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Milagres (Ceará): diferenças entre revisões

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'''Milagres''' é um [[Município (Brasil)|município brasileiro]] do [[estados do Brasil|estado]] do [[Ceará]]. O [[Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística]] em 2021 estimou sua população em 27.413 habitantes. O município é cortado pela BR-116 e pelas CE's 393 e 293, sendo principal rota de acesso entre o município de Juazeiro do Norte aos estados do Pernambuco e Paraíba, alem da capital Fortaleza.
'''Milagres''' é um [[Município (Brasil)|município brasileiro]] do [[estados do Brasil|estado]] do [[Ceará]]. O [[Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística]] (IBGE) em 2022 estimou sua população em 27.413 habitantes. O município é cortado pela BR-116 e pelas rodovias estaduais CE-393 e CE-293, sendo principal rota de acesso entre o município de Juazeiro do Norte aos estados do Pernambuco e Paraíba, além da capital Fortaleza. No século XVIII duas importantes estradas boiadeiras se entrecruzavam em Milagres, a estrada boiadeira Sertão dos Cariris Velhos para o Piauí passava por Milagres e a estrada boiadeira [[Vale do São Francisco]] para o [[Vale do Jaguaribe]] também passava por Milagres. Por ser um lugar de passagem das boiadas que eram transportadas pelos sertões nordestinos, Milagres logo ganhou destaque como um lugar de descanso e de intenso comércio de gado na entrada da [[Região do Cariri]] e as nas proximidades dos sertões de Pernambuco e Paraíba. Por estar na passagem do sertão para o Cariri cearense a cidade de Milagres ficou conhecida como Porta do Cariri.


Milagres é a terra dos Pretinhos de Congos de mestre Doca Zacarias, é também a cidade natal do cantor Bilinguim, um dos membros do famoso grupo de forró Trio Nortista, cujo maior sucesso é a música "A velha debaixo da cama" música composta por ele. Além disso a cidade de Milagres abrigou a última aldeia indígena oficialmente reconhecida pelo governo da Província do Ceará, a Aldeia da Serra da Cachorra Morta, que abrigou os índios Kariri-Xocó até o ano de 1867. A cidade de Milagres possui importantes riquezas naturais como as formações geológicas da Pedra do Chapéu, do Poço do Dinheiro e do Pinga.
[[Ficheiro:Mestre Doca Zacarias.jpg|centro|miniaturadaimagem|273x273px|Mestre Doca Zacarias (foto de Jaildo Oliveira)]]


== Lenda de Souza Presa e da Bela índia ==
== História ==
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=== Lenda sobre a criação do Município ===
[[Ficheiro:Monumento Souza Presa e a Bela índia.jpg|esquerda|miniaturadaimagem|317x317px|Monumento representando a lenda de Sousa Presa e e a Bela Índia, obra erguida a mando do ex-prefeito Lielson Macedo Landim em 2020 e inaugurada em 2021 pelo prefeito Cícero Figueiredo.]]
No livro Algumas Origens do Ceará o historiador Antônio Bezerra afirma que ouviu de um cavalheiro de Milagres a seguinte narrativa lendária sobre a origem do município de Milagres:

Às margens do [[Rio Porcos|Riacho dos Porcos]], em meados do século XVII, havia um sítio denominado Pilar, onde conquistadores brancos se instalaram. A lenda narrada informa que o português Souza Presa e outros companheiros foram apanhados pelos índios [[Tapuia]]s e logo devorados, sendo Presa reservado para outra ocasião em virtude de sua magreza. Partindo os Tapuias para uma caçada, deixaram Presa convenientemente amarrado aos cuidados de uma índia, a quem fizeram as mais enérgicas recomendações. Contudo, a índia, comovendo-se da sorte de seu prisioneiro, deu-lhe a liberdade. Presa atribuiu tal fato à intervenção de Nossa Senhora, aja vista ter feito uma promessa de, se escapasse com vida daquela situação, erigiria uma igreja em homenagem a Nossa Senhora dos Milagres. E assim, desaparecidos os Tapuias daquelas paragens anos depois, Presa voltou ao lugar em 1760 e fundou a igreja que tem hoje a invocação de Nossa Senhora dos Milagres e que permanece como ponto central do atual município.

Apesar de encantadora esta narrativa é apenas uma lenda e como lenda não tem fundamento nas fontes históricas. A lenda de Souza Presa e a Bela Índia é uma representação da violência do colonizador branco contra a população indígena dos sertões. A história de Milagres como de tantas outras cidades brasileiras foi construída pelo trabalho de milhares de trabalhadores negros, indígenas e brancos, como também por trabalhadores escravizados.
A história da colonização do Vale do Riacho dos Porcos e da fundação da Povoação de Milagres como testemunham as fontes históricas começa com o capitão [[Bento Correia Lima]] o primeiro sesmeiro do Riacho dos Porcos.

= HISTÓRIA DE MILAGRES (SÉC. XVIII AO XXI) =

=== A FUNDAÇÃO DA POVOAÇÃO DE NOSSA SENHORA DOS MILAGRES EM 1738<ref>{{citar livro|título=Milagres, nossa terra Cariri|ultimo=SOUZA|primeiro=Carlos|editora=Artes Gráficas e Editora|ano=2021|local=Fortaleza|página=75|páginas=20-100|isbn=9786555562248}}</ref> ===
[[Ficheiro:Leito do Riacho dos Porcos.jpg|esquerda|miniaturadaimagem|348x348px|Leito do Riacho dos Porcos, rio que passa a 5km da sede do município de Milagres]]
[[Ficheiro:Sesmeiro Bento Correia Lima.jpg|esquerda|miniaturadaimagem|460x460px|Capitão Bento Correia Lima, o fundador de Milagres em 1738. (desenho de Ana Ivyna Leite de Lima).]]
A colonização do Riacho dos Porcos principiou no começo do século XVIII quando o capitão Bento Correia Lima, sesmeiro da Vila Real de Goiana em Pernambuco pediu as terras das margens do Riacho dos Porcos ao capitão-mor do Ceará Jorge de Barros Leite. No pedido de sesmaria, Bento Correia Lima, fazendeiro da Capitania de Pernambuco informa que as terras estavam devolutas e se compromete em povoá-las. O primeiro pedido de sesmaria no Riacho dos Porcos ocorreu em 1703, mas em 1704 o mesmo capitão Bento Correia Lima volta a solicitar as terras para si e para seu primo João Dantas Aranha, sempre prometendo as autoridades coloniais do Ceará que povoará a terra, Bento Correia Lima volta a solicitar as terras em 1707 e em 1723, mas somente em 1738 é que a ocupação das terras onde hoje se situa Milagres de fato se efetiva pelos colonizadores brancos.
[[Ficheiro:Nascente do Riacho dos Porcos.jpg|miniaturadaimagem|345x345px|Nascente do Riacho dos Porcos.|esquerda]]
O que impediu Bento Correia Lima e seus parentes de colonizarem as terras do Riacho dos Porcos já no princípio do século XVIII foi a resistência dos indígenas Kariri a ocupação de suas terras. Em 1690 os indígenas Kariri se sublevaram contra as autoridades coloniais e começaram uma guerra de resistência que durou sessenta anos nos sertões do Nordeste e a região do Riacho dos Porcos, bem como do sertão dos Cariris Velhos na Paraíba foram palcos principais dessa guerra de resistência dos indígenas contra a espoliação de suas terras e a destruição de sua cultura.

A Guerra dos Bárbaros ou Confederação dos Cariris como ficou conhecida a resistência indígena nos sertões nordestinos opôs os colonizadores portugueses contra uma nação indígena em defesa de suas identidades e manutenção de seu modo de vida e cultura. Para justificar o extermínio dos Kariris nos sertões, os colonizadores começaram a apelidar os indígenas dessa nação de Tapuios ou Tapuias, palavra que na língua Tupi significa bárbaro, cruel, selvagem. Os Kariris foram acusados de canibalismo e selvageria porque recusaram-se a ser missionados e aldeados.

O mito de Souza Presa e da Bela índia é produto dessa campanha difamatória contra os Kariri, mas não é a verdade sobre a história da fundação de Milagres.

A Povoação de Nossa Senhora dos Milagres foi fundada pelo capitão Bento Correia Lima e os trabalhadores brancos como também por trabalhadores negros escravizados que o próprio capitão Bento Correia Lima informa em carta ao capitão-mor do Ceará Manoel Francês que trará para o Riacho dos Porcos para ajudá-lo a povoar a região. E é assim que em 1738 o capitão Bento Correia Lima instala no Cariri Oriental o primeiro engenho de rapadura e aguardente da Região do Cariri. É o capitão Bento Correia Lima que manda trazer para a área do Riacho dos Porcos cavalos e bois e instala as primeiras fazendas de criar.

Em 1740 o mesmo capitão Bento Correia Lima doa para a Sé de [[Olinda]] terras nas proximidades do Sítio Pilar, isto é, na margem esquerda do Riacho dos Porcos para a construção de uma igreja em homenagem a Nossa Senhora dos Milagres. A família Correia Lima sempre foi muito devota de Nossa Senhora sob a invocação de Nossa Senhora dos Milagres. Essa devoção vinha de sua terra de origem, pois o tronco principal da família Correia Lima provinha da Ilha de Açores em [[Portugal]] onde a devoção a Nossa Senhora dos Milagres já era bem antiga, tendo começado nos meados do século XVI, quando pescadores açorianos encontraram uma caixa de madeira contendo uma imagem de Nossa Senhora entre as tranças de suas redes de pescar e para ela ergueram uma igreja na mesma Ilha de Açores.

A segunda esposa de Bento Correia Lima a senhora Cosma Correia Lima era açoriana e particularmente devota de Nossa Senhora dos Milagres. Sesmeiro poderoso aqui no Brasil, Bento Correia Lima já de posse da patente de capitão por suas lutas contra os quilombos e contra os invasores estrangeiros na Capitania de Pernambuco onde possuía boa parte de suas propriedades, mandou erguer em cada localidade onde possuía fazendas uma capela ou igreja em homenagem a Nossa Senhora dos Milagres.

Assim sendo a família Correia Lima contribuiu decisivamente para a construção da igreja de Nossa Senhora dos Milagres em 1723 em [[Goiana]], PE. Nas cartas em que pede sesmarias a coroa portuguesa, Bento Correia Lima informa que ele é morador da Vila Real de Goiana, e é exatamente dessa região de onde provém os primeiros colonizadores do Riacho dos Porcos.

Devoto de Nossa Senhora dos Milagres como o era também sua esposa, o capitão Bento Correia Lima ordena a construção da igreja em homenagem a ela. A igreja é construída por trabalhadores negros escravizados e é concluída em [[1745]], dessa forma o fundador da Povoação de Nossa Senhora dos Milagres é o capitão Bento Correia Lima apoiado no trabalho dos escravizados negros e indígenas, bem como de trabalhadores brancos pobres.

=== A EMANCIPAÇÃO DE MILAGRES EM 1846 ===
[[Ficheiro:Detalhe de um mapa de fins do século XVIII.jpg|miniaturadaimagem|327x327px|Detalhe de um mapa do fins do século XVIII onde aparece pela primeira vez o registro da existência da Povoação de Milagres e do Riacho dos Porcos. (fonte Biblioteca Nacional)]]
Na segunda metade do século XVIII, a Povoação de Nossa Senhora dos Milagres foi se tornando importante núcleo econômico do sul do Ceará, pois a criação de gado as plantações de cana-de-açúcar, bem como a fertilidade do solo e abundância de água na região atraiu muitos fazendeiros para a localidade. A região passou a ser disputada por vários interessados em estabelecer fazendas de criar gado e plantações de grãos e cereais. A região de Milagres logo mostrou seu potencial econômico e os fazendeiros locais foram chamados a participar ativamente dos movimentos políticos que incendiaram o Cariri em 1817 ([[Revolução Pernambucana]]), 1824 (Confederação do Equador) e 1831 (Sedição de Pinto Madeira).

A participação de Milagres nesses movimentos políticos mostrou a importância da Povoação de Nossa Senhora dos Milagres e em 1842 foi aprovada sua elevação a categoria de Freguesia de Nossa Senhora dos Milagres, mas a população de Milagres queria ter sua própria autonomia política e jurídica sem precisar depender das autoridades ora do Crato ora de Jardim e assim finalmente em 17 de agosto de 1846, a povoação foi elevada a categoria de Vila de Nossa Senhora dos Milagres e finalmente em outubro de 1878 ganhou o status de município.

A primeira [[Câmara Municipal de Milagres]] foi instalada no segundo semestre de 1847 após várias eleições tumultuadas em que a violência contra eleitores e contra lideranças políticas se fez presente obrigando o governo da Província do Ceará a intervir na vila várias vezes para garantir a manutenção da ordem pública. As primeiras posturas municipais foram aprovadas pela câmara em 1849 e remetidas para a Assembleia Provincial do Ceará aprovar e sancionar em 1850. A partir daí Milagres ganhou um delegado nomeado (1853), um juiz (1857), um professor (1851), um serviço de correio (1855), uma cadeia (1853), um mercado público (1852).

=== MILAGRES NO SÉCULO XIX ===
[[Ficheiro:Matriz de Nossa Senhora dos Milagres.jpg|esquerda|miniaturadaimagem|349x349px|Matriz de Nossa Senhora dos Milagres (Arquitetura em estilo colonial).]]
Na década de 1850 a Vila de Nossa Senhora dos Milagres começa a organizar a sua infraestrutura como vila emancipada. A redação das primeiras posturas municipais pela Câmara Municipal de Milagres foi um importante marco, pois vai garantir ao município autonomia política de fato. A organização e realização das eleições municipais vai desencadear as disputas políticas entre as elites locais. A economia da Vila de Milagres no século XIX tinha como base a criação de gado, já em 1860 no livro Ensaio Estatístico da Província do Ceará , [[Thomaz Pompeo de Sousa Brasil]] destaca que a Vila de Milagres possuía um dos maiores rebanhos bovinos do Ceará. O jornal O Araripe noticia em 1855 que Milagres possuía o maior rebanho bovino do Cariri. Além do gado, a economia da Vila de Milagres também era sustentada pela produção de cana-de-açúcar, o mesmo Thomaz Pompeo de Sousa Brasil relaciona em seu ensaio a quantidade de engenhos e a área cultivada por plantações de cana-de-açúcar existentes em Milagres na segunda metade do século XIX. Havia também roças de mandioca, casas de farinha, roças de milho, feijão e arroz. O algodão que um século mais tarde representará importante riqueza agrícola de Milagres também já despontava forte no município.

Toda essa riqueza fundamentada na agricultura e pecuária é produzida pela mão-de-obra escravizada dos pretos e pretas de Milagres. Na década de 1860 a Vila de Milagres tinha uma das maiores populações escravizadas do Ceará. Segundo os dados dos relatório dos presidentes da Província do Ceará havia em 1863 em torno de 563 pessoas negras escravizadas em Milagres, já de acordo com o censo de 1872 o número de escravizados em Milagres praticamente dobra saltando para 1050 escravizados. O braço do trabalhador negro escravizado, bem como do trabalhador negro livre é fundamental na produção da riqueza de Milagres já nessa segunda metade do século XIX.

Na segunda metade do século XIX a população da Vila de Nossa Senhora dos Milagres já era composta em sua grande maioria por homens e mulheres negros, conforme os dados do censo de 1872:
{| class="wikitable"
|+
!Brancos
!Pretos
!Pardos
!Caboclos
|-
|5.065
|988
|6.519
|1.145
|-
| colspan="4" |Total de negros: 7.507 pessoas
|-
| colspan="4" |Total de brancos: 5.065 pessoas
|-
| colspan="4" |Total de caboclos<ref>Caboclos são a mistura de indígenas com a população local, geralmente eram chamados de caboclos os indígenas não aldeados.</ref>: 1.145 pessoas
|-
| colspan="4" |Total da população de Milagres em 1872: 13.717 habitantes
|}
Foram esses trabalhadores negros que já eram a maioria em Milagres na segunda metade do século XIX que produziram em grande parte a riqueza do município, eles formavam a maior parte da mão-de-obra ativa da Vila de Nossa Senhora dos Milagres. Serão esses trabalhadores que iniciarão as pressões e campanhas políticas contra a escravidão no Vale do Riacho dos Porcos nas décadas de 1870 e 1880.

=== OS INDÍGENAS KARIRI-XOCÓS E O MASSACRE DA ALDEIA DA SERRA DA CACHORRA MORTA (1867) ===
[[Ficheiro:Inscrições dos Kariri do Vale do Riacho dos Porcos.jpg|miniaturadaimagem|312x312px|Pintura rupestre do homem kariri que habitou o Vale do Riacho dos Porcos nas proximidades de Milagres.]]
No dia 28 de abril de 1867 o fazendeiro José Inácio de Sousa comandando cerca de 70 homens invadiram e incendiaram a fazenda da Serra da Cachorra Morta nas imediações da Vila de [[Nossa Senhora dos Milagres]], nessa localidade desde a década de 1840 havia sido estabelecida a Aldeia Indígena da Serra da Cachorra Morta que abrigava sob as ordens do ministério da justiça do Império do Brasil os restos da tribo [[Cariris-xocós|Kariri-Xocó]].

Os Kariri-Xocós eram indígenas provenientes de várias áreas dos sertões de Pernambuco, Paraíba e Ceará e que desde o final do século XVIII tinham perdido suas terras para os sesmeiros e viviam sendo perseguidos pelos proprietários de terras. Nas primeiras décadas do século XIX pediram proteção a alguns padres missionários como o frei Vital de Frascarollo que os aldeou e protegeu enquanto pode, mas após o fim do trabalho missionário dos padres nos sertões do Pajeú, Cariris Velhos e no Cariri Cearense os indígenas voltaram a seu nomadismo e foram mais uma vez perseguidos pelos fazendeiros que os viam como uma verdadeira praga para suas propriedades.

