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Lavoura Arcaica

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Lavoura Arcaica
Lavoura Arcaica
 Brasil
2001 •  cor •  163 min 
Gênero drama
Direção Luiz Fernando Carvalho
Roteiro Luiz Fernando Carvalho
Baseado em Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar
Elenco Selton Mello
Raul Cortez
Juliana Carneiro da Cunha
Simone Spoladore
Leonardo Medeiros
Caio Blat
Música Marco Antônio Guimarães
Lançamento 9 de novembro de 2001[1]
Idioma português

Lavoura Arcaica é um filme brasileiro de 2001, do gênero drama, dirigido, escrito e montado por Luiz Fernando Carvalho. O roteiro é baseado no romance homônimo de Raduan Nassar, publicado em 1975. Em novembro de 2015 o filme entrou na lista feita pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos.[2][3]

Lavoura Arcaica narra em primeira pessoa a história de André, que se rebela contra as tradições agrárias e patriarcais impostas por seu pai e foge para a cidade, onde espera encontrar uma vida diferente da que vivia na fazenda de sua família. Quando é encontrado em uma pensão suja em um vilarejo por seu irmão Pedro, passa a contar-lhe, de forma amarga, as razões de sua fuga e do conflito contra os valores paternos.

Sem ordem cronológica, André faz uma jornada sensível a sua infância, contrapondo os carinhos maternos e os ensinamentos quase punitivos do pai. Este valoriza acima de tudo o tempo, a paciência, a família e a terra, fiado na doutrina cristã. Mas André não aceita esses valores. Ele tem pressa, quer ser o profeta de sua própria história e viver com intensidade incompatível com a lentidão do crescimento das plantas. Nesse trajeto, a paixão incestuosa por sua irmã Ana, e sua rejeição, exercem papel fundamental na decisão de fugir da casa da família. A mãe desesperada manda o primogênito Pedro buscá-lo para tentar reconstruir a paz familiar. Trazido de volta para a fazenda, André é recebido por seu pai em uma longa conversa e uma festa que, ao invés de resolverem o conflito, evidenciam a distância intransponível entre as gerações. Por essa razão, a história é muitas vezes descrita como uma versão invertida da parábola do filho pródigo.

Raul Cortez interpretou o pai

"Há uma promessa concreta de renovação, de uma palpitação inédita no cinema brasileiro desde Glauber Rocha. (...) No calor do momento, nada resta além de fragmentos arrancados de um magma visual. Mas logo o caos se organiza, o filme se dá em toda a sua riqueza como um poema bárbaro à beira da alucinação, de uma potência extraordinária. (...) Nunca, entretanto, seu retorno aos mitos fundadores encobre ou acelera a predominância de sensações. Se o filme possui uma tal força encantadora, é porque Luiz Fernando Carvalho sabe que tudo começa lá, nesta primeira maneira de nascer no mundo, de se deixar arrebatar por ele, de degustar cada momento inesperado".

Jean-Philippe Tessé em sua crítica sobre Lavoura Arcaica no Cahiers du Cinéma[4]

Lavoura Arcaica foi o primeiro longa-metragem de Luiz Fernando Carvalho, que também realizou diversos trabalhos para a televisão, como as telenovelas Renascer (1993), O Rei do Gado (1996) e Velho Chico (2016) e as minisséries Os Maias (2001), Hoje é dia de Maria (2005), A Pedra do Reino (2007) e Dois Irmãos (2017).[5][6][7]

Ainda na década de 90, o cineasta deu início à pesquisa para a realização do longa-metragem. Em companhia do autor do romance, Raduan Nassar, viajou para o Líbano a fim de tomar conhecimento da cultura mediterrânea. O material colhido durante viagem foi transformado no documentário Que Teus Olhos Sejam Atendidos, exibido no GNT em 1997.[8]

Disposto a manter um diálogo com a prosa poética do livro, o diretor decidiu fazer o filme sem roteiro prévio, apoiado inteiramente em improvisações dos atores sobre o romance. Para isso, realizou um intenso trabalho de preparação de elenco, retirados por quatro meses em uma fazenda. O processo de criação que envolveu cineasta e equipe é marcado por um comprometimento sensível com o texto de Nassar. [9][10][11][12]

Preparação do elenco

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O processo de criação e realização do filme foi abordado no livro Sobre Lavoura Arcaica, em que o diretor é entrevistado por José Carlos Avellar, Geraldo Sarno, Miguel Pereira, Ivana Bentes, Arnaldo Carrilho e Liliane Heynemann, e lançado em português, inglês e francês pela editora Ateliê Editorial.[13]

A atriz Simone Spoladore não tem nenhuma fala no filme, mas teve uma preparação mais longa que a dos demais atores, pois teve que aprender a dançar para as duas festas que aparecem no filme. O personagem "André" é vivido por Selton Mello, mas a sua voz enquanto narra em off suas memórias é do diretor Luiz Fernando Carvalho.

