Clara d'Ovar

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Clara d'Ovar
Clara d'Ovar
Clara Dias Simões
Nascimento 4 de novembro de 1925
Ovar, Portugal
Morte 30 de junho de 2002
Ovar, Portugal
Cidadania Portugal
Progenitores
  • Manuel Dias Simões
  • Margarida Ferreira Soares Gomes Dias Simões
Irmão(ã)(s) Zéni d'Ovar
Ocupação atriz de cinema, cantora, produtora e autora

Clara d'Ovar (Ovar, 4 de novembro de 1925– Ovar, 30 de junho de 2002), nascida Leolina Clara Gomes Dias Simões, foi uma cantora, escritora, produtora e atriz de cinema portuguesa. Conhecida inicialmente por ter representado em filmes franceses e portugueses durante a década de 1960, tornou-se também célebre por ter publicado vários livros de contos nas décadas seguintes.[1][2]

Biografia[editar | editar código-fonte]

Família e Primeiros Anos[editar | editar código-fonte]

Nascida a 4 de novembro de 1925, na casa da sua família, situada na Rua Padre Ferrer, n.º 1, em Ovar, Leolina Clara Gomes Dias Simões era filha de Manuel Dias Simões e de Margarida Ferreira Soares Gomes Dias Simões,[3][4] sendo neta de António Dias Simões, conhecido arauto da tradição do Cantar dos Reis, historiador, poeta, dramaturgo, comediógrafo, pintor, miniaturista e calígrafo, natural da mesma localidade, com o qual terá aprendido a cantar enquanto passava as suas férias escolares na quinta que a sua família possuía no lugar de São Miguel,[5] e ainda bisneta de Margarida Simões, considerada a principal musa do então apaixonado Júlio Dinis para a personagem Margarida na sua obra As Pupilas do Senhor Reitor.[6] Era ainda irmã do bailarino, fadista, escritor e produtor de cinema José António Dias Simões, conhecido pelo nome artístico de Zéni d'Ovar.[7]

Proveniente de uma família burguesa, após frequentar o ensino primário e secundário em vários colégios, nomeadamente em Anadia, Aveiro e Porto, ingressou na Escola do Magistério Primário do Porto para se tornar professora primária. Contudo, sentindo o apelo pelas artes, aos 19 anos e ainda sob o nome de Clara Dias Simões, abandonou os estudos e partiu para Lisboa, onde começou a cantar em algumas casas de fado. De forma a se sustentar, arranjou trabalho como secretária e correspondente de francês e português na Inter-Maritime et Fluvial et Centrados Reúnis, começando a viajar frequentemente para Paris e Locarno, onde existiam as outras sucursais da mesma empresa.

Primeiro Casamento[editar | editar código-fonte]

Conseguindo um outro trabalho como correspondente de português para uma fábrica suíça de acessórios para relógios, fixou-se temporariamente em Locarno, onde conheceu Roland Pierre Gottraux (1921-2010), cônsul da Suíça em Luanda, com o qual casou. Após um ano a viver em Angola, o casal separou-se e Clara d'Ovar regressou à Europa.[8]

Casa de Fado "Le Fado"[editar | editar código-fonte]

Clara d'Ovar e Jaime Santos (Paris, 1962)

De regresso a Portugal, fixando-se entre as cidades do Porto e de Lisboa durante quase dois anos, estreou-se a cantar fado em vários programas de rádio, partindo depois para França, onde com as suas poupanças e um grupo de portugueses emigrados na capital francesa abriu um pequeno restaurante português, chamado inicialmente "Lisboa" e depois “Le Fado”, na Rue de Verneuil, localizado no 7.º arrondissement de Paris.[9][10] Considerada a primeira casa de fado parisiense, o seu estabelecimento atraiu inúmeros artistas franceses ligados ao mundo do cinema e da música, proporcionando-lhe um meio para se inserir nos círculos intelectuais e artísticos de Paris e travar amizade com Françoise Dorléac, Jean Cocteau, Line Renaud, Françoise Aurillac, Jean Marais, Fernandel ou Pierre Kast, entre muitos outros nomes.[11]

Segundas Núpcias[editar | editar código-fonte]