Em 1842 as autoridades da Província do Ceará se viram obrigadas por uma determinação do ministério da justiça do império a nomear um tutor e protetor para os indígenas que viviam dispersos pela [[Chapada do Araripe]]. Logo essa tutoria se mostraria imprópria, pois os nomeados pelo governo provincial eram fazendeiros locais, pessoas que sempre foram inimigos dos indígenas e que sempre cobiçaram tomar posse de suas terras. Na década de 1840 o presidente da Província do Ceará tomou a decisão junto da Assembleia Legislativa de aldear os Kariri-Xocós nas terras da Serra da Cachorra Morta na Vila de Nossa Senhora dos Milagres, para essa aldeia seriam levados todos os indígenas que viviam dispersos pelas matas do Ceará e nas vizinhanças das províncias de Pernambuco e Paraíba, assim os Kariri-Xocós são uma mistura de várias tribos, restos da grande nação Kariri que havia sobrevivido aos massacres do século XVIII e XIX. Os indígenas ficariam sob a guarda de um diretor dos índios remunerado pelo ministério da justiça que se responsabilizaria também em prover a aldeia de escola e do mais que lhe fosse necessária. Assim, Milagres abrigou a última aldeia indígena da Província do Ceará, aldeia oficialmente reconhecida pelo ministério da justiça do império.

Em 1859 a Comissão Científica de Francisco Freire Alemão chegou a Milagres com o objetivo de visitar a Aldeia da Serra da Cachorra Morta. Nesta comissão, apelidada de [[Comissão Científica de Exploração|Comissão das Borboletas]], vieram vários estudiosos como o botânico [[Francisco Freire Alemão]], o antropólogo e poeta [[Gonçalves Dias]] e o geólogo Gustavo Capanema. Os membros da comissão científica se hospedaram na fazenda do sr. Franklin de Lima aonde receberam as primeiras informações sobre os indígenas da Serra da Cachorra Morta. Dois dias depois partiram para visitar os indígenas no local da aldeia, mas segundo Francisco Freire Alemão grande foi a decepção de Gonçalves Dias, pois tivera suas expectativas frustradas ao encontrar apenas um grupo de aproximadamente 175 indígenas maltrapilhos, doentes e mal alimentados no local.

O relatório do diretor da Aldeia da Serra da Cachorra Morta, Manuel José de Sousa expedido para o presidente da Província do Ceará em 1860 denunciava a grave situação da aldeia e dos indígenas nela reunidos. Segundo ele muitos estavam doentes, famintos, mas o pior é que os fazendeiros de Milagres perseguiam os indígenas e soltavam seus gados para pastar nas roças dos índios. Em 1862 a situação dos indígenas vai piorar mais ainda, pois nesse ano a epidemia de cólera chegou ao Cariri e acometeu também aos indígenas. O médico [[Pedro Thebérge|Pedro Theberge]] foi enviado a Milagres para tratar da saúde deles e ao ver a terrível situação sanitária de Milagres e principalmente da aldeia escreve um relatório denunciando a situação precária da Aldeia da Cachorra Morta.

Manuel José de Sousa, o protetor dos indígenas Kariri-Xocós em Milagres morrerá em 1862 vitimado pelo cólera e em seu lugar assumirá o cargo de diretor dos índios o seu filho Manuel José de Sousa Filho. Mas a falta de atenção por parte das autoridades de Milagres e da Província do Ceará põe os indígenas na mira dos ataques dos fazendeiros do Riacho dos Porcos que cobiçavam as férteis terras dos indígenas. Em 1864 os Kariri-Xocós procuram o delegado de Milagres, Jesus da Conceição Cunha para pedir-lhe proteção contra os fazendeiros que estão soltando o gado dentro de suas roças. A Câmara Municipal de Milagres aprova uma postura em 1865 proibindo a invasão das terras indígenas da Aldeia da Cachorra Morta e impondo um multa de cinco mil reis para o fazendeiro que pusesse seus bois para pastar dentro das terras indígenas.

Nenhuma dessas medidas funcionaram, pois nem o delegado nem tampouco a Câmara de Vereadores de Milagres estavam dispostos a comprar a briga com os proprietários locais, entre eles o poderosos José Inácio da Silva, fazendeiro residente no Povoado do Cuncas. Em 1866 os indígenas organizaram uma comissão e vieram até a sede da Vila de Nossa Senhora dos Milagres pedir proteção as autoridades, receberam somente promessas que não foram cumpridas. Para evitar a destruição de suas roças os indígenas passaram a atacar o gado dos fazendeiros dentro de suas terras com pauladas e pedradas. Os fazendeiros começaram a espelhar por Milagres que os indígenas estavam preparando-se para invadir a vila, espalhou-se a falsa história de que os indígenas eram ladrões de gado e cavalo, estupravam as mulheres e sequestravam as crianças. Além disso, a população de Milagres aterrorizada pela campanha dos fazendeiros locais contra os indígenas começou a acreditar nas ameaças infundadas de que os indígenas queimariam a vila e os roçados e como eram selvagens, isto é, recusavam-se a trabalhar e a seguir os princípios cristãos levariam os prisioneiros, principalmente crianças para matar e comer na mata.

Baseados em histórias do período colonial que representavam os Kariri como ferozes Tapuias, bárbaros e canibais, os fazendeiros de Milagres creram na suposta selvageria e barbaridade dos Kariri-Xocós e deram apoio ao fazendeiro José Inácio da Silva para atacar a Aldeia da Serra da Cachorra Morta. Na madrugada de 28 de abril de 1867, enquanto a maioria dos homens indígenas estavam ausentes numa caçada, a aldeia foi atacada por setenta e cinco homens aramados, na ocasião encontravam-se na aldeia as mulheres, as crianças, os velhos sob a guarda do índio Mariano. Foi um massacre o que se deu na ocasião da invasão. Mulheres foram estupradas, outras foram mortas, aquelas que escaparam se refugiaram nas matas próximas, crianças foram perseguidas pelos cães e mortas, velhos foram espingardeados e o índio Mariano foi feito prisioneiro e levado amarrado para um sítio nas proximidades da aldeia como isca numa armadilha preparada para quando os caçadores voltassem.

Assim foi feito. Quando os indígenas caçadores retornaram souberam do acontecido e foram libertar os índio Mariano, mas quando se aproximaram para desamarrar o prisioneiro muitos foram alvejados a tiros. Percebendo a armadilha os indígenas fugiram para as matas onde se esconderam. O massacre foi denunciado na imprensa cearense de [[Fortaleza]] e o juiz [[Joaquim do Couto Cartaxo]] e o delegado Jesus da Conceição Cunha foram intimados a explicar como permitiram a ação dos fazendeiros contra os indígenas. O delegado culpou a negligência do juiz, mas este declarou num relatório enviado ao governo provincial que não se encontrava em Milagres quando se deus o massacre. Dessa forma não houve investigações, nem tampouco punições aos assassinos. Até hoje não se sabe quantos indígenas foram mortos na noite de 28 de abril de 1867, o que se sabe é que os Kariri-Xocós ficaram reduzidos a 65 indivíduos após o ataque.
[[Ficheiro:Dona Dionísia Severo.jpg|miniaturadaimagem|337x337px|Dona Dionísia Severo, descendente dos indígenas kariri que habitaram nas margens do Riacho dos Porcos (Foto Carlos César Pereira de Sousa).]]
Os indígenas ainda tentaram retornar para sua aldeia em 1869, 1873 e ainda em 1881, mas com a dispersão dos indígenas da Aldeia da Serra da Cachorra Morta pelos sertões e a integração de outros aos trabalhos dos engenhos no [[Vale do Riacho dos Porcos]]. Sabe-se também que um grupo migrou para o Sertão do Pajeú em Pernambuco, De acordo com censo de 2010 somente três pessoas se autodeclaram indígenas em Milagres, uma delas, a senhora dona Dionísia Severo (84 anos em 2022), possui toda uma oralidade transmitida pelos seus ancestrais sobre os acontecimentos de 1867, bem como um vasto conjunto de conhecimentos indígenas que lhe foram ensinados por seus pais e avós.

=== OS ESCRAVISTAS RENITENTES DE MILAGRES (1884 a 1886) ===
No dia 25 de março de 1884 as várias câmaras municipais da Província do Ceará seguindo pedidos feitos na imprensa abolicionista cearense promoveram a emancipação coletiva dos trabalhadores negros escravizados. A data que posteriormente ficaria conhecida como a Data Magna do Estado do Ceará foi logo transformada num marco na luta contra a escravidão não somente no Ceará, mas em todo o Brasil, sendo o estado intitulado Terra da Luz pelo jornalista negro [[José do Patrocínio|José do Patrocínio.]]

As emancipações coletivas ocorridas no dia 25 de março de 1884 foram o resultado das lutas dos trabalhadores negros escravizados cearenses que durante séculos não se renderam ao escravismo imposto pela branquitude sobre a população negra. No Ceará, as lutas contra a escravidão antecedem a década de 1880, mas sem dúvida recrudesceram nas décadas de 1860 e 1870 quando o tráfico interprovincial de trabalhadores escravizados aumentou significativamente separando pais e filhos, esposos, irmãos e dissolvendo famílias inteiras.

Em 1881 os negros livres e escravizados de Fortaleza sob a liderança dos pescadores [[Francisco José do Nascimento|Chico da Matilde]], o Dragão Mar, José Napoleão e a Preta Tia Simoa com o apoio dos clubes e imprensa abolicionista de Fortaleza empreenderam uma revolta antiescravista para impedir o embarque de trabalhadores negros escravizados para trabalhar nos cafezais do sudeste. A Revolta dos Pescadores que se deu entre os dias 28 a 31 de agosto de 1881, obrigou o governo da Província do Ceará a acabar com tráfico de seres humanos escravizados. Com o lema no "Ceará não se embarca mais escravos" os jangadeiros impuseram um duro golpe nos escravocratas cearenses.

Após a revolta de 1881 contra o tráfico interprovincial de escravizados os trabalhadores negros cearenses recrudesceriam mais ainda sua luta contra a escravidão e em 1883 a Câmara Municipal de [[Acarape]] aprovaria a emancipação dos escravizados daquela vila, logo em janeiro do mesmo ano de 1883 seria a vez do vizinho município de [[Redenção (Ceará)|Redenção]] também decretar o fim da escravidão. Ainda em maio de 1883 a Câmara de Vereadores de Fortaleza aprovou igualmente a emancipação dos escravizados. As pressões dos trabalhadores negros livres e escravizados contra o trabalho escravo aumentariam ao longo do ano de 1883, em outubro de 1883, a Assembleia Provincial votou e o presidente da província sancionou um aumento no imposto cobrado sobre a matrícula dos escravizados para o ano de 1884, com este aumento que avultava acima do valor do próprio negro escravizado as autoridades cearenses pretendiam obrigar os donos de escravos a emanciparem seus escravizados desencorajados pelo imposto acima do valor do escravo.

A estratégia deu certo, pois a partir daí vários proprietários de escravos em vez de matricular seus pretos escravizados preferiram emancipá-los, em 25 de março de 1884 motivados pela opinião pública as autoridades de vários municípios cearenses aderiram a prática das emancipações coletivas. Não houve uma lei proibindo a escravidão no Ceará, mas um entendimento coletivo, no entanto nem todas as câmaras municipais aderiram aos pedidos de emancipação coletiva dos escravizados, foi o que se deu em Milagres, [[Assaré]], Brejo Seco e [[Jardim]]. Nesses municípios a escravidão continuaria existindo após o dia 25 de março de 1884.

Em Milagres a renitência dos senhores escravocratas iria além do ano de 1884. Enquanto aparentemente todos os municípios haviam aceitado emancipar os escravizados ao longo do ano de 1884 em Milagres não se deu tal fato, pois no começo do ano de 1885 os jornais abolicionistas de Fortaleza começaram a receber denúncias de cidadãos da vila denunciando que o juiz Joaquim do Couto Cartaxo em aliança eleitoral com o político cratense Leandro Ratisbona e outros escravocratas de Milagres se recusavam a fazer a matrícula dos escravizados de acordo com o estabelecido pela lei de 19 de outubro de 1883 e assim continuavam mantendo trabalhadores escravizados no município.

A imprensa logo começou a apelidar o juiz Joaquim do Couto Cartaxo de juiz negreiro e inúmeros protestos contra a continuidade da escravidão em Milagres foram publicados nos jornais. Além desses protestos, os trabalhadores negros livres ou escravizados de Milagres intensificaram seus combates contra a permanência da escravidão. Fugas para municípios vizinhos aonde já não havia mais escravidão se tornaram frequentes, ataques físicos contra senhores escravocratas também se tornaram frequentes em Milagres. A sociedade abolicionista de Milagres Protetora da Liberdade fundada em 1882 por pessoas brancas e negras do município recrudesceu seu trabalho de compra de alforrias e ajudas para a fuga de pretos e pretas milagrenses escravizados.

Denunciado ao presidente da província [[Miguel Calmon du Pin e Almeida (desembargador)|Miguel Calmon du Pin]], o juiz Joaquim do Couto Cartaxo foi obrigado a redigir um relatório informando as autoridades quantos escravizados ainda havia em Milagres, o que se sabe é que em 1885, cerca de 330 pessoas ainda estavam trabalhando como escravos no município. As lutas cresceram ao longo do ano de 1885 e 1886 se tornaram cada vez mais intensas e finalmente o presidente Joaquim da Costa Barradas intimou o juiz a fazer o relato da condição dos escravizados em Milagres, de posse do documento o governo da província exigiu que o juiz Couto Cartaxo promovesse a matrícula dos escravizados o que passou a ser feito a partir do mês de novembro de 1886, em 18 de dezembro de 1886 Joaquim do Couto Cartaxo informou ao presidente Enéas de Araújo Torreão que os donos de escravos de Milagres não vendo nenhuma vantagem em pagar o altíssimo valor para matricular seus escravos preferiram emancipá-los, não havendo mais nenhum escravo em Milagres mais já no natal deste ano de 1886.

Assim, a escravidão em Milagres acabou no dia 18 de dezembro de 1886, dois anos e nove meses após as emancipações coletivas de 25 de março de 1884. Mas ao longo desses quase três anos de renitências escravistas em Milagres as lutas contra a escravidão não cessaram,pois os pretos e pretas do município que eram a maioria da população nunca se renderam ao escravismo, e assim pode-se afirmar que Milagres não foi o último município do Ceará a acabar com a escravidão, mas o município onde as lutas contra a escravidão continuaram para além do dia 25 de março de 1884.

=== MILAGRES NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX ===
Em 1889 a monarquia brasileira foi abolida após o golpe militar de 15 de novembro, as lideranças republicanas civis e militares que vinham conspirando contra a família imperial brasileira e criticando a manutenção do sistema de governo monárquico desde a década de 1870 alcançou finalmente a vitória e uma das lideranças do golpe de estado o marechal Deodoro da Fonseca foi proclamado presidente provisório da república. Nos meses que se seguiram ao golpe militar de 15 de novembro de 1889 a elite latifundiária que havia dado pleno apoio ao golpe contra a monarquia passou a trabalhar para reorganizar os pactos de poder que podiam ser rompidos caso os não os reestruturasse de acordo com os novos ventos da política nacional.

No nordeste do Brasil os latifundiários temiam perder seus privilégios políticos e econômicos devido as sucessivas crises do açúcar e a extinção do trabalho escravizado em 1888, pois a região Nordeste outrora tão rica e que garantia com sua economia de base agrária mais da metade das riquezas nacionais estava há quase meio século em crise produtiva e via o Sul e o Sudeste ascenderem economicamente e politicamente. A república veio consolidar decisivamente o poder dos latifundiários da região Sul e Sudeste do país, mas o poderosos latifundiários do Nordeste ainda procurariam se manterem firmes na balança política da república proclamada em 15 de novembro de 1889 negociando acordos eleitorais com as elites cafeicultoras de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
[[Ficheiro:Milagres, CE.jpg|miniaturadaimagem|279x279px|Município de Milagres no começo do século XX (Fonte: Memória Milagrense).]]
No Estado do Ceará os poderosos donos de terra assumiriam logo a bandeira do republicanismo, isto é, praticamente não tiveram dúvidas em abandonar os ideais monarquistas que defendiam ainda nos últimos estertores do Império do Brasil para aderirem ao movimento republicano. Rapidamente as lutas em favor da república se espalharam pela Província do Ceará e chegaram ao sul do estado, isto é, na região do Cariri.

Em 1887 um grupo de cidadãos, proprietários de terra em Milagres fundaram um diretório do Partido Republicano no município. Milagres foi o primeiro município da região sul do Ceará a possuir um grêmio republicano ativo. Faziam parte desse grupo homens poderosos como o juiz Joaquim do Couto Cartaxo, o subdelegado local Domingos Leite Furtado, o fazendeiro Belarmino Ferreira Lins, o fazendeiro José Belém de Figueiredo e outros homens igualmente poderosos no Vale do Riacho dos Porcos. Os membros do Partido Republicano de Milagres escreviam manifestos em favor da república federalista para os jornais de Fortaleza e se correspondiam com lideranças republicanas cearenses e pernambucanas.

A adesão dos fazendeiros de Milagres ao movimento republicano seria logo recompensada ainda no ano de 1890, quando o o juiz Joaquim do Couto Cartaxo, político poderosos no município na década de 1880 foi eleito deputado constituinte para elaborar com os outros pares a primeira constituição republicana do Brasil. Os outros também logo seriam recompensados pelas novas lideranças da política cearense, principalmente o oligarca maior o Ceará, o todo poderoso [[Antônio Pinto Nogueira Acioly]] que desde a segunda metade da década de 1880 já vinha assumindo a posição de chefe político supremo do Ceará.

