Marco temporal das terras indígenas

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PL 490/2007
Congresso Nacional do Brasil
Citação Lei nº 14.701 de 20/10/2023
Aprovado por Câmara dos Deputados
Aprovado em 30 de maio de 2023
Aprovado por Senado Federal
Aprovado em 27 de setembro de 2023
Promulgado em 28 de dezembro de 2023
Vetado por Presidente Luiz Inácio Lula da Silva
Vetado em 20 de outubro de 2023
Tipo do veto Parcial[nota 1]
Veto rejeitado 14 de dezembro de 2023
Histórico Legislativo
Primeira casa: Câmara dos Deputados
Nome do projeto de lei Projeto de lei 490/2007
Citação do projeto de lei PL 490/2007
Apresentado por Dep. Homero Pereira (PR-MT)
Apresentado em 20 de março de 2007
Aprovado 30 de maio de 2023
Resumo da votação
  • 283 votaram a favor
  • 155 votaram contra
  • 1 abstiveram
Segunda casa: Senado Federal
Nome do projeto de lei Projeto de lei 2903/2023
Citação do projeto de lei PL 2903/2023
Recebido de Câmara dos Deputados em 1 de junho de 2023
Aprovado 27 de setembro de 2023
Resumo da votação
  • 43 votaram a favor
  • 21 votaram contra
Estágios finais
Reconsideração da Câmara dos Deputados depois do veto 14 de dezembro de 2023
Resumo da votação
  • 137 votaram para manter o veto
  • 321 votaram para rejeitar o veto
Reconsideração da Senado Federal depois do veto 14 de dezembro de 2023
Resumo da votação
  • 19 votaram para manter o veto
  • 53 votaram para rejeitar o veto
Casos no(a) Supremo Tribunal Federal
RE 1017365 - Declarado inconstitucional em 21 de setembro de 2023 (Decisão 9-2, Não válido[nota 2])
Estado: Em vigor

O marco temporal das terras indígenas, também conhecido como tese de Copacabana, é uma tese jurídica, construída jurisprudencialmente no julgamento do caso Raposa Serra do Sol pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil de 2009. Nela, o Supremo decidiu que o artigo da Constituição que garante o usufruto das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas brasileiros deveria ser interpretado contando-se apenas as terras em posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.[2]

Histórico[editar | editar código-fonte]

A tese foi apresentada pelo ministro Menezes Direito, junto com dezenove outras condicionantes que objetivavam dar maior segurança jurídica ao processo de demarcação de terras indígenas.[3] O nome "tese de Copacabana" vem de um comentário do ministro Gilmar Mendes em julgamento de 2014 que reafirmou o marco temporal: "Claro, Copacabana certamente teve índios, em algum momento; a Avenida Atlântica certamente foi povoada de índios. Adotar a tese que está aqui posta nesse parecer, podemos resgatar esses apartamentos de Copacabana, sem dúvida nenhuma, porque certamente, em algum momento, vai ter-se a posse indígena".[4]

Posteriormente, em embargos de declaração, o STF acabou esclarecendo que as condicionantes aplicavam-se somente àquele caso específico.[5] No entanto, durante o governo Michel Temer, a partir de parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), entendeu-se o precedente de Raposa Serra do Sol como obrigatório para todos os processos de demarcação de terras indígenas.[6]

Desde 2019, a questão voltou à tona com o julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, caso em que está em disputa o reconhecimento de uma área reclamada por indígenas do povo Xoclengues, na Reserva Biológica do Sassafrás, em Santa Catarina. O STF reconheceu "repercussão geral" ao caso, o que significa que aquilo que vier a ser decidido determinará precedente para todo o judiciário brasileiro.[7] Por decisão do ministro relator do processo, Edson Fachin, todos os processos sobre demarcações de terras indígenas foram suspensos até o fim da pandemia de Covid-19 ou até o julgamento final de recurso extraordinário.[8]

Indígenas de mãos dadas, duas mulheres em primeiro plano, circundam a estátua que representa a Justiça
Indígenas em frente à A Justiça, numa manifestação no dia de julgamento do caso Raposa Serra do Sol pelo Supremo Tribunal Federal, 19 de março de 2009
Acórdão do caso Raposa Serra do Sol; a partir da página 41, ponto 78, o ministro relator Carlos Ayres Britto expõe os marcos regulatórios do processo demarcatório, começando pelo "marco temporal da ocupação".

