Hipótese do mundo PAH

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A hipótese do mundo PAH (ou de PAH), ou hipótese do mundo de HAP é uma hipótese especulativa que propõe que os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAP, em inglês, PAH, de polycyclic aromatic hydrocarbons), conhecidos como sendo compostos químicos orgânicos abundantes no universo,[1][2][3] inclusive em cometas[4] e, também, assumidos como sendo abundantes na sopa primordial da Terra primitiva, desempenharam um papel importante na origem da vida mediando a síntese de moléculas de RNA, levando ao mundo do RNA. No entanto, até agora, a hipótese não foi testada.[5]

Fundamentos[editar | editar código-fonte]

O experimento de Miller-Urey em 1952 e outros já demonstraram a síntese de compostos orgânicos, como aminoácidos, formaldeído e açúcares, dos precursores inorgânicos originais que os pesquisadores presumiram estar presentes na sopa primordial (mas já não são considerados apropriados). Este experimento inspirou muitos outros. Em 1961, Joan Oró descobriu que a base de nucleótido adenina poderia ser feita a partir de cianeto de hidrogênio (HCN) e amônia em uma solução aquosa.[6] As experiências realizadas mais tarde mostraram que as outras nucleobases de RNA e DNA poderiam ser obtidas através de química prebiótica simulada com uma atmosfera redutora.[7]

A hipótese do mundo de RNA mostra como o RNA pode tornar-se seu próprio catalisador (uma ribozima). No meio, existem algumas etapas faltantes, como a forma como as primeiras moléculas de RNA poderiam ser formadas. A hipótese do mundo de PAH foi proposta por Simon Nicholas Platts em maio de 2004 para tentar preencher esta etapa faltando.[8] Uma ideia mais elaborada foi publicada por Ehrenfreund et al..[9]

Hidrocarbonetos aromáticos policíclicos[editar | editar código-fonte]

Os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos são as moléculas poliatômicas mais conhecidas e abundantes no universo visível e são considerados um constituinte provável do mar primordial.[1][2][3] PAHs, juntamente com fulerenos (ou "bucky-bolas"), foram recentemente detectados em nebulosas.[10] (Fulerenos também estão implicados na origem da vida, de acordo com a astrônoma Letizia Stanghellini: "É possível que as bucky-bolas do espaço exterior forneçam sementes para a vida na Terra".[11]) Em setembro de 2012, cientistas da NASA relataram que os PAHs, submetidos a condições de meio interestelar (ISM, do inglês interstellar medium), são transformados, por hidrogenação, oxigenação e hidroxilação, em compostos orgânicos mais complexos - "um passo ao longo do caminho para os aminoácidos e nucleotídeos, as matérias-primas das proteínas e do DNA, respectivamente".[12][13] Além disso, como resultado dessas transformações, os PAH perdem sua assinatura espectroscópica, o que pode ser uma das razões "pela falta de detecção de PAH em grãos de gelo interestelar, particularmente as regiões externas de nuvens frias e densas ou as camadas moleculares superiores dos discos protoplanetários".[12][13]

Em 6 de junho de 2013, cientistas do IAA-CSIC relataram a detecção de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos na atmosfera superior de Titã, a maior lua do planeta Saturno.[14]

Os PAHs não são normalmente muito solúveis na água do mar, mas, quando sujeitos a radiações ionizantes como a luz UV solar, os átomos de hidrogênio externos podem ser removidos e substituídos por um grupo hidroxila, tornando PAHs muito mais solúveis em água.

Estes PAHs modificados são anfifílicos, o que significa que eles têm partes hidrófilas e hidrofóbicas. Quando em solução, eles se reúnem em pilhas mesogênicas discíticas (cristal líquido) que, como os lipídios, tendem a se organizar com suas partes hidrofóbicas protegidas.