Em 1892 os acordos políticos entre as lideranças oligárquicas do estado e as elites urbanas de Fortaleza favoreceram a ascensão definitiva de Nogueira Acioly ao mando político do estado do Ceará. A partir desse momento o poderoso oligarca irá construir uma rede de poder que unia todas as forças políticas oligárquicas a sua volta. Em Milagres os maiores beneficiários foram os fazendeiros José Belém de Figueiredo e Domingos Leite Furtado. O primeiro receberia apoio necessário para se sustentar-se como intendente (prefeito) do município do Crato e outro como intendente do município de Milagres, estes eram dois dos mais importantes municípios do Ceará e os mais ricos do Cariri.

O município de Milagres entrou no século XX sob o comando do coronel Domingos Leite Furtado. Ao longo das duas primeiras décadas deste século Domingo Furtado seria um dos homens mais poderosos da política local e cearense. Mas o poder desses coronéis que governavam despoticamente os município era autocrático e violento e a população de Milagres, população essa formada em sua grande maioria por trabalhadores rurais negros e pobres sofrerão a violência dos coronéis. Até a década de 1940, os coronéis governarão Milagres e imporão seu mando político através da força e da violência física e institucional.

==== O CORONEL JOSÉ BELÉM DE FIGUEIREDO ====
[[Ficheiro:Coronel Belém do Crato.jpg|miniaturadaimagem|377x377px|Coronel José Belém de Figueiredo, nascido em Milagres foi o todo poderoso político do Cariri entre 1892 a 1904 junto ao coronel Domingos Leite Furtado consolidaram o poder dos coronéis no sul do Ceará.]]
José Belém de Figueiredo nasceu no Sítio Exu, Vila de Nossa Senhora dos Milagres no ano de 1853, viveu até a sua juventude como agricultor, até casar-se com a filha do fazendeiro capitão Luís Inácio de Oliveira Rocha, um rico proprietário local, dono da Fazenda Santa Catarina. Casado com Maria de Oliveira Rocha, José Belém de Figueiredo transferiu-se do Sítio Exu para morar na sede do município onde estabeleceu uma casa comercial que logo prosperou. Seus parentes perceberam imediatamente o talento de José Belém para o comércio e um deles, seu irmão Antônio Belém de Figueiredo o convidou para associar-se com ele numa casa comercial na cidade do Crato.

A casa comercial de Antônio Belém era rica e prosperaria mais ainda com a sociedade de José Belém. Entre 1885 e 1890 a firma Belém & Irmão se tornaria uma das mais prósperas do Crato. A medida de José Belém de Figueiredo se estabelecia como um dos mais abastados comerciantes do Crato, ele procurava fazer igualmente importantes alianças políticas com os chefes do poder tanto no Crato quanto nos outros municípios do Cariri. Assim, já nos anos finais da década de 1880, José Belém tinha importantes amigos dentro da política cratense e cearense. Possuindo grande inteligência política, José Belém logo anteviu as largas possibilidades políticas e econômicas que o advento da república lhe traria. Enquanto outras lideranças políticas do Crato se mantinham em dúvida com relação ao apoio a causa republica e a com relação a certeza da vitória da república sobre a monarquia, José Belém sempre assumiu posição decisiva.

No final do governo do imperador Dom Pedro II a principal força política do Crato era o coronel José Antônio de Figueiredo, mas este era um político indeciso, não tendo a certeza da vitória da república, temia aderir completamente ao Partido Republicano e perder os favores dos monarquistas. Diante das suas indecisões resolveu nomear para assumir o comando das atividades antimonarquistas no Crato e no Cariri alguém em quem ele pudesse confiar e manipular na ocasião propícia. Assim, o coronel José Antônio de Figueiredo nomeou para delegado de polícia do Crato o enérgico cidadão milagrense e há cinco anos residindo no Crato, José Belém de Figueiredo.

José Belém de Figueiredo era muito inteligente para não suspeitar que os chefes da política cratense estavam jogando com ele para favorecer seus próprios interesses, mas assumiu o cargo decidido a tirar dele o melhor proveito possível. Desse modo, logo que assumiu o posto de delegado de polícia José Belém passou ao comando das atividades republicanas em oposição aos conservadores monarquistas. Em novembro de 1889 a república saiu vitoriosa e José Belém fortalecido na sua posição política como delegado do Crato.

Mas a república proclamada precisava se consolidar frente as possibilidades de uma restauração monárquica. Os anos de 1890 a 1892 foram particularmente críticos para a república recém proclamada. Movimentos revoltosos e que pediam o retorno ao regime monárquico faziam crer que haveria uma restauração do poder da família imperial. Temeroso de que houvesse uma derrocada da república o coronel José Antônio de Figueiredo não só deu mais poderes ao delegado José Belém, como no ano de 1892 o escolheu para ser o seu candidato único ao comando do município do Crato, José Belém seria o interventor do Crato, (seria o prefeito municipal).

O acordo de José Antônio de Figueiredo com os outros coronéis cratenses consistia no seguinte: José Belém seria eleito e nomeado interventor do Crato de forma provisória, até que a situação política do Brasil e do Ceará se equilibrasse e finalmente pendesse para os lados da república ou da monarquia, isto é, eles esperariam para ver quem venceria primeiro e depois José Belém devolveria a prefeitura (interventoria) ao coronel José Antônio de Figueiredo. No entanto, José Belém sabia que os poderosos latifundiários do Crato estavam apostando sua cabeça, caso a república saísse derrotada ele seria rifado e os coronéis nada sofreriam. Farejando a vitória certa da república, principalmente após a posse do vice presidente Floriano Peixoto no cargo de presidente da república em 1891 após a renúncia de Deodoro da Fonseca, José Belém um florianista convicto decidiu fortalecer-se no poder e assumir o controle da política no Crato e no Cariri, criando sua própria poderosa oligarquia.

Como delegado do Crato, José Belém organizou uma poderosa Guarda Local, composta de homens valentes e ferozes todos eles fiéis ao seu chefe. Uma vez escolhido intendente municipal em 1892, José Belém convocou um homem de sua confiança para comandar a sua guarda, esse homem foi o milagrense Jesuíno Antônio de Maria, a este seu amigo nomeou alferes e comandante da Guarda Local, para o posto de delegado escolheu um outro aliado seu, também de Milagres, Domiciano Ferreira Lima. Assim, a política do Crato ficou sob o comando da facção política da cidade de Milagres. Seis meses depois de ter assumido o cargo de intendente do Crato, José Belém de Figueiredo foi convidado a abandoná-lo, pois como o coronel José Antônio de Figueiredo não via mais perigo para a república queria reassumir o seu posto.

Foi neste momento que ficou bem evidente a jogada política de José Belém, pois este não somente se recusou a deixar o poder sobre o município do Crato, como fundou sua própria facção política e passou a perseguir aqueles que lhe faziam oposição. O coronel José Antônio de Figueiredo tentou resistir, mas a atuação violenta de Jesuíno Antônio de Maria, da Guarda Local e o temor de uma guerra com os aliados de José Belém o fez aceitar a derrota e convencer os seus próprios aliados e aceitarem a nova liderança política de José Belém.

A força política de José Belém aumentou e se consolidou definitivamente nas eleições de 1896, quando seu grupo político deu vitória massiva ao oligarca Nogueira Acioly no Crato e no Cariri. José Belém seria então reconhecido como chefe político do Crato e do Crairi e receberia o título e a patente de coronel da Guarda Nacional. Sua força crescente também aumentou sua prepotência e autocracia. Seus jagunços e sua Guarda Local comandada por Jesuíno Antônio de Maria aterrorizavam os cratenses, mas seu poder estava firme, pois tinha a seu lado o oligarca cearense Nogueira Acioly.

Em 1900 o coronel José Belém já era praticamente invencível, sua oligarquia belenista tinha influência decisiva sobre todo os Cariri. A eleição de Pedro Borges um aciolista convicto para presidente do Ceará e de Nogueira Acioly para senador dera mais poder a José Belém, mas a oposição no Crato aumentava dia a dia, pois a força policial de José Belém não poupava os desafetos do coronel e até pessoas inocentes eram atacadas e violentadas por Jesuíno Antônio de Maria. As manifestações contra José Belém ganharam força no ano de 1893 e se intensificaram quando um jovem cratense de nome Sinoblino foi assassinado por membros da Guarda Civil no Sítio Buenos Aires e o cadáver humilhantemente exposto em cima de jumento pelas ruas do Crato.

Para demonstrar sua força, José Belém convidou todos os poderosos coronéis do Cariri para participarem de um banquete em homenagem ao seu amigo e conterrâneo coronel da guarda nacional Domingos Leite Furtado, chefe político de Milagres. Compareceram ao Crato para tomarem parte nas homenagens ao coronel Domingos Furtado os coronéis: Antônio de Santana (Missão Velha), Roque de Alencar (Santana do Cariri), Joaquim Alves da Rocha (Jardim), Antônio Mendes (Assaré), Marcolino Alves (Quixará) padre Lacerda (Saboeiro) e outras numerosas lideranças políticas locais. O banquete realizou-se em 06 de setembro de 1903 e foi pontuado por inúmeros discursos em louvor de Domingos Leite Furtado, de José Belém, de Nogueira Acioly e Pedro Borges. Ao final do banquete houve um espetáculo pirotécnico na Praça da Sé em Crato e no dia seguinte os jornais de Fortaleza e do Rio de Janeiro noticiaram o evento.

Mesmo diante dessa demonstração de força do coronel José Belém a oposição do Crato não se intimidou e as violências do alferes Jesuíno Antônio de Maria aumentaram para reprimir os adversários de José Belém. A revolta contra o poderoso político milagrense e que controlava o Crato era apenas uma questão de tempo. O estopim dessa revolta foi uma confusão do alferes Jesuíno com um grupo de jovens cratenses numa noite de novembro de 1903. Durante a noite de 07 de novembro de 1903 um grupo de 19 jovens da cidade do Crato passeavam pelas ruas da sede do município fazendo uma serenata ao som da viola, quando foram abordados pelos alferes Jesuíno e mais 15 comandados seus. Jesuíno Antônio de Maria os interrogou sobre aquela passeata política, os jovens reagiram informando que tratava-se apenas de uma serenata, mas o alferes não acreditou e deu ordens para dispersão do grupo, alguns fugiram, mas dois deles, Horácio Jácome, cunhado do coronel Nelson da Franca Alencar e Augusto da Silva Bacural decidiram enfrentar o alferes que foi ferido. A reação da Guarda Local foi imediata, os soldados atacaram aos jovens e Horácio Jácome foi ferido mortalmente enquanto Augusto Bacural conseguiu fugir e se esconder ferido numa casa próxima.

Nos meses que se seguiram a população do Crato se dividiu em dois grupos políticos distintos: os Maxixes, oposição ao coronel José Belém e os Malabares seus aliados. Para liderar a oposição foi escolhido o ex-belenista coronel Antônio Alves Pequeno que conseguiu o apoio do poderoso coronel Nelson da Franca Alencar e outros latifundiários cratenses. José Belém também contava com o apoio de forças importantes, mas a falta de pronunciamento do senador Nogueira Acioly a seu favor o punha sob suspeita. Enquanto o problema no Crato não se resolvia Nogueira Acioly mantinha um atitude supostamente neutra esperando ver qual dos grupos políticos sairia vencedor desta guerra entre coronéis para ele mandar o telegrama de congratulações ao vencedor da refrega, para ele não importava quem venceria se Maxixes ou Malabares, sabia que ambos os grupos estariam sempre a seu favor na política estadual.

Os dois grupos começaram a se armar e formar o seu exército, em junho de 1904 as lutas já eram intensas e os coronéis do partido Maxixe logo demonstraram maior capacidade de articulação, ocupando posições estratégicas na Chapada do Araripe contrataram bandos armados em Pernambuco e cercaram o Crato, o coronel Belém concentrou suas forças na Praça da Sé e expediu um pedido de ajuda para o coronel Domingos Leite Furtado, estava disposto a resistir contra a aliança das oligarquias cratenses que estavam combatendo seu poder sobre o município. As forças armadas dos Maxixes, isto é, jagunços e cangaceiros logo ocuparam as ruas do Crato e cercaram a casa de José Belém que já não possuía mais o apoio popular e somente alguns fiéis continuavam a seu favor. Sua única esperança era a chegada do coronel Domingos Leite Furtado, mas este tardava em seu socorro e não resistindo mais ao cerco de sua residência, José Belém rendeu-se e concordou em fazer a paz com os Maxixes, quando Domingos Furtado chegou ao Crato com seus homens, já o coronel José Belém havia se rendido e se preparava para deixar a cidade do Crato.

A vitória das armas dos jagunços e cangaceiros contra José Belém e a favor de Antônio Alves Pequeno na cidade do Crato deu ao coronel Domingos Leite Furtado a certeza de que Milagres poderia ser o próximo município a ser atacado pelos bacamartes dos seus inimigos, assim como ocorrera em Barbalha e Crato, Por esse motivo aliou-se ao major José Inácio de Sousa para formar um dos mais poderosos bandos de cangaceiros do Nordeste.

==== O CORONEL DOMINGOS LEITE FURTADO ====
[[Ficheiro:Coronel Domingos Leite Furtado.jpg|miniaturadaimagem|Coronel Domingos Leite Furtado, poderoso político do Cariri e autocrata de Milagres entre 1888 a 1918.|387x387px]]
Domingos Leite Furtado, natural do Sítio Coité localizado atualmente no município de Mauriti, foi sem dúvida um dos mais poderosos coronéis do Cariri e do Ceará, enquanto viveu e exerceu seu poder discricionário sobre Milagres não houve bando de cangaceiros ou qualquer outro coronel comandando exércitos de jagunços que ousassem atacar o município de Milagres e depô-lo da intendência como aconteceu em outros municípios da região do Cariri.

O coronel Domingos Leite Furtado como ficou mais conhecido entre seus pares e em todo o Cariri, nasceu no ano de 1842 e era filho de um dos mais prósperos latifundiários da Povoação de Nossa Senhora dos Milagres, o rico proprietário João Furtado Leite (Janjote), importante aliado do político cratense José Martiniano de Alencar que presidiu o Ceará na década de 1830 e que se fez senador do Império do Brasil e um dos articuladores do [[Golpe da Maioridade]] em 1839. Foi essa aliança política dos proprietários milagrenses com a poderosa família Alencar da cidade do Crato que favoreceu a emancipação de Milagres em 1846.

João Furtado Leite era casado com Francisca das Chagas do Nascimento e ligado por laços de parentesco aos poderosos proprietários rurais do Podimirim e da Várzea das Emas, os Morais, família rica que vivia em Milagres desde meados do século XVIII. O sr. Janjote criou o filho para ser seu herdeiro e assumir posição de destaque na região do Riacho dos Porcos, pois sabia ele que com a emancipação de Milagres que até 1846 estava juridicamente subordinada a Vila de Jardim logo o novo município do Cariri chamaria a atenção das elites políticas locais e do Ceará, pois possuía uma próspera lavoura de cana-de-açúcar e seus rebanhos eram dos melhores da Província do Ceará.

O fazendeiro João Furtado Leite estava certo, pois já em 1860, Milagres despontava como uma das cidades mais prósperas do Ceará. Domingos Leite Furtado foi enviado pelo pai para estudar no Crato aonde aprendeu a ler e escrever, mas a partir de 1856 frequentou o colégio do padre Inácio de Sousa Rolim na cidade de Cajazeiras, Província da Paraíba. Desse modo foi educado em dos mais prestigiados colégios do interior nordestino daquela época. Em 1862 a epidemia de cólera se alastrou pelas cidades do sertão nordestino e não foi diferente nem na Paraíba nem tampouco no Ceará. Domingos Leite Furtado com 20 anos voltou a Milagres para ajudar ao pai na administração das propriedades da família. Passou a residir na Fazenda Tabocas. Em 1867 participou com outros fazendeiros locais do ataque a aldeia indígena da Serra da Cachorra Morta e assim foi granjeando os favores das lideranças políticas de Milagres.

Já como eleitor vinculado ao Partido Conservador cuja liderança em Milagres estava nas mãos do delegado Jesus da Conceição Cunha foi nomeado subdelegado da vila em 1875. Domingos Leite Furtado nesse tempo foi acusado de proteger escravos fugitivos em suas propriedades, defendeu-se perante a Câmara Municipal de Milagres demonstrando que nenhum dos negros que viviam sob sua guarda eram fugitivos e que as acusações que lhe eram dirigidas vinham do fato de haver favorecido ao direito de um preto chamado Mingu, Voluntário da Fortuna e que após sete anos de ausência a mando do delegado Jesus da Conceição Cunha retornara livre da Guerra do Paraguai e se abrigara com sua mãe em uma casa construída por ele mesmo nas proximidades de sua Fazenda Nazaré.

Ao assumir a herança deixada por seu pai João Furtado Leite, Domingos Furtado decidiu que aumentaria significativamente sua fortuna e da própria família. Assim foi que em 1869 casou-se com a prima Praxedes Maria Furtado de Lacerda, nascida em 1848 e filha de Pedro Furtado de Lacerda, (seu tio Pepedro) e Maria Cavalcante de Lacerda. Como herdeiro de uma das maiores fortunas de Milagres e procurando ascender a categoria de um dos mandatários políticos da vila, Domingos Furtado decidiu vir residir em posição estratégica de onde pudesse controlar tanto as suas propriedades, como se manter próximo aos acontecimentos políticos mais importantes que vinham se sucedendo no Ceará.

