Holden Roberto

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Álvaro Holden Roberto
Álvaro Holden Roberto
Presidente do GRAE
Período 5 de abril de 1962
3 de dezembro de 1972
Dados pessoais
Nascimento 12 de janeiro de 1923
Mabanza Congo
Morte 2 de agosto de 2007 (84 anos)
Partido FNLA
Profissão Político e dirigente nacionalista

Álvaro Holden Roberto (Mabanza Congo, 12 de janeiro de 1923Luanda, 2 de agosto de 2007) foi um politólogo, economista e dirigente nacionalista angolano.

Iniciou a sua atividade política em 1954 dentro da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), depois liderando Governo Revolucionário de Angola no Exílio (GRAE).

Durante a Guerra de Independência de Angola manteve os codinomes "José Gilmore",[1] "Osusana Milton" e "Ruy Ventura".[2]

Biografia[editar | editar código-fonte]

Era filho de Garcia Diasiwa Roberto e Joana Helena Lala Necaca. Apesar de nascido em São Salvador do Congo (atual Mabanza Congo) em Angola, foi com a família para Quinxassa (actual capital da República Democrática do Congo) com apenas 2 anos de idade.[3]

Em 1940 conclui o liceu numa escola de uma missão da Sociedade Missionária Baptista Britânica (BMS). Neste periodo batiza-se na Igreja Evangélica Baptista.[3]

Torna-se funcionário do Ministério das Finanças da Bélgica em Quissangane e Bucavu, na República Democrática do Congo, cargo que manteve por 8 anos.[3] Volta a residir em Quinxassa em 1949, quando se juntou a seu tio para jogar pelo time de futebol local "Nomads" e depois pelo Daring Club Motema Pembe, ao lado do primeiro-ministro congolês, Cyrille Adoula.[4]

Liderança anticolonial (1954 a 1975)[editar | editar código-fonte]

Roberto em 1973

Na constituição da União dos das Populações do Norte de Angola (UPNA), em 7 de julho de 1954, é apontado como candidato à sucessão do falecido rei Pedro VII, do Reino do Congo.[5] É destacado para conduzir uma outra reunião da UPNA no mesmo ano realizada clandestinamente no Lobito. Quando ocorre a fundação oficial da UPNA em Quinxassa em 10 de outubro de 1954,[5] é indicado líder juntamente com seu tio Manuel Barros Sidney Necaca. Cabe a Roberto a condução dos negócios externos e contactos políticos.[5]

Participa da I Conferência dos Povos Africanos em Acra, na Gana, como embaixador plenipotenciário da UPNA. Durante o evento, em 7 de dezembro de 1958, a UPNA é convertida em União das Populações de Angola (UPA),[6] adotando um posicionamento superficialmente pan-africanista[7] (muito embora na política interna valorizasse o tribalismo[8]) sob orientação do Comitê Americano para os Assuntos Africanos.[1] Roberto já participa da reunião como agente duplo da CIA,[3] recebendo do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos um salário de US$ 6.000 anualmente até 1962, quando passou a receber US$ 10.000[3] para coleta de informações.[8] Na conferência ele conheceu Patrice Lumumba, futuro primeiro-ministro da República Democrática do Congo, Kenneth Kaunda, futuro presidente da Zâmbia, e o nacionalista queniano Tom Mboya.[9]

Ainda em Acra, em 1958, matricula-se num curso de ciências políticas do Instituto Superior de Ciências Políticas. Parte para os Estados Unidos como representante da UPA nas Nações Unidas, onde forma-se como politólogo e economista com uma bolsa dada pela Guiné-Conacri.[10] A morte precoce de Necaca faz com que Roberto seja eleito líder máximo da organização já em 1960.[1]