Em 21 de fevereiro de 2014, a NASA anunciou um banco de dados altamente atualizado[15] para o rastreamento de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos no universo. Mais de 20% do carbono no universo pode estar associado a PAHs,[15][16] possíveis materiais iniciais para a [[Abiogênese|formação da vida. Os PAHs parecem ter sido formados já em alguns bilhões de anos após o Big Bang,[1][2][3] sendo abundantes no universo, e estão associados a novas estrelas e exoplanetas.[15]

Anexação de nucleobases para o “andaime” PAH[nota 1][editar | editar código-fonte]

Num empilhamento de moléculas de PAH auto-ordenada, a separação entre anéis adjacentes é de 0,34 nm.[17] Esta é a mesma separação encontrada entre nucleotídeos adjacentes de RNA e DNA.[18] Moléculas menores, naturalmente, se prendem aos anéis de PAH. No entanto, os anéis de PAH, enquanto se formam, tendem a girar um ao outro, o que tenderá a desalojar os compostos anexados que colidirem com aqueles anexados aos acima e abaixo. Portanto, incentiva a ligação preferencial de moléculas planas, como nucleobases de pirimidina e purina, os constituintes-chave (e os portadores de informação) de RNA e DNA. Essas bases são igualmente anfifílicas e, portanto, também tendem a se alinhar em pilhas semelhantes.

Anexo do “espinha dorsal” oligomérica[editar | editar código-fonte]

De acordo com a hipótese, uma vez que as nucleobases estão ligadas (através de ligações de hidrogênio) ao “andaime” PAH, a distância inter-base selecionaria moléculas "ligantes" de um tamanho específico, como pequenos oligômeros de formaldeído (metanal), também retirados da "sopa" prebiótica, que se uniria (por meio de ligações covalentes) às nucleobases, bem como a outras para adicionar uma “espinha dorsal” estrutural flexível.[5][8]

Destacamento dos fios do tipo RNA[editar | editar código-fonte]

Uma queda transitória subsequente no pH ambiente (aumento da acidez), por exemplo, como resultado de uma descarga de gases ácidos de origem vulcânica, como o dióxido de enxofre (SO2) ou o dióxido de carbono (CO2), permitiria que as bases se separassem de seus “andaimes” PAH, formando um tipo de moléculas RNA (com o esqueleto de formaldeído em vez do esqueleto de ribose-fosfato usado pelo RNA "moderno", mas o mesmo passo de 0,34 nm).[5]

Formação de estruturas tipo ribozima[editar | editar código-fonte]

A hipótese ainda especula que, uma vez que longos fios simples de RNA são destacados das pilhas de PAH e, após os níveis de pH ambiente se tornarem menos ácidas, eles tendem a dobrar-se sobre si mesmos, com sequências complementares de nucleobases buscando preferencialmente uns aos outros e formando ligações de hidrogênio, criando estruturas estáveis, pelo menos parcialmente, de cadeia dupla, semelhantes às ribozimas. Os oligômeros de formaldeído eventualmente seriam substituídos por moléculas de fosfato de ribose mais estáveis para o material da espinha dorsal, resultando em um marco inicial para a hipótese do mundo de RNA, que especula sobre desenvolvimentos evolutivos adicionais desse ponto.[5][8][19]

Notas

  1. “Andaime”, em química, é uma estrutura que é usada para sustentar ou suportar outro material, como uma droga, cristal ou proteína