Assim foi que em 1871 começou a investir suas energias para comprar a Fazenda Nazaré pertencente a um parente seu, o proprietário João Leite de Morais. No entanto João Leite de Morais aconselhado por sua filha Argina Juscelina Leite de Morais que era viúva e auxiliava o pai na administração da propriedade recusou-se a vender a fazenda. Domingos Furtado Leite não se abateu e passou a fazer duro assédio ao fazendeiro João Leite de Morais e ajudado pelo delegado Jesus da Conceição Cunha conseguiu obrigá-lo a vender por baixíssimo preço a dita fazenda em 1872. Desse modo o proprietário João Leite de Morais e sua família foi expulsa da Fazenda Nazaré e passaram a residir no Sítio Quixabinha, atualmente município de Mauriti.

De posse da Fazenda Nazaré, Domingos Furtado passou a atuar ao lado das forças políticas que comandavam Milagres. Ao mesmo tempo procurava manter contato com os bandos armados de jagunços que viviam na região, pois em 1876 era um dos protetores dos Viriatos, criminosos perseguidos pela justiça da Província de Pernambuco e que haviam se refugiado no Ceará, mais especificamente no Cariri Oriental. Aos poucos Domingos Furtado Leite vai galgando importantes posições no grupo dos mandatários locais. Em 1877 com a morte do poderoso líder político Tomaz Pompeu de Sousa Brasil, senador pelo Partido Liberal e a força que mantinha a unidade política do grupo houve uma ruptura que vai permitir ascensão de novas lideranças entre essas figuras está a de Antônio Pinto Nogueira Acioly (genro do senador Pompeu) que passará a comandar a dissidência dos Liberais-Pompeu enquanto Vicente de Paula Pessoa passou a comandar os Liberais-Paula.

As cisões não ficaram restritas ao Partido Liberal no Ceará, elas também ocorreram no Partido Conservador. Essas rupturas obrigaram as elites dos municípios cearenses também procederem a um rearranjo na política local e assim também aconteceu em Milagres. No princípio de 1880, após quase vinte e cinco anos como delegado e mandatário de Milagres, Jesus da Conceição Cunha, viu seu grupo político ligado ao Partido Conservador se fragmentar e a força política de seu inimigo Joaquim do Couto Cartaxo líder do Partido Liberal em Milagres crescer. Em 1882 o acirramento dos embates abolicionistas no Ceará e em Milagres aumentaria ainda mais as disputas políticas locais. Os conservadores apoiariam a criação da Associação Abolicionista Protetora da Liberdade em Milagres enquanto os liberais passariam a combater a emancipação dos escravizados.

As eleições de maio de 1884, ocorridas dois meses após as emancipações coletivas de 25 de março desse ano foram favoráveis ao juiz Joaquim do Couto Cartaxo e seu grupo político ligado ao deputado cratense Leandro Ratisbona e ao político Nogueira Acioly. Joaquim do Couto Cartaxo ganhara a eleição prometendo aos donos de escravizados que não eram obrigados a emancipar seus escravos. Logo foi apelidado na imprensa cearense de juiz negreiro e em toda a Província do Ceará começou-se a fazer uma intensa campanha contra ele. Por esse tempo já estava claro para Domingos Leite Furtado que precisava aliar-se as forças políticas que estavam triunfando em todo o Ceará. Rompeu com os "Caranguejos" (grupo conservador) e se aliou aos Liberais-Pompeu, essa aliança foi logo recompensada, pois em 1886 foi nomeado delegado do Termo de Milagres.

Uma vez escolhido para ser delegado do município de Milagres, Domingos Leite Furtado obteve a patente de capitão e passou a manobrar com as questões políticas locais, naquele ano de 1886 a principal polêmica que mobilizava a imprensa e as lideranças da política cearense era a permanência da escravidão em Milagres sustentada pelo juiz Joaquim do Couto Cartaxo. Mas no segundo semestre de 1886 o governo provincial havia dado um ultimato ao juiz, solicitando que este providenciasse o cumprimento da lei de 19 de outubro de 1883 ou instruísse os proprietários de escravos de Milagres a emanciparem seus escravizados. Sabendo que não poderia opor-se ao mesmo tempo a opinião pública e as autoridades provinciais, Joaquim do Couto Cartaxo enviou relatório ao presidente da Província do Ceará informando já não haver escravizados em Milagres no ano de 1887.

O problema é que nem todos os escravocratas estavam dispostos a cumprirem as ordens do juiz e desses escravocratas renitentes foi o capitão Antônio Leite Rabelo da Cunha, fazendeiro abastado de Milagres e proprietário da Fazenda Rosário localizada no Podimirim. Antônio Leite Rabelo da Cunha era poderoso, pois possuía inúmeras propriedades tanto no Cariri, como no Vale do Riacho dos Porcos e outras províncias do Nordeste. Escravocrata, recusava-se a emancipar seus escravizados e ao se sabe tratava barbaramente seus trabalhadores negros escravizados. Informações da época afirmam que Antônio Leite Rabelo da Cunha tinha por hábito separar as famílias de pessoas escravizadas, separava filhos de suas mães, esposos e irmãos, vendendo-os separadamente, era também um dos maiores fornecedores de trabalhadores escravizados para o tráfico interprovincial de seres humanos.

A Protetora da Liberdade (associação abolicionista de Milagres) moveu intensa campanha contra este fazendeiro, facilitando a fuga de escravizados de sua fazenda, escondendo os fugitivos, levando-o ao tribunal. Contra si, o capitão Antônio Leite Rabelo da Cunha tinha também o pároco de Milagres o padre Manoel Rodrigues de Lima que proferia discursos inflamados no púlpito da igreja matriz contra o fazendeiro escravocrata. Obrigado a cumprir as determinações do governo provincial, Joaquim do Couto Cartaxo se viu também obrigado a romper com o capitão Antônio Leite Rabelo da Cunha e solicitar ao delegado capitão Domingos Leite Furado que desse uma batida na fazenda do capitão Antônio Rabelo.

A situação política ficou tensa em Milagres ao longo do ano de 1887. Antônio Leite Rabelo da Cunha escreveu ao jornal A Constituição denunciando os desmandos do juiz e do delegado, informava ele que estava sendo perseguido por ambos e também pelo pároco. O capitão Domingos Leite Furtado preparou uma tropa para fazer buscas na Fazenda Rosário, o objetivo era descobrir se as denúncias de que o capitão Antônio Rabelo mantinha negros escravizados era verdadeira. Mas a ação policial não pode ser levada a cabo, pois em mais de 1888 a Lei Áurea acabou com a escravidão. No entanto as intrigas políticas entre os dois fazendeiros poderosos continuaram e em agosto de 1888, o delegado de Milagres, capitão Domingos Leite Furtado foi emboscado e baleado por um jagunço durante uma viagem que fazia de Jamacaru, (Missão Velha) de volta a Milagres.

Domingos Leite Furtado não teve nenhuma dúvida de quem fora o mandante do crime e logo contratou outro jagunço para vingar-se de Antônio Leite Rabelo da Cunha, que por sinal era seu primo. O crime contra o capitão Antônio Rabelo deveria ser perpetrado num dia de feira em Milagres, mas inexplicavelmente o jagunço de Domingos Leite Furtado em vez de alvejar o capitão Antônio Leite atentou mais uma vez contra a vida de Domingos Furtado. Em depoimento o "cabra" afirmou que cometera um engano terrível, pois atirara contra seu contratante m virtude de ser este muito semelhante ao capitão Antônio Leite Rabelo da Cunha.

A troca de acusações entre os dois fazendeiros na imprensa da capital da Província do Ceará continuou ao longo do ano de 1888. Em abril, Domingos Leite Furtado acusou o primo de caluniá-lo e de estar espalhando mentiras a seu respeito. João Leite Rabelo da Cunha dirigiu carta aberta aos jornais denunciando o autoritarismo e violência do delegado de Milagres. Em 1887 a Protetora da Liberdade se transformou em Partido Republicano de Milagres e os cidadãos mais importantes do município logo a ele se associariam, inclusive o próprio Domingos Leite Furtado. O capitão Antônio Leite Rabelo da Cunha foi para a oposição e permaneceu fiel a monarquia. Temia-se que em 1889 a cidade de Milagres se visse mergulhada na violência provocada pelo inevitável choque entre os grupos armados do delegado capitão Domingos Leite Furtado e do fazendeiro capitão Antônio Leite Rabelo da Cunha.

Temeroso de que os dois primos incendiassem toda a região com sua guerra pessoal o coronel Manoel Inácio Bezerra se propôs a pacificar os contendores. Desse modo serviu de negociador entre as duas partes e finalmente conseguiu os termos de paz de ambas as partes. Convenceu Domingos Leite Furtado a abandonar as acusações contra Antônio Rabelo e deste conseguiu que abandonaria Milagres indo fixar-se no Distrito de Brejo dos Santos. Com o fim da oposição do capitão Antônio Leite Rabelo da Cunha e a proclamação da república em 1889, Domingos Leite Furtado emergiu já na última década do século XIX como a grande liderança política de Milagres.

Em 1882 o capitão Domingos Leite Furtado foi nomeado para ser o intendente de Milagres, cargo que manteria praticamente até a sua morte. A ascensão de seu grande amigo e aliado José Belém de Figueiredo como intendente do Crato em 1892, Domingos Leite Furtado formaria com este uma poderosa facção política no Cariri. A vitória esmagadora de Nogueira Acioly para presidente do Ceará em 1896 com os apoios incontestáveis dos coronéis do Carri sob a liderança de José Belém de Figueiredo, deu ainda mais poder a Domingos Leite Furtado, pois sua força política no Cariri Oriental havia sido demonstrada com a votação esmagadora dada a Nogueira Acioly na região. Assim, o capitão Domingos Leite Furtado vai comprar a patente de coronel da Guarda Nacional e aos sessenta anos de idade, no princípio do século XX é o chefe político incontestável de Milagres e um dos coronéis mais poderosos do Ceará e do Nordeste.

O banquete realizado no dia 03 de setembro de 1903 em sua homenagem na casa do coronel José Belém de Figueiredo na cidade do Crato, não foi somente uma festa para que José Belém angariasse as graças e favores de seu amigo, mas foi seguramente um evento de demonstração do poder e da riqueza do coronel Domingos Leite Furtado, sem nenhuma dúvida um dos mais poderosos coronéis de sua época.A queda de José Belém como intendente do Crato poderia tê-lo enfraquecido, mas Domingos Leite Furtado soube manter sua aliança com Nogueira Acioly e para evitar que outros coronéis seus inimigos invadissem Milagres para depô-lo fortaleceu sua aliança com o major José Inácio de Sousa, (Zé Inácio do Barro), seu braço direito desde 1892.

O coronel Domingos Leite Furtado autorizou ao seu amigo Zé Inácio do Barro a contratar jagunços para proteger suas propriedades e ficarem a postos para atenderem ao seu chamado caso precisasse defender-se de algum inimigo. Logo o bando de jagunços e cangaceiros comandados por Zé Inácio e a serviço de Domingos Leite Furtado se tornou um dos mais temidos da região do Cariri. Quando algum outro coronel das cidades vizinhas queriam apear um inimigo do poder vinha pedir ao coronel Domingos Leite Furtado apoio e cabras para mover sua guerra particular. O exército de jagunços e cangaceiros do coronel Domingos Leite Furtado se tornou temido e logo Zé Inácio do Barro passou a utilizá-lo em proveito próprio. Ao longo da década 1900 vários foram os coronéis do Cariri depostos pela força dos jagunços e cangaceiros armados de bacamarte. Deposições ocorreram em Missão Velha, Aurora, Santana do Cariri, Jardim, Quixará. Em outros municípios para evitar a deposição pela força o próprio coronel se rendia e entregava de bom grado o poder, como ocorreu com o coronel Basílio em Brejo Santo.

A guerra entre os coronéis chegou a um ponto tão extremo de violência que em 1911, o padre Cícero Romão Batista decidiu convocá-los para uma assembleia em Juazeiro do Norte e negociar com eles a paz. A reunião dos potentados do Cariri ocorrida em outubro de 1911, ficou conhecida como Pacto dos Coronéis e o representante do coronel Domingos Leite Furtado de 69 anos nessa reunião foi o major Zé Inácio do Barro. O Pacto dos Coronéis definia como pontos principais do acordo que estes homens poderosos deixariam de fazer guerras entre si pelo poder, que adotariam o padre Cícero como seu conselheiro e embaixador, que jurariam fidelidade ao governador Nogueira Acioly. Assim foi feito, e Zé Inácio do Barro assinou a ata em nome do seu chefe coronel Domingos Leite Furtado.

Na década de 1910 o bando organizado por Zé Inácio e posto a serviço do coronel Domingos Leite Furtado ganharia reforços poderosos com a chegada a Milagres dos perigosos cangaceiros Sinhô Pereira e seu bando, Luís Padre, primo de Sinhô Pereira. Esses dois homens eram figuras perigosas e já traziam sobre si vários crimes. Domingos Leite Furtado os acolheu e os mandou para a guarda de Zé Inácio, sabia ele que protegendo aqueles homens das perseguições da polícia pernambucana e paraibana teria sob seu mando indivíduos corajosos e que combateriam em seu nome. Para fortalecer ainda mais o bando de Zé Inácio veio fugido de Pernambuco o assassino Virgulino Ferreira e seu irmão, que haviam cometido um crime de vingança naquele estado.

O bando de cangaceiros de Zé Inácio se tornara um dos maiores do sertão e amedrontava até os poderosos. A partir de então esse bando comandado por Zé Inácio e muitas vez por seu filho Tuburtino Inácio, o Gavião atacava as cidades das redondezas, Ceará, Paraíba e Pernambuco para depor coronéis ou simplesmente para saqueá-las. A polícia nada podia fazer, pois o bando tinha o apoio do coronel Domingos Furtado que tinha o apoio do governo estadual.

Em 1912 uma revolta em Fortaleza depôs Nogueira Acioly do cargo de presidente do Ceará, as eleições realizadas em março deste mesmo ano deram a vitória ao coronel do exército Franco Rabelo. A derrota de Nogueira Acioly significava a necessidade de reorganizar as forças políticas no Cariri, em Milagres ainda houve uma tentativa de se criar uma aliança para apoiar Franco Rabelo e alguns proprietários mais afoitos viram na vitória do candidato da oposição uma possibilidade de retirar Domingos Leite Furtado do poder. O coronel Domingos Leite Furtado decidiu não reagir imediatamente esperando ver para qual lado a balança do coronelismo iria finalmente pender.

Em 1913, a família Chicote de Brejo Santo aliada de Franco Rabelo solicitou ao governador a destituição de Domingos Leite Furtado da intendência, pretendiam eles vingar-se dos fatos ocorridos no passado contra o capitão Antônio Rabelo e também tirar desforra dos ataques infligidos a Brejo Santo pelo cangaceiro Tiburtino inácio filho do braço direito do coronel Domingos Leite Furtado. Apesar das pressões políticas Franco Rabelo não cedeu, pois enfrentava maiores problemas com a oposição aciolina que planejava apeá-lo do poder estadual. O segundo semestre de 1913 foi particularmente agitado no Ceará. Floro Bartolomeu da Costa braço direito do padre Cícero aliado de peso de Nogueira Acioly movia duríssima campanha contra Franco Rabelo. Em dezembro de 1913 a revolta estourou em Juazeiro do Norte, milhares de jagunços, cangaceiros, romeiros comandados por Floro Bartolomeu, Antônio Alves Pequeno e outros coronéis do Cariri se sublevaram contra o governador Franco Rabelo.

Franco Rabelo enviou tropas da Força Pública (polícia) para debelar a revolta, mas não conseguiu obter a vitória, logo os revoltosos de Juazeiro venceram os soldados do governo, invadiram e saquearam o Crato, depois Barbalha. Em Milagres, proprietários locais decidiram enviar homens para apoiar a luta em favor de Franco Rabelo, mas ao chegar em Missão Velha trocaram tiros com alguns soldados do governo que não os viram como auxiliares, mas como inimigos, alguns foram feridos e o bando de onze homens ao saber que os jagunços do padre Cícero já estavam em Iguatu voltaram a Milagres. O coronel Domingos Leite Furtado esperou pacientemente para saber para qual dos lados penderia a balança da política do coronelismo. Em fevereiro de 1914 teve a certeza de que os vencedores seriam o padre Cícero e Floro Bartolomeu, telegrafou imediatamente aos dois e em 15 de março telegrafou ao interventor estadual Setembrino de Carvalho, felicitando-o por ter saído vitorioso contra as forças que oprimiam o Ceará.

A vitória dos sediciosos de Juazeiro fez com que o poder político do padre Cícero e de Floro Bartolomeu chegasse ao seu auge. Em Milagres a força política parecia está cada vez mais pendendo para o lado do temido major Zé Inácio do Barro, pois o coronel Domingos Leite Furtado com 73 anos parecia igualmente temer Zé Inácio e seu bando. Era evidente que o sucessor de Domingos Leite Furtado no comando da política de Milagres seria o major José Inácio da Silva, pois o coronel Domingos e sua esposa Praxedes Maria não haviam tido filhos, seu sobrinho e filho adotivo Pedro Furtado de Lacerda (Pedro Velhinho), poderia ser o herdeiro político do tio ou pai adotivo, mas não possuía os mesmos talentos políticos de Domingos Furtado.

Zé Inácio do Barro era temido não somente em Milagres pelos trabalhadores pobres, mas também pelos proprietários locais e de outras cidades, assim em 1916 sugeriram ao coronel Domingos Leite Furtado que em virtude de sua velhice aceitasse nomear o comerciante Raimundo Alves Pereira como intendente de Milagres. Raimundo Alves Pereira era um cidadão cordato, próspero comerciante local, fazendeiro, tinha fama de bom administrador e era amigo e aparentado da família Leite Furtado. O coronel Domingos aceitou o acordo estratégico para impedir a ascensão de Zé Inácio ao controle da política local. A partir de 1916 começaram as articulações políticas para a sucessão segura do coronel Domingos Leite Furtado no controle político de Milagres e para o bloqueio das ambições de Zé Inácio do Barro.

