1964: O Brasil entre Armas e Livros

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1964: O Brasil entre Armas e Livros
1964: O Brasil entre Armas e Livros
 Brasil
2019 •  cor •  127 min 
Gênero documentário
Companhia(s) produtora(s) Brasil Paralelo
Distribuição Brasil Paralelo
Lançamento
  • 31 de março de 2019 (2019-03-31)
Idioma português

1964: O Brasil entre Armas e Livros é um documentário brasileiro de 2019, dirigido e produzido pela Brasil Paralelo. O filme analisa a ditadura militar brasileira, estabelecida após o golpe de 1964, sob uma perspectiva revisionista. Idealizado inicialmente por Henrique Zingano e baseado em documentos da StB, teve sua pré-estreia no Cinemark em 31 de março de 2019, mas a rede de cinemas diria mais tarde que isso foi um erro. Em geral, 1964 recebeu críticas negativas, e historiadores fizeram uma análise extensiva do filme enumerando seus pontos falsos. Diversas fontes classificaram-no como um filme de propaganda da ditadura que contraria o consenso historiográfico sobre o tema. Algumas críticas mais positivas disseram que, apesar de não ser pró-ditadura, o filme não é imparcial.

Sinopse[editar | editar código-fonte]

Segundo a Brasil Paralelo, o filme apresenta uma perspectiva diferente sobre a ditadura militar brasileira, que ocorreu entre 1964 e 1985, com a alegada promessa de "revelar uma verdade, até então, escondida".[1] Notavelmente, o filme defende a existência de uma ameaça comunista no Brasil.[2][a] Nele, aparecem sociólogos, historiadores e jornalistas.[1] Estão presentes Olavo de Carvalho, William Waack, Luiz Felipe Pondé e outros.[2] O subtítulo O Brasil Entre Armas e Livros remete à ideia de que a ditadura militar teria vencido a disputa no território das armas, mas teria perdido a guerra cultural, avançando com a teoria do marxismo cultural.[3]

Produção[editar | editar código-fonte]

Equipe de profissionais da Brasil Paralelo. À frente, da esquerda para a direita, os sócios fundadores: Lucas Ferrugem (camisa preta), Filipe Valerim (casaco azul) e Henrique Viana (suéter vermelho).

1964 foi produzido e idealizado por Filipe Valerim, Lucas Ferrugem e Henrique Viana, fundadores da Brasil Paralelo, uma empresa e produtora de Porto Alegre, Brasil.[4] O filme é uma produção independente, que teve apoio de conservadores e do presidente Jair Bolsonaro.[2] Por volta de 2018, Henrique Zingano, que também trabalha na empresa, deu a ideia de produzir um filme sobre a ditadura militar brasileira, como parte de uma série de filmes sobre a história do Brasil que estavam sendo produzidos pela mesma. Segundo Filipe, até aquele momento eles não comentariam sobre o tema pois, além de polêmico, aquele era um período de "muita polarização", com "contaminação de narrativas", sendo, portanto, um tema "espinhoso". Assim, rejeitaram a proposta, mas Zingano disse que trabalharia no projeto, em paralelo. Quando ele mostrou o projeto aos produtores, eles aceitaram a ideia e produziram o filme. A mudança de ideia foi, em parte, devido à confiança que tinham na série.[5] O filme tem como base uma coletânea de documentos retirados do serviço de inteligência da extinta Tchecoslováquia,[1] a StB. A pesquisa foi feita por Mauro Kraenski, com auxílio do tradutor Vladimír Petrilák, autores do livro 1964: O Elo Perdido.[6][7]

Lançamento[editar | editar código-fonte]

1964 foi anunciado pela Brasil Paralelo em fevereiro de 2019[8] e teve sua pré-estreia em 31 de março, no aniversário de 55 anos do golpe de 1964, na rede de cinemas Cinemark. Foi exibido em Belo Horizonte, Curitiba, São Paulo, Recife e Brasília. No entanto, pouco após a exibição, a rede informou que o filme foi exibido por "um erro de procedimento em função do desconhecimento prévio do tema", e que ficou sabendo que as salas haviam sido alugadas para sua exibição apenas um dia antes; tarde demais para cancelar o evento. Em nota, eles afirmaram que a empresa "não se envolve com questões político-partidárias".[9][10][11][12] Nas redes sociais, houve uma intensa discussão entre usuários que, por um lado, criticavam a exibição do filme pela Cinemark e aqueles que, ao contrário, criticavam o cancelamento, alegadamente por motivos técnicos, de uma sessão no Rio de Janeiro,[9] como Eduardo Bolsonaro.[9][13]

1964 estreou no YouTube em 2 de abril e acumulou 5,6 milhões de visualizações em vinte dias. Em 8 de abril, houve uma sessão na Assembleia Legislativa de São Paulo.[8] Eduardo Bolsonaro divulgou um local de exibição gratuita do filme, que ocorreu em 7 de novembro no Distrito Federal. Sem necessidade de alvará, houve manifestantes que tentaram proibir a transmissão.[14][15] O fotógrafo Sebastião Salgado declarou que uma de suas fotos foi utilizada sem sua autorização no filme. Um advogado da Brasil Paralelo respondeu: "[A empresa] tem enorme respeito com a questão relacionada aos direitos autorais – até porque também sofre muito com isso".[16]

