Penicilina

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Frasco de penicilina produzido pelo Laboratorio Abbott, numa exposição sobre a vida e obra do químico Alfred Nobel, na Fundação Getulio Vargas, no Rio de Janeiro (Tomaz Silva/Agência Brasil)

A penicilina é um antibiótico natural derivado do bolor produzido pelo fungo Penicillium chrysogenum (ou P. notatum). Ela foi descoberta pelo médico e bacteriologista escocês Alexander Fleming e está disponível como fármaco desde 1941, sendo o primeiro antibiótico a ser utilizado com sucesso.[1][2]

História

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Alexander Fleming, o descobridor da penicilina.

A penicilina foi descoberta em 1928 por Alexander Fleming quando saiu de férias e esqueceu algumas placas com culturas de micro-organismos em seu laboratório no Hospital St. Mary em Londres.[3] Quando voltou, reparou que uma das suas culturas de Staphylococcus tinha sido contaminada por um bolor, e em volta das colônias deste não havia mais bactérias. Então, Fleming e seu colega, Dr. Pryce, descobriram um fungo do gênero Penicillium, e demonstraram que o fungo produzia uma substância responsável pelo efeito bactericida: a penicilina. Esta foi obtida em forma purificada por Howard Florey, Ernst Chain e Norman Heatley, da Universidade de Oxford, muitos anos depois, em 1940. Eles comprovaram as suas qualidades antibióticas em ratos infectados, assim como a sua não-toxicidade. Em 1941, os seus efeitos foram demonstrados em humanos. O primeiro homem a ser tratado com penicilina foi um agente da polícia que sofria de septicémia com abcessos disseminados, uma condição geralmente fatal na época. Ele melhorou bastante após a administração do fármaco, mas veio a falecer quando as reservas iniciais de penicilina se esgotaram. Em 1945, Fleming, Florey e Chain receberam o Prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina por este trabalho. A penicilina salvou milhares de vidas de soldados dos aliados na Segunda Guerra Mundial.[4][5]

Tem-se dito que muitas descobertas científicas são feitas ao acaso. O acaso, já dizia Pasteur, só favorece aos espíritos preparados e não prescinde da observação. A descoberta da penicilina constitui um exemplo típico. Alexander Fleming, bacteriologista do St. Mary's Hospital, de Londres, vinha já há algum tempo pesquisando substâncias capazes de matar ou impedir o crescimento de bactérias nas feridas infectadas. Essa preocupação se justificava pela experiência adquirida na Primeira Grande Guerra (1914-1918), na qual muitos combatentes morreram em conseqüência da infecção em ferimentos profundos. Em 1922 Fleming descobrira uma substância antibacteriana na lágrima e na saliva, a qual dera o nome de lisozima. Em 1929 Fleming desenvolvia pesquisas sobre estafilococos, quando descobriu a penicilina. A descoberta da penicilina deu-se em condições peculiaríssimas, graças a uma seqüência de acontecimentos imprevistos e surpreendentes.

No mês de agosto daquele ano Fleming tirou férias e, por esquecimento, deixou algumas placas com culturas de estafilococos sobre a mesa, em lugar de guardá-las na geladeira ou inutilizá-las, como seria natural.[3] Quando retornou ao trabalho, em setembro, observou que algumas das placas estavam contaminadas com mofo, fato que é relativamente freqüente. Colocou-as então, em uma bandeja para limpeza e esterilização com lisol. Neste exato momento entrou no laboratório um seu colega, Dr. Pryce, e lhe perguntou como iam suas pesquisas. Fleming apanhou novamente as placas para explicar alguns detalhes ao seu colega sobre as culturas de estafilococos que estava realizando, quando notou que havia, em uma das placas, um halo transparente em torno do mofo contaminante, o que parecia indicar que aquele fungo produzia uma substância bactericida. O assunto foi discutido entre ambos e Fleming decidiu fazer algumas culturas do fungo para estudo posterior.