Em 1918, ano da pandemia de gripe espanhola no mundo o coronel Domingos Leite Furtado foi uma das vítimas da gripe, faleceu aos 76 anos de gripe pulmonar no dia 27 de outubro de 1918 durante a madrugada. Foi sepultado dentro da capela de Nossa Senhora dos Remédios na sede de sua Fazenda do Nazaré. Mas a partir daí se iniciará um lustro conturbado na história de Milagres, as disputas pela herança política e pela fortuna do coronel Domingos Leite Furtado durarão até 1923 e terá como principal protagonista de uma verdadeira guerra civil no Cariri Oriental o major Zé Inácio do Barro.

==== MAJOR ZÉ INÁCIO DO BARRO ====
[[Ficheiro:Coronel Zé Inácio do Barro.jpg|esquerda|miniaturadaimagem|Major Zé Inácio do Barro, um dos personagens mais complexos da história de Milagres e uma das figuras mais importantes do coronelismo no Nordeste. (Foto blog: Munganga Promoções).]]
A morte do velho coronel Domingos Leite Furtado sem deixar um herdeiro direto para assumir seu capital político principalmente no Cariri Oriental, desencadeou uma série de lutas pelo poder na região do Riacho dos Porcos. Nessa fase da história do município de Milagres se destacará a figura do temido major José Inácio de Sousa, o braço direito do coronel Domingos Leite Furtado e sem dúvida um dos seus maiores aliados e amigos.

A aliança entre Zé Inácio do Barro e o coronel Domingos Furtado foi costurada ao longo da década de 1890 e nos anos de 1900 a 1918 os dois se tornaram indissociáveis. A ascensão do coronel José Belém de Figueiredo ao poder supremo na política do Cariri foi em grande medida sustentada pelo coronel Domingos Leite Furtado e sua eminência parda, o major Zé Inácio do Barro. A milícia de jagunços e cangaceiros comandada por José Inácio da Sousa e posta a serviço do coronel Domingos Leite Furtado foi uma das mais poderosas e temidas do Cariri, pois compunha de mais de seiscentos homens armados sob o comando de dois coronéis que tinham alianças políticas importantes tanto no Ceará quanto na capital da república.

Zé Inácio do Barro nasceu no Sítio Prazeres, Distrito de Cuncas, no começo da segunda metade do século XIX. Seu avô, Chico Broca já havia atuado como cangaceiro nos sertões de Piranhas (PB) e Pajeú (PE), como também no Ceará no começo do século XIX.Seu pai Lino José Antônio era um fazendeiro da região, produtor principalmente de gado e milho. Zé Inácio nunca demonstrou como o pai atração para o trabalho e o cuidado da lavoura, preferindo atuar como administrador das propriedades do pai e negociante nas feiras locais. Casado com Maria Amélia Medeiros de Sousa, filha de um rico fazendeiros paraibano. Logo Zé Inácio entraria em choque com o sogro o coronel Olímpio, pois roubou uma carga inteira de tabaco de propriedade deste e foi negociá-la na feira do São Félix nas proximidades do Coité. Descoberto o roubo pelos próprios parentes, Zé Inácio procurou o chefe político de Milagres para pedir-lhe proteção, o coronel Domingos Leite Furtado deu-lhe a proteção solicitada e o abrigou na sua propriedade do Sítio Barro nas margens do Riacho das Antas.

Sob a proteção de Domingos Leite Furtado e de posse do Sítio Barro que comprou ao líder milagrense, Zé Inácio vai se tornar logo o homem de maior confiança do coronel Domingos. No período de 1892 a 1904, o coronel Domingos Leite Furtado e seu amigo e aliado José Belém de Figueiredo consolidaram a liderança política de Milagres na região do Cariri e impuseram seu mando sobre uma das cidades mais rica e importantes do Ceará naquele momento, a cidade do Crato. José Inácio de Sousa ao lado do coronel Domingos Furtado também foi beneficiado com o fortalecimento do poder político de Domingos Leite Furtado na região.

A década de 1900 a 1910 foi uma época de inúmeras deposições de coronéis por meio das armas pelos seus inimigos, o bacamarte reinou soberano no Cariri e nenhum coronel estava suficientemente seguro no poder caso não possuísse um exército de jagunços e cangaceiros a seu favor ou um outro coronel como aliado poderoso e que possuísse tal exército. Depois da deposição do coronel José Belém de Figueiredo em 1904 pelo seu inimigo Antônio Alves Pequeno, o coronel Domingos Leite Furtado sabia que Milagres poderia ser atacada a qualquer momento pelos cangaceiros a serviço dos poderosos políticos do Crato que haviam deposto José Belém. Desse modo deu ordens para José Inácio de Sousa formar um exército de homens igualmente ferozes que o protegesse quando a cidade de Milagres fosse atacada.

Aos poucos Zé Inácio do Barro já com a patente de major passaria a organizar seu bando de cangaceiros e o poria a serviço do amigo de Milagres. Zé Inácio oferecia a quantos desejassem a proteção do coronel Domingos Leite Furtado, aliado do presidente Nogueira Acioly e forte liderança política do Cariri com amigos poderosos na capital da república entre senadores, deputados e ministros. Criminosos da Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte passara a vir se refugiar em Milagres, mais especificamente nas propriedades de Zé Inácio e Domingos Leite Furtado e rapidamente o exército de cangaceiros já se compunha de centenas de homens.

Em 1908 o médico baiano Floro Bartolomeu da Costa chegou ao Cariri para negociar com o padre Cícero a exploração do cobre das minas do Coxá. As terras do Coxá pertenciam por doação ao padre Cícero Romão Batista, mas estavam em disputa judicial com o coronel Antônio Leite Teixeira, aliado do coronel Antônio Luís Alves Pequeno que temia a posse das minas do Coxá pelo padre Cícero, pois iria fortalecer politicamente Juazeiro justificando assim sua emancipação com relação ao Crato. Todos os documentos para os trâmites legais sobre o verdadeiro dono e quem tinha o direito de explorar o ouro e o cobre do Coxá estavam no fórum de Milagres, pois a maior parte das terras do Coxá pertenciam a este município e a outra parte em Aurora.

Para melhor defender seus interesses e representar também os do padre Cícero, seu amigo, Floro Bartolomeu decidiu instalar-se e residir em Milagres, mas enquanto voltava de uma viagem a Juazeiro foi tocaiado e baleado já nas proximidades do Rosário. Temendo por sua vida, Floro Bartolomeu da Costa pede proteção ao coronel Domingos Leite Furtado que o põe logo sob a guarda do major Zé Inácio do Barro, iniciando assim a sólida amizade entre o grupo político do padre Cícero e o grupo político de Milagres.

As disputas em torno da posse das minas de cobre do Coxá se intensificarão a medida que o momento da demarcação das terras se aproxima, decidido a impedir que seus inimigos conquistem mais espaço do que já possuíam na política cearense caso viessem a assumir o controle sobre as riquezas do Coxá, Antônio Luís Alves Pequeno potentado cratense negocia com o coronel Antônio Leite Teixeira o intendente de Aurora a resistência ao ousado médico Floro Bartolomeu da Costa que mal chegara ao Cariri e já conseguira aliança com os mais poderosos chefes da região. Como era primo do presidente do Ceará, Antônio Pinto Nogueira Acioly, o coronel Antônio Luis Alves Pequeno telegrafa a este solicitando garantias para o intendente de Aurora. O governo atende aos pedidos do coronel cratense e também do coronel e de outras autoridades de Aurora, envia para o Cariri um destacamento policial de sessenta homens sob o comando do tenente Florêncio. O objetivo era usar essa força policial para fazer uma batida no Sítio Taveira aonde escondiam-se os principais inimigos do coronel Totonho, o intendente de Aurora.

Temendo por sua vida, Dona Marica Macedo matriarca da poderosa família Macedo de Aurora e parente do coronel Domingos Leite Furtado deixou Aurora em direção a Missão Velha para obter a proteção de seu outro parente o coronel Antônio Joaquim de Santana. Antes de chegar a Missão Velha, Marica Macedo parou para pernoitar no Sítio Taveira que foi atacado pelos homens da Força Pública comandada pelo tenente Florêncio. O ataque da polícia foi revidado e os soldados foram postos em fuga, mas durante o ataque um dos filhos de Marica Macedo foi morto e esta imediatamente foi em busca do coronel Domingos Leite Furtado para garantir a vingança pela morte de seu filho. A morte do adolescente José Antônio Macedo (14 anos), filho de Marica Macedo foi o estopim para a guerra civil entre os coronéis que disputavam a posse do Coxá.

O coronel Domingos Leite Furtado telegrafou ao presidente Nogueira Acioly solicitando deste a retirada da força policial da cidade de Aurora, imediatamente foi atendido e o tenente Florêncio levou seus soldados de volta a Iguatu. Tão logo a tropa policial partiu de Aurora, Domingos Leite Furtado deu ordens ao major Zé Inácio para juntar seus homens e marchar para a sede do município de Aurora. Assim foi feito. No dia 23 de dezembro de 1908, Zé Inácio do Barro comandando cerca de 600 homens e sob a proteção de Domingos Leite Furtado e garantido por uma aliança de vários outros coronéis do Cariri atacou a cidade de Aurora e depôs o intendente coronel Antônio Leite Teixeira que foi levado prisioneiro para Lavras da Mangabeira.

A vitória do exército comandado por Zé Inácio do Barro em Aurora foi uma incrível demonstração de força do coronel Domingos Leite Furtado e de seu braço direito, o major. Em 1911 a confiança de Domingos Furtado em Zé Inácio era tamanha que ele foi o enviado para selar em nome do chefe de Milagres o Pacto dos Coronéis. A ligação de Zé Inácio do Barro com Floro Bartolomeu da Costa, padre Cícero Romão Batista e coronel Domingos Leite Furtado se aprofundou ainda mais com a crise do aciolismo a partir de 1912. Procurando apoios em todo o Ceará e principalmente nos poderosos coronéis do Cariri para se opor ao presidente Franco Rabelo e finalmente apeá-lo do governo do estado, Floro Bartolomeu da Costa negociou e conseguiu unir em torno da figura política e carismática do padre Cícero até mesmo coronéis inimigos entre si. Quando a Revolta de Juazeiro estourou em dezembro de 1913, o caudilho juazeirense conseguiu prontamente a ajuda de todos aqueles que se havia postos ao lado de Nogueira Acioly e do padre Cícero em 1911 durante a reunião de coronéis em Juazeiro do Norte.

Quando em fevereiro de 1914 ficou evidente tanto para o coronel Domingos Leite Furtado, quanto para os outros coronéis do Cariri que a força política de Floro Bartolomeu e do padre Cícero era a maior do Ceará, trataram de fortalecer os laços com a oligarquia de Juazeiro do Norte e o Ceará passou a ser cada vez mais procurado pelos cangaceiros e jagunços que eram perseguidos pela polícia nas províncias vizinhas. A banda oriental da Chapada do Araripe onde está localizada a cidade de Milagres tornou-se rapidamente o maior valhacouto de bandidos e assassinos do Cariri e do Ceará. Sob a proteção do coronel Domingos Leite Furtado e sob o comando de Zé Inácio do Barro ficarão os homens mais perigosos do sertão: Sinhô Pereira, Luís Padre, João Dedé, José Dedé, Raimundo Morais, Antônio Carneiro e outros muitos elementos não menos periculosos.

Com a morte de Domingos Leite Furtado em 1918, o major Zé Inácio do Barro estava pronto para se tornar o maior coronel de barranco do Cariri e um dos maiores do Nordeste. Acreditando que o amigo e aliado o deixaria como herdeiro político em Milagres, pois o servira fielmente por quase trinta anos, mas logo ficou evidente para Zé Inácio do Barro que nem a elite latifundiária de Milagres, nem tampouco a viúva Praxedes Maria Furtado de Lacerda estavam dispostos a conceder-lhe o poder no município. Logo Zé Inácio do Barro compreendeu que dona Praxedes Furtado de Lacerda entregava o controle das propriedades do coronel Domingos Leite Furtado ao sobrinho e filho adotivo, Pedro Furtado de Lacerda enquanto o comando da política de Milagres passava para as mãos do comerciante Raimundo Alves Pereira, alguém em quem elites locais confiavam e tinha boa fama de homem cordato e negociador.

O major Zé Inácio do Barro passou a alegar publicamente que o coronel Domingos Leite Furtado havia falecido devendo-lhe grande soma em dinheiro pelos serviços que lhe prestara durante mais de vinte anos, afirmava também que a viúva Praxedes Maria Furtado de Lacerda estava usando esse dinheiro que lhe era devido para fazer política contra ele. Três meses depois da morte do coronel Domingos Leite Furtado, o major Zé Inácio do Barro reuniu um grupo de homens e sob o comando do seu filho Tiburtino Inácio mandou cobrar seus supostos honorários atrasados a dona Praxedes Furtado de Lacerda na sede da Fazenda Nazaré nas proximidades de Milagres.

O bando sob o comando de Tiburtino Inácio chegou ao Nazaré no dia de São Sebastião em janeiro de 1919 quando o padre José Furtado de Lacerda parente em primeiro grau de dona Praxedes celebrava a missa em homenagem aquele santo na capela de Nossa Senhora dos Remédios onde jaziam os restos mortais do coronel Domingos Furtado. a viúva do coronel Domingos foi avisada pelo próprio Zé Inácio a não permanecer no Nazaré, mas decidida como era, ali permaneceu e entre testemunhou quando Tiburtino Inácio e seus comandados invadiram sua casa e cumpriram as ordens de Zé Inácio do Barro de saquear o que houvesse de valor na casa do falecido coronel Domingos Leite Furtado, principalmente dinheiro. O bando provido do saque voltou a Fazenda Barro e entregou tudo para Zé Inácio, mas este ainda não estava satisfeito e a partir desse episódio Zé Inácio comandando um poderoso bando de cangaceiros, bando esse que em 1921 receberia o reforço de Virgulino Ferreira, o lampião e seus irmãos, passou a espalhar a violência e o medo pelo Cariri oriental e os estados vizinhos da Paraíba e Pernambuco.

O começo da década de 1920 foi particularmente violento em Milagres, por várias vezes a cidade esteve a ponto de ser invadida pelos cangaceiros de Zé Inácio do Barro e os assaltos nas fazendas e casas de comércio do município eram constantes. A imprensa de todo o estado do Ceará denunciava as ações violentas de Zé Inácio e cobrava providências enérgicas do governador do estado e da polícia cearense. Com a eleição de Floro Bartolomeu para o cargo de deputado federal a vida dos cangaceiros no Cariri ficaria cada vez mais difícil, pois procurando limpar sua imagem na capital da república o próprio Floro Bartolomeu rompeu antigas alianças com os cangaceiros e passou a estimular a perseguição a estes. Zé Inácio respondeu a retirada de apoio tanto em Milagres, quanto de Floro Bartolomeu e do governo do estado do Ceará com o aumento de suas incursões violentas tanto nas cidades do Cariri Oriental como na Paraíba.

Mas o recrudescimento de suas ações violentas no sertão não o levou a nenhuma vitória decisiva e o poder político em Milagres manobrado por Praxedes Furtado de Lacerda passou definitivamente para as mãos do coronel Raimundo Alves Pereira. O major Zé Inácio ainda tentou uma reação violenta contra a família Lacerda em 1922, ao atacar o padre José Furtado de Lacerda no Coité, mas foi rechaçado e seu bando de cangaceiros posto em fuga. No ano seguinte, 1923, seria morto na Bahia, alcançando assim um fim trágico aquele que fora por duas décadas um dos homens mais temidos e poderosos de Milagres e uma das figuras mais singulares da história do Nordeste.

=== A GUERRA CONTRA O PADRE LACERDA DO SÍTIO COITÉ (1922) ===
Por ter sido ao longo da década de 1900 e 1910 o braço armado da família Furtado no Cariri, o major Zé Inácio acreditava que essa família lhe devia favores, dinheiro, reconhecimento e gratidão. Enquanto o coronel Domingos Leite Furtado viveu, o major Zé Inácio gozou de proteção e prestígio, a amizade entre os dois foi muito importante para garantir ao potentado de Milagres o poder no município desde sua ascensão em 1892 até sua morte em 1918.

No entanto a viúva do coronel Domingos Leite Furtado, a senhora Praxedes Furtado de Lacerda não tinha a mesma confiança que o esposo depusera em José Inácio de Sousa. A morte do coronel Domingos Furtado em 1918 deixou dona Praxedes na liderança dos negócios da família, pois não tivera filhos que herdassem o papel político do esposo e fizesse frente ao major Zé Inácio que se compreendia o herdeiro natural de Domingos Leite Furtado.

Praxedes Maria Furtado de Lacerda nascera em 1848 e tinha setenta anos quando enviuvou, casada com o primo Domingos Leite Furtado, mesmo não vindo a ter filhos, o casal fortaleceu e fez florescer o poder da família Lacerda no sul do Ceará. Era óbvio que em 1918 os membros dessa poderosa família de Milagres não permitiriam que a sua força política adquirida ao longo de décadas passasse para as mãos de Zé Inácio do Barro, assim o choque entre os Lacerda e o brando de Zé Inácio era Inevitável.

A guerra começou três meses após a morte do coronel Domingos Leite Furtado, quando as sete horas da manhã do dia 20 de janeiro de 1919 o major Zé Inácio do Barro ordenou o assalto a casa de dona Praxedes Furtado de Lacerda na Fazenda Nazaré. O assalto vinha sendo planejado pelo menos desde um mês antes, pois Zé Inácio do Barro afirmou em depoimento ao juiz Hermes Parayba que presidia a comarca de Milagres que mandara assaltar o Nazaré por estar dona Praxedes usando o dinheiro do falecido coronel Domingos Leite Furtado (dinheiro que segundo ele lhe pertencia por direito) para fazer política contra ele.

