Triacontasqueno

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Primeira e segunda cataratas

Triacontasqueno (em latim: Triacontaschoenus; em grego clássico: Τριακοντάσχοινος; romaniz.:Triakontáschoinos; Lit. "terra de trinta esquenos") foi um termo geográfico e administrativo usado por gregos e romanos para chamar parte da Baixa Núbia entre a primeira e segunda cataratas do Nilo. Nas épocas ptolomaica (332–30 a.C.) e romana (30 a.C.–395 d.C.), toda ou parte do norte dessa área, que se estendia da primeira catarata ao sul de Hierasicamino e que era designada Dodecasqueno (em latim: Dodecaschoenus; em grego clássico: Δωδεκάσχοινος; romaniz.:Dodekáschoinos; lit. "terra dos doze esquenos"), foi comumente anexada ou controlada pelo Egito. Triacontasqueno e Dodecasqueno foram usados pela primeira vez pelos ptolomaicos e denominaram as zonas tampão entre o Egito e o Reino de Cuxe (Meroé).

História[editar | editar código-fonte]

Em 275 ou 274 a.C., Ptolomeu II (r. 283–246 a.C.) enviou um exército à Núbia e derrotou o Reino de Cuxe. A expedição conseguiu vários objetivos: por um lado, reduziu o poder cuxita, que estava rapidamente se expandindo no século passado, e ajudou a assegurar o poder ptolomaico sobre os nativos egípcios do Alto Egito, o que poderiam ter tentado obter a ajuda cuxita em suas revoltas. Além disso, a expedição assegurou o controle dos ptolomeus sobre a rota de abastecimento dos elefantes africanos, que desempenhavam um papel crucial como elefantes de guerra em seus conflitos com o rival Império Selêucida, que monopolizou o acesso aos maiores elefantes indianos.[1] Como resultado dessa campanha, a área entre a primeira e segunda cataratas do Nilo, que também incluía as valiosas minas de ouro do Deserto Oriental, foi anexada ao Egito e depois foi chamada de Triacontasqueno.[2]

Já sob Ptolomeu II, a porção norte da província, entre a primeira catarata e Hierasicamino, foi designada como Dodecasqueno, e todos os seus rendimentos foram dedicados ao templo da deusa Ísis em Filas. Esse presente foi confirmado novamente por Ptolomeu IV (r. 221–205 a.C.) e Ptolomeu VI (r. 180–145 a.C.).[3] Ptolomeu IV também construiu de templos para Tote e em Psélquis (Daca) e a deidade local Mandúlis em Talmis (Calabexa), bem como o aumento, ou reconstrução, de um templo dedicado a Arensenúfis em Filas. Esses edifícios não foram só afirmações do poder real, mas em seu esforço de assimilar as deidades núbias locais no panteão egípcio, também serviu para consolidar o governo ptolomaico. Como parte dessa política, os ptolomeus também conferiram privilégios especiais e isenções aos egípcios em Filas e Elefantina.[4]

O controle ptolemaico sobre a Baixa Núbia colapsou ca. 205 a.C., como resultado da revolta de Hugronafor, que causou a secessão do Alto Egito. A Baixa Núbia foi aparentemente recuperada pelos cuxitas, a quem Hugronafor pediu ajuda. Apesar da ajuda cuxita, em agosto de 186 a.C., o exército ptolemaico derrotou as forças de Caonofris, sucessor de Hugronafor, e seus aliados cuxitas, e o governou ptolemaico foi restabelecido sobre o Alto Egito e Baixa Núbia.[5] Como os ptolomeus, durante esse período, os reis cuxitas Arcamani e Adicalamani concluíram os projetos de construção iniciados por Ptolomeu IV, e celebrou sua restauração do governo cuxita por inscrição, a fundação do Templo de Debode, e e adoção de elaborados titulaturas. O mesmo período viu a crescente egipcianização do panteão núbio sob influência dos sacerdotes de Filas, e a adoção de motivos artísticos gregos, aumentando figuras nuas, e o sistema métrico greco-egípcio junto com o tradicional.[6]

Ptolomeu V (r. 205–180 a.C.) pessoalmente viajou a Filas em 185 a.C., com a rainha Cleópatra I e o infante Ptolomeu VI. Ambos os governantes prestaram atenção e patronizaram os cultos locais como meio de evitar uma nova rebelião. Em 157 a.C., Ptolomeu VI renovou a doação dos rendimentos de toda Dodecasqueno ao templo de Ísis.[7] Administrativamente, a Baixa Núbia ptolemaica era parte da província do estratego da Tebaida, cujo representante local mais importante era o frurarco (comandante de guarnição) em Siene até 143 a.C. (ou talvez 135 a.C.), quando tornou-se parte da província civil (nomo) de Elefantina e Filas. O primeiro governador civil foi o antigo frurarco Herodes, filho de Demofão, cuja carreira também exemplifica os íntimos laços da administração local com os templos, que duraram até o período romano: junto com seus ofícios públicos, esse oficial grego foi também sacerdote de Amom, e mantenedor das vestimentas sagradas de Elefantina, Bigé e Filas.[8] Com base numa estela do templo de Mandúlis em Filas, parece que a população nativa, não-egípcia ("etíopes", ou seja, núbios), estava sob autoridade de um governador nativo, e foi obrigada a fornecer ao templo (e por extensão provavelmente todos os templos na região) com provisões.[9]