Recepção[editar | editar código-fonte]

Críticas profissionais
Avaliações da crítica
Fonte Avaliação
Cinema com Rapadura 8/10[17]
Cineplayers 1/10[18]

1964 foi criticado por diversas fontes devido à sua versão da ditadura militar,[2][18] com quase todas afirmando que o mesmo é pró-ditadura,[9][10][11][13][14][19] embora isso seja negado pela produtora.[20] Em sua crítica ao Cineplayers, Ted Rafael Araujo Nogueira deu uma nota de 1/10 e começou sua análise descrevendo o filme como um "[d]ocumentário revisionista que busca impor uma narrativa histórica própria que deslegitime a vasta bibliografia sobre o tema, considerada como marxismo cultural por esta turma da nova direita. A galera do Brasil Paralelo".[18] Eduardo Escorel escreveu uma crítica similar à Piauí, dizendo que 1964 "desconsidera cinco décadas de historiografia, brasileira e estrangeira, por julgá-la parcial e omissa", e alegou que é "uma peça de propaganda política com pretensões didáticas".[8] Leonardo Rodrigues disse ao UOL que o filme ameniza a ditadura e listou cinco pontos falsos do filme: "Havia ameaça comunista em 1964", "Militares não queriam assumir o Brasil", "Relativização da repressão e tortura", "Censura era tímida" e "Diretas Já não foi movimento orgânico".[2]

Em críticas levemente mais positivas, jornalista conservador Rodrigo Constantino declarou que "[o] documentário faz críticas de ambos os lados [...] há uma nítida tentativa de imparcialidade, que, por óbvio, não é absoluta".[21] João Victor Barros, ao Cinema com Rapadura, deu uma nota de 8/10 e afirmou que o filme "se equilibra em uma linha tênue, e é visível que tende para um lado. Lado esse que precisa consertar seus erros e ser visto de outro modo, afinal, somos todos passíveis de erro."[17] O historiador e professor de literatura comparada João Cezar de Castro Rocha afirmou em sua coluna na revista Veja que "o documentário não apoia a ditadura e condena explicitamente a tortura", embora também afirme que a premissa do filme "favorece a explicação de processos complexos por meio de teorias conspiratórias" e dê "amparo à política beligerante de Jair Bolsonaro".[22]

Análise histórica[editar | editar código-fonte]

O filme narra uma versão mítica da história, onde se rejeita a narrativa da esquerda acadêmica. A produtora acredita que a historiografia oficial serve para "a manutenção de um modelo de vida que subverte o código moral desejado", o pregado pela Ditadura Militar. Também entende que "toda história obedece a um poder quando se envolve com a política" e que a iniciativa privada rompe com esse princípio. "Sobre o caso da Ditadura, a produtora afirma que existe um monopólio científico da história que impede o florescimento de novas interpretações sobre o caso".[23]

Diversos historiadores notaram que o documentário defende a falsa teoria de que haveria uma ameaça comunista no Brasil. Sobre o uso de documentos de StB, que supostamente confirmariam uma ameaça comunista no Brasil, Ítalo Nelli Borges comentou que, mesmo que houvesse relações como essa, "isto não significa dizer, e nem há dados que comprovem empiricamente, uma direta e quase irreparável influência soviética com o centro do poder político brasileiro [...] O que se faz ao longo do filme é um exercício de suposição, e poderíamos supor que, se existisse tanto empenho e associação da StB com o poder político brasileiro, por que, então, não houve nenhuma reação dos comunistas ao que ocorreu em 1964? O grande problema do filme é que a partir da suposição chega-se à convicção de que o Brasil estava em grande iminência de tornar-se comunista executando uma experiência análoga do que ocorrera em Cuba."[24] Leonardo Rodrigues citou que "[s]egundo a maioria dos historiadores, o governo João Goulart (PTB, mesmo partido de Getúlio Vargas), que tinha diretrizes trabalhistas, não comunistas, esteve bem distante de fomentar uma revolução no Brasil. Na historiografia, a aproximação dele com Cuba, China e países do leste europeu tinha caráter estritamente diplomático, já que o governo era apoiado por parte da esquerda, e não conspiratório".[2]

Márcia Neme Buzalaf notou que o filme utiliza o comunismo como "uma justificativa para todas as atrocidades históricas", mas isso é "[u]m discurso retrógado e que se propõe a ser revisionista quando, na verdade, se configura, de fato, como apenas mais uma propaganda política do mesmo temor que justificou atrocidades". Declarou ainda: "A utilização manipuladora de imagens fora de seus contextos, bem como o excesso de narração em off na condução do roteiro do filme, por si só são elementos que inviabilizam caracterizar 1964 como um documentário histórico".[25] Pablo Villaça também criticou o excesso de narração em off e enfatizou em vídeo que o filme é um "documentário", entre aspas, por não ser factual, e comenta que o filme faz um "revisionismo histórico terrível".[26] Ítalo acusou o filme de omitir os "poderosos setores econômicos nacionais e internacionais que passaram anos difundindo propaganda anticomunista afim de atacarem a esquerda de modo geral e o próprio governo Goulart quando ia de encontro a seus interesses". Além disso, criticou a qualidade técnica, dizendo que o mesmo é "pouco criativo", "obsoleto" e "cansativo", "com uma fotografia previsível e monótona".[24] Pablo Villaça também criticou erros estéticos e "básicos" de fotografia.[26]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Notas

