Democracia ateniense

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Clístenes, considerado o pai da democracia ateniense, foi um reformador ateniense que ampliou o poder da assembleia popular

Democracia Ateniense (grego: δεμοκρατια) é o nome dado a uma forma de governo adotada na antiga cidade de Atenas.[1] Considerada a matriz da democracia moderna, a democracia ateniense vigorou por muitos anos após a instauração da sua forma primitiva com as reformas de Sólon por volta dos anos 590 a.C.. Embora a democracia possa ser definida como "o governo do povo, pelo povo e para o povo", é importante lembrar que o significado de "governo" e "povo" na Atenas Antiga difere daquele das democracias contemporâneas. Enquanto a atual democracia, em geral, considera o governo um corpo formado por representantes eleitos, e o "povo" (geralmente) como um conjunto de cidadãos próprios de uma nação, homens e mulheres, acima dos 18 anos, os atenienses consideravam o "governo" como sendo a assembleia (eclésia) que tomava decisões diretamente (sem intermédio de representantes) e o "povo" (geralmente) como os homens atenienses alfabetizados maiores de 20 anos.[2]

História

Ver artigo principal: História de Atenas

Atenas foi fundada na Ática, península junto ao mar Egeu, pelos jônios, que ali se estabeleceram de forma pacífica, ao lado de eólios e aqueus, antigos habitantes da região. No início, o poder político estava sob o controle dos eupátridas, donos das terras mais produtivas.

Na cidade, um soberano, chamado basileus, comandava a guerra, a justiça e a religião. Uma espécie de conselho, o Areópago, limitava seu poder. Com o tempo, os basileus perderam a supremacia e se transformaram em simples membros de um órgão denominado Arcontado.

A partir do século VIII a.C., essa organização política sofreu profundas mudanças. Após a expansão territorial, ocorrida durante a Segunda Diáspora, os portos naturais e a privilegiada posição geográfica de Atenas favoreceram o intercâmbio comercial com as novas colônias.

Como consequência imediata da diversificação das atividades econômicas, houve uma considerável mudança no quadro social. Assim, comerciantes e artesãos enriquecidos passaram a pressionar a aristocracia por maior participação no poder. Ao mesmo tempo, a população mais pobre protestava cada vez mais contra as desigualdades sociais.

Diante da enorme pressão, os eupátridas viram-se obrigados a fazer concessões. Com o objetivo de conciliar os conflitos, passaram a escolher legisladores entre os integrantes da aristocracia, homens especialmente indicados para elaborar leis. Dois desses legisladores foram Drácon e Sólon.

Drácon

Ver artigo principal: Drácon

Drácon tornou-se legislador em 621 a.C. e foi responsável pela introdução do registro por escrito das leis em Atenas – até então elas eram orais. A cidade passou a ser governada com base em uma legislação e não mais conforme os costumes. A mudança enfraqueceu o poder dos eupátridas, mas não resolveu os problemas sociais, e os conflitos continuaram. Hoje Drácon e suas leis são lembradas como Leis Draconianas

Sólon

Ver artigo principal: Sólon

Em 594 a.C., Sólon deu início a reformas mais profundas e foi o mais importante legislador. Perdoou as dívidas e as hipotecas que pesavam sobre os pequenos agricultores, e aboliu a escravidão por dívida. Criou a Bulé, um conselho formado a princípio de quatrocentos membros, responsável pelas funções administrativas e pela preparação das leis. Tais leis tinham de ser submetidas à apreciação da Eclésia, ou Assembleia, formada por indivíduos livres do sexo masculino. Além de votar as propostas de leis, a Eclésia deliberava sobre assuntos de interesse geral.

No âmbito político, Sólon limitou o poder da aristocracia e ampliou o número de participantes da vida pública da cidade. Sua reforma representou um passo decisivo para o desenvolvimento da democracia, consolidada posteriormente na legislação de Clístenes. Os conflitos sociais entre aristocratas, comerciantes, artesãos e pequenos proprietários de terras, entretanto, não acabaram. Depois do governo de Sólon, a cidade foi palco de grandes agitações sociais.

