Emendas parlamentares

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Votação sobre o orçamento no Senado Federal.

Na política brasileira, por emendas parlamentares entende-se os recursos do orçamento público legalmente indicados pelos membros do Congresso Nacional e das Assembleias Legislativas estaduais para finalidades públicas, geralmente relacionada ao interesse temático e eleitoral de cada parlamentar.

Os parlamentares possuem uma quota previamente acordada, que podem livremente distribuir. A indicação se faz por meio de uma emenda legislativa, individual ou coletiva, às leis orçamentárias em vigor.

Antes de 2015, as emendas não eram de execução obrigatória, podendo o Executivo ignorar a destinação dada pelos parlamentares. A Emenda à Constituição n.º 86, no entanto, trouxe as chamadas emendas impositivas, que devem ser cumpridas pelo Executivo até o teto de um percentual estabelecido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O Congresso expandiu o processo em 2019, tornando obrigatórias também as chamadas "emendas de bancadas".

Funcionamento[editar | editar código-fonte]

As emendas parlamentares são o principal mecanismo para deputados e senadores do Brasil influenciarem diretamente o orçamento público. As alterações feitas na Lei Orçamentária Anual (LOA) são propostas por meio das quais os parlamentares podem expressar suas opiniões e direcionar a destinação de recursos financeiros para políticas públicas e compromissos políticos que assumiram com sua base eleitoral, com estados, municípios e outras instituições. Essas emendas podem ser apresentadas individualmente por cada parlamentar ou em conjunto e podem acrescentar, suprimir ou modificar itens do Projeto de Lei Orçamentária Anual apresentado pelo Poder Executivo.[1]

Desta maneira, parlamentares ligados à saúde, à assistência social, à educação ou a tantos outros temas públicos, podem enviar recursos diretamente para custear atividades, projetos ou obras de interesse de suas bases eleitorais.

De acordo com a Resolução nº 1/2006 do Congresso Nacional, cada parlamentar poderá apresentar até 25 emendas individuais à LOA, no valor total definido na declaração preliminar do relator. Para o ano de 2019, por exemplo, a LOA estima um limite de R$15,4 milhões para cada deputado federal ou senador a ser gasto por meio de emendas individuais.[2] Essas emendas serão incorporadas ou não ao texto final do PLOA após apreciação pela Comissão Mista do Orçamento (CMO).

Cabe frisar que os recursos não são "livres". A nível federal, desde 2015, com a Emenda Constitucional nº86, também conhecida como Emenda do Orçamento Impositivo, os parlamentares são obrigados a destinar pelo menos 50% dos recursos das emendas parlamentares individuais à área da saúde.[3] Além disso, para propor uma emenda que aumente os gastos públicos, um parlamentar deve assegurar que ela foi incluída previamente no planejamento governamental estabelecido - o Plano Plurianual (PPA) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Deve também indicar as fontes de recursos financeiros necessários à sua execução. E as emendas devem estar intrinsecamente ligadas aos programas de trabalho dos ministérios, uma vez que são executadas por meio da estrutura administrativa do poder executivo.[4] Isso significa que os parlamentares não são capazes de promover novos gastos ou novas políticas públicas, pois têm que incorporar suas preferências na estrutura programática estabelecida nos ministérios.[5] Ainda, sendo recursos públicos, seu uso deve atentar para todos os princípios do Direito Público, contando com transparência e ética na sua aplicação.

Depois de aprovado na Comissão Mista de Orçamento e no plenário conjunto do Congresso, o PLOA é submetido ao Executivo para sanção do Presidente, permitindo que o orçamento público seja executado pela estrutura administrativa federal no ano seguinte e controlado interna e externamente pela Controladoria-Geral da União e pelo Tribunal de Contas da União.