Referências

  1. a b c Carey, Bjorn (18 de outubro de 2005). «Life's Building Blocks 'Abundant in Space'». Space.com. Consultado em 3 de março de 2014 
  2. a b c Hudgins, Douglas M.; Bauschlicher,Jr, Charles W.; Allamandola, L. J. (10 de outubro de 2005). «Variations in the Peak Position of the 6.2 μm Interstellar Emission Feature: A Tracer of N in the Interstellar Polycyclic Aromatic Hydrocarbon Population». Astrophysical Journal. 632 (1): 316–332. Bibcode:2005ApJ...632..316H. doi:10.1086/432495. Consultado em 3 de março de 2014 
  3. a b c Allamandola, Louis et al. (13 de abril de 2011). «Cosmic Distribution of Chemical Complexity». NASA. Consultado em 3 de março de 2014. Arquivado do original em 27 de fevereiro de 2014 
  4. Clavin, Whitney (10 de fevereiro de 2015). «Why Comets Are Like Deep Fried Ice Cream». NASA. Consultado em 10 de fevereiro de 2015 
  5. a b c d Platts, Simon Nicholas, "The PAH World - Discotic polynuclear aromatic compounds as a mesophase scaffolding at the origin of life"
  6. Oró J, Kimball AP (agosto de 1961). «Synthesis of purines under possible primitive earth conditions. I. Adenine from hydrogen cyanide». Archives of Biochemistry and Biophysics. 94: 217–27. PMID 13731263. doi:10.1016/0003-9861(61)90033-9 
  7. Oró J (1967). Fox SW, ed. Origins of Prebiological Systems and of Their Molecular Matrices. [S.l.]: New York Academic Press. 137 páginas 
  8. a b c "Prebiotic Molecular Selection and Organization" Arquivado em 24 de maio de 2009, no Wayback Machine., NASA's Astrobiology website
  9. Ehrenfreund, P; Rasmussen, S; Cleaves, J; Chen, L (2006). «Experimentally tracing the key steps in the origin of life: The aromatic world». Astrobiology. 6 (3): 490–520. Bibcode:2006AsBio...6..490E. PMID 16805704. doi:10.1089/ast.2006.6.490 
  10. García-Hernández, D. A.; Manchado, A.; García-Lario, P.; Stanghellini, L.; Villaver, E.; Shaw, R. A.; Szczerba, R.; Perea-Calderón, J. V. (28 de outubro de 2010). «Formation Of Fullerenes In H-Containing Planetary Nebulae». The Astrophysical Journal Letters. 724: L39–L43. Bibcode:2010ApJ...724L..39G. arXiv:1009.4357Acessível livremente. doi:10.1088/2041-8205/724/1/L39 
  11. Atkinson, Nancy (27 de outubro de 2010). «Buckyballs Could Be Plentiful in the Universe». Universe Today. Consultado em 28 de outubro de 2010 
  12. a b Staff (20 de setembro de 2012). «NASA Cooks Up Icy Organics to Mimic Life's Origins». Space.com. Consultado em 22 de setembro de 2012 
  13. a b Gudipati, Murthy S.; Yang, Rui (1 de setembro de 2012). «In-Situ Probing Of Radiation-Induced Processing Of Organics In Astrophysical Ice Analogs—Novel Laser Desorption Laser Ionization Time-Of-Flight Mass Spectroscopic Studies». The Astrophysical Journal Letters. 756 (1): L24. Bibcode:2012ApJ...756L..24G. doi:10.1088/2041-8205/756/1/L24. Consultado em 22 de setembro de 2012 
  14. López-Puertas, Manuel (6 de junho de 2013). «PAH's in Titan's Upper Atmosphere». CSIC. Consultado em 6 de junho de 2013 
  15. a b c Hoover, Rachel (21 de fevereiro de 2014). «Need to Track Organic Nano-Particles Across the Universe? NASA's Got an App for That». NASA. Consultado em 22 de fevereiro de 2014 
  16. Hoover, Rachel (24 de fevereiro de 2014). «Online Database Tracks Organic Nano-Particles Across the Universe». Sci Tech Daily. Consultado em 10 de março de 2015 
  17. Oscar M. Matus Rivas and Alejandro D. Rey; Molecular dynamics of dilute binary chromonic liquid crystal mixtures; Molecular Systems Design & Engineering; Issue 3, 2017, 2, 223-234 - DOI 10.1039/C7ME00019G
  18. NUCLEIC ACID STRUCTURE - www.atdbio.com
  19. Lincoln, Tracey A.; Joyce, Gerald F. (8 de janeiro de 2009). «Self-Sustained Replication of an RNA Enzyme». New York: American Association for the Advancement of Science. Science. 323 (5918): 1229–32. Bibcode:2009Sci...323.1229L. PMC 2652413Acessível livremente. PMID 19131595. doi:10.1126/science.1167856. Consultado em 13 de janeiro de 2009. Resumo divulgativoMedical News Today (12 de janeiro de 2009) 

Leitura recomendada[editar | editar código-fonte]

Ver também[editar | editar código-fonte]