Debate sobre armas nucleares

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Desde os bombardeamentos atómico de Hiroshima e Nagasaki, que as armas nucleares mantêm-se objetos altamente controversos e polémicos no fórum do debate público.

O debate sobre armas nucleares refere-se às controvérsias à volta da ameaça, uso e estoque de armas nucleares. Mesmo antes das primeiras armas nucleares serem desenvolvidas, cientistas envolvidos com o Projeto Manhattan estavam divididos sobre o uso da arma. A única vez que armas nucleares foram usadas em guerra foi durante as fases finais da Segunda Guerra Mundial quando bombardeiros B-29 Superfortress USAAF lançaram bombas atómicas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki no início de agosto de 1945. O papel dos bombardeamentos na rendição do Japão e a justificação ética dos EUA têm sido tópico de debate académico e popular por décadas.

O desarmamento nuclear refere-se tanto ao ato de reduzir ou eliminar armas nucleares como ao estado final de um mundo sem armas nucleares. Proponentes do desarmamento tipicamente condenam a priori a ameaça ou uso de armas nucleares como imoral e argumentam que só o desarmamento total pode eliminar a possibilidade de guerra nuclear. Críticos do desarmamento nuclear dizem que pode comprometer dissuasão e fazer guerras convencionais mais prováveis, mais destrutivas, ou ambas. O debate torna-se consideravelmente complexo quando se consideram vários cenários por exemplo, desarmamento total vs. parcial vs. unilateral vs. multilateral.

Proliferação nuclear é uma preocupação relacionada, que mais comumente se refere à propagação de armas nucleares a países adicionais e aumenta os riscos de uma guerra nuclear surgir de conflitos regionais. A difusão de tecnologias nucleares -- especialmente tecnologias de ciclo de combustível nuclear para produzir materiais nucleares para armas como urânio e plutónio altamente enriquecido -- contribui para o risco de proliferação nuclear. Estas formas de proliferação são por vezes referidas como proliferação horizontal para as distinguir de proliferação vertical, a expansão de estoque nuclear de poderes nucleares estabelecidos.

História[editar | editar código-fonte]

A nuvem de cogumelo da Fat Man resultante da explosão nuclear sobre Nagasaki.

Projeto Manhattan[editar | editar código-fonte]

Por o Projeto Manhattan ser considerado "informação confidencial", não existiu discussão pública do uso de armas nucleares, e até dentro do governo dos EUA, o conhecimento da bomba era extremamente limitado. No entanto, até antes das primeiras armas nucleares serem desenvolvidas, os cientistas envolvidos com o Projeto Manhattan estão divididos quanto ao uso da arma.

Relatório Franck[editar | editar código-fonte]

A 2 de junho de 1945, Arthur Compton, o líder do Laboratório Metalúrgico do Projeto Manhattan, também conhecido como Lab Met, na Universidade de Chicago informou a sua equipa sobre a informação mais recente do Comité Interino, que estava a formular planos para o uso da bomba atómica para forçar a capitulação japonesa. Em resposta à reunião, o Comité de Implicações Sociais e Políticas da Bomba Atómica do Met Lab, presidido por James Franck, escreveu o Relatório Franck.[1] O relatório, para o qual Leó Szilárd e Glenn T. Seaborg também contribuíram, argumentava que em vez de ser usada contra uma cidade, a primeira bomba atómica devia ser "demonstrada" ao japoneses numa área não habitada.[2] A recomendação não foi aceite pelos comandantes militares, pelo Comité Alvo de Los Alamos (composto por outros cientistas), ou pelos políticos que podiam contribuir para o uso da arma.

O relatório também argumentava que para impedir uma corrida ao armamento nuclear e uma ordem mundial desestabilizada, a existência da arma devia ser feita pública para que um corpo colaborativo e internacional pudesse controlar o poder atómico

"Deste ponto de vista uma demonstração da nova arma podia ser melhor feita diante dos olhos de representantes de todas as Nações Unidas, no deserto ou numa ilha deserta. A melhor atmosfera possível para a conquista de um acordo internacional podia ser conseguida se a América pudesse dizer ao mundo, "Vocês viram que arma nós tínhamos mas não usámos. Nós estamos prontos a renunciar o seu uso no futuro e juntar-nos a outras nações para encontrar supervisão adequada do uso desta arma nuclear."[3] - Relatório Franck

Petição Szilárd[editar | editar código-fonte]

70 cientistas envolvidos no Projeto Manhattan, muitos dos quais do Met Lab, representados em parte por Leó Szilárd, apresentaram uma petição para o presidente Harry Truman em julho de 1945. A Petição Szilárd pedia a Truman para usar a bomba atómica só se os termos completos da rendição fossem feitos públicos e se o Japão, em posse completa dos factos, ainda se recusasse a render.