Em meio a essas agitações, surgiu um novo tipo de líder político, o “demagogo”, que mobilizava a massa popular em oposição aos aristocratas. Ao chegarem ao poder, esses líderes governavam de forma ditatorial, adotando medidas de apelo popular. Foram chamados de tiranos pelos gregos. O mais conhecido deles foi Pisístrato, que, com alguns intervalos, exerceu o poder entre 560 e 527 a.C.

Sólon[3] combateu a escravidão por dívida e outros problemas que, de acordo com a obra "As Constituições Atenienses" , causavam desigualdade entre os atenienses. Ele também outorgou maior autoridade à eclésia, uma assembleia popular da cidade, e criou a Bulé ou Assembleia dos 500 responsável por organizar a tomada de decisões na assembleia.

Clístenes

Alguns antigos atenienses acreditavam que as reformas de Sólon no começo do século VI a.C. marcaram o início da democracia na Grécia. No entanto, o termo democracia (dimokratia) parece ter surgido apenas uma geração após as reformas de Clístenes, convencionalmente chamado o "pai da democracia" e principal defensor. Clístenes[4] ampliou consideravelmente o poder da eclésia, e permitiu a existência do que os homens da época chamaram de isonomia, ou seja, igualdade sob a lei, isegoria, os direitos iguais para falar.

Em 507 a.C., Clístenes assumiu o comando de Atenas e realizou um vasto programa de reformas, no qual se estendeu os direitos de participação política a todos os homens livres nascidos em Atenas: os cidadãos. Desse modo, consolidava-se a democracia ateniense.

A participação política, contudo, era restrita a 10% dos habitantes da cidade. Ficavam excluídos da vida pública, entre outros, estrangeiros residentes em Atenas (os chamados metecos), escravos e mulheres, ou seja, a maior parte da população. Que na época era de 400000, dividida em 90000 "cidadãos", 200 000 de metecos (ou estrangeiros), 200000 de escravos e 60 000 de mulheres e crianças.[carece de fontes?]

Apesar desses limites, a democracia ateniense foi a forma de governo que, no mundo antigo, mais direitos políticos estendeu ao indivíduo. Com as reformas de Clístenes, as funções administrativas ficaram a cargo da bulé, ou Conselho dos 500. Seus integrantes eram sorteados entre os cidadãos. Clístenes fortaleceu ainda a Eclésia, que passou a se reunir uma vez por mês para discutir e votar leis, além de outros temas de interesse geral dos cidadãos. Os assuntos militares ficaram sob a responsabilidade dos estrategos.

Atribuiu-se a Clístenes ainda a instituição do Ostracismo, que consistia na suspensão dos direitos políticos e no exílio por dez anos dos cidadãos considerados perigosos para o Estado.

A cidadania era muito mais imediata e tangível para um ateniense do que para o cidadão de uma nação moderna.Nenhuma desgraça podia ser maior do que a perda dos direitos de cidadão. O ateniense vivia numa cidade cujo corpo de cidadãos nunca passou de 50 mil (aproximadamente a oitava parte da população total, por volta do ano 400 a.C.).

Todo ano havia para o cidadão ateniense a expectativa de servir no exército ou na frota. Todo ano poderia reunir-se com outros milhares na Eclésia ou ser colocado na lista anual de 6 mil pessoas entre as quais, segundo as necessidades, eram sorteados os jurados para os tribunais populares. No mundo grego antigo, porém, isso significava que Atenas tinha uma população de cidadãos bem maior do que a de qualquer outro das centenas de Estados gregos espalhados desde a Espanha até o sul da Rússia de hoje.

Além disso, Atenas era uma cidade extraordinariamente cosmopolitana. Um ateniense podia observar milhares de imigrantes temporários ou permanentes de outras cidades gregas ou terras não gregas trabalhando à sua volta, muitas vezes fazendo o mesmo trabalho que ele sem, contudo, compartilhar de nenhum de seus direitos de cidadão. A característica mais marcante da cidadania do ateniense é que, quando viajava para além dos limites de sua própria polis, era imediatamente privado de seus direitos políticos.