A falta de inscrições ptolomaicas ou outra evidência do controle ptolomaico levou aos estudiosos modernos a concluir que no templo de Ptolomeu IX (r. 116–109 e 88–81 a.C.), se não em torno de meados do século II a.C., boa parte de Triacontasqueno, ao sul de Debode, foi perdida.[10] Sob o governo romano, o imperador Augusto (r. 27 a.C.–14 d.C.) reorganizou Dodecasqueno, mas manteve a doação ptolomaica de seus rendimentos ao templo de Ísis em Filas.[11] Em 23 a.C., se sentindo ameaçada, a rainha de Cuxe enviou grandes forças para Seine (Assuã), e teve como resposta uma contraofensiva liderada pelo prefeito do Egito Caio Petrônio, que temporariamente retornou a região aos romanos, que guarneceram Filas, Quertassi, Daca e Forte Ibrim e negociaram um tratado de paz na ilha de Samos. A fronteira efetiva do Egito romano era Seine, mas em 67 Nero (r. 54–68) enviou uma expedição à Núbia, talvez interessado num futuro raide lá.[12] Quando suas minas de ouro declinaram, os romanos abandonara Dodecasqueno em 298 sob Diocleciano (r. 284–305 a.C.).[13]

Não sendo central para o governo do Egito, a região era comumente um comilha, ou zona tampão livre, em vez de um lugar de conflito romano-cuxita. Na melhor das hipóteses, os romanos usavam essa região como um controle militar e político periódico contra os núbios, assim como os antigos egípcios haviam feito muito antes. Um dos principais interesses ali era garantir as pedreiras de construção e pedra escultórica núbia e, acima de tudo, controlar o acesso às minas de ouro de Uádi Alaqui em frente a Daca. Nos tempos romanos, foram feitos acordos com soldados medjai e oficiais romanos nos Desertos Oriental e Ocidental para tentar controlar o acesso núbio ao Egito por rotas terrestres também. Tal foi o caso de Trajano (r. 98–117) e Adriano (r. 117–138) em Filas e o templo-forte do deserto em Duxe na estrada de quarenta dias (Darbal Arbaim) entrando no sul do oásis de Carga. Com a saída romana no século III, a região caiu sob controle dos blêmios.[12]

A proibição da adoração núbia de Ísis em Filas, em 453, aprofundou o rompimento entre o Egito e Meroé, promovendo a ocupação da região pelo Grupo-X. Eles permaneceram lá até serem expulsos pela ascensão do cristianismo, como evidenciado na inscrição do rei Silco de Nobácia de aproximadamente 536. A perda do comércio do rio e do mar Vermelho entre o Egito e Meroé provavelmente foi um dos fatores para o declínio da última.[12] Os termos Triacontasqueno e Dodecasqueno, por sua vez, já haviam caído em desuso desde o século V.[14]

Referências

  1. Török 2009, p. 384–385.
  2. Török 2009, p. 384, 385–386.
  3. Török 2009, p. 386–388.
  4. Török 2009, p. 388–389.
  5. Török 2009, p. 391–393.
  6. Török 2009, p. 393–400.
  7. Török 2009, p. 400–404.
  8. Török 2009, p. 404–405.
  9. Török 2009, p. 406–408.
  10. Török 2009, p. 411, 433.
  11. Török 2009, p. 401.
  12. a b c Lobban Jr. 2004, p. 141.
  13. McLaughlin 2014, p. 67.
  14. Török 2009, p. 516.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Lobban Jr., Richard A. (2004). «Dodekaschoenos». Historical Dictionary of Ancient and Medieval Nubia. Lanham, Marilândia; Oxônia: The Scarecrow Press, Inc. 
  • McLaughlin, Raoul (2014). The Roman Empire and the Indian Ocean. The Ancient World Economy & the Kingdoms of Africa, Arabia & India. Barnsley: Pen & Sword Books Ltd. ISBN 978-1-78346-381-7 
  • Török, László (2009). Between Two Worlds: The Frontier Region Between Ancient Nubia and Egypt, 3700 BC-AD 500. Leida, Nova Iorque e Colônia: Brill. ISBN 978-90-04-17197-8