"Nós, os signatários, respeitosamente pedimos: primeiro, que você exerça o seu poder como Comandante-em-Chefe, para decidir que os Estados Unidos não recorram ao uso das bombas atómicas nesta guerra a não ser que os termos que serão impostos ao Japão tenham sido feitos públicos em detalhe e o Japão sabendo destes termos tenha recusado a render-se; segundo, que em tal evento a questão de usar ou não as bombas atómicas seja decidida por si à luz das considerações apresentadas nesta petição como também todas as outras responsabilidades morais que estão envolvidas"[4] - Petição Szilárd

A petição também avisava Truman a considerar as implicações futuras da decisão de usar a bomba atómica, incluindo a probabilidade de uma corrida ao armamento nuclear rápida e um declínio na segurança global, e implorou que ele prevenisse tal eventualidade se possível.

Hiroshima e Nagasaki[editar | editar código-fonte]

A bomba atómica Little Boy foi detonada sobre a cidade japonesa de Hiroshima a 6 de agosto de 1945. Explodindo com um rendimento equivalente a 12,500 toneladas de TNT, a explosão e onda termal da bomba destruiu quase 50,000 edifícios (incluindo a sede do 2º Exército Geral e Quinta Divisão) e matou aproximadamente 75,000 pessoas, entre elas 20,000 soldados japoneses e 20,000 coreanos.[5] A detonação da bomba atómica "Fat Man" explodiu sobre a cidade japonesa de Nagasaki três dias depois a 9 de agosto de 1945, destruindo 60% da cidade e matando aproximadamente 35,000 pessoas, entre elas 23,200-28,200 trabalhadores de munição japoneses e 150 soldados japoneses.[6] O papel dos bombardeamentos na rendição do Japão e da justificação ética dos EUA tem sido tópico de debate acadêmico e popular por décadas. J. Samuel Walker sugere que "a controvérsia sobre o uso da bomba parece certa a continuar".[7]

Pós-guerra[editar | editar código-fonte]

Depois dos bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki, o estoque mundial de armas nucleares cresceu,[8] e armas nucleares foram detonadas em mais de duas mil ocasiões para propósitos de teste e demonstração. Países conhecidos por terem detonado armas nucleares e que reconhecem possuir tais armas são (cronologicamente) os Estados Unidos, a União Soviética (sucedida como um poder nuclear pela Rússia), o Reino Unido, França, a República Popular da China, Índia, Paquistão e a Coreia do Norte.[9]

No início dos ano 80, um renascimento da corrida ao armamento nuclear causou um movimento de desarmamento nuclear popular a emergir. Em outubro de 1981, 500,000 pessoas foram para as ruas em várias cidades da Itália, mais de 250,000 pessoas protestaram em Bonn, 250,000 demonstraram-se em Londres, e 100,000 marcharam em Bruxelas.[10] O maior protesto anti-nuclear foi feito a 12 de junho de 1982, quando um milhão de pessoas protestaram em Nova Iorque contra as armas nucleares.[11][12][13] Em outubro de 1983, quase 3 milhões de pessoas pela Europa ocidental protestaram contra os destacamentos de misseis nucleares e exigiram um fim à corrida ao armamento.[14]

Argumentos[editar | editar código-fonte]

Sob o cenário de desarmamento multilateral total, não existe possibilidade de guerra nuclear. Sob os cenários de desarmamento parcial, existe um desentendimento em como a probabilidade de guerra nuclear poderia mudar. Críticos do desarmamento nuclear dizem que iria comprometer a capacidade dos governos de ameaçar retaliação suficiente sobre um ataque para impedir agressão contra eles. A aplicação da teoria de jogo às questões de guerra estratégica nuclear durante a Guerra Fria resultou na doutrina de destruição mútua assegurada, um conceito desenvolvido por Robert McNamara e outros nos meados dos anos 60.[15] O seu sucesso em evitar guerra nuclear foi teorizado para depender da "prontidão em qualquer altura antes, durante, ou depois de um ataque para destruir o adversário como uma sociedade funcional."[16] Aqueles que acreditam que os governos deveriam desenvolver ou manter capacidade de ataque nuclear normalmente justificam a sua posição com referência à Guerra Fria, alegando que uma "paz nuclear" foi o resultado de tanto os EUA como a URSS possuírem capacidade de retaliação mútua de segundo ataque. Desde o fim da Guerra Civil, teorias de dissuasão em relações internacionais têm sido desenvolvidas e generalizadas no conceito do paradoxo estabilidade-instabilidade.[17] Proponentes do desarmamento põem em causa a suposição de que líderes políticos são atores racionais que colocam a proteção dos seus cidadãos acima de outras considerações, e destacam, como McNamara mais tarde reconheceu com o benefício da retrospetiva, as escolhas não-racionais, chance, e contingência, que tiveram um papel importante em evitar guerra nuclear, como durante a Crise dos mísseis de Cuba de 1962 e a crise Able Archer 83 de 1983.[18] Assim, eles argumentam que evidências trunfam teoria e teorias de dissuasão não podem ser reconciliadas com o registo histórico.