Após a morte do marido, dona Praxedes Maria Furtado de Lacerda passou a manobrar a política de Milagres para impedir que Zé Inácio do Barro assumisse a intendência e o mando da política local. Para manobrar as forças da política milagrense a matriarca da família Lacerda vai cooptar para seu lado os fazendeiros e comerciantes de Milagres e da região do Riacho dos Porcos. Praticamente nenhum deles depunha confiança em Zé Inácio do Barro, pois muitos o temiam e sabiam que sem a autoridade do coronel Domingos Leite Furtado, a violência do major Zé Inácio ficaria descontrolada. Assim, dona Praxedes Maria Furtado de Lacerda cooptou para seu grupo político o rico comerciante de Milagres, Raimundo Alves Pereira que será nomeado sucessor de Domingos Leite Furtado no comando da intendência de Milagres.

O major Zé Inácio do Barro não aceitará a manobra política da matriarca dona Praxedes e logo começará os preparativos para invadir a sede do município de Milagres e depor pela força o intendente Raimundo Alves Pereira. Logo a violência se espalha pela região e várias casas de comércio e fazendas da zona rural de Milagres são atacadas e assaltadas por bandos de cangaceiros a mando de Zé Inácio do Barro. O armazém do intendente Raimundo Alves Pereira e a casa do padre Luís Furtado Maranhão são assaltados por bandos de cangaceiros. As denúncias são feitas contra Zé Inácio do Barro, mas nenhuma punição é dada e a imprensa da capital do estado do Ceará passa a denunciar o clima de insegurança em Milagres.

O assalto ao Nazaré a mando de Zé Inácio vai desgastá-lo definitivamente com a família Lacerda, pois esta além de não confiar mais nele, confiança esta que se rompera com a morte do coronel Domingos, agora manobra a política local e estadual contra ele. Sentindo-se perseguido pelos seus antigos aliados, Zé Inácio recrudescerá a violência na região e preparará o ataque definitivo a Milagres para apear Raimundo Alves Pereira e a família Lacerda do poder. Temendo um ataque iminente os Lacerda também se armam. Dona Praxedes Maria Furtado de Lacerda une-se ao padre José Furtado de Lacerda seu parente e os dois passam a manobrar em conjunto contra Zé Inácio do Barro.

José Furtado de Lacerda era o sacerdote que celebrava a missa de São Sebastião no dia 20 de janeiro de 1919 quando o bando de Gavião invadiu a casa de Praxedes Maria Furtado de Lacerda no Nazaré e roubou avultada quantia em dinheiro para Zé Inácio do Barro. A personalidade do padre José Lacerda nunca foi a de um simples pároco do interior do Ceará, sabendo da influência política da sua família tanto no sul do Ceará quanto no próprio estado, o padre Lacerda comandava seu próprio curral eleitoral e tinha seus próprios jagunços e cangaceiros. Residindo no Sítio Coité, localidade de origem da família Lacerda, o padre José Lacerda se tornara ao longo da década de 1910, uma importante figura política na localidade, pois controlava o importante curral eleitoral do Buriti, distrito de Milagres.

O assalto a Fazenda Nazaré mostra ao padre José Lacerda que o major Zé Inácio do Barro não é um homem de confiança e que põe todo o poder da poderosa família em risco, assim ele e sua parenta dona Praxedes passam a conspirar abertamente contra o coronel Zé Inácio do Barro. Os ano de 1920 e 1921 são extremamente violentos em Milagres, os assaltos se sucedem, os ataques de cangaceiros são frequentes, mas apesar disto a família Lacerda se mantém firme e o controle político de Milagres permanece nas suas mãos. Em 1921 um jovem cangaceiro vem juntar-se com os seus irmãos ao bando de Zé Inácio e Sinhô Pereira, este jovem é Virgulino Ferreira, que se instala em Milagres em busca da proteção contra a perseguição da polícia pernambucana.

Praxedes Maria Furtado de Lacerda e o padre José Lacerda do Coité recrudescem sua campanha contra o major Zé Inácio do Barro, reclamaram do governo do estado do Ceará apoio na sua luta contra os cangaceiros em Milagres, pois haviam garantido ampla maioria de votos ao governador eleito Justiniano de Serpa. Como Praxedes Furtado de Lacerda e o padre José Lacerda possuíam mais votos que Zé Inácio do Barro ficava muito claro que este não teria os favores do governo estadual contra aqueles que possuíam um curral eleitoral mais vasto que o seu. Zé Inácio do Barro concluiu que precisava arruinar e devastar definitivamente o curral eleitoral do padre do Coité e assim preparou o ataque para 20 de janeiro de 1922, vencendo o padre José Lacerda e seu bando de cangaceiros invadiria Milagres, deporia Raimundo Alves Pereira e imporia a matriarca Praxedes Furtado de Lacerda já muito idosa seu poder discricionário sobre Milagres.

Com efeito, nas primeira horas da manhã do dia 20 de janeiro de 1922, o bando de Zé Inácio do Barro comandado pelo seu filho Tiburtino Inácio cercou o Sítio Coité com a ajuda do bando de Ulisses Liberato e Cícero Costa, logo se juntou ao grupo atacante Sinhô Pereira e também Virgulino Ferreira, o Lampião e seus irmãos com mais de setenta cangaceiros fortemente armados. O padre José Lacerda contava com aproximadamente cinquenta jagunços, mas estava disposto a resistir até a morte ao ataque de Zé Inácio do Barro. Entrincheirado na sua casa, o padre José Lacerda enfrentou os atacantes enquanto esperava o reforço vindo de Milagres.

Ao saber, já a tardinha, do ataque ao Sítio Coité, dona Praxedes Furtado de Lacerda ordenou para que o sargento Romão, comandante da tropa da polícia enviada a Milagres para combater o cangaço fosse reforçar a luta do padre Lacerda contra Zé Inácio. O sargento Romão marchou rapidamente até o Coité e atacou os cangaceiros pela retaguarda. A resistência do padre José Lacerda havia desgastado o moral dos cangaceiros atacantes, Sinhô Pereira percebeu que o ataque estava perdido e ordenou a retirada, pois já estava com alguns homens mortos e outros feridos, um dos feridos era o irmão de Lampião, Antônio Ferreira. O bando de Zé Inácio havia perdido a batalha.

A guerra se espalhou por Milagres. Zé Inácio do Barro sabia que havia enveredado por um caminho sem volta, o major sabia que ou vencia dona Praxedes Furtado de Lacerda e o padre José Lacerda ou ele seria preso ou mesmo morto. A população de Milagres viveu longos meses de 1922 em pânico, temendo a qualquer momento um violento ataque a sede do município. O intendente municipal Raimundo Alves Pereira pediu ajuda ao governo estadual. Na zona rural a violência contra os trabalhadores pobres era constante, ninguém estava seguro, pois os cangaceiros promoviam um clima de terror em Milagres.

Para evitar o desastre de ver Milagres invadida por Zé Inácio do Barro, dona Praxedes Furtado de Lacerda manobrou mais uma vez a política local e estadual e conseguiu que o governo do estado iniciasse uma perseguição implacável contra o major. O ano de 1922 marcaria a degringolada do bando de Zé Inácio, pois seus cangaceiros seriam perseguidos implacavelmente. Na batalha do Sítio Queimadas em Milagres, o bando de Sinhô Pereira levou a pior sendo cercado e derrotado pelo tenente Zé Galdino e o sargento Romão. Durante a batalha morreram vários cangaceiros e outros saíram feridos, Sinhô Pereira e seu bando, acompanhado de Lampião fugiram para Pernambuco e lá o "Demônio do Sertão", apelido de Sinhô Pereira, abandonou o cangaço e entregou o comando do bando a Lampião.

Mas dona Praxedes Furtado de Lacerda estava convencida de que o grande mentor da guerra civil em Milagres era Zé Inácio do Barro e não se contentou em ver o bando de Sinhô Pereira estilhaçado, precisava vencer o prepotente major. Ela e as forças políticas de Milagres ordenaram o ataque a Fazenda Barro, pois era lá onde se escondia Tiburtino Inácio e seu pai Zé Inácio. O ataque se mostrou eficaz, pois Zé Inácio logo percebeu não ter mais apoio dos poderosos locais nem mesmo do governo do estado contra a família Lacerda, ciente de que havia perdido sua força política na região, o major Zé Inácio do Barro retira-se para Goiás aonde se refugiara Sinhô Pereira e em 1923 já se encontra atuando na Bahia, mas acaba sendo morto.

Os conflitos políticos ocorridos em Milagres entre 1918 a 1923 envolvendo a família Lacerda e o major Zé Inácio do Barro, faz emergir uma importante figura histórica do município que até então crera-se ter vivido apenas na sombra do seu esposo. A senhora Praxedes Furtado de Lacerda foi sem dúvida nenhuma mais do que a esposa do coronel Domingos Leite Furtado, ela, como matriarca da família Lacerda impôs sua voz de mando político na região e após a morte do coronel assumiu por mais de uma década papel de destaque na política local. Sua atuação como coronela foi decisiva para cooptar as elites de Milagres na luta contra o cangaço na região do Riacho dos Porcos, na derrota definitiva de Zé Inácio do Barro e na consolidação do mando do coronel Raimundo Alves Pereira que ao longo da década de 1920 até a década de 1940 se estabeleceria como uma das mais fortes lideranças políticas de Milagres.

=== Personalidades ===
Júlio Rodrigues Coelho (?-1887-1932), farmacêutico que dá nome à rua próxima da igreja matriz. Embora não fosse médico formado, exercia, na qualidade de farmacêutico, toda a assistência médica da população no início do [[século XX]], indo ao encontro dos habitantes mais distantes em lombo de jumento, sem receber, por vezes, qualquer remuneração.

Em virtude de seu trabalho, sua saúde ficou bastante debilitada, tendo falecido ainda jovem, deixando viúva Adelia Gomes Coelho e 13 filhos, dentre os quais Aldenor Coelho, que seguiu os passos do pai como farmacêutico e José Osmar Gomes Coelho (1926-2000), que chegou a vice-prefeito do município com votação superior a do então prefeito, nos anos 60.

Raimundo Alves Pereira, um dos coronéis do Cariri, foi o primeiro prefeito da cidade. Escolhido pelo governo da República Velha, governou de 1916 a 1925. Torna-se novamente prefeito pelo PTB no período de 1936 a 1940.

João Fechine de Melo, homenageado ao emprestar seu nome a uma das ruas mais conhecidas da cidade, foi eleito prefeito entre os anos de 1931 a 1934.

Clicério Martins Pereira, fazendeiro, um dos maiores produtores de algodão de sua época, também foi prefeito durante os anos de 1948-1950. Hoje, uma das maiores escolas do município leva seu nome, sendo a responsável por disseminar a educação entre a população carente e incrementar os índices de alfabetização. Nessa escola funciona um dos maiores colégios eleitorais da cidade.

Cícero Leite Dantas, o primeiro prefeito eleito diretamente pelos votos da população da cidade, governou durante o quadriênio 1926-1930. Seu nome é homenageado ao batizar o edifício da Prefeitura Municipal de Milagres.

== Hino do Município ==
; Letra: Socorro Sampaio ([[s:Hino do município de Milagres(Ceará)|veja a letra]])
; Música: José Alves Ferreira

== Aspectos Administrativos ==
'''Donos de Milagres'''

{| class="wikitable"
!N'''º'''
!Nome
|-
|'''1'''
|Cel. Domingos Leite Furtado
|-
|'''2'''
|Cel. Antônio Gomes
|}
'''Prefeitos de Milagres'''
{| class="wikitable mw-collapsible"
!N'''º'''
!Nome
!Partido
!Imagem
!'''Início do mandato'''
!'''Término do mandato'''
!'''Observações'''
|-
|1
|Cel. Raimundo Alves Pereira
|
|
|1915
|1925
|
|-
|2
|Cicero Leite Dantas
|
|
|1926
|1930
|Primeiro Prefeito eleito pelo povo
|-
|3
|João Fechine de Melo
|
|
|1931
|1934
|
|-
|4
|Celso Gomes Alves
|
|
|1935
|1935
|
|-
|5
|Cel. Raimundo Alves Pereira
|[[LEC|PTB]]
|
|1936
|1940
|
|-
|6
|Aluízio Franklin do Nascimento
|
|
|1941
|1944
|
|-
|7
|Isaias Bezerra Leite
|
|
|1945
|1947
|
|-
|8
|Clicério Martins Pereira
|
|
|1948
|1950
|
|-
|9
|Antenor Ferreira Lins
|[[União Democrática Nacional|UDN]]
|
|1951
|1954
|
|-
|10
|Sebastião Cavalcanti
|UDN
|
|1955
|1958
|
|-
|11
|Edmilson Coelho Pereira
|[[PSD]]
|
|1959
|1962
|
|-
|12
|Antenor Ferreira Lins
|UDN/[[Partido Social Progressista|PSP]]/PSD
|
|1963
|1966
|
|-
|13
|Elísio Leite de Araújo
|[[Aliança Renovadora Nacional|ARENA]]
|
|1967
|1970
|
|-
|14
|Edmilson Coelho Pereira
|ARENA
|
|1971
|1972
|
|-
|15
|Francisco Gilvan Morais
|ARENA
|
|1973
|1976
|
|-
|16
|Elísio Leite de Araújo
|ARENA
|
|1977
|1982
|
|-
|17
|Francisco Gilvan Morais
|[[Partido Democrático Social|PDS]]
|
|1983
|1988
|
|-
|18
|Hellosman Sampaio de Lacerda
|[[Partido do Movimento Democrático Brasileiro|PMDB]]
|
|1 de janeiro de 1989
|31 de dezembro de 1992
|
|-
|19
|Fernando Alves Tavares
|[[Partido Social Trabalhista|PST]]
|
|1 de janeiro de 1993
|31 de dezembro de 1996
|
|-
|20
|Hellosman Sampaio de Lacerda
|PMDB
|
|1 de janeiro de 1997
|31 de dezembro de 2000
|
|-
|21
|Hellosman Sampaio de Lacerda
|PMDB
|
|1 de janeiro de 2001
|31 de dezembro de 2004
|reeleito
|-
|22
|Meire Francisca Lacerda de Medeiros
|PMDB
|
|1 de janeiro de 2005
|31 de dezembro de 2008
|
|-
|23
|Hellosman Sampaio de Lacerda
|PMDB
|
|1 de janeiro de 2009
|31 de dezebro de 2012
|
|-
|24
|Hellosman Sampaio de Lacerda
|PMDB
|
|1 de janeiro de 2013
|31 de dezembro de 2016
|reeleito
|-
|25
|Lielson Macedo Landim
|[[Partido Democrático Trabalhista|PDT]]
|
|1 de janeiro de 2017
|31 de dezembro de 2020
|
|-
|26
|Cícero Alves de Figueiredo
|PDT
|
|1 de janeiro de 2021
|31 de dezembro de 2024
|
|}
'''Formação Administrativa'''

Distrito criado com a denominação de Milagres, pela Resolução Régia de 01-04-1813, e ato provincial de 18-03-1842, e por lei provincial nº 263, de 03-12-1842. subordinado ao município de Crato. 

Elevado à categoria de vila com a denominação de Milagre, pela lei provincial nº 374, de 1708-1846, desmembrado de Crato. Sede no núcleo de Milagres. Instalado em

 Pela lei provincial nº 1708, de 25-07-1876 e ato provincial de 30-12-1862 é criado o distrito de Brejo dos Santos e anexado ao município de Milagres

Pela ato provincial de 27-03-1873, é criado o distrito de São Pedro e anexado ao município de Milagres.

Elevado a condição de cidade, com a denominação de Milagres, pelo decreto estadual nº 31, de 25-07-1890.

Pelo decreto estadual nº 49, de 26-08-1890, desmembra do município de milagres o distrito de  Brejo dos Santos. Elevado a categoria de vila.

Pela lei nº 257, de 20-09-1895, o município de Milagres adquiriu a extitnta vila de Mauriti, como simples distrito. 

Em divisão administrativa referente ao ano de 1911, o município aparece constituído de 4 distritos: Milagres, Cuncas, São Pedro e Mauriti.

Nos quadros de apuração do Recenseamento Geral de I-IX-1920, o município é constituído de 5 distrtios: Milagres, Cuncas, Mauriti, Santa Cruz e São Pedro. 

Pela lei estadual nº 2211, de 28-10-1924, desmembra do município de Milagres o distrito de Mauriti. Elevado à categoria de município.

Pela lei estadual nº 2634, de 06-10-1928, desmembra do município de Milagres o distrito de Mauriti. Elevado novamente à categoria de município.

Pelo decreto estadual nº 1156, de 04-12-1933, desmembra do município de Milagres os distritos de Mauriti e Santa Cruz. Para formar o novo município de Mauriti. Sob o mesmo decreto acima citado, é criado o distrito de Rosário e anexado ao município de Milagres.

Em divisão administrativa referente ao ano de 1933, o município é constituído de 4 distritos: Milagres, Cuncas, Rosário e São Pedro.

Assim permanecendo em divisão territorial datada de 31-XII-1936.

Pelo decreto estadual nº 378, de 20-10-1937, é criado o distrito de Barro e anexado ao município de Milagres.

Em divisão territorial datada de 31-XII-1937, o município é constituído de 5 distritos: Milagres, Barro, Cuncas, Rosário e São Pedro.

Pelo decreto-lei estadual nº 448, de 20-12-1938, o distrito de São Pedro passou a denominar-se Pedro Segundo e o distrito de Rosário a denominar-se Podimirim. No quadro fixado para vigorar no período de 1939-1943, o município é constituído de 5 distritos: Milagres, Barro, Cuncas, Pedro Segundo ex-São Pedro e Podimirim ex-Rosário.