O filme foi realizado inteiramente em uma locação, em uma fazenda do interior de Minas Gerais. Nela, os atores e a equipe técnica passaram nove semanas, durante as quais aprenderam a trabalhar a terra, ordenhar, fazer pão, bordar e dançar como uma família de origem libanesa. O próprio autor do texto original, Raduan Nassar, esteve presente durante esta etapa.

A direção de fotografia é de Walter Carvalho, que utilizou muitos contrastes de luz e sombra e em alguns momentos deixa a imagem fora de foco, construindo uma estética quase abstrata.

A direção de arte é de Yurica Yamasaki e figurinos de Beth Filipecki. A montagem e a produção são do próprio diretor.

Trilha sonora

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A trilha sonora foi realizada com a presença do compositor Marco Antônio Guimarães, líder do grupo instrumental mineiro Uakti, durante as leituras do filme. A música de Guimarães utiliza temas típicos da música árabe e faz uma citação d'A paixão segundo São Mateus de Bach. Muitas cenas não têm diálogos, apenas a música, que toca às vezes por vários minutos.

"Lavoura me deu algumas coragens. Uma delas foi eu romper com a TV e fazer minha própria história. Foi a partir do Lavoura que eu falei: “caramba, que experiência”. Eu não posso agora, depois de ter vivido isso, voltar para uma coisa mecânica, que não me estimule mais. Foi a partir dali que eu parei de ter contrato na TV, comecei a fazer só trabalho esporádico, que eu falei “quero experimentar mais cinema”, e fiz muitos filmes, de variados diretores, de variadas escolas. Eu quis achar minha história, e Lavoura me deu coragem"

Selton Mello, ator, em entrevista ao catálogo da 15ª Mostra de Cinema de Tiradentes, 2012

O filme fez sucesso entre a crítica no Brasil e no exterior[14][15][16][17] e o público: atingiu a marca de 300 mil espectadores com apenas duas cópias, uma no Rio de Janeiro e a outra em São Paulo.

As características mais elogiadas foram a fidelidade ao texto original, a fotografia, a direção, a música e as interpretações de Selton Mello, Raul Cortez e Juliana Carneiro da Cunha, atriz que faz carreira teatral bem sucedida na Europa mas que até esse filme era praticamente desconhecida no Brasil.

Recepção da crítica

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Considerado por muitos como um trabalho brilhante e um dos melhores filmes brasileiros dos últimos anos, Lavoura Arcaica figura na Lista dos 100 melhores filmes brasileiros segundo a Abraccine.

Para o escritor e psicanalista Renato Tardivo, autor de Porvir que vem antes de tudo – literatura e cinema em Lavoura Arcaica, o filme é uma das mais importantes obras do cinema brasileiro “de todos os tempos”.[18] O crítico Carlos Alberto de Mattos descreveu o filme como a primeira obra prima do cinema brasileiro no século XXI.[19]

A obra foi celebrada pela crítica em diversos países e, segundo a revista francesa Cahiers du Cinéma, Lavoura Arcaica é "um poema bárbaro às margens da alucinação, de um poder extraordinário".[4][20][21][22][23][24]

Teve uma carreira bem-sucedida em diversos festivais nacionais e internacionais, recebendo mais de 50 prêmios no Festival de Cinema Mundial de Montreal,[25][26] no Festival do Rio, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, no Grande Prêmio BR do Cinema Brasileiro, no Festival de Cinema de Brasília,[27] no Festival de Cinema de Havana,[28] no Festival de Cinema de Cartagena,[29] no Festival Internacional de Cinema de Guadalajara, no Festival Internacional de Cinema Independente de Buenos Aires,[30] entre outros.

