e começa a se desprender da célula em uma direção anterógrada (do corpo da célula em direção ao final do axônio)[27] e as células próximas iniciam a atividade fagocitária, englobando os detritos celulares .[28]
Influxo de cálcio
[editar | editar código-fonte]Embora às vezes apenas o citoesqueleto esteja comprometido, frequentemente também ocorre a ruptura do axolema, causando o influxo de cálcio|Ca2+ para dentro da célula e desencadeando uma variedade de processos de degradação.[26][29] O aumento nos níveis de Ca2+ e Na+ e a queda nos níveis de potássio|K+ são encontrados no axônio imediatamente após a lesão.[21][26] Possíveis vias de entrada de Ca2+ incluem canais de sódio, poros formados na membrana durante o estiramento e falha de transportadores dependentes de ATP devido ao bloqueio mecânico ou à falta de energia metabólica disponível.[21] Níveis elevados de Ca2+ intracelular, a principal causa de dano celular após a lesão,[30] destroem as mitocôndrias[11] e causam a liberação de fosfolipases e enzimas proteolíticas, que danificam os canais de Na+ e degradam ou alteram o citoesqueleto e o axoplasma .[31][26] O excesso de Ca 2+ também pode levar a danos à barreira hematoencefálica e ao inchaço do cérebro.[30]
Uma das proteínas ativadas pela presença de cálcio na célula é acalpaína, uma protease não lisossômica dependente de Ca2+.[31] Cerca de 15 minutos a meia hora após o início da lesão, um processo chamado proteólise da espectrina mediada pela calpaína (de tradução livre), ou CMSP (sigla em inglês), se inicia.[32] A calpaína quebra uma molécula chamada espectrina, que mantém a membrana no citoesqueleto, causando a formação de bolhas, a quebra do citoesqueleto e da membrana e, por fim, a morte da célula.[31][32] Outras moléculas que podem ser degradadas pelas calpaínas são as subunidades de microtúbulos, as proteínas associadas a microtúbulos e os neurofilamentos .[31]
A presença de cálcio na célula ocorre geralmente de uma a seis horas no processo de lesão pós-estiramento e inicia a cascata da caspase, processo de injúria celular que normalmente leva à apoptose, ou "morte celular programada".[32]
Mitocôndrias, dendritos e partes do citoesqueleto danificadas na lesão têm uma capacidade limitada de cura e regeneração, processos que ocorrem ao longo de duas ou mais semanas.[33] Após a lesão, os astrócitos podem encolher, o que provoca atrofia de partes do cérebro.[9]
A lesão axonal difusa é difícil de ser detectada, já que não aparece bem em tomografias computadorizadas ou outras técnicas de imagem macroscópicas, embora apareça microscopicamente.[9] No entanto, existem características típicas da LAD que podem ou não aparecer em TCs. A lesão difusa tem mais lesões microscópicas do que lesões macroscópicas e é difícil de detectar com TC e Ressonância Magnética, mas pode haver suspeita quando pequenos sangramentos são visíveis no corpo caloso ou no córtex cerebral.[34] A RM é mais útil do que a TC para detectar características de LAD nos períodos subagudo e crônico.[35] Estudos mais recentes, como em imagens do Tensor de Difusão, são capazes de demonstrar o grau de lesão do trato de fibras da substância branca, mesmo quando a ressonância magnética padrão é negativa. Como o dano axonal na LAD é em grande parte resultado de cascatas bioquímicas secundárias, ele tem um início tardio, podendo uma pessoa com LAD que inicialmente parece bem piorar mais tarde. Dessa forma, a lesão é com frequência mais grave do que se prevê inicialmente, e os médicos devem suspeitar de LAD em qualquer paciente cujas TCs pareçam normais, mas que apresentem sintomas como perda de consciência.[9]
Mesmo a ressonância magnética sendo mais sensível do que a tomografia computadorizada, ainda está sujeita a falsos negativos porque a LAD é identificada pela procura de sinais de edema, que nem sempre estão presentes.[33]
A LAD é classificada em três graus com base na gravidade da lesão. No Grau I, está presente o dano axonal generalizado, porém nenhuma anormalidade focal é observada. No Grau II, o dano encontrado no Grau I está presente, além de anormalidades focais, em especial no corpo caloso. Os danos do grau III englobam os dos graus I e II, além de lesão rostral do tronco cerebral e, muitas vezes, rupturas no tecido.[36]
Tratamento
[editar | editar código-fonte]A LAD necessita de tratamento específico, além daquele para qualquer tipo de traumatismo craniano, o que inclui a estabilização do paciente e a tentativa de limitar aumentos da pressão intracraniana (PIC).
História
[editar | editar código-fonte]A ideia da LAD surgiu a partir dos estudos de Sabina Strich sobre lesões na substância branca em indivíduos que sofreram traumatismo craniano anos antes,[37] propondo a ideia pela primeira vez em 1956 e chamando a lesão de Degeneração Difusa da Substância Branca.[38] Ela estava pesquisando a relação entre quadros demenciais e traumatismos cranianos[37] e afirmou que tal degeneração desempenha papel integral no eventual desenvolvimento dos primeiros devido aos segundos.[15] Já o termo lesão axonal difusa foi introduzido somente no início dos anos 1980.[39]
Exemplos notáveis
[editar | editar código-fonte]- O ex-coapresentador doTop Gear, Richard Hammond, sofreu LAD resultante do acidente com o dragster Vampire em 2006.
- O piloto da Champ Car World Series Roberto Guerrero sofreu LAD como resultado de um acidente durante os testes no Indianapolis Motor Speedway em 1987.[40]
- O piloto de Fórmula 1 Jules Bianchi sofreu LAD como resultado de um acidente no Grande Prêmio do Japão de 2014 [41] e veio a óbito 9 meses depois, em 17 de julho de 2015,[42] sem recuperar a consciência.
- O ator e narrador de audiolivros Frank Muller, que narrou A Torre Negra de Stephen King, sofreu uma LAD em 2001 resultante de um acidente motociclístico . Ele faleceu em 2008.[43]
- O piloto da NASCAR Adam Petty, neto do sete vezes campeão da Cup Series Richard Petty, sofreu LAD secundária a uma fratura basal craniana fatal em maio de 2000 no New Hampshire Motor Speedway durante os treinos para sua próxima corrida.
Veja também
[editar | editar código-fonte]Referências
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