Atraindo uma selecta e curiosa clientela com os concertos de Rui de Mascarenhas, Maria Albertina, Jaime Santos, Madalena Iglésias ou Zéni d'Ovar no "Le Fado", durante uma noite de fados, conheceu o empresário e produtor de cinema suíço-americano Peter Oser (1926-1970), bisneto do magnata e multimilionário John D. Rockefeller e filho de Mathilde Rockefeller McCormick e Max Oser. Nascendo desde então um intenso romance entre os dois, que perdurou até à morte de Peter Oser, pouco depois o casal oficializou o matrimónio numa discreta cerimónia na capital francesa.[12]

Carreira Cinematográfica e Musical[editar | editar código-fonte]

No final da década de 1950, adoptando o nome artístico de Clara d'Ovar em referência e homenagem à sua terra natal, lançou o seu primeiro álbum de fados, Soiree A la Casa Portuguesa (1958), e um ano depois, após apresentar a sua ideia para um filme, ao lado do realizador e amigo próximo Pierre Kast, a artista portuguesa estreou-se no cinema, nomeadamente como protagonista no filme Merci Natercia, conhecido em Portugal como Uma Portuguesa em Paris.[13] Apesar de ter sido filmado em 1959, a produção e pós-produção do filme tornaram-se num derradeiro pesadelo financeiro, tendo sido adiada a sua estreia para 1963, comprometendo assim a carreira da iniciante atriz Clara d'Ovar, que procurava no projecto uma forma de se lançar no meio artístico. Concorrendo a várias audições nos meses seguintes, integrou inicialmente o elenco principal das produções La Barque Sur l’Ocean (1960) de Maurice Clavel e Cartas da Religiosa Portuguesa (1960) de António Lopes Ribeiro, contudo ambos filmes foram cancelados poucos meses depois, ainda durante a fase de pré-produção. Sentindo-se desiludida e sem sorte, uma vez mais Clara d'Ovar recorreu ao seu amigo Pierre Kast, que lhe conseguiu um papel como figurante no seu filme La Morte-Saison des Amours (1961).[14]

Fruto dessa nova cooperação, nasceu um novo projecto que cruzou uma vez mais a atriz portuguesa com o realizador francês e com o produtor português António da Cunha Telles. Fundando a sua própria companhia, JAD Filmes, estreou-se como produtora ao lado do seu marido ao produzir a longa-metragem Vacances portugaises (Os Sorrisos do Destino, 1963), com Catherine Deneuve, Françoise Arnoul, Bernhard Wicki, Françoise Prévost, Jean-Pierre Aumont e Jacques Doniol-Valcroze no elenco principal.[15] Bem sucedida no seu trabalho e após introduzir também o seu irmão Zéni d'Ovar na produção de cinema, apresentando-o a António da Cunha Telles, Clara d'Ovar começou a planear a sua estreia como realizadora, escolhendo como seu primeiro projecto o filme de ficção científica Sombras no Firmamento, com argumento de Chad Olivier e realização partilhada com Pierre Kast, contudo, apesar dos seus esforços, o projecto nunca foi realizado.[16]

Com o decorrer dos anos 60, a atriz estreou-se no cinema português com o filme O Crime de Aldeia Velha em 1964, regressando pouco depois a França, onde representou nos filmes Le Grain de Sable (O Triângulo Circular, 1964) e Le pas de Trois (1964).[17] Voltando uma vez mais a Portugal em 1965, para participar na curta-metragem Clara d’Ovar em Óbidos, realizada por José Fonseca e Costa, alguns meses depois estreou-se na série de televisão francesa Poly au Portugal, criada por Cécile Aubry e realizada por Claude Boissol, tendo os sete episódios sido filmados no Ribatejo.[18] No mesmo ano, como produtora da curta-metragem La brûlure de mille soleils de Pierre Kast, viajou ainda para o Brasil, onde integrou a delegação portuguesa do Festival do Rio, ao lado de Isabel de Castro, António Lopes Ribeiro e Manuel Félix Ribeiro, voltando a Paris para filmar outra série de televisão francesa, Au secours Poly... Au secours (1966-1967).