O fungo foi identificado como pertencente ao gênero Penicilium, donde deriva o nome de penicilina dado à substância por ele produzida. Fleming passou a empregá-la em seu laboratório para selecionar determinadas bactérias, eliminando das culturas as espécies sensíveis à sua ação.

A descoberta de Fleming não despertou inicialmente maior interesse e não houve a preocupação em utilizá-la para fins terapêuticos em casos de infecção humana até a eclosão da Segunda Guerra Mundial, em 1939. Em 1940, Sir Howard Florey e Ernst Chain, de Oxford, retomaram as pesquisas de Fleming e conseguiram produzir penicilina com fins terapêuticos em escala industrial, inaugurando uma nova era para a medicina - a era dos antibióticos. Alguns anos mais tarde, Ronald Hare, colega de trabalho de Fleming, tentou, sem êxito, "redescobrir" a penicilina em condições semelhantes às que envolveram a descoberta de Fleming. Após um grande número de experiências verificou que a descoberta da penicilina só se tornou possível graças a uma série inacreditável de coincidências, quais sejam: O fungo que contaminou a placa, como se demonstrou posteriormente, é um dos três melhores produtores de penicilina dentre todas as espécies do gênero Penicilium; O fungo contaminante teria vindo pela escada do andar inferior, onde se realizavam pesquisas sobre fungos;[3] O crescimento do fungo e dos estafilococos se fez lentamente, condição necessária para se evidenciar a lise bacteriana; No mês de agosto daquele ano, em pleno verão, sobreveio uma inesperada onda de frio em Londres, que proporcionou a temperatura ideal ao crescimento lento da cultura; A providencial entrada do Dr. Pryce no Laboratório permitiu que Fleming reexaminasse as placas contaminadas e observasse o halo transparente em torno do fungo, antes de sua inutilização. Apesar de todas essas felizes coincidências, se Fleming não tivesse a mente preparada não teria valorizado o halo transparente em torno do fungo e descoberto a penicilina.

Estrutura química

Estrutura geral das penicilinas.

As penicilinas contêm um anel activo, o anel beta-lactâmico, que partilham com as cefalosporinas. As penicilinas contêm um núcleo comum a todas elas e uma região que varia conforme o subtipo. Todas penicilinas têm a mesma estrutura básica: ácido 6 aminopenicilanico, um anel tiazolidina unido a um anel beta lactamico que leva um grupo amino livre[6].

Mecanismo de ação

Todos os antibióticos beta-lactâmicos (penicilinas e cefalosporinas) interferem na síntese de parede celular bacteriana, através de sua ligação com as enzimas PBP. A penicilina acopla num receptor presente na membrana interna bacteriana (PBP) e interfere com a transpeptidação que ancora o peptidoglicano estrutural de forma rígida em volta da bactéria. Como o interior desta é hiperosmótico, sem uma parede rígida há afluxo de água do exterior e a bactéria lisa (explode).

O principal mecanismo de resistência de bactérias à penicilina baseia-se na produção de Beta-lactamases, enzimas que degradam a penicilina impedindo sua ação. Outro mecanismo de ação da penicilina é a inativação do inibidor das enzimas autolíticas na parede celular. Isto dá, como resultado, a lise celular.[7][8][9]

Usos terapêuticos

Há dois tipos principais de penicilina:

  1. A Penicilina G ou benzilpenicilina, foi a primeiramente descoberta é geralmente injectavel (intra-venosa ou intra-muscular) ainda que existam formas bucais para tratamento dental. Ela é mal absorvida a partir do intestino por isso a via oral não é utilizada.
  2. A Penicilina V ou fenoximetilpenicilina é geralmente administrada por via oral e é absorvida para o sangue ao nível intestinal.

As penicilinas são eliminadas por secreção tubular nos rins.

É a primeira escolha para infecções bactérianas causadas por organismos Gram-positivos e outros que não sejam suspeitos de resistência.