Pelo decreto-lei estadual nº 1114, de 30-12-1943, o distrito de Pedro Segundo passou a denominar-se Abaiara. No quadro fixado para vigorar o período de 1944-1948, o município é constituído de 5 distritos: Milagres, Abaiara ex-Pedro Segundo, Barro, Cunca e Podimirim.

Pela lei estadual nº 1153, de 22-11-1951, desmembra de Milagres os distritos de Barro e Cuncas. Para formar o novo município de Barro. Em divisão territorial datada de 1-VII-1955, o município é constituído de 3 distritos: Milagres, Abaiara e Podimirim.

Pela lei estadual nº 3921, de 25-11-1957, desmembra de Milagres o distrito de Abaiara. Elevado à categoria de município. Em divisão territorial datada de 1-VII-1960, o município é constituído de 2 distritos: Milagres e Podimirim. Assim permanecendo em divisão territorial datada de 2005.

Pela lei municipal n° 917 de 1997, o distrito de Podimirim passa a ser denominado Rosário.

Pela lei municipal n° 1349 de 20 de maio de 2019, são criados os distritos: Café da Linha, Fronteiro e Padre Cícero.

=== Fonte ===
IBGE

Plataforma SILB.

Revista Itaytera.

BEZERRA, Antônio. Algumas Origens do Ceará, Fundação Waldemar Alcântara, Fortaleza, 2003.

MORAIS, Flávio. Milagres do Cariri, Gráfica Universitária, 1989.

SOUZA, Carlos: Milagres, nossa terra Cariri, Artes Gráficas e Editora, Fortaleza, 2021.

== Banda de Musica ==
'''Origem da Banda de Música de Milagres''', com base no levantamento feito sobre como surgiu, podemos fazer alguns registros, bem como: Nasceu em julho de 1947, era organizada pelos seguintes representantes: Luiz Benício, Leopoldo, José Arimatéia. Estes eram tidos como mestres na época, na criação da mesma.

== Industrias Colins ==
Milagres viveu sua época de Ouro nas décadas de 60, 70 e 80, quando o chamado “Ouro Branco” estava em alta, nessa época o que predominava na região eram os grandes plantios de algodão, foi justamente nesse período que as Indústrias Collins SA, começaram a funcionar no município, atendendo toda a região.

Indústrias Collins SA:&nbsp;fundada em 26 de março de 1943, na direção de Antenor Ferreira Lins, José Amaro Nicodemos Neto, Lacordaire Ferreira Lins e José Rinaldo Alves Landim. Com destaque nas cidades de Milagres, Brejo Santo e Missão velha, esse foi um período marcante e para a região.

== Clima ==
A pluviosidade no município é de 490 milímetros anuais, com chuvas concentradas de dezembro a abril. As temperaturas médias ao longo do ano variam entre 29.6&nbsp;°C e 42.2&nbsp;°C, com médias mínimas de 22&nbsp;°C até médias máxima de 44&nbsp;°C. As mínimas variam entre 32.3&nbsp;°C e 39.3&nbsp;°C, enquanto as máximas absolutas são de 37.9&nbsp;°C a 42.9&nbsp;°C, conforme o mês do ano

{{Tabela climática|Abr_Max_°C=29.5|Abr_Med_°C=25.2|Abr_Min_°C=21|Abr_Precip_mm=157|Ago_Max_°C=30.4|Ago_Med_°C=24.5|Ago_Min_°C=18.7|Ago_Precip_mm=5|Ano_Precip_mm=916|Dez_Max_°C=32.8|Dez_Med_°C=27.2|Dez_Min_°C=21.6|Dez_Precip_mm=62|Fev_Max_°C=31.1|Fev_Med_°C=26.3|Fev_Min_°C=21.5|Fev_Precip_mm=187|Jan_Max_°C=32.1|Jan_Med_°C=26.8|Jan_Min_°C=21.6|Jan_Precip_mm=123|Jul_Max_°C=29|Jul_Med_°C=23.6|Jul_Min_°C=18.3|Jul_Precip_mm=12|Jun_Max_°C=28.7|Jun_Med_°C=23.8|Jun_Min_°C=20.1|Jun_Precip_mm=23|Mai_Max_°C=28.9|Mai_Med_°C=24.5|Mai_Min_°C=20.1|Mai_Precip_mm=47|Mar_Max_°C=30.1|Mar_Med_°C=25.7|Mar_Min_°C=21.3|Mar_Precip_mm=238|Max_Ano_°C=30.8|Med_Ano_°C=25.5|Min_Ano_°C=20.4|Nov_Max_°C=32.9|Nov_Med_°C=27.1|Nov_Min_°C=21.3|Nov_Precip_mm=37|Out_Max_°C=32.7|Out_Med_°C=26.6|Out_Min_°C=20.6|Out_Precip_mm=18|Set_Max_°C=31.8|Set_Med_°C=25.8|Set_Min_°C=19.8|Set_Precip_mm=7|fonte=pt.climate-data.org/location/42440/|larguraporcentagem=100|localidade=Milagres}}

== Hidrografia ==
A principal fonte de água faz parte da bacia do [[rio Salgado]] sendo seu afluente o [[Riacho dos Porcos (Ceará)|Riacho dos Porcos]].Existem ainda alguns açudes, entre eles o Açude do Nazaré. Nascente como o Pinga no Sítio Oitis, e barragem como a Guela no Sítio Malhada.

== Subdivisões ==
O município de Milagres é dividido em cinco distritos: Milagres (sede), Rosário, Fronteiro, Café da Linha e Padre Cícero.<ref name="Não_nomeado-y7EN-1">https://www.milagres.ce.gov.br/omunicipio.php</ref> A sede do município é composta por oito bairros: Cabeceiras, Casa Própria, Centro, Eucaliptos, Francisca do Socorro, Frei Damião, Missionárias e Rodoviária.<ref name="Não_nomeado-y7EN-1"/>

== Eventos ==
* Carnaval
*Paixão de Cristo (Quinta e Sexta-feira santa)
*Festival de quadrilhas Junho)
*Festa de nossa Senhora dos Milagres (06 à 15 de Agosto)
* Festa de Agosto - Festa da emancipação do município (06 á 14 de Agosto)
*Vaquejada Nossa Senhora dos Milagres (Agosto)
*Natal de luz (Dezembro)

= BIBLIOGRAFIA =
BEZERRA, Antônio. Algumas Origens do Ceará, Fundação Waldemar Alcântara, Fortaleza, 2003.

FARIAS, Airton de. História do Ceará, Armazém de Cultura, Fortaleza, 2015.

LUCETTI, Hilário. Lampião e o estado maior do cangaço, Craturismo, Crato, 1995.

MORAIS, Flávio. Milagres do Cariri, Gráfica Universitária, Crato, 1989.

SOUZA, Carlos. Milagres, Nossa Terra Cariri, Artes Gráficas e Editora, Fortaleza 2021. download em https://doceru.com/doc/cxvc5n1


{{Referências|col=2}}
{{Referências|col=2}}

Revisão das 13h07min de 12 de outubro de 2022

Milagres
  Município do Brasil  
Igreja Matriz de Milagres.
Igreja Matriz de Milagres.
Igreja Matriz de Milagres.
Hino
Gentílico milagrense
Localização
Localização de Milagres no Ceará
Localização de Milagres no Ceará
Localização de Milagres no Ceará
Milagres está localizado em: Brasil
Milagres
Localização de Milagres no Brasil
Mapa
Mapa de Milagres
Coordenadas 7° 18' 46" S 38° 56' 45" O
País Brasil
Unidade federativa Ceará
Municípios limítrofes Norte: Aurora, Leste: Barro e Mauriti, Sul: Brejo Santo, Oeste: Abaiara e Missão Velha
Distância até a capital 475 km
História
Fundação 17 de agosto de 1846[1]
Emancipação 17 de agosto de 1846 (177 anos)
Administração
Distritos
Prefeito(a) Cícero Alves de Figueiredo (PDT, 2021–2024)
Características geográficas
Área total [2] 605,193 km²
População total (Censo IBGE/2010[3]) 28 316 hab.
 • Posição CE:66°
Densidade 46,8 hab./km²
Clima Tropical quente semiárido
Altitude 334[1] m
Fuso horário UTC -3 (UTC−3)
CEP 63250-000
Indicadores
IDH (PNUD/2010[4]) 0,628 médio
PIB (IBGE/2008[5]) R$ 87 198,973 mil
PIB per capita (IBGE/2008[5]) R$ 3 129,79
Sítio milagres.ce.gov.br (Prefeitura)
camaramilagres.ce.gov.br (Câmara)

Milagres é um município brasileiro do estado do Ceará. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2022 estimou sua população em 27.413 habitantes. O município é cortado pela BR-116 e pelas rodovias estaduais CE-393 e CE-293, sendo principal rota de acesso entre o município de Juazeiro do Norte aos estados do Pernambuco e Paraíba, além da capital Fortaleza. No século XVIII duas importantes estradas boiadeiras se entrecruzavam em Milagres, a estrada boiadeira Sertão dos Cariris Velhos para o Piauí passava por Milagres e a estrada boiadeira Vale do São Francisco para o Vale do Jaguaribe também passava por Milagres. Por ser um lugar de passagem das boiadas que eram transportadas pelos sertões nordestinos, Milagres logo ganhou destaque como um lugar de descanso e de intenso comércio de gado na entrada da Região do Cariri e as nas proximidades dos sertões de Pernambuco e Paraíba. Por estar na passagem do sertão para o Cariri cearense a cidade de Milagres ficou conhecida como Porta do Cariri.

Milagres é a terra dos Pretinhos de Congos de mestre Doca Zacarias, é também a cidade natal do cantor Bilinguim, um dos membros do famoso grupo de forró Trio Nortista, cujo maior sucesso é a música "A velha debaixo da cama" música composta por ele. Além disso a cidade de Milagres abrigou a última aldeia indígena oficialmente reconhecida pelo governo da Província do Ceará, a Aldeia da Serra da Cachorra Morta, que abrigou os índios Kariri-Xocó até o ano de 1867. A cidade de Milagres possui importantes riquezas naturais como as formações geológicas da Pedra do Chapéu, do Poço do Dinheiro e do Pinga.

Ficheiro:Mestre Doca Zacarias.jpg
Mestre Doca Zacarias (foto de Jaildo Oliveira)

Lenda de Souza Presa e da Bela índia

Lenda sobre a criação do Município

Ficheiro:Monumento Souza Presa e a Bela índia.jpg
Monumento representando a lenda de Sousa Presa e e a Bela Índia, obra erguida a mando do ex-prefeito Lielson Macedo Landim em 2020 e inaugurada em 2021 pelo prefeito Cícero Figueiredo.

No livro Algumas Origens do Ceará o historiador Antônio Bezerra afirma que ouviu de um cavalheiro de Milagres a seguinte narrativa lendária sobre a origem do município de Milagres:

Às margens do Riacho dos Porcos, em meados do século XVII, havia um sítio denominado Pilar, onde conquistadores brancos se instalaram. A lenda narrada informa que o português Souza Presa e outros companheiros foram apanhados pelos índios Tapuias e logo devorados, sendo Presa reservado para outra ocasião em virtude de sua magreza. Partindo os Tapuias para uma caçada, deixaram Presa convenientemente amarrado aos cuidados de uma índia, a quem fizeram as mais enérgicas recomendações. Contudo, a índia, comovendo-se da sorte de seu prisioneiro, deu-lhe a liberdade. Presa atribuiu tal fato à intervenção de Nossa Senhora, aja vista ter feito uma promessa de, se escapasse com vida daquela situação, erigiria uma igreja em homenagem a Nossa Senhora dos Milagres. E assim, desaparecidos os Tapuias daquelas paragens anos depois, Presa voltou ao lugar em 1760 e fundou a igreja que tem hoje a invocação de Nossa Senhora dos Milagres e que permanece como ponto central do atual município.

Apesar de encantadora esta narrativa é apenas uma lenda e como lenda não tem fundamento nas fontes históricas. A lenda de Souza Presa e a Bela Índia é uma representação da violência do colonizador branco contra a população indígena dos sertões. A história de Milagres como de tantas outras cidades brasileiras foi construída pelo trabalho de milhares de trabalhadores negros, indígenas e brancos, como também por trabalhadores escravizados. A história da colonização do Vale do Riacho dos Porcos e da fundação da Povoação de Milagres como testemunham as fontes históricas começa com o capitão Bento Correia Lima o primeiro sesmeiro do Riacho dos Porcos.

HISTÓRIA DE MILAGRES (SÉC. XVIII AO XXI)

A FUNDAÇÃO DA POVOAÇÃO DE NOSSA SENHORA DOS MILAGRES EM 1738[6]

Ficheiro:Leito do Riacho dos Porcos.jpg
Leito do Riacho dos Porcos, rio que passa a 5km da sede do município de Milagres
Ficheiro:Sesmeiro Bento Correia Lima.jpg
Capitão Bento Correia Lima, o fundador de Milagres em 1738. (desenho de Ana Ivyna Leite de Lima).

A colonização do Riacho dos Porcos principiou no começo do século XVIII quando o capitão Bento Correia Lima, sesmeiro da Vila Real de Goiana em Pernambuco pediu as terras das margens do Riacho dos Porcos ao capitão-mor do Ceará Jorge de Barros Leite. No pedido de sesmaria, Bento Correia Lima, fazendeiro da Capitania de Pernambuco informa que as terras estavam devolutas e se compromete em povoá-las. O primeiro pedido de sesmaria no Riacho dos Porcos ocorreu em 1703, mas em 1704 o mesmo capitão Bento Correia Lima volta a solicitar as terras para si e para seu primo João Dantas Aranha, sempre prometendo as autoridades coloniais do Ceará que povoará a terra, Bento Correia Lima volta a solicitar as terras em 1707 e em 1723, mas somente em 1738 é que a ocupação das terras onde hoje se situa Milagres de fato se efetiva pelos colonizadores brancos.

Ficheiro:Nascente do Riacho dos Porcos.jpg
Nascente do Riacho dos Porcos.

O que impediu Bento Correia Lima e seus parentes de colonizarem as terras do Riacho dos Porcos já no princípio do século XVIII foi a resistência dos indígenas Kariri a ocupação de suas terras. Em 1690 os indígenas Kariri se sublevaram contra as autoridades coloniais e começaram uma guerra de resistência que durou sessenta anos nos sertões do Nordeste e a região do Riacho dos Porcos, bem como do sertão dos Cariris Velhos na Paraíba foram palcos principais dessa guerra de resistência dos indígenas contra a espoliação de suas terras e a destruição de sua cultura.

A Guerra dos Bárbaros ou Confederação dos Cariris como ficou conhecida a resistência indígena nos sertões nordestinos opôs os colonizadores portugueses contra uma nação indígena em defesa de suas identidades e manutenção de seu modo de vida e cultura. Para justificar o extermínio dos Kariris nos sertões, os colonizadores começaram a apelidar os indígenas dessa nação de Tapuios ou Tapuias, palavra que na língua Tupi significa bárbaro, cruel, selvagem. Os Kariris foram acusados de canibalismo e selvageria porque recusaram-se a ser missionados e aldeados.

O mito de Souza Presa e da Bela índia é produto dessa campanha difamatória contra os Kariri, mas não é a verdade sobre a história da fundação de Milagres.

A Povoação de Nossa Senhora dos Milagres foi fundada pelo capitão Bento Correia Lima e os trabalhadores brancos como também por trabalhadores negros escravizados que o próprio capitão Bento Correia Lima informa em carta ao capitão-mor do Ceará Manoel Francês que trará para o Riacho dos Porcos para ajudá-lo a povoar a região. E é assim que em 1738 o capitão Bento Correia Lima instala no Cariri Oriental o primeiro engenho de rapadura e aguardente da Região do Cariri. É o capitão Bento Correia Lima que manda trazer para a área do Riacho dos Porcos cavalos e bois e instala as primeiras fazendas de criar.

Em 1740 o mesmo capitão Bento Correia Lima doa para a Sé de Olinda terras nas proximidades do Sítio Pilar, isto é, na margem esquerda do Riacho dos Porcos para a construção de uma igreja em homenagem a Nossa Senhora dos Milagres. A família Correia Lima sempre foi muito devota de Nossa Senhora sob a invocação de Nossa Senhora dos Milagres. Essa devoção vinha de sua terra de origem, pois o tronco principal da família Correia Lima provinha da Ilha de Açores em Portugal onde a devoção a Nossa Senhora dos Milagres já era bem antiga, tendo começado nos meados do século XVI, quando pescadores açorianos encontraram uma caixa de madeira contendo uma imagem de Nossa Senhora entre as tranças de suas redes de pescar e para ela ergueram uma igreja na mesma Ilha de Açores.

A segunda esposa de Bento Correia Lima a senhora Cosma Correia Lima era açoriana e particularmente devota de Nossa Senhora dos Milagres. Sesmeiro poderoso aqui no Brasil, Bento Correia Lima já de posse da patente de capitão por suas lutas contra os quilombos e contra os invasores estrangeiros na Capitania de Pernambuco onde possuía boa parte de suas propriedades, mandou erguer em cada localidade onde possuía fazendas uma capela ou igreja em homenagem a Nossa Senhora dos Milagres.

Assim sendo a família Correia Lima contribuiu decisivamente para a construção da igreja de Nossa Senhora dos Milagres em 1723 em Goiana, PE. Nas cartas em que pede sesmarias a coroa portuguesa, Bento Correia Lima informa que ele é morador da Vila Real de Goiana, e é exatamente dessa região de onde provém os primeiros colonizadores do Riacho dos Porcos.