Liderando um grupo de 4.000 a 5.000 militantes a partir dos Estados Unidos, ordenou o lançamento de um ataque armado que "incendiasse"[11] Angola em 15 de março de 1961, tomando fazendas, postos avançados do governo e centros comerciais.[11] Cerca de 1.000 brancos e 6000 nativos,[11] majoritariamente ovimbundos e ambundos,[11] foram mortos num sangrento ataque.[11] Holden Roberto assumiu a Joaquim Furtado, no documentário "A Guerra" (lançado somente em 2010, ou seja, já com Roberto morto) que, como líder da UPA/FNLA, foram os ataques surpresa de 15 de março de 1961 que levaram ao início da Guerra de Independência de Angola.[11] No entanto, e contrariamente às acusações de "genocídio" do governo salazarista e da sociedade civil portuguesa,[11] Holden Roberto considerou o elevado nível de violência dos acontecimentos de março 1961 como uma reacção do povo angolano contra a violência colonial que a precedeu — remetendo à repressão da Greve da Baixa do Cassange, iniciada cerca de dois meses antes.[12]

Em 27 de março de 1962 a UPA absorve o Partido Democrático de Angola (PDA),[5] liderado por André Ndomikalay Masaki,[5] como tentativa de formar uma frente única de luta anticolonial baseada em princípios étnico-raciais e tribalistas.[8] Na constituição da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) como fusão da UPA e do PDA, na data referida, David Livromentos assumiu a presidência da organização, mas faleceu no mesmo ano sendo substituído por André Ndomikalay Masaki que lidera a organização até 1972, quando centraliza-se tudo novamente com Holden Roberto — a destacar que Roberto como presidente do Governo Revolucionário de Angola no Exílio (GRAE) era o líder de facto da FNLA.[1][13] O GRAE era formado por figuras como Jonas Savimbi, que serviu como ministro dos Negócios Estrangeiros.[1] Dadas as suas ligações aos Estados Unidos, de onde recebia informações, instruções tácticas, financiamento, bem como apoio logístico para o seu movimento, num primeiro momento não conseguiu conciliar, numa frente única sob a guarida do GRAE, nem o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), nem a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), organizações de inspiração, respectivamente, marxista-leninista e maoísta e, no primeiro caso, fortemente influenciado por mestiços e brancos.[14]

Um ponto de questionamento constante à Roberto era sua aparente apatia na condução da luta anticolonial, uma vez que, desde a década de 1960, também dedicava energias para condução de seus negócios imobiliários em terras quinxassa-congolesas.[3] Este, inclusive, foi um dos motivos alegados para a ruptura do grupo de Savimbi em 1964, que levou consigo quase uma centena de militantes que formaram a UNITA em 1966.[15] Além disso, por representar uma linha ideológica conservadora, pró-monárquica e pró-ocidental, veio a sofrer várias represálias políticas e mesmo militares por frações internas do FNLA, chegando a haver confrontos militares como: sublevação e tentativa de golpe de Alexandre Pedro Claver Taty,[15] que tentou o destituir e depois (ao ter falhado no plano) rompeu com o GRAE e a FNLA para ingressar nas forças portuguesas, na Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC) e na Junta Militar Angolana no Exílio (JMAE),[15] e; grandes motins nas bases da FNLA/ELNA no Congo-Quinxassa na década de 1970, seguido de uma purga ordenada por Roberto, fazendo com que houvesse uma deserção em massa de soldados e oficiais para o Congo-Brazavile, muitos dos quais se filiam ao MPLA em 1972/1973.[14]

Participou das negociações de julho de 1974 em Bucavu, no Zaire, e de janeiro de 1975 em Mombaça, no Quênia, onde chegou-se a um entendimento comum de partilha de poder entre os intervenientes da Guerra de Independência de Angola, conhecido como Acordo de Alvor.[16] Entretanto a frágil pacificação foi rompida em fevereiro no início dos combates da Guerra Civil Angolana entre a FNLA e o MPLA. A partir de julho/agosto de 1975 os conflitos tomaram grandes dimensões, com Roberto instalando-se em Angola para supervisionar a Batalha de Quifangondo, o combate decisivo da independência nacional.[17]

Pós-independência angolana (1975 a 2007)[editar | editar código-fonte]

Quando Portugal concedeu a independência a Angola, o MPLA recebeu apoio incondicional da União Soviética e de Cuba. Na data da Independência de Angola, Roberto, líder da FNLA, proclamou a Independência da República Popular Democrática de Angola (RPDA) à meia-noite do dia 11 de novembro, no Ambriz. Nesse mesmo dia, a independência da RPDA foi também proclamada em Huambo, por Jonas Savimbi, líder da UNITA.[18][19] Uma aliança UNITA-FNLA, denominada Conselho Nacional da Revolução (sucessor do GRAE), é celebrada.[20] Com apoio de militares cubanos, o MPLA derrota a FNLA de Holden Roberto na formação do primeiro governo de Angola que, assim, se torna um Estado monopartidário, liderado inicialmente por Agostinho Neto e, posteriormente, por José Eduardo dos Santos.[21]