Kenneth Waltz argumenta a favor da proliferação continuada das armas nucleares.[19] Na edição de julho de 2012 de Foreign Affairs, Waltz discordou com a opinião da maioria dos comentadores e legisladores americanos, europeus e israelitas de que um Irão nuclearmente armado seria inaceitável. Por sua vez, Waltz argumenta que seria provavelmente o melhor desfecho restaurando a estabilidade ao Médio Oriente visto que balançaria o monopólio regional de Israel sobre as armas nucleares.[20] O professor John Mueller da Universidade Estadual de Ohio, autor de Obsessão Atómica,[21] tem também dispensado a necessidade de interferir com o programa nuclear do Irão e expressou que medidas de controlo de armamento são contraprodutivas.[22] Durante uma aula de 2010 na Universidade de Missouri, que foi transmitida pela C-Span, o Dr. Mueller também argumentou que a ameaça de armas nucleares, incluindo de terroristas, tem sido exagerada pela mídia popular e pelos oficiais.[23]

Em contraste, vários oficias do governo, incluindo Henry Kissinger, George Shultz, Sam Nunn, e William Perry,[24][25][26] que exerciam funções durante o período da Guerra Fria, agora defendem a eliminação de armas nucleares com a crença de que a doutrina de dissuasão mútua soviética-americana é obsoleta e que a dependência em armas nucleares para dissuasão é cada vez mais perigosa e cada vez menos eficaz desde que a Guerra Fria acabou.[24] Um artigo de 2011 no The Economist argumentou que os riscos são mais agudos nas rivalidades entre relativamente novos estados nucleares que têm em falta as "garantias de segurança" desenvolvidas pelos americanos e soviéticos e que riscos adicionais se colocam pelo surgimento de estados párias, como a Coreia do Norte (possivelmente acompanhada em breve pelo Irão), armados com armas nucleares como também a ambição declarada de terroristas de roubar, comprar, ou construir um aparelho nuclear.[27]

Também ver[editar | editar código-fonte]

