Arroz-dourado

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Arroz dourado é um cultivo de arroz (Oryza sativa) geneticamente modificado para a síntese de β-caroteno, molécula precursora da síntese de vitamina A no corpo humano, com coloração característica.[1]

Arroz dourado em comparação ao arroz comum

Como a versão original do alimento possui uma ausência fundamental do micronutriente, a criação do arroz dourado teve como intuito a produção de uma variedade fortificada para combater a deficiência de vitamina A em países em desenvolvimento da África, América Latina e principalmente da Ásia, onde o consumo do grão é elevado, podendo chegar a 70% das calorias diárias, e o acesso a alimentos ricos em β-caroteno ou vitamina A pré-formada é limitado.[2][3][4][5]

Essa variedade do arroz tem como proposta aumentar a disponibilidade de vitamina A, que é essencial para várias funções do organismo humano, como desenvolvimento e funcionamento da visão, diferenciação e manutenção de células, produção de hemácias sanguíneas e metabolismo do sistema imune.[2] Sua deficiência pode gerar sintomas como cegueira noturna, xeroftalmia (olho seco) e cegueira absoluta, também exacerbando casos clínicos como diarreia, doenças respiratórias e doenças comumente associadas à infância, como o sarampo.[5] De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que a deficiência de vitamina A atinja milhões de crianças e mulheres grávidas, estando presente em 122 países de maneira expressiva.[4]

História[editar | editar código-fonte]

O arroz dourado foi desenvolvido durante a década de 1990 por Ingo Potrykus e Peter Beyer, a partir de uma iniciativa da Fundação Rockefeller. No ano de 2005, em parceria com a empresa suíça de biotecnologia Syngenta, Rachel Drake desenvolveu a segunda geração do arroz dourado, capaz de concentrar muito mais β-caroteno que a versão anterior, propiciando metade da quantidade necessária de vitamina A diária em aproximadamente 60 gramas do alimento cru.[3][6][7]

Até o ano de 2018, nenhum país aprovou formalmente o arroz dourado. Foi considerado seguro para consumo por quatro países, incluindo Estados Unidos e Canadá. Em 2017, o Instituto Internacional de Investigação do Arroz (IRRI), entidade que participou do desenvolvimento da segunda geração do alimento, submeteu pedidos de aprovação regulatória do arroz dourado para as nações de Bangladesh e Filipinas, podendo colocar planos de aplicação do cultivo em prática de acordo com as respostas a serem recebidas.[7]

Em 2021, as Filipinas se tornaram o primeiro país a aprovar a plantação e comercialização do arroz enriquecido para comércio, país onde cerca de 20% das crianças sofrem com a deficiência de vitamina A.[8]

Genética[editar | editar código-fonte]

Para que ocorra a síntese de β-caroteno no arroz dourado, foram incluídos dois genes na versão original do alimento, de modo a ocorrer a expressão das enzimas correspondentes no endosperma do grão, que é a parte comestível.[9] A primeira enzima é a fitoeno sintase (psy) da flor Narcissus pseudonarcissus, que forma o composto fitoeno a partir do geranilgeranil difosfato, formado através de processos metabólicos que possuem o piruvato e o gliceraldeído-3-fosfato como substratos iniciais.[5][10][11]

A segunda enzima é uma fitoeno desaturase da bactéria Erwinia uredovora, que introduz quatro ligações duplas no fitoeno e o transforma em licopeno.[5][9] Para a transformação do licopeno em β-caroteno, de início se pensou que seria necessária a adição de um terceiro gene correspondente a enzima licopeno β-ciclase, porém, posteriormente foi descoberto que o grão de arroz já a produz.

No desenvolvimento da segunda geração do arroz dourado, a principal alteração implementada foi a substituição da enzima psy anteriormente presente por outra enzima psy de uma espécie de milho, que resultou em um maior acúmulo de β-caroteno.[6][7]

Controvérsia[editar | editar código-fonte]

Desde sua origem, o arroz dourado vem sendo alvo de diversas críticas a partir de organizações como a Greenpeace, que afirma que nos vinte anos em que o produto vem sendo desenvolvido, o dinheiro investido poderia ter sido usado para combater a deficiência de vitamina A com soluções mais imediatas, como a fortificação alimentar, suplementação e agricultura familiar. Além disso, também foram citados os fatores culturais que serão afetados pela substituição do consumo tradicional do arroz comum.[12]

A perda de biodiversidade também é um ponto levantado, pois as plantações de arroz, que geralmente se baseiam em monoculturas, poderiam causar grandes impactos no ecossistema local.[13]

A eficácia do produto também é questionada, alguns afirmam que ele não produz vitamina A suficiente para suprir a necessidade, especialmente de indivíduos que estão com deficiência da mesma.[14] Porém estudos recentes demonstram que o arroz dourado é uma fonte válida, mas não necessariamente supre as necessidades diárias.[15] Mas também outros estudos dizem que a inserção de micronutrientes em alimentos por meio de engenharia genética não garante uma dieta diversa, que é um fator importante para a saúde, segundo a OMS.[5]

No geral, as críticas ao arroz dourado são as mesmas que as dirigidas a alimentos geneticamente modificados.[16]