Negociação entre parlamentares e bases[editar | editar código-fonte]

Plenário do Congresso Nacional (2016)

As emendas parlamentares são tradicionalmente utilizadas para projetos que agraciam as bases eleitorais dos congressistas. Ficam de olho nas emendas principalmente os Prefeitos, que dependem em parte desses recursos. Ou seja, assim como o governo possui uma vantagem em liberar as emendas para o Congresso, os parlamentares conseguem barganhar com políticos da esfera municipal. Vale notar que deputados estaduais também têm o poder de emendar o orçamento estadual, o que garante poder semelhantes ao dos deputados federais e senadores, dentro de seus estados.[6]

Relação com a corrupção[editar | editar código-fonte]

Há casos polêmicos sobre a má utilização das emendas por deputados. Existem casos de deputados que supostamente cobravam propina sobre a liberação de emendas a determinados grupos empresariais, como o ex-deputado federal e hoje deputado estadual de Minas Gerais João Magalhães, que foi acusado de vender emendas por propinas de 10% a 12%.[7]

O escândalo dos "Anões do Orçamento", desvendado em 1993, é um dos casos mais clássicos de corrução envolvendo emendas.[6] Segundo o Estadão, o esquema consista em fraudes no orçamento da União, como desvio de recursos para organizações sociais fantasmas e para empreiteiras, como a Odebrecht (atual Novonor) (implicada também na Operação Lava Jato).[8]

Esses desvios eram acertados por emendas via Comissão Mista de Orçamento, da qual fazia parte o deputado João Alves, apontado como chefe da quadrilha. Por conta da repercussão do caso, foi instalada uma CPI, que pediu a cassação de 18 deputados, a maioria do "Baixo Clero" da Câmara. Mas, entre eles, estava o então Presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, que foi cassado na época. Mais tarde, em 2000, ele foi inocentado pelo STF, por falta de provas. Ao todo, seis parlamentares foram cassados e outros quatro renunciaram. Os oito restantes foram absolvidos.[6]

Outro escândalo envolveu o Ministério do Turismo, em 2011. Uma emenda parlamentar da deputada Fátima Pelaes liberou recursos para uma organização social de fachada, que supostamente realizaria treinamentos de pessoal no Amapá. Teriam sido desviados R$ 4 milhões pelo esquema, segundo a Folha de S.Paulo.[9]

Tipos[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Emenda do relator

Há emendas impositivas e não impositivas. As emendas impositivas individuais foram estabelecidas pela Emenda Constitucional n. 86 de 2015,[10] pela qual os parlamentares, ao todo, podem indicar até 1,2% da Receita Corrente Líquida (RCL) da proposta orçamentária, que deve ser obrigatoriamente transferido pelo Executivo, sendo que metade deste valor (0,6%), por força de lei, deve ir para a área da saúde.

As emendas impositivas de bancada foram estabelecidas pela Emenda Constitucional n. 100 de 2019[11] e regulamentadas pelas Emenda Constitucional n. 102 e 105, de 2019, as quais dispõem que as bancadas estaduais ou regionais do Congresso Nacional podem emendar até 1% da RCL realizada no exercício anterior, sendo que são de livre indicação temática, não havendo nenhum percentual vinculado, como é o caso da impositiva individual. Há também as emendas de comissão e as emendas apresentadas para a Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional (CMO). Estas duas últimas não são impositivas e obedecem a outros critérios.

Emendas participativas[editar | editar código-fonte]

Nos últimos anos, o Brasil vem experimentando um movimento em direção a novas formas de decidir como o dinheiro público será gasto quando o projeto de lei orçamentária anual (PLOA) entra no legislativo para torná-lo mais participativo, responsivo e ter mais controle social. As emendas participativas são iniciativas emergentes que se diferenciam do atual modus operandi de decisão e fiscalização emendas parlamentares individuais e foram elaboradas para promover a participação e responsabilidade dos cidadãos durante a fase de debate legislativo no processo de tomada de decisão do orçamento público brasileiro.