Durante a primeira fase pós-colonial, a FNLA quase desapareceu do campo militar e político, já que não podia, durante este período, ter uma existência legal em Angola.[7] O movimento entrou numa fase de degenerescência, cujo indicador porventura mais forte foi o facto de Holden Roberto ser exilado pelo Zaire (actual Congo-Quinxassa) no Gabão[3] a partir de 1979 e passar a residir em Paris para tratamento médico durante muitos anos.[3] Também residiu nos Estados Unidos durante a década de 1980.

Nas primeiras eleições livres de Angola, realizadas em 1992, Holden Roberto, retornou à Angola, e foi candidato à Presidência da República obtendo apenas 2,1% dos votos validamente expressos.[21]

A enorme derrota eleitoral de 1992 fez surgir no partido, na segunda metade da década de 1990, um forte conflito entre Holden Roberto e Lucas Ngonda, que reivindicavam a liderança.[22] Ngonda, que defendia a reconciliação e aliança com o MPLA, garantiu o apoio do governo. No congresso da FNLA em 1999, ele conseguiu sua eleição para o mais alto cargo do partido. Roberto passou para o status de "presidente honorário do partido".

A luta interna com Ngonda se acentuou quando, em 2004, um novo congresso partidário restaurou a liderança de Roberto, auxiliado por Ngola Kabangu, que foi eleito vice-presidente da FNLA. As disputas com Ngonda continuaram até 2007, quando os dois grupos ensaiaram uma reconciliação, mas nunca firmada dado a morte de Roberto no mesmo ano.

Morte[editar | editar código-fonte]

Holden Roberto morreu em 2 de agosto de 2007, aos 84 anos, após sofrer um ataque cardíaco em sua casa em Luanda. Na data da morte, era deputado da Assembleia Nacional. Após a morte de Roberto, o então Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, fez um elogio em homenagem ao falecido, chamando-o de "um dos pioneiros da luta de libertação nacional".[23] O então secretário-geral do MPLA, Dino Matrosse, classificou a morte de Roberto como uma "perda irreparável". Os representantes dos partidos da oposição referiram que Roberto "deu aos angolanos aquilo que ele próprio não usou" e recordaram que muitos políticos do MPLA e da UNITA começaram na UPA e na FNLA.[24] O funeral de Roberto teve honras de chefe de Estado.

Vida pessoal[editar | editar código-fonte]

Holden Roberto foi casado duas vezes. A dissolução do primeiro casamento e a conclusão do segundo foram feitas por razões políticas — para casar com uma parente de Mobutu Sese Seko, então presidente do Zaire, o que cimentou a união política da FNLA com este país.[9]

Carlitos Roberto — filho de Holden Roberto — em 2008 foi eleito para o Parlamento Angolano pela FNLA.[25] Catarina Roberto e Grace Roberto, filhas de Holden Roberto, estiveram envolvidas em conflitos internos do partido como opositores de Lucas Ngonda, e entraram em confronto com novos líderes partidários pelo acesso ao túmulo do pai.[26]