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. Gosling, F.G. (1 de janeiro de 1999). «The Manhattan Project: Making the Atomic Bomb. 1999 edition.» (em inglês): DOE/MA––0001-01/99, 303853. doi:10.2172/303853 
  2. Schollmeyer, Josh (janeiro–fevereiro de 2005). «Minority Report». Bulletin of the Atomic Scientists. Consultado em 26 de abril de 2024. Cópia arquivada em 14 de maio de 2016 
  3. «Correspondence (Top Secret) of the Manhattan Engineer District, 1942--1946». 31 de dezembro de 1982. doi:10.2172/211414Acessível livremente 
  4. «Writing, Righting, or Wronging the Historical Record: President Truman's Letter on His Atomic-Bomb Decision». doi:10.1163/2468-1733_shafr_sim130130076 
  5. Emsley, John (2001). «Uranium». Nature's Building Blocks: An A to Z Guide to the Elements. Oxford: Oxford University Press. 478 páginas. ISBN 0-19-850340-7 
  6. Nuke-Rebuke: Writers & Artists Against Nuclear Energy & Weapons (The Contemporary anthology series). [S.l.]: The Spirit That Moves Us Press. 1 de maio de 1984. pp. 22–29 
  7. Walker, J. Samuel (abril de 2005). «Recent Literature on Truman's Atomic Bomb Decision: A Search for Middle Ground». Diplomatic History. 29 (2): 334. doi:10.1111/j.1467-7709.2005.00476.x 
  8. Mary Palevsky, Robert Futrell, and Andrew Kirk. Recollections of Nevada's Nuclear Past Arquivado em 2011-10-03 no Wayback Machine UNLV FUSION, 2005, p. 20.
  9. «Federation of American Scientists: Status of World Nuclear Forces». Fas.org. Consultado em 12 de janeiro de 2010. Cópia arquivada em 2 de janeiro de 2013 
  10. David Cortright (2008). Peace: A History of Movements and Ideas, Cambridge University Press, p. 147.
  11. Jonathan Schell. The Spirit of June 12 Arquivado em 2014-12-05 no Wayback Machine The Nation, July 2, 2007.
  12. David Cortright (2008). Peace: A History of Movements and Ideas, Cambridge University Press, p. 145.
  13. 1982 - a million people march in New York City Arquivado em 2008-05-16 no Wayback Machine
  14. David Cortright (2008). Peace: A History of Movements and Ideas, Cambridge University Press, p. 148.
  15. Elliot, Jeffrey M. and Robert Reginald. (1989). The Arms Control, Disarmament, and Military Security Dictionary, Santa Barbara: ABC-CLIO, Inc.
  16. Gertcher, Frank L., and William J. Weida. (1990). Beyond Deterrence, Boulder: Westview Press, Inc.
  17. Krepon, Michael (2 de novembro de 2010). «The Stability-Instability Paradox». Arms Control Wonk. Consultado em 26 de abril de 2024. Cópia arquivada em 12 de janeiro de 2015 
  18. James G Blight, Janet M. Lang. The Fog of War: Lessons from the Life of Robert S. McNamara, page 60.
  19. Waltz, Kenneth (1981). «The Spread of Nuclear Weapons: More May Be Better»Subscrição paga é requerida. London: International Institute for Strategic Studies. Adelphi Papers. 21 (171). doi:10.1080/05679328108457394. Cópia arquivada em 14 de outubro de 2012 
  20. Waltz, Kenneth (julho–agosto de 2012). «Why Iran Should Get the Bomb: Nuclear Balancing Would Mean Stability». Foreign Affairs. Cópia arquivada em 22 de dezembro de 2013 
  21. «Atomic Obsession - Hardback - John Mueller - Oxford University Press». Cópia arquivada em 16 de abril de 2012 
  22. Bloggingheads.tv Arquivado em 2014-08-03 no Wayback Machine from 19:00 to 26:00 minutes
  23. «[Atomic Obsession]». C-SPAN.org (em inglês). Consultado em 4 de outubro de 2016 
  24. a b George P. Shultz, William J. Perry, Henry A. Kissinger and Sam Nunn. A World Free of Nuclear Weapons Arquivado em 2010-06-15 no Wayback Machine Wall Street Journal, January 4, 2007, page A15.
  25. Hugh Gusterson (30 de março de 2012). «The new abolitionists». Bulletin of the Atomic Scientists. Cópia arquivada em 6 de junho de 2013 
  26. «A World Free of Nuclear Weapons - - Publications - Nuclear Security Project». www.nuclearsecurityproject.org. Consultado em 5 de fevereiro de 2017. Cópia arquivada em 9 de fevereiro de 2017 
  27. «Nuclear endgame: The growing appeal of zero». The Economist. 16 de junho de 2011. Cópia arquivada em 3 de dezembro de 2011 

Leitura adicional[editar | editar código-fonte]

  • M. Clarke and M. Mowlam (Eds) (1982). Debate on Disarmament, Routledge and Kegan Paul.
  • Cooke, Stephanie (2009). In Mortal Hands: A Cautionary History of the Nuclear Age, Black Inc.
  • Falk, Jim (1982). Global Fission: The Battle Over Nuclear Power, Oxford University Press.
  • Murphy, Arthur W. (1976). The Nuclear Power Controversy, Prentice-Hall.
  • Malheiros, Tania. Brasiliens geheime Bombe: Das brasilianische Atomprogramm. Tradução: Maria Conceição da Costa e Paulo Carvalho da Silva Filho. Frankfurt am Main: Report-Verlag, 1995.
  • Malheiros, Tania. Brasil, a bomba oculta: O programa nuclear brasileiro. Rio de Janeiro: Gryphus, 1993. (em português)
  • Malheiros, Tania. Histórias Secretas do Brasil Nuclear. (WVA Editora; ISBN 85-85644087) (em português)
  • Walker, J. Samuel (2004). Three Mile Island: A Nuclear Crisis in Historical Perspective, University of California Press.
  • Williams, Phil (Ed.) (1984). The Nuclear Debate: Issues and Politics, Routledge & Keagan Paul, London.
  • Wittner, Lawrence S. (2009). Confronting the Bomb: A Short History of the World Nuclear Disarmament Movement, Stanford University Press.