As póleis gregas mantiveram seu sentido de comunidade política através de leis de cidadania escritas e geralmente exclusivas. A comunidade política em Atenas tinha leis de cidadania que eram escritas de forma a ser restritivas até pelos padrões gregos. Após a lei de cidadania promulgada por Péricles em 451, só os homens que tivessem a mãe e o pai atenienses podiam ser cidadãos.[5]

Efialtes

Uma importante reforma no sistema democrático ateniense parece ter sido obra de Efialtes na década de 450 a.C. Péricles, um influente estratego do período democrático, introduziu em 451 a.C. a lei que permitia apenas aos atenienses que tivessem pai e mãe atenienses serem cidadãos atenienses, seguindo possivelmente a linha da reforma de Efialtes.[6] Essa decisão apenas matizou uma situação na qual uma grande maioria permanecia excluída da participação na política ateniense. Mulheres, por exemplo, embora atenienses, eram apenas protegidas por mecanismos legais, e não tinham direito de tomar decisões na assembleia dos cidadãos. Já os metecos (estrangeiros residentes), escravos e xenos (estrangeiros não residentes) estavam excluídos, como sempre, da participação na política ateniense. Para se ter uma ideia, por volta do ano 431 com base em dados muito esparsos, pode-se dizer que de um total de 430 000 habitantes atenienses (contando mulheres e metecos), apenas 60 mil gozavam do benefício da cidadania. É importante ter em mente que os atenienses acreditavam serem um dos únicos povos originalmente autóctone (tendo seus antepassados de fato "surgido" em território ateniense), pois se consideravam descendentes de Ion, filho de Apolo e Creusa. Os atenienses, que viam a si mesmos como um povo original da terra, tinham para si que os outros gregos eram todos descendentes de imigrantes.

Teoria da Democracia

Heródoto, que assim com alguns historiadores contemporâneos se conformava com o argumento de que a democracia era uma criação de Clistenes, relata no entanto em suas Histórias (terceiro livro, parágrafo 80)[7] um debate ocorrido na Pérsia, onde a democracia era defendida como forma de governo. Otanes, um dos personagens citados, diz que a democracia é desejável pois mesmo o melhor dos homens, se deixado como único a governar, tende a se tornar ímpio. A isonomia é exaltada, e o fato de os políticos poderem ser questionados por seus atos também é visto como uma forma de evitar a (grosseiramente falando) corrupção. Péricles, em um discurso, diz ser a democracia um regime que "beneficia muitos ao invés de poucos", não constituindo a pobreza um entrave para a participação dos cidadãos na política. A justiça é tida como "igualmente distribuída" entre os cidadãos. Fora essas referências, conhece-se a democracia ateniense sobretudo pelo que foi escrito por críticos do regime, como Aristóteles e Platão. Muitos antigos consideravam a democracia de Clístenes muito radical, e preferiam o regime como fora na época de Sólon. É difícil, porém, precisar muito sobre a teoria da democracia além do que poucas fontes nos permitem entrever.

Prática

Muitos documentos explicam o funcionamento da democracia a partir da reforma de Clistenes (a mesma sorte não temos com a época de Sólon, sobre a qual a documentação escrita é escassa). No entanto, devemos ter em mente que a democracia que conhecemos melhor é aquela do século IV a.C., que não necessariamente era igual no século V a.C. Além disso, sabemos que a democracia sofria mudanças constantes em sua organização, motivo pelo qual é desnecessário imaginar suas regras na forma de um retrato estático.

Eclésia, Bulé e Prutaneis

Pnyx, onde se encontravam os atenienses para tomar decisões políticas

Enquanto a bulé (βουλη, Boule) e o Prutaneis (πρυτανεις) eram instituições responsáveis por organizar o funcionamento da eclésia (εκκλησια, Ekklesia), esta última era por si só a principal responsável por tomar decisões na Atenas democrática. Ela era uma assembleia formada por todos os cidadãos (homens acima de 18 anos) que quisessem comparecer, na qual temas importantes eram discutidos e colocados em votação. No Pnyx se reuniam os cidadãos atenienses, sendo que no século IV a.C. demandava-se um quórum de 6000 cidadãos para votar temas importantes.

No século IV a.C. a eclésia era chamada pelo menos quatro vezes por mês, para discutir temas importantes colocados pela bulé. O primeiro encontro da assembleia em cada quatro era chamado de "soberano". Nessa assembleia soberana eram discutidos temas vitais como o suprimento de grãos e a defesa nacional. A permanência dos oficiais nos cargos também era decisão da eclésia, que em muitos casos votava para escolher seus oficiais (como os strategoi - στρατηγοι).