Devoto de Nossa Senhora dos Milagres como o era também sua esposa, o capitão Bento Correia Lima ordena a construção da igreja em homenagem a ela. A igreja é construída por trabalhadores negros escravizados e é concluída em 1745, dessa forma o fundador da Povoação de Nossa Senhora dos Milagres é o capitão Bento Correia Lima apoiado no trabalho dos escravizados negros e indígenas, bem como de trabalhadores brancos pobres.

A EMANCIPAÇÃO DE MILAGRES EM 1846

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Detalhe de um mapa do fins do século XVIII onde aparece pela primeira vez o registro da existência da Povoação de Milagres e do Riacho dos Porcos. (fonte Biblioteca Nacional)

Na segunda metade do século XVIII, a Povoação de Nossa Senhora dos Milagres foi se tornando importante núcleo econômico do sul do Ceará, pois a criação de gado as plantações de cana-de-açúcar, bem como a fertilidade do solo e abundância de água na região atraiu muitos fazendeiros para a localidade. A região passou a ser disputada por vários interessados em estabelecer fazendas de criar gado e plantações de grãos e cereais. A região de Milagres logo mostrou seu potencial econômico e os fazendeiros locais foram chamados a participar ativamente dos movimentos políticos que incendiaram o Cariri em 1817 (Revolução Pernambucana), 1824 (Confederação do Equador) e 1831 (Sedição de Pinto Madeira).

A participação de Milagres nesses movimentos políticos mostrou a importância da Povoação de Nossa Senhora dos Milagres e em 1842 foi aprovada sua elevação a categoria de Freguesia de Nossa Senhora dos Milagres, mas a população de Milagres queria ter sua própria autonomia política e jurídica sem precisar depender das autoridades ora do Crato ora de Jardim e assim finalmente em 17 de agosto de 1846, a povoação foi elevada a categoria de Vila de Nossa Senhora dos Milagres e finalmente em outubro de 1878 ganhou o status de município.

A primeira Câmara Municipal de Milagres foi instalada no segundo semestre de 1847 após várias eleições tumultuadas em que a violência contra eleitores e contra lideranças políticas se fez presente obrigando o governo da Província do Ceará a intervir na vila várias vezes para garantir a manutenção da ordem pública. As primeiras posturas municipais foram aprovadas pela câmara em 1849 e remetidas para a Assembleia Provincial do Ceará aprovar e sancionar em 1850. A partir daí Milagres ganhou um delegado nomeado (1853), um juiz (1857), um professor (1851), um serviço de correio (1855), uma cadeia (1853), um mercado público (1852).

MILAGRES NO SÉCULO XIX

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Matriz de Nossa Senhora dos Milagres (Arquitetura em estilo colonial).

Na década de 1850 a Vila de Nossa Senhora dos Milagres começa a organizar a sua infraestrutura como vila emancipada. A redação das primeiras posturas municipais pela Câmara Municipal de Milagres foi um importante marco, pois vai garantir ao município autonomia política de fato. A organização e realização das eleições municipais vai desencadear as disputas políticas entre as elites locais. A economia da Vila de Milagres no século XIX tinha como base a criação de gado, já em 1860 no livro Ensaio Estatístico da Província do Ceará , Thomaz Pompeo de Sousa Brasil destaca que a Vila de Milagres possuía um dos maiores rebanhos bovinos do Ceará. O jornal O Araripe noticia em 1855 que Milagres possuía o maior rebanho bovino do Cariri. Além do gado, a economia da Vila de Milagres também era sustentada pela produção de cana-de-açúcar, o mesmo Thomaz Pompeo de Sousa Brasil relaciona em seu ensaio a quantidade de engenhos e a área cultivada por plantações de cana-de-açúcar existentes em Milagres na segunda metade do século XIX. Havia também roças de mandioca, casas de farinha, roças de milho, feijão e arroz. O algodão que um século mais tarde representará importante riqueza agrícola de Milagres também já despontava forte no município.

Toda essa riqueza fundamentada na agricultura e pecuária é produzida pela mão-de-obra escravizada dos pretos e pretas de Milagres. Na década de 1860 a Vila de Milagres tinha uma das maiores populações escravizadas do Ceará. Segundo os dados dos relatório dos presidentes da Província do Ceará havia em 1863 em torno de 563 pessoas negras escravizadas em Milagres, já de acordo com o censo de 1872 o número de escravizados em Milagres praticamente dobra saltando para 1050 escravizados. O braço do trabalhador negro escravizado, bem como do trabalhador negro livre é fundamental na produção da riqueza de Milagres já nessa segunda metade do século XIX.

Na segunda metade do século XIX a população da Vila de Nossa Senhora dos Milagres já era composta em sua grande maioria por homens e mulheres negros, conforme os dados do censo de 1872:

Brancos Pretos Pardos Caboclos
5.065 988 6.519 1.145
Total de negros: 7.507 pessoas
Total de brancos: 5.065 pessoas
Total de caboclos[7]: 1.145 pessoas
Total da população de Milagres em 1872: 13.717 habitantes

Foram esses trabalhadores negros que já eram a maioria em Milagres na segunda metade do século XIX que produziram em grande parte a riqueza do município, eles formavam a maior parte da mão-de-obra ativa da Vila de Nossa Senhora dos Milagres. Serão esses trabalhadores que iniciarão as pressões e campanhas políticas contra a escravidão no Vale do Riacho dos Porcos nas décadas de 1870 e 1880.

OS INDÍGENAS KARIRI-XOCÓS E O MASSACRE DA ALDEIA DA SERRA DA CACHORRA MORTA (1867)

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Pintura rupestre do homem kariri que habitou o Vale do Riacho dos Porcos nas proximidades de Milagres.

No dia 28 de abril de 1867 o fazendeiro José Inácio de Sousa comandando cerca de 70 homens invadiram e incendiaram a fazenda da Serra da Cachorra Morta nas imediações da Vila de Nossa Senhora dos Milagres, nessa localidade desde a década de 1840 havia sido estabelecida a Aldeia Indígena da Serra da Cachorra Morta que abrigava sob as ordens do ministério da justiça do Império do Brasil os restos da tribo Kariri-Xocó.

Os Kariri-Xocós eram indígenas provenientes de várias áreas dos sertões de Pernambuco, Paraíba e Ceará e que desde o final do século XVIII tinham perdido suas terras para os sesmeiros e viviam sendo perseguidos pelos proprietários de terras. Nas primeiras décadas do século XIX pediram proteção a alguns padres missionários como o frei Vital de Frascarollo que os aldeou e protegeu enquanto pode, mas após o fim do trabalho missionário dos padres nos sertões do Pajeú, Cariris Velhos e no Cariri Cearense os indígenas voltaram a seu nomadismo e foram mais uma vez perseguidos pelos fazendeiros que os viam como uma verdadeira praga para suas propriedades.

Em 1842 as autoridades da Província do Ceará se viram obrigadas por uma determinação do ministério da justiça do império a nomear um tutor e protetor para os indígenas que viviam dispersos pela Chapada do Araripe. Logo essa tutoria se mostraria imprópria, pois os nomeados pelo governo provincial eram fazendeiros locais, pessoas que sempre foram inimigos dos indígenas e que sempre cobiçaram tomar posse de suas terras. Na década de 1840 o presidente da Província do Ceará tomou a decisão junto da Assembleia Legislativa de aldear os Kariri-Xocós nas terras da Serra da Cachorra Morta na Vila de Nossa Senhora dos Milagres, para essa aldeia seriam levados todos os indígenas que viviam dispersos pelas matas do Ceará e nas vizinhanças das províncias de Pernambuco e Paraíba, assim os Kariri-Xocós são uma mistura de várias tribos, restos da grande nação Kariri que havia sobrevivido aos massacres do século XVIII e XIX. Os indígenas ficariam sob a guarda de um diretor dos índios remunerado pelo ministério da justiça que se responsabilizaria também em prover a aldeia de escola e do mais que lhe fosse necessária. Assim, Milagres abrigou a última aldeia indígena da Província do Ceará, aldeia oficialmente reconhecida pelo ministério da justiça do império.

Em 1859 a Comissão Científica de Francisco Freire Alemão chegou a Milagres com o objetivo de visitar a Aldeia da Serra da Cachorra Morta. Nesta comissão, apelidada de Comissão das Borboletas, vieram vários estudiosos como o botânico Francisco Freire Alemão, o antropólogo e poeta Gonçalves Dias e o geólogo Gustavo Capanema. Os membros da comissão científica se hospedaram na fazenda do sr. Franklin de Lima aonde receberam as primeiras informações sobre os indígenas da Serra da Cachorra Morta. Dois dias depois partiram para visitar os indígenas no local da aldeia, mas segundo Francisco Freire Alemão grande foi a decepção de Gonçalves Dias, pois tivera suas expectativas frustradas ao encontrar apenas um grupo de aproximadamente 175 indígenas maltrapilhos, doentes e mal alimentados no local.

O relatório do diretor da Aldeia da Serra da Cachorra Morta, Manuel José de Sousa expedido para o presidente da Província do Ceará em 1860 denunciava a grave situação da aldeia e dos indígenas nela reunidos. Segundo ele muitos estavam doentes, famintos, mas o pior é que os fazendeiros de Milagres perseguiam os indígenas e soltavam seus gados para pastar nas roças dos índios. Em 1862 a situação dos indígenas vai piorar mais ainda, pois nesse ano a epidemia de cólera chegou ao Cariri e acometeu também aos indígenas. O médico Pedro Theberge foi enviado a Milagres para tratar da saúde deles e ao ver a terrível situação sanitária de Milagres e principalmente da aldeia escreve um relatório denunciando a situação precária da Aldeia da Cachorra Morta.

Manuel José de Sousa, o protetor dos indígenas Kariri-Xocós em Milagres morrerá em 1862 vitimado pelo cólera e em seu lugar assumirá o cargo de diretor dos índios o seu filho Manuel José de Sousa Filho. Mas a falta de atenção por parte das autoridades de Milagres e da Província do Ceará põe os indígenas na mira dos ataques dos fazendeiros do Riacho dos Porcos que cobiçavam as férteis terras dos indígenas. Em 1864 os Kariri-Xocós procuram o delegado de Milagres, Jesus da Conceição Cunha para pedir-lhe proteção contra os fazendeiros que estão soltando o gado dentro de suas roças. A Câmara Municipal de Milagres aprova uma postura em 1865 proibindo a invasão das terras indígenas da Aldeia da Cachorra Morta e impondo um multa de cinco mil reis para o fazendeiro que pusesse seus bois para pastar dentro das terras indígenas.


Nenhuma dessas medidas funcionaram, pois nem o delegado nem tampouco a Câmara de Vereadores de Milagres estavam dispostos a comprar a briga com os proprietários locais, entre eles o poderosos José Inácio da Silva, fazendeiro residente no Povoado do Cuncas. Em 1866 os indígenas organizaram uma comissão e vieram até a sede da Vila de Nossa Senhora dos Milagres pedir proteção as autoridades, receberam somente promessas que não foram cumpridas. Para evitar a destruição de suas roças os indígenas passaram a atacar o gado dos fazendeiros dentro de suas terras com pauladas e pedradas. Os fazendeiros começaram a espelhar por Milagres que os indígenas estavam preparando-se para invadir a vila, espalhou-se a falsa história de que os indígenas eram ladrões de gado e cavalo, estupravam as mulheres e sequestravam as crianças. Além disso, a população de Milagres aterrorizada pela campanha dos fazendeiros locais contra os indígenas começou a acreditar nas ameaças infundadas de que os indígenas queimariam a vila e os roçados e como eram selvagens, isto é, recusavam-se a trabalhar e a seguir os princípios cristãos levariam os prisioneiros, principalmente crianças para matar e comer na mata.

Baseados em histórias do período colonial que representavam os Kariri como ferozes Tapuias, bárbaros e canibais, os fazendeiros de Milagres creram na suposta selvageria e barbaridade dos Kariri-Xocós e deram apoio ao fazendeiro José Inácio da Silva para atacar a Aldeia da Serra da Cachorra Morta. Na madrugada de 28 de abril de 1867, enquanto a maioria dos homens indígenas estavam ausentes numa caçada, a aldeia foi atacada por setenta e cinco homens aramados, na ocasião encontravam-se na aldeia as mulheres, as crianças, os velhos sob a guarda do índio Mariano. Foi um massacre o que se deu na ocasião da invasão. Mulheres foram estupradas, outras foram mortas, aquelas que escaparam se refugiaram nas matas próximas, crianças foram perseguidas pelos cães e mortas, velhos foram espingardeados e o índio Mariano foi feito prisioneiro e levado amarrado para um sítio nas proximidades da aldeia como isca numa armadilha preparada para quando os caçadores voltassem.

Assim foi feito. Quando os indígenas caçadores retornaram souberam do acontecido e foram libertar os índio Mariano, mas quando se aproximaram para desamarrar o prisioneiro muitos foram alvejados a tiros. Percebendo a armadilha os indígenas fugiram para as matas onde se esconderam. O massacre foi denunciado na imprensa cearense de Fortaleza e o juiz Joaquim do Couto Cartaxo e o delegado Jesus da Conceição Cunha foram intimados a explicar como permitiram a ação dos fazendeiros contra os indígenas. O delegado culpou a negligência do juiz, mas este declarou num relatório enviado ao governo provincial que não se encontrava em Milagres quando se deus o massacre. Dessa forma não houve investigações, nem tampouco punições aos assassinos. Até hoje não se sabe quantos indígenas foram mortos na noite de 28 de abril de 1867, o que se sabe é que os Kariri-Xocós ficaram reduzidos a 65 indivíduos após o ataque.

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Dona Dionísia Severo, descendente dos indígenas kariri que habitaram nas margens do Riacho dos Porcos (Foto Carlos César Pereira de Sousa).

Os indígenas ainda tentaram retornar para sua aldeia em 1869, 1873 e ainda em 1881, mas com a dispersão dos indígenas da Aldeia da Serra da Cachorra Morta pelos sertões e a integração de outros aos trabalhos dos engenhos no Vale do Riacho dos Porcos. Sabe-se também que um grupo migrou para o Sertão do Pajeú em Pernambuco, De acordo com censo de 2010 somente três pessoas se autodeclaram indígenas em Milagres, uma delas, a senhora dona Dionísia Severo (84 anos em 2022), possui toda uma oralidade transmitida pelos seus ancestrais sobre os acontecimentos de 1867, bem como um vasto conjunto de conhecimentos indígenas que lhe foram ensinados por seus pais e avós.

OS ESCRAVISTAS RENITENTES DE MILAGRES (1884 a 1886)

No dia 25 de março de 1884 as várias câmaras municipais da Província do Ceará seguindo pedidos feitos na imprensa abolicionista cearense promoveram a emancipação coletiva dos trabalhadores negros escravizados. A data que posteriormente ficaria conhecida como a Data Magna do Estado do Ceará foi logo transformada num marco na luta contra a escravidão não somente no Ceará, mas em todo o Brasil, sendo o estado intitulado Terra da Luz pelo jornalista negro José do Patrocínio.

As emancipações coletivas ocorridas no dia 25 de março de 1884 foram o resultado das lutas dos trabalhadores negros escravizados cearenses que durante séculos não se renderam ao escravismo imposto pela branquitude sobre a população negra. No Ceará, as lutas contra a escravidão antecedem a década de 1880, mas sem dúvida recrudesceram nas décadas de 1860 e 1870 quando o tráfico interprovincial de trabalhadores escravizados aumentou significativamente separando pais e filhos, esposos, irmãos e dissolvendo famílias inteiras.

Em 1881 os negros livres e escravizados de Fortaleza sob a liderança dos pescadores Chico da Matilde, o Dragão Mar, José Napoleão e a Preta Tia Simoa com o apoio dos clubes e imprensa abolicionista de Fortaleza empreenderam uma revolta antiescravista para impedir o embarque de trabalhadores negros escravizados para trabalhar nos cafezais do sudeste. A Revolta dos Pescadores que se deu entre os dias 28 a 31 de agosto de 1881, obrigou o governo da Província do Ceará a acabar com tráfico de seres humanos escravizados. Com o lema no "Ceará não se embarca mais escravos" os jangadeiros impuseram um duro golpe nos escravocratas cearenses.

Após a revolta de 1881 contra o tráfico interprovincial de escravizados os trabalhadores negros cearenses recrudesceriam mais ainda sua luta contra a escravidão e em 1883 a Câmara Municipal de Acarape aprovaria a emancipação dos escravizados daquela vila, logo em janeiro do mesmo ano de 1883 seria a vez do vizinho município de Redenção também decretar o fim da escravidão. Ainda em maio de 1883 a Câmara de Vereadores de Fortaleza aprovou igualmente a emancipação dos escravizados. As pressões dos trabalhadores negros livres e escravizados contra o trabalho escravo aumentariam ao longo do ano de 1883, em outubro de 1883, a Assembleia Provincial votou e o presidente da província sancionou um aumento no imposto cobrado sobre a matrícula dos escravizados para o ano de 1884, com este aumento que avultava acima do valor do próprio negro escravizado as autoridades cearenses pretendiam obrigar os donos de escravos a emanciparem seus escravizados desencorajados pelo imposto acima do valor do escravo.

A estratégia deu certo, pois a partir daí vários proprietários de escravos em vez de matricular seus pretos escravizados preferiram emancipá-los, em 25 de março de 1884 motivados pela opinião pública as autoridades de vários municípios cearenses aderiram a prática das emancipações coletivas. Não houve uma lei proibindo a escravidão no Ceará, mas um entendimento coletivo, no entanto nem todas as câmaras municipais aderiram aos pedidos de emancipação coletiva dos escravizados, foi o que se deu em Milagres, Assaré, Brejo Seco e Jardim. Nesses municípios a escravidão continuaria existindo após o dia 25 