Referências

  1. Datta, Swapan K.; Datta, Karabi; Parkhi, Vilas; Rai, Mayank; Baisakh, Niranjan; Sahoo, Gayatri; Rehana, Sayeda; Bandyopadhyay, Anindya; Alamgir, Md. (1 de abril de 2007). «Golden rice: introgression, breeding, and field evaluation». Euphytica (em inglês) (3): 271–278. ISSN 1573-5060. doi:10.1007/s10681-006-9311-4. Consultado em 19 de julho de 2022 
  2. a b Timoneda, Joaquín; Rodríguez-Fernández, Lucía; Zaragozá, Rosa; Marín, M. Pilar; Cabezuelo, M. Teresa; Torres, Luis; Viña, Juan R.; Barber, Teresa (setembro de 2018). «Vitamin A Deficiency and the Lung». Nutrients (em inglês) (9). 1132 páginas. ISSN 2072-6643. PMC 6164133Acessível livremente. PMID 30134568. doi:10.3390/nu10091132. Consultado em 19 de julho de 2022 
  3. a b Kettenburg, Annika J.; Hanspach, Jan; Abson, David J.; Fischer, Joern (1 de setembro de 2018). «From disagreements to dialogue: unpacking the Golden Rice debate». Sustainability Science (em inglês) (5): 1469–1482. ISSN 1862-4057. PMC 6132390Acessível livremente. PMID 30220919. doi:10.1007/s11625-018-0577-y. Consultado em 19 de julho de 2022 
  4. a b Mallikarjuna Swamy, B. P.; Marundan, Severino; Samia, Mercy; Ordonio, Reynante L.; Rebong, Democrito B.; Miranda, Ronalyn; Alibuyog, Anielyn; Rebong, Anna Theresa; Tabil, Ma Angela (28 de janeiro de 2021). «Development and characterization of GR2E Golden rice introgression lines». Scientific Reports (em inglês) (1). 2496 páginas. ISSN 2045-2322. PMC 7843986Acessível livremente. doi:10.1038/s41598-021-82001-0. Consultado em 19 de julho de 2022 
  5. a b c d e Ye, Xudong; Al-Babili, Salim; Klöti, Andreas; Zhang, Jing; Lucca, Paola; Beyer, Peter; Potrykus, Ingo (14 de janeiro de 2000). «Engineering the Provitamin A (β-Carotene) Biosynthetic Pathway into (Carotenoid-Free) Rice Endosperm». Science (em inglês) (5451): 303–305. ISSN 0036-8075. doi:10.1126/science.287.5451.303. Consultado em 19 de julho de 2022 
  6. a b Paine, Jacqueline A.; Shipton, Catherine A.; Chaggar, Sunandha; Howells, Rhian M.; Kennedy, Mike J.; Vernon, Gareth; Wright, Susan Y.; Hinchliffe, Edward; Adams, Jessica L. (abril de 2005). «Improving the nutritional value of Golden Rice through increased pro-vitamin A content». Nature Biotechnology (em inglês) (4): 482–487. ISSN 1546-1696. doi:10.1038/nbt1082. Consultado em 19 de julho de 2022 
  7. a b c Owens, Brian (1 de agosto de 2018). «Golden Rice is safe to eat, says FDA». Nature Biotechnology (em inglês) (7): 559–560. ISSN 1546-1696. doi:10.1038/nbt0718-559a. Consultado em 19 de julho de 2022 
  8. «Philippines becomes first country to approve nutrient-enriched "Golden Rice" for planting». International Rice Research Institute (em inglês). 22 de julho de 2021. Consultado em 19 de julho de 2022 
  9. a b «Validate User». academic.oup.com. doi:10.1093/jn/132.3.506s. Consultado em 19 de julho de 2022 
  10. «Validate User». academic.oup.com. PMC 1104197Acessível livremente. PMID 15821145. doi:10.1104/pp.104.057927. Consultado em 19 de julho de 2022 
  11. Hirschberg, Joseph (1 de junho de 2001). «Carotenoid biosynthesis in flowering plants». Current Opinion in Plant Biology (em inglês) (3): 210–218. ISSN 1369-5266. doi:10.1016/S1369-5266(00)00163-1. Consultado em 19 de julho de 2022 
  12. «Golden Rice». Greenpeace Southeast Asia (em inglês). Consultado em 19 de julho de 2022 
  13. Stone, Glenn Davis; Glover, Dominic (1 de março de 2017). «Disembedding grain: Golden Rice, the Green Revolution, and heirloom seeds in the Philippines». Agriculture and Human Values (em inglês) (1): 87–102. ISSN 1572-8366. doi:10.1007/s10460-016-9696-1. Consultado em 19 de julho de 2022 
  14. «THE "GOLDEN RICE" HOAX -When Public Relations replaces Science». repstein.faculty.drbu.edu. Consultado em 19 de julho de 2022 
  15. «Validate User». academic.oup.com. PMC 2682994Acessível livremente. PMID 19369372. doi:10.3945/ajcn.2008.27119. Consultado em 19 de julho de 2022 
  16. Tsatsakis, Aristidis M.; Nawaz, Muhammad Amjad; Tutelyan, Victor A.; Golokhvast, Kirill S.; Kalantzi, Olga-Ioanna; Chung, Duck Hwa; Kang, Sung Jo; Coleman, Michael D.; Tyshko, Nadia (1 de setembro de 2017). «Impact on environment, ecosystem, diversity and health from culturing and using GMOs as feed and food». Food and Chemical Toxicology (em inglês): 108–121. ISSN 0278-6915. doi:10.1016/j.fct.2017.06.033. Consultado em 19 de julho de 2022