O filme foi homenageado em 2017 por ocasião de seus 15 anos e por ser considerado como um dos mais importantes filmes do cinema brasileiro de todos os tempos, no Festival Internacional de Cinema do Rio[31] [32][33] e na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo,[34] quando foi exibido em cópia 35 mm.[35][36][37] [38] Como parte da homenagem no Festival Internacional de Cinema do Rio, o artista plástico Raimundo Rodriguez criou uma instalação artística no Estação Net Botafogo, que ficou em cartaz por um mês, coma memorabilia do filme, críticas e os cadernos de estudos do diretor.[39] Para Ismail Xavier e Ilana Feldman, Lavoura nasceu em 2001 como um corpo estranho face ao cenário do cinema brasileiro de início do século, marcado pelas estéticas do realismo e pelo enfrentamento direto das questões sociais e urbanas brasileiras.[40][41]

Referências

  1. «"Lavoura Arcaica", filme de Luiz Fernando Carvalho, estréia hoje». Folha Ilustrada. 9 de novembro de 2001. Consultado em 24 de março de 2016 
  2. André Dib (27 de novembro de 2015). «Abraccine organiza ranking dos 100 melhores filmes brasileiros». Abraccine. abraccine.org. Consultado em 26 de outubro de 2016 
  3. Hugo Sukman (28 de outubro de 2001). «Um cineasta que está entrando para o clube dos poetas». OGlobo. Consultado em 17 de abril de 2017. Com Lavoura Arcaica, Luiz Fernando Carvalho respeita uma tradição que vai de Mario Peixoto a Ruy Guerra 
  4. a b Jean-Philippe Tessé (2003). «Les pieds dans la terre». Cahiers du Cinema (edição 581). p. 85. Consultado em 19 de abril de 2017 
  5. Almir de Freitas. «Com Lavoura Arcaica, Luiz Fernando Carvalho vence o desafio de levar a literatura de Raduan Nassar para o cinema». Revista Bravo!. Consultado em 17 de abril de 2017. Arquivado do original em 18 de abril de 2017 
  6. Daniel Piza (22 de agosto de 2001). «"Lavoura Arcaica" estréia sábado no Canadá». Estado de S. Paulo. Consultado em 12 de abril de 2017. Um parentesco com o estilo e a espiritualidade do cinema dos russos Tarkovski e Sokurov 
  7. Inácio Araújo (15 de novembro de 2001). «Longa é exceção exemplar no cinema do país». Folha de S. Paulo. Consultado em 12 de abril de 2017 
  8. Mariana Scalzo (14 de dezembro de 1997). «'Que Teus Olhos Sejam Atendidos' estréia no GNT». Consultado em 29 de março de 2017 
  9. Renato Cury Tardivo (2012). «Raduan Nassar e Luiz Fernando Carvalho: a concepção da palavra em imagem». Visualidades (UFG). Consultado em 24 de agosto de 2020 
  10. José Geraldo Couto (14 de agosto de 2005). «Mergulho em Raduan Nassar conduz a pequena obra-prima». Folha de S. Paulo. Consultado em 14 de abril de 2017 
  11. Marcelo Coelho (14 de novembro de 2001). «'Lavoura' e os indícios de uma obra prima». Folha de S. Paulo. Consultado em 12 de abril de 2017. Lavoura Arcaica" tem todas as razões para ser excessivo, barroco, quase ostentatório em sua riqueza estilística. O filme consegue traduzir visualmente toda a beleza literária do livro de Raduan Nassar 
  12. Tiago Mata Machado (23 de outubro de 2001). «Em "Lavoura Arcaica", Carvalho faz retrato do tempo». FolhaOnline. Consultado em 12 de abril de 2017 
  13. Carvalho, Luiz Fernando (2002). Sobre Lavour’Arcaica – O filme. Rio de Janeiro: Atelier Cultural. ISBN 85-7480-140-2 
  14. Luciano Trigo (28 de outubro de 2001). «Uma colheita esplêndida». RioShow. Consultado em 17 de abril de 2017 
  15. José Geraldo Couto (24 de setembro de 2001). «Filme radicaliza linguagem». Ilustrada/Folha de S.Paulo. Consultado em 17 de abril de 2017 
  16. Daniel Piza (25 de novembro de 2001). «Convulsões». O Estado de S. Paulo. Consultado em 17 de abril de 2017 
  17. Diego Batle (11 de maio de 2002). «"Luiz Fernando Carvalho, talento made in Brasil"». La Nacion. Consultado em 12 de abril de 2017 
  18. Tardivo, Renato Cury (2009). Porvir que vem antes de tudo: uma leitura de lavoura arcaica - literatura, cinema e a unidade dos sentidos (Tese). São Paulo: Universidade de São Paulo (USP). Consultado em 14 de abril de 2017 
  19. Carlos Alberto de Mattos (25 de novembro de 2001). «Festival do Rio: Lavoura Arcaica». Estado de S. Paulo. Consultado em 17 de abril de 2017 