Eis como ocorria a tomada de decisões pela eclésia: um representante da bulé lia uma "agenda" de itens selecionados a serem discutidos (apenas uma sugestão, que poderia ser modificada pelos cidadãos). Quando apresentado o primeiro item, perguntava-se quem desejava falar/deliberar sobre o tema em questão. Era comum que a bulé fosse a primeira a apresentar propostas para o problema, embora muitas vezes ela não se pronunciasse. Os mais frequentes oradores eram conhecidos como hoi politeuomenoi (os políticos). Cumpre observar que um orador que se apresentasse muitas vezes acabava por ser mal visto, na melhor das hipóteses, pelos cidadãos na Assembleia. Ele poderia também ser ostracizado, uma prática da democracia ateniense que consistia em votar para excluir um determinado cidadão da política. Alguns oficiais, como os estrategos, poderiam adquirir significante proeminência política conduzindo o povo na trilha de seus interesses. Péricles, por exemplo, obteve profunda influência sobre a assembleia dos cidadãos. Aristófanes usava o termo demagogo (literalmente "líder do povo") para caracterizar depreciativamente essa espécie de líderes.

Após a apresentação de pareceres pelos cidadãos que se voluntariassem para tal, era feita uma votação de mãos levantadas. Uma série de tomada de decisões na eclésia, geralmente, poderia levar a duas ou quatro horas de duração.

Até o começo do século V a.C. a eclésia acumulava a função de votar leis, mas essa função foi posteriormente delegada aos nomótetas (Nomothetai; "fazedores de lei").

Como já foi dito, a bulé se responsabilizava por organizar uma "agenda" de discussões para a eclésia. Os buleutas (bouleutai; conselheiros) eram recrutados dentre os cidadãos acima de 30 anos, a partir de um sorteio. Esse conselho dos 400, por fim tornado conselho dos 500, consistia no ajuntamento de 50 homens de cada uma das dez tribos (divisões políticas artificiais no corpo dos cidadãos) criadas na época de Clístenes. É possível que mais de metade dos cidadãos atenienses tenham servido na bulé em algum momento de suas vidas.

A bulé, além de dirigir as discussões na eclésia, era responsável por verificar o cumprimento do que lá fora deliberado e por supervisionar oficiais. Essa função da bulé nos é transmitida por um relato de Aristóteles.

Oficiais

Desde pelo menos o século VII a.C. os atenienses elegeram "arcontes" para trabalhar como oficiais do Estado. Sabemos que, antes de Sólon, esses arcontes detinham grande poder sobre a vida dos cidadãos e que era particularmente difícil para um cidadão ordinário ingressar nessa função. O ano ateniense era registrado a partir do ofício de um arconte principal, p. e.: ano quatro do arcontado de Eucleides. A partir das reformas de Clístenes, sobretudo, os arcontes passaram a ter sua influência diminuída. Os estrategos, líderes militares, puderam em muitos momentos superar o papel dos arcontes no período democrático. Nessa época, os oficiais passaram a ser escolhidos por sorteio. 10 estrategos e 9 arcontes constituíam o corpo principal de oficiais da democracia ateniense.

Legislativo

Os fazedores de lei (nomos), nomótetas, eram um corpo de oficiais responsáveis por legislar que existia pelo menos um pouco antes do ano 402 a.C., embora a evidência mais antiga de sua atuação seja uma lei em pedra datada do 375 a.C., durante o arcontado de Hipodama. Não se sabe exatamente qual era o grau de independência desses legisladores em seu ofício, por exemplo, em relação à bulé ou à eclésia. Os historiadores acreditam, contudo, que os nomótetas atuavam em união com os conselheiros do Conselhos dos 500, e que suas leis deveriam ser sancionadas pela eclésia, de acordo com citações de Andócides.[8]

Ver também

Referências

  1. «Athenian Democracy» 
  2. «Athenian.Democracy.vs.Modern.Democracy» 
  3. «Sólon» 
  4. «The Development Of Athenian Democracy» 
  5. JONES, Peter V. O mundo Atenas: uma introdução à cultura clássica ateniense. São Paulo, Martins Fontes, 1997.
  6. «Ephialtes na Enciclopédia Britânica» 
  7. [1], Herodotu's Histories, The Internet Classic Archive"
  8. «Nomothetai, boule, ekklesia»