  1. A ameaça comunista no Brasil é uma teoria falsa. Ver § Análise histórica para mais informações.

Referências

  1. a b c «1964: O Brasil entre Armas e Livros». AdoroCinema. Consultado em 6 de julho de 2021 
  2. a b c d e f «"1964: O Brasil Entre Armas e Livros": o que o filme que ameniza ditadura tenta mudar». Entretenimento UOL. Consultado em 3 de julho de 2021 
  3. Rocha 2021, cap.3.
  4. The Noite 2019, 0:00—1:20
  5. The Noite 2019, 1:24—2:42
  6. The Noite 2019, 8:32—8:51
  7. B, R. (6 de junho de 2018). «Serviço secreto soviético considerou "causar guerra civil no Brasil" em 1961». El País. Consultado em 21 de julho de 2021 
  8. a b c Escorel, Eduardo. «A direita na tela». Piauí. Consultado em 3 de julho de 2021 
  9. a b c d «Filme pró-golpe militar foi exibido por erro, informa Cinemark». Folha de S.Paulo. 2 de abril de 2019. Consultado em 3 de julho de 2021 
  10. a b «Cinemark diz que exibição de filme pró-ditadura militar foi um erro». Exame. 3 de abril de 2019. Consultado em 3 de julho de 2021 
  11. a b «Cinemark diz que exibição de filme pró-ditadura militar foi um erro». Estadão. Consultado em 3 de julho de 2021 
  12. «Cinemark emite nota de esclarecimento após exibição de filme sobre 1964». Correio Braziliense. 2 de abril de 2019. Consultado em 3 de julho de 2021 
  13. a b «Rede Cinemark veta filme pró-golpe de 64 e é atacada por Eduardo Bolsonaro». Poder360. 2 de abril de 2019. Consultado em 5 de julho de 2021 
  14. a b «Filme da ditadura apoiado por Eduardo Bolsonaro não requer alvará». Metrópoles. 7 de novembro de 2019. Consultado em 6 de julho de 2021 
  15. «Veja fotos da exibição do filme sobre 1964 convocada por Eduardo». Metrópoles. 8 de novembro de 2019. Consultado em 6 de julho de 2021 
  16. «Filme "1964 - O Brasil entre Armas e Livros" faz uso indevido de foto de Sebastião Salgado». GZH. 7 de maio de 2019. Consultado em 3 de julho de 2021 
  17. a b «Crítica | 1964 - O Brasil entre Armas e Livros (YouTube, 2019): o que é a verdade?». Cinema com Rapadura. 10 de abril de 2019. Consultado em 5 de julho de 2021 
  18. a b c «Crítica de 1964: O Brasil Entre Armas e Livros (2019)». Cineplayers. 12 de fevereiro de 2021. Consultado em 3 de julho de 2021 
  19. «Entrevistados em filme pró-ditadura reconhecem que houve golpe em 64». O Globo. 3 de abril de 2019. Consultado em 3 de julho de 2021 
  20. The Noite 2019, 5:18—5:52
  21. Constantino, Rodrigo. «Minha visão sobre o documentário "1964 – Brasil entre armas e livros"». Gazeta do Povo. Consultado em 3 de julho de 2021 
  22. «Retórica de guerra». Veja. Consultado em 3 de julho de 2021 
  23. Silveira, Amanda Santos (2021). «A História da Ditadura Civil-Militar em um Brasil Paralelo: Usos Públicos do Passado e o Revisionismo / Negacionismo Virtual». Universidade Federal da Integração Latino-Americana. Consultado em 18 de agosto de 2022 
  24. a b Borges, Ítalo Nelli (2019). «O Paralelismo do Absurdo: 1964 – O Brasil entre Armas e Livros e seus Desserviços Históricos e Sociais». Revista Expedições: Teoria da História e Historiografia. 10 (2): 152–166. ISSN 2179-6386 
  25. Buzalaf, Márcia Neme (2019). «A construção estereotipada do comunista na produção 1964 – o Brasil entre armas e livros» (PDF). In: Pelegrinelli, André Luiz Marcondes; Molina, Ana Heloisa; Silva, Gustavo do Nascimento. Anais do VII Encontro Nacional de Estudos da Imagem [e do] IV Encontro Internacional de Estudos da Imagem. Londrina: Universidade Estadual de Londrina. pp. 34–42 
  26. a b Villaça, Pablo (5 de abril de 2019). 1964: Brasil - Entre Armas e Livros - Comentários. Consultado em 16 de maio de 2020 – via YouTube 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

Leitura adicional[editar | editar código-fonte]

Ligações externas[editar | editar código-fonte]