Dedicando-se à sua carreira de fadista e de escritora nos anos seguintes, Clara d’Ovar afastou-se da representação, voltando somente a participar como atriz no projecto inacabado Os Caminhos da Verdade (1972), realizado por Michel Ribó, e Le Soleil en Face (1980), novamente com Pierre Kast e com banda sonora de Sérgio Godinho.[19]

Carreira Literária[editar | editar código-fonte]

Na literatura, Clara d'Ovar colaborou com diversos periódicos e revistas portuguesas, como Notícias de Ovar, O Século, A Capital ou República, ao escrever artigos de crítica de cinema, música, arte e de outros eventos culturais a decorrer em Paris, traduziu várias peças de teatro[20] e publicou vários livros de poesia, contos, romance, crónicas e ensaios, tais como "Poesias do Vento" (1958), "Um Mundo Paralelo" (1966), "Areias Movediças" (1968), "Caminhando Pela Vida” (1994), "Miriam – Uma Tão Longa Estrada" (1996), "Odisseia de uma Garrafa Azul – Memórias e Esquecimentos" (1998), e "D. Juan Quixote de Saia de Folhos" (1999).[21][22][23]

Terceiras Núpcias[editar | editar código-fonte]

Após a morte de Peter Oser, Clara d'Ovar regressou a Portugal. Fixando-se em Lisboa, anos mais tarde casou-se com o arquitecto José de Almeida Segurado (1913-1988), co-autor do projecto de construção da Colónia Balnear Infantil de O Século, em São Pedro do Estoril, e da ampliação e reconstrução do Casino Estoril, entre outras obras, sendo ainda irmão e tio dos arquitectos Jorge de Almeida Segurado e José Maria Segurado.[24]

Fim de Vida[editar | editar código-fonte]

Faleceu a 30 de junho de 2002, na sua quinta em São Miguel, Ovar, com 76 anos de idade.[25]

Filmografia[editar | editar código-fonte]

Representação

  • Merci Natercia (Uma Portuguesa em Paris, 1963)
  • La Morte-Saison des Amours (1961)
  • Je ne Suis Plus d’Ici (1962)
  • PXO (1963)
  • O Crime de Aldeia Velha (1964)
  • Le Grain de Sable (O Triângulo Circular, 1964)
  • Le pas de Trois (1964)
  • Clara d'Ovar em Óbidos (1965)
  • Poly au Portugal (1965)
  • Au secours Poly... Au secours (1966-1967)
  • TV Clube (1968)
  • Os Caminhos da Verdade (1972)
  • Le Soleil en Face (1980)

Produção

Banda Sonora

Discografia[editar | editar código-fonte]

  • Soiree A la Casa Portuguesa (1958)[26]
  • Oferta de Amor (EP, 1964)
  • Oferta de Amor: Don D'Amour (1965)
  • Maria da Graça (EP)
  • Célèbres Fados

Obras Publicadas[editar | editar código-fonte]

  • Poesias da Juventude (1957)
  • As Areias Movediças (1958)[27]
  • Poesias do Vento (1958)
  • Um Mundo Paralelo (1966)[28]
  • Caminhando pela Vida (1994)
  • Miriam – Uma Tão Longa Estrada (1996)[29]
  • Odisseia de uma Garrafa Azul – Memórias de Esquecimentos (1998)
  • D. Juan Quixote de Saia de Folhos (1999)
  • O Homem que corria atrás dos Sonhos (2000)[30]
  • O voo das Palavras (2002)[31]

Homenagens e Legado[editar | editar código-fonte]

Na toponímia portuguesa, o seu nome foi atribuído a uma rua em Ovar, sua terra natal.

Postumamente, em 2009, foram instalados dois bustos, em homenagem à cantora e atriz portuguesa radicada em França, no Jardim de São Miguel e no parque de estacionamento de um supermercado, que tragicamente foram roubados em junho desse mesmo ano.