  20. Jean-Philippe Tessé (6 de julho de 2003). «Critique:A La Gauche du Père». Chronicart. Consultado em 19 de abril de 2017 
  21. «Critiques:A La Gauche du Père». AlloCiné. Consultado em 19 de abril de 2017 
  22. «Critiques:A La Gauche du Père» (em francês). AlloCiné. Consultado em 19 de abril de 2017 
  23. Didier Peron (9 de julho de 2003). «Pére de touts les vices. Relecture saisissante d'un monstre de la littérature brésilienne». Liberácion. Consultado em 22 de maio de 2017 
  24. Giulia de Assis (9 de agosto de 2020). «O sentimento de ausência de fôlego é o elemento comum que o espectador e leitor de Lavoura Arcaiaca - filme e livro - compartilham». Blog Outra Hora. Consultado em 24 de agosto de 2020 
  25. «Montreal premia a ousadia de "Lavoura Arcaica"». Estadão. 5 de setembro de 2001. Consultado em 17 de abril de 2017 
  26. «16 Awards of the Montreal World Film Festival 2001». FFMMontreal.org. Consultado em 14 de abril de 2017 
  27. «Brasília celebra "Lavoura" e "Samba"». Folha de S. Paulo. 29 de novembro de 2001. Consultado em 14 de abril de 2017 
  28. «"Lavoura" ganha prêmios em Havana». Folha de S. Paulo. 15 de dezembro de 2001. Consultado em 14 de abril de 2017 
  29. «"Lavoura Arcaica" ganha Festival de Cartagena». Folha de S. Paulo. 11 de março de 2002. Consultado em 14 de abril de 2017 
  30. Ana Bianco (1 de maio de 2002). «"Una metáfora sobre los que no tienen lugar en la mesa social"». Página 12. Consultado em 24 de abril de 2017 
  31. Rodrigo Fonseca (23 de setembro de 2016). «'Lavoura Arcaica' renasce, 15 anos após sua estreia, no Festival do Rio». Estado de S. Paulo. Consultado em 12 de abril de 2017. Um monumento cinematográfico de nossa Retomada 
  32. Cleo Guimaraes (15 de outubro de 2016). «Exibição de Lavoura Arcaica em película faz a felicidade dos nostálgicos no Festival do Rio». Gente Boa - OGlobo. Consultado em 20 de abril de 2017. Para Selton Mello, que interpreta o protagonista André, "Foi uma aventura emocional radical, que me tirou o chão e me fez renascer. Esse filme me deu coragem e a verdadeira dimensão da minha profissão” 
  33. Luis Carlos Merten (12 de outubro de 2016). «'Lavoura Arcaica' é homenageado no Festival do Rio». Estadão. Consultado em 20 de abril de 2017 
  34. Luiz Zanin (10 de novembro de 2016). «'Lavoura Arcaica', com presença de Raduan Nassar, põe fim à Mostra». Estado de S. Paulo. Consultado em 23 de fevereiro de 2017 
  35. Eric Campi e Paulo Henrique Pompermaier. «Lavoura Arcaica e a utopia por um mundo melhor». Revista Cult. Consultado em 14 de abril de 2017 
  36. Almir de Freitas (13 de outubro de 2016). «Lavoura Arcaica, 15 anos depois». Revista Bravo!. Consultado em 23 de fevereiro de 2017 
  37. Rodrigo Fonseca (26 de junho de 2016). «'Lavoura Arcaica' completa 15 anos… e segue arrebatador». O Estado de S. Paulo. Consultado em 23 de fevereiro de 2017 
  38. Suzana Velasco (15 de outubro de 2016). «Quinze anos após a estreia, Lavoura Arcaica dialoga com discussões atuais». OGlobo. Consultado em 20 de abril de 2017 
  39. «"Lavoura Arcaica" ganha exibição e instalação de Raimundo Rodriguez». PoltronaPop. 23 de setembro de 2016. Consultado em 20 de abril de 2017 
  40. Ilana Feldman e Ismail Xavier (16 de outubro de 2016). «Quinze anos depois, filme "Lavoura Arcaica" ainda é corpo estranho». Ilustríssima/Folha de S. Paulo. Consultado em 12 de abril de 2017. Do popular ao erudito, da artesania à tecnologia, Luiz Fernando Carvalho tem transitado entre gêneros e tempos, misturando cinema, literatura, televisão, fábulas populares, poesia, circo, teatro, ópera e novelas de cavalaria. Nessa obra, em que não há fronteiras demarcatórias nem territórios inexplorados, as questões da origem, da família e de nossas tradições literárias e narrativas, arcaicas e modernas, têm sido permanentemente reelaboradas 
  41. Rodrigo Fonseca (8 de maio de 2020). «'Lavoura Arcaica': 45 anos de um marco da prosa». O Estado de S. Paulo. Consultado em 24 de agosto de 2020 

Ligações externas

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