A AGU defendeu a tese, a qual, segundo o advogado-geral Bruno Bianco, construiu "balizas e salvaguardas para a promoção dos direitos indígenas e para a garantia da regularidade da demarcação de suas terras."[9] Já o Ministério Público Federal (MPF) manifestou-se contrariamente ao marco. O Procurador-Geral da República Augusto Aras declarou que "por razões de segurança jurídica, a identificação e delimitação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios há de ser feita no caso concreto, aplicando-se a cada fato a norma constitucional vigente ao seu tempo".[10] O ex-presidente Jair Bolsonaro também manifestou-se a favor do marco, dizendo que, caso o STF decida modifica-lo, seria "um duro golpe ao nosso agronegócio, com repercussões internas quase catastróficas, mas também lá para fora."[11]

O primeiro voto do julgamento, dado pelo relator Edson Fachin, foi contrário ao estabelecimento de um marco. O ministro disse que a decisão da Raposa Serra do Sol, em vez de pacificar a questão, paralisou as demarcações e acirrou conflitos; declarou também que "dizer que Raposa Serra do Sol é um precedente para toda a questão indígena é inviabilizar as demais etnias indígenas".[12] O segundo voto foi do ministro Nunes Marques, que mostrou-se favorável à tese: "Uma teoria que defenda que os limites das terras estão sujeitos a um processo permanente de recuperação de posse em razão de um esbulho ancestral abre espaço para conflitos de toda ordem sem que haja horizonte de pacificação".[13] O julgamento foi suspenso no dia 15 de setembro de 2021, quando o ministro Alexandre de Moraes pediu vistas do processo.[14] No dia 20 de setembro de 2023, o STF retomou o julgamento e, no dia seguinte, formou maioria para derrubar o marco temporal.[15]

A bancada ruralista reagiu imediatamente, e prometeu tornar a derrubada nula. Segundo o vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Evair de Mello, "vamos precisar tomar algumas atitudes do ponto de vista regimental. [...] Podemos obstruir as pautas do governo, podemos apresentar um texto novo e levar para o plenário. No ponto de vista do parlamento, tudo é possível".[16]

Em outubro o Congresso aprovou em regime de urgência a Lei 14.701, que altera o texto constitucional para autorizar o princípio do marco temporal. O Ministério Público entendeu a Lei como inconstitucional e antagônica a tratados internacionais, e o presidente da república vetou seus pontos principais. O Congresso pode derrubar o veto presidencial.[17][18] A Frente Parlamentar da Agropecuária publicou nota prometendo derrubá-lo. A bancada ruralista tem maioria no Congresso. Segundo Leandro Prazeres, "o embate entre o governo e os ruralistas ainda está longe de acabar".[19]

Em 14 de novembro o Congresso derrubou com ampla maioria o veto presidencial sobre a maioria dos tópicos vetados, e também removeu várias proteções às terras indígenas: proibiu a ampliação de terras já demarcadas, autorizou atividades das forças armadas e Polícia Federal e instalação de bases militares sem consulta prévia às comunidades, e autorizou a expansão de rodovias, exploração de energia elétrica e resguardo de riquezas naturais consideradas de interesse estratégico, também sem consulta prévia.[20] O Ministério dos Povos Indígenas anunciou que acionará a Advocacia-Geral da União para entrar com uma ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.[21] O deputado Pedro Lupion, representando a bancada ruralista, comemorou o resultado e disse não temer a resposta do governo, alegando ter votos suficientes para se necessário mudar o texto da Constituição a fim de sacramentar a tese do marco temporal definitivamente.[22]

Em 28 de dezembro, os partidos PL, PP e Republicanos entraram com um pedido no STF para validar a lei que institui o marco temporal.[23] No dia seguinte, PSOL e Rede, junto à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), apresentaram uma ação que pede a derrubada dele.[24][25]

Ver também[editar | editar código-fonte]