Referências

  1. a b c d e Selma Pantoja (2018). Leituras Cruzadas sobre Angola e Brasil: Identidade, Memória, Direitos e Valores. 1. Jundiaí-SP: Paco e Littera 
  2. Holden Roberto. ATD. 2021.
  3. a b c d e f g h «Led Insurgency and was a CIA Agent». The New Black Magazine. 22 de outubro de 2007. Consultado em 5 de junho de 2017. Cópia arquivada em 6 de agosto de 2020 
  4. Marcum, John (1969). The Angolan Revolution, Vol. I: The Anatomy of an Explosion (1950-1962). [S.l.]: Massachusetts Institute of Technology Press (Cambridge. 65 páginas 
  5. a b c d e Luís Manuel Brás Bernardino (setembro de 2021). «Os movimentos de libertação em Angola e a criação das Forças Armadas Angolanas: contributos da ideologia política» 0106 ed. Florianópolis. Tempo & Argumento. 13 (34) 
  6. Álvaro Holden Roberto. CJPRA. 24 de abril de 2001
  7. a b Anselmo de Oliveira Rodrigues; Eduardo Xavier Ferreira Glaser Migon (Janeiro de 2019). «Do acordo Tripartido (1988) ao acordo de Paz em 2002: o processo de paz conduzido em Angola». Porto Alegre. Revista Brasileira de Estudos Africanos. 4 (7): 51-83 
  8. a b c Pinto, João Paulo Henrique (dezembro de 2016). «A questão identitária na crise do MPLA de (1962-1964)». Irati: Universidade Estadual de Ponta Grossa. Revista TEL. 7 (2): 140-169. ISSN 2177-6644 
  9. a b «Holden Roberto Biography». The Famous People. 18 de fevereiro de 2015. Consultado em 5 de junho de 2017. Cópia arquivada em 27 de julho de 2017 
  10. Holden Roberto, Líder fundador da FNLA. Club-K 19 de janeiro de 2013.
  11. a b c d e f g Carolina Barros Tavares Peixoto (2009). Limites do ultramar português, possibilidades para Angola: o debate político em torno do problema colonial (1951-1975) (PDF). Niterói: Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense 
  12. A Guerra: Episódio n.º5. RTP. 2010
  13. André Ndomikalay Masaki, “o órfão de coração ferido”, antigo presidente da FNLA. Wizi-Kongo. 6 de agosto de 2017.
  14. a b Francisco, Alberto André Carvalho. (2013). A política externa de Angola durante a Guerra Fria (1975-1992) (PDF). Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais). Brasília: Universidade de Brasília. 129 páginas 
  15. a b c Luís, João Baptista Gime (2021). Elites independentistas e nacionalismo no século XX: Angola (1956-1975) (PDF). Lisboa: Universidade de Lisboa 
  16. Tomás Diel Melícias (2017). O Feitiço do Moderno: Jonas Savimbi e seus projetos de nação angolana (1966-1988) (PDF). Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul 
  17. Artur Queiroz (10 de novembro de 2009). «A batalha de Kifangondo nas vésperas da Independência». Jornal de Angola. Consultado em 1 de junho de 2010 
  18. «Angola, 44 anos de independência». Voa Português. 11 de novembro de 2019 
  19. Ferraz, Francisco (2019). «Uma cidade ao mar». Mundo da Politica 
  20. Cahoon, Ben. Angola. World Statesmen.org. 2019.
  21. a b «História». Embaixada da República de Angola na República da Guiné. 2017 
  22. «Afastamento de Vaal Neto confirma decadência de dissidentes da Fnla». Angonoticias. 2 de março de 2005. Consultado em 2 de julho de 2019. Cópia arquivada em 2 de julho de 2019 
  23. «Angola: Head of State Condoles With Death of FNLA Historic Leader». All Africa. 4 de agosto de 2007. Consultado em 10 de dezembro de 2013. Cópia arquivada em 6 de abril de 2012 
  24. «Holden Roberto morreu «sem o reconhecimento devido»». Angonoticias. 3 de agosto de 2007. Consultado em 5 de junho de 2017. Cópia arquivada em 24 de maio de 2018 
  25. Filhos de Savimbi e de Holden desamparados
  26. «Zaire: Militantes da FNLA impedem filhas de Holden Roberto de o homenagearem». Angonoticias. 13 de agosto de 2010. Consultado em 5 de junho de 2017. Cópia arquivada em 29 de março de 2019 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • James, W. Martin (2004). Historical Dictionary of Angola. pp. 141–142.
  • Rensburg, Abraham Paul Janse Van (1075). Contemporary Leaders of Africa. p. 303.
  • Tvedten, Inge (1997). Angola: Struggle for Peace and Reconstruction. p. 31.
  • Edgerton, Robert Breckenridge (2002). Africa's Armies: From Honor to Infamy. p. 72.
  • Figueiredo, António de (1961). Portugal and Its Empire: The Truth. p. 130.
  • Nzongola-Ntalaja, Georges; Immanuel Maurice Wallerstein (1986). The Crisis in Zaire. p. 194.

Ver também[editar | editar código-fonte]