Referências

  1. España, Rafael de (1994). Directory of Spanish and Portuguese Film-makers and Films (em espanhol). [S.l.]: Flicks Books 
  2. Oliveira, Américo Lopes (1983). Escritoras brasileiras, galegas e portuguesas. [S.l.]: Tip. Silva Pereira 
  3. Lamy, Alberto Sousa (1977). Da República ao 25 de abril, 1910-1974. [S.l.]: s.n.,̈ 
  4. «Inventário Orfanológico de Manuel Dias Simões». Portal Português de Arquivos. 1930 
  5. Simões, António Dias (1970). Ovar: biografias. [S.l.]: Edição da Câmara Municipal de Ovar 
  6. Moniz, Egas (1946). Júlio Denis e a sua obra. [S.l.]: Livraria Civilização 
  7. «Zéni d'Ovar Agraciado pelo Governo Francês». Portal d'Aveiro 
  8. «Clara d'Ovar nasceu há 95 anos». Ovar News. 2020 
  9. Sucena, Eduardo (1992). Lisboa, o fado e os fadistas. [S.l.]: Vega 
  10. Lamy, Alberto Sousa (1990). A Academia de Coimbra, 1537-1990: história, praxe, boémia e estudo, partidas e piadas, organismos académicos. [S.l.]: Rei dos Livros 
  11. Boiron, Pierre (1985). Pierre Kast: avec des textes de Pierre Kast et un entretien (em francês). [S.l.]: Lherminier 
  12. Guidorizzi, Mario (1993). Cinema francese: 1930-1993 : i film, i premi, i doppiatori, le locandine, le videocassette (em italiano). [S.l.]: Casa editrice Mazziana 
  13. Boiron, Pierre (1985). Pierre Kast: avec des textes de Pierre Kast et un entretien (em francês). [S.l.]: Lherminier 
  14. Cruz, José de Matos (1998). Cinema português: o dia do século. [S.l.]: Grifo 
  15. Cultura, Brazil Ministério da Educação e; Educativo (Brazil), Instituto Nacional do Cinema; Filmes, Empresa Brasileira de; Brasileiro, Fundação do Cinema (2010). Filme cultura. [S.l.]: Centro Técnico Audiovisual 
  16. TULARD, Jean (19 de abril de 2018). Le Nouveau guide des films - Tome 5 (em francês). [S.l.]: Groupe Robert Laffont 
  17. Santareno, Bernardo (1970). O crime de Aldeia Velha: peça em 3 actos. [S.l.]: Ática 
  18. The Portuguese Cinema (em inglês). [S.l.]: Ministry of Mass Communication. 1975 
  19. Cunha, Paulo (3 de dezembro de 2017). «De Ovar a Paris, numa mala de cartão». À Pala de Walsh 
  20. Santos, Vítor Pavão dos (1989). A Companhia Rey Colaço Robles Monteiro (1921-1974): correspondência. [S.l.]: Secretaria de Estado da Cultura, Instituto Português do Patrimônio Cultural, Museu Nacional do Teatro 
  21. Mourão-Ferreira, David (1969). Tópicos de crítica e de história literária. [S.l.]: União Gráfica 
  22. Panorama: revista portuguesa de arte e turismo. [S.l.]: Secretariado da Propaganda Nacional. 1969 
  23. Ocidente. [S.l.: s.n.] 1967 
  24. «Antigos Estudantes Ilustres da Universidade do Porto: José de Almeida Segurado». Universidade do Porto 
  25. «Clara D'Ovar». Alchetron, The Free Social Encyclopedia (em inglês). 18 de agosto de 2017 
  26. Clara – Soiree A la Casa Portuguesa (1958, Vinyl) (em inglês) 
  27. Ovar, Clara d' (1968). As areias movediças. [S.l.]: Portucalense 
  28. Ovar, Clara d' (1966). Um mundo paralelo. [S.l.]: Editorial Minotauro 
  29. Ovar, Clara d' (1996). Miriam: uma tão longa estrada ; romance. [S.l.]: Autora 
  30. Ovar, Clara d' (2000). O homem que corria atrás dos sonhos. [S.l.]: Universitária Editora 
  31. Ovar, Clara de (2002). O voo das palavras: poesia. [S.l.]: Universitária Ed. 

 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Jean-Pierre Berthomé e Gaël Naizet. Bretagne et cinéma: cent ans de création cinématographique en Bretagne . Cinémathèque de Bretagne, 1995.

Ligações externas[editar | editar código-fonte]