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Referências

  1. «Congresso promulga marco temporal e desoneração da folha». Poder360. 28 de dezembro de 2023 
  2. Marcos Candido (2 de junho de 2020). «O que é o Marco Temporal e como ele impacta os povos indígenas». UOL. Consultado em 22 de setembro de 2021 
  3. Rodrigo Haidar (19 de março de 2009). «Supremo fixa diretrizes para demarcação de terras». Consultor Jurídico. Consultado em 19 de dezembro de 2021 
  4. Andressa Lewandowski; Luísa Molina; Marcela Coelho de Souza (15 de agosto de 2017). «A memória da terra». Le Monde Diplomatique Brasil. Consultado em 19 de dezembro de 2021 
  5. «Ex-ministros são contra estender condições de Serra do Sol». Consultor Jurídico. 23 de outubro de 2013. Consultado em 19 de dezembro de 2021 
  6. Pedro Canário (20 de julho de 2017). «Decisão do STF sobre Raposa Serra do Sol vale para toda a administração, diz governo». Consultor Jurídico. Consultado em 25 de setembro de 2021 
  7. «Supremo julgará posse de terras tradicionalmente ocupadas por indígenas». Consultor Jurídico. 25 de fevereiro de 2019. Consultado em 25 de setembro de 2021 
  8. «Fachin suspende tramitação de processos sobre áreas indígenas». Consultor Jurídico. 6 de maio de 2020. Consultado em 19 de dezembro de 2021 
  9. Severino Goes (1 de setembro de 2021). «AGU e PGR divergem sobre marco temporal para demarcação de terras indígenas». Consultor Jurídico. Consultado em 19 de dezembro de 2021 
  10. Severino Goes (2 de setembro de 2021). «Aras confirma ser contra marco temporal na demarcação de terras indígenas». Consultor Jurídico. Consultado em 19 de dezembro de 2021 
  11. Augusto Fernandes (15 de setembro de 2021). «Marco temporal: Bolsonaro pede que STF não mude regra e proteja agronegócio». Correio Braziliense. Consultado em 19 de dezembro de 2021 
  12. «Fachin vota contra tese do marco temporal; STF retoma julgamento na próxima 4ª-feira». Consultor Jurídico. Consultado em 19 de dezembro de 2021 
  13. Severino Goes (15 de setembro de 2021). «Alexandre pede vista e Supremo adia julgamento sobre marco temporal». Consultor Jurídico. Consultado em 19 de dezembro de 2021 
  14. Flávia Maia (15 de setembro de 2021). «Moraes pede vista e suspende julgamento sobre tese do marco temporal». Jota. Consultado em 18 de dezembro de 2021 
  15. «Por 9 a 2, STF derruba marco temporal das terras indígenas». Folha de S.Paulo. 21 de setembro de 2023. Consultado em 21 de setembro de 2023 
  16. Neiva, Lucas. "Bancada ruralista prepara resposta contra o STF pelo Marco Temporal". Congresso em Foco, 25/09/2023
  17. "Terras indígenas: Lula veta marco temporal aprovado pelo Congresso". Agência Senado, 23/10/2023
  18. "Marco temporal: MPF defende veto integral a projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional". Procuradoria Geral da República, 19/10/2023
  19. Prazeres, Leandro. "Batalha pelo marco temporal: como veto de Lula pode abrir novo embate com ruralistas". BBC Brasil, 20/10/2023
  20. Piovesan, Eduardo. "Congresso derruba veto ao marco temporal das terras indígenas". Agência Câmara de Notícias, 14/12/2023
  21. "Ministério dos Povos Indígenas acionará AGU após derrubada do veto ao marco temporal". CNN Brasil, 15/12/2023
  22. "Deputados e senadores derrubam veto do marco temporal". SBT Brasil, 14/12/23
  23. «Partidos entram com pedido no STF para validar lei que institui marco temporal». Folha de S.Paulo. 28 de dezembro de 2023. Consultado em 29 de dezembro de 2023 
  24. Guimarães, Levy (29 de dezembro de 2023). «PSOL e Rede acionam STF pela derrubada do marco temporal | O TEMPO». www.otempo.com.br. Consultado em 29 de dezembro de 2023 
  25. «Marco temporal: partidos e entidade pedem ao STF que invalide lei para demarcação de terras indígenas». G1. 29 de dezembro de 2023. Consultado em 29 de dezembro de 2023 

Notas

  1. Algumas partes do projeto foram sancionadas.
  2. A decisão de inconstitucionalidade perdeu validade depois que a lei foi promulgada oficialmente pelo Presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco em 28 de dezembro de 2023, cabendo apenas uma nova decisão de inconstitucionalidade.[1]

Ligações externas[editar | editar código-fonte]