Em 2009, o deputado federal Glauber Braga criou o mecanismo de participação presencial a partir de um diagnóstico de falha do sistema representativo brasileiro e da conclusão de que isso não se resolve negando o universo político, mas mostrando seus limites e complementando a representação com instrumentos de responsabilização e participação.[12] Já em 2017, o deputado João Henrique Caldas criou um mecanismo de participação online inspirado em dois conceitos - orçamento participativo e democracia digital - e desenvolvida a partir de um diagnóstico de distanciamento das pessoas da política e de que as tecnologias digitais podem ser uma forma de resolver esse problema.[4]

Um estudo de 2023 identificou que esses novos arranjos institucionais modificaram o processo de tomada de decisão tradicional das emendas parlamentares tanto em relação a quem decide e ao que é decidido. Observou-se que a abordagem educativa desses mecanismos fortaleceu as capacidades do Estado para responder à voz através da remodelação do processo de tomada de decisão orçamentária e fortaleceu as capacidades dos cidadãos de vocalizarem seus interesses, democratizando o orçamento público e desenvolvendo competências democráticas nos participantes. Além disso, do ponto de vista eleitoral, essas iniciativas participativas podem ser utilizadas como estratégia para aumentar a capilaridade dos mandatos nos estados, melhorar a conexão eleitoral e também para combater a oposição local. Portanto, este estudo demonstrou que essas inovações parlamentares podem contribuir para revitalizar a conexão eleitoral dificultada pela representação proporcional e pode funcionar como uma relação ganha-ganha para parlamentares e cidadãos.[4][13]

A Folha de S.Paulo constatou em matéria de novembro de 2023 que somente 3% do total de congressistas, em geral de partidos menores da esquerda e da direita, havia divulgado algum tipo de critério objetivo para a distribuição das verbas (os chamados "editais de emendas"). O jornal apontou que a maior reticência parlamentares era manter a distribuição para redutos eleitorais.[14]

Referências

  1. «Emendas ao Orçamento — Senado Notícias». Senado Federal. Consultado em 21 de outubro de 2020 
  2. «Resolução 1/2006». www2.camara.leg.br. Consultado em 21 de outubro de 2020 
  3. «Emenda Constitucional nº 86, de 17 de março de 2015»  |nome1= sem |sobrenome1= em Authors list (ajuda)
  4. a b c Pereira, Diogo; Figueira, Ariane Roder (5 de outubro de 2020). «Effects of citizen participation in the social accountability of budget amendments». The Journal of Legislative Studies (0): 1–25. ISSN 1357-2334. doi:10.1080/13572334.2020.1801963. Consultado em 21 de outubro de 2020 
  5. Batista, Mariana (4 de maio de 2015). «A Conexão Ministerial: governo de coalizão e viés partidário na alocação de emendas parlamentares ao orçamento (2004-2010)». Revista Ibero-Americana de Estudos Legislativos (1). ISSN 2179-8419. doi:10.12660/riel.v4.n1.2015.49202. Consultado em 21 de outubro de 2020 
  6. a b c «Emendas parlamentares: o que são e por que são polêmicas?». 12 de junho de 2017 
  7. G1, Mariana OliveiraDo; Brasília, em (25 de março de 2013). «PGR denuncia deputado João Magalhães por fraude em licitações» 
  8. «'Anões do Orçamento' fizeram Odebrecht mudar estratégia no Congresso, diz delator» 
  9. «Entenda o esquema investigado no Ministério do Turismo - 11/08/2011 - Poder» 
  10. «Emenda Constitucional nº 85» 
  11. «Emenda Constitucional nº 100» 
  12. Pereira, Diogo, Roder Figueira, Ariane. «Participatory amendments in Brazil: towards more citizen influence in public budgeting» (PDF). X Congreso Lationamericano de Ciencia Política, de laAsociación Latinoamericana de Ciencias Políticas (ALACIP) 
  13. Pereira, Diogo (2020). «Orçamento público, emendas parlamentares e emendas participativas». doi:10.13140/RG.2.2.12803.53284/1. Consultado em 21 de outubro de 2020 
  14. «'Edital de emendas' empaca em Congresso com fartura de verba gasta sem critério». Folha de S.Paulo. 5 de novembro de 2023. Consultado em 8 de novembro de 2023