É geralmente eficaz contra espécies Gram+ ou de Streptococcus, Clostridium, Neisseria, e anaérobios excluindo Bacteroides. Usa-se em casos de meningite bacteriana, bacterémia, endocardite, infecções do tracto respiratório (pneumonia), faringite, escarlatina, sífilis, gonorreia, otite média e infecções da pele causadas pelos organismos referidos.

A Penicilina já não é a primeira escolha em infecções por Staphylococcus devido a resistência disseminada nesse género.

Efeitos indesejados

A penicilina não tem efeitos secundários significativos, mas pode raramente causar reações alérgicas e até choque anafilático nos indivíduos susceptíveis.

Sintomas iniciais nesses casos podem incluir eritemas cutâneos disseminados, febre e edema da laringe, com risco de asfixia. A sua introdução por injeção no organismo também é conhecida por ser dolorosa.

Além disso uso prolongado ou em altas doses pode causar deplecção da flora normal no intestino e suprainfecção com espécie patogénica[10].

Fármacos derivados

Existem muitos antibióticos derivados por métodos químicos industriais da penicilina, constituindo as penicilinas semi-sintéticas:

Fleming e Churchill

Não passa de um boato a história de que a família de Alexander Fleming teria salvo a vida de Winston Churchill duas vezes: a primeira vez, quando o menino Winston teria sido salvo de afogamento (por Alexander ou seu pai), o que teria feito com que o pai de Winston, como agradecimento, tivesse pago os estudos do jovem Alexander, e, na segunda vez, quando a penicilina (descoberta por Fleming) foi usada para curar Churchill de pneumonia. A história foi inventada por Arthur Gladstone Keeney: nem o quase afogamento pode ser confirmado, nem Churchill foi tratado por penicilina, e sim por sulfadiazina.[12]

Ver também

Referências

  1. Nossa capa: Alexander Fleming e a descoberta da penicilina. J. Bras. Patol. Med. Lab., Rio de Janeiro , v. 45, n. 5, Oct. 2009
  2. A Penicilina. Superinteressante, fevereiro de 1988
  3. a b c «FLEMING, O ACASO E A OBSERVAÇÃO». Cultura.com. Consultado em 15 de setembro de 2012 
  4. Bettelheim, Frederick; Brown, William; Campbell, Mary; Farrell, Shawn; Torres, Omar. Introduction to Organic and Biochemistry. 8ª edi. Cengage Learning, 2012. pp. 243. ISBN 1133109764
  5. W. Hudler, George. Magical Mushrooms, Mischievous Molds. Edi. ilustrada. Princeton University Press, 2000. pp. 119. ISBN 0691070164
  6. CALIXTO, Carolina Maria Fioramonti; CAVALHEIRO, Éder Tadeu Gomes. Penicilina: Efeito do Acaso e Momento Histórico no Desenvolvimento Científico. Química Niva Interativa - Sociedade Brasileira de Química
  7. Behera, D.. Textbook of Pulmonary Medicine, Volume 1. Edi. ilustrada: Jaypee Brothers Publishers, 2010. pp. 248. ISBN 8184487495
  8. Hacker, Miles; S. Messer II, William; A. Bachmann, Kenneth. Pharmacology: Principles and Practice. Academic Press, 2009. pp. 380. ISBN 0080919227
  9. Garg, Nisha; Garg, Amit. Textbook of Endodontics. Col: Anil Chandra. Edi. ilustrada. JP Medical Ltd, 2013. pp. 142. ISBN 9350909529
  10. «Penicilina (Benzetacil)». Tua Saúde. Consultado em 15 de setembro de 2012 
  11. Strateva, Tanya; Yordanov, Daniel (2009). «Pseudomonas aeruginosa – a phenomenon of bacterial resistance» (PDF). Journal of Medical Microbiology (em inglês). 58: 1133–1148. doi:10.1099/jmm.0.009142-0. Consultado em 17 de maio de 2014 
  12. Sir Alexander Fleming Twice Saved Churchill's Life. The Churchill Centre


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