Univocidade do ser

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Univocidade do ser (em latim: univocitas entis) é a ideia de que as palavras que descrevem as propriedades de Deus possuem o mesmo significado quando são aplicadas a pessoas ou coisas. A ideia está associada às doutrinas do filósofo e teólogo escolástico João Duns Escoto.

Resumo[editar | editar código-fonte]

Nas discussões medievais sobre a natureza de Deus, muitos teólogos e filósofos, como Tomás de Aquino, sustentaram que quando alguém diz que "Deus é bom" e que "o homem é bom", a bondade do homem seria apenas análoga, ou seja, semelhante, mas distinta da bondade de Deus. João Duns Escoto, embora não negue a analogia do ser conforme compreendida por Tomás de Aquino, defende haver um conceito unívoco de ser. É importante notar que Escoto não acredita em uma "univocidade do ser", mas sim em um conceito comum de ser, que é próprio de Deus e do homem, mas de modos distintos: infinito em Deus, finito no homem.[1]

A constatação feita aqui é que os sujeitos só podem entender Deus porque compartilham em Seu ser e, por isso, herdam os atributos transcendentais do ser: bondade, verdade e unidade.[2] No que diz respeito a João Escoto, deve-se entender o 'ser' como um conceito que pretende demonstrar a existência de Deus, a fim de mostrar que o que sabemos – criação – não pode ser comparado com o que não sabemos – Deus. O romancista americano Thomas Williams defendeu uma versão desse argumento.[3]

O filósofo francês Gilles Deleuze interpretou a doutrina da univocidade ontológica de João Escoto.[4] Ele defendeu que o ser é unívoco, ou seja, que todos os seus sentidos são afirmados em uma só voz. Deleuze adapta a doutrina da univocidade para afirmar que o ser é, univocamente, diferença.[5]

Com efeito, o essencial na univocidade não é que o Ser se diga num único sentido. É que ele se diga num único sentido de todas as suas diferenças individuantes ou modalidades intrínsecas. O Ser é o mesmo para todas estas modalidades, mas estas modalidades não são as mesmas. Ele é "igual" para todas, mas elas mesmas não são iguais. Ele se diz num só sentido de todas, mas elas mesmas não têm o mesmo sentido. É da essência do ser unívoco reportar-se a diferenças individuantes, mas estas diferenças não têm a mesma essência e não variam a essência do ser como o branco se reporta a intensidades diversas, mas permanece essencialmente o mesmo branco. Não há duas "vias", como se acreditou no poema de Parmênides, mas uma só "voz" do Ser, que se reporta a todos os seus modos, os mais diversos, os mais variados, os mais diferenciados. O Ser se diz nutri único sentido de tudo aquilo de que ele se diz, mas aquilo de que ele se diz difere: ele se diz da própria diferença.

 Gilles Deleuze, "Diferença e repetição"'[6]

Deleuze, ao mesmo tempo, reverbera e inverte as ideias de Spinoza,[7] que sustentava que tudo o que existe é uma modificação de uma substância, que seria Deus ou Natureza. Deleuze afirma que a univocidade do ser e o princípio organizador da filosofia de Spinoza, apesar da ausência deste termo na filosofia spinoziana. Para Deleuze, não existe uma substância única, mas um processo que é sempre diferenciador, como num microcosmos de origami: sempre dobrando, desdobrando, redobrando. Deleuze e Guattari resumem essa ontologia na seguinte fórmula paradoxal: "pluralismo = monismo".[8]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Duns Scotus, John, approximately 1266-1308. (1987). Philosophical writings : a selection. Indianapolis: Hackett Pub. Co. OCLC 15696128 
  2. Scotus, John Duns (2010). «Is God Knowable?». Ordinatio I, distinction 3, part 1. Consultado em 11 de novembro de 2020 
  3. «ResearchGate». ResearchGate (em inglês). doi:10.1111/j.1468-0025.2005.00298.x. Consultado em 11 de novembro de 2020 
  4. Widder, Nathan (2009). "John Duns Scotus", in Deleuze's Philosophical Lineage, ed. by Graham Jones and Jon Roffe (PDF). Edinburgh University Press. Edingburgh: [s.n.] pp. 27–43. ISBN 9780748632992 
  5. Jones, Graham (Lecturer in media, communications and writing); Roffe, Jon. (2009). Deleuze's philosophical heritage. Edinburgh: Edinburgh University Press. OCLC 367643499 
  6. Deleuze, Gilles, 1925-1995. (2001). Difference and repetition. London: Continuum. OCLC 458289221 
  7. Berressem, Hanjo and Leyla Haferkamp (2009). Deleuzian Events: Writing History, ed. Hanjo Berressem and Leyla Haferkamp. LIT Verlag. Münster: [s.n.] ISBN 978-3643101747 
  8. Deleuze, Gilles, 1925-1995,; Massumi, Brian,. A thousand plateaus : capitalism and schizophrenia. Minneapolis, MN: [s.n.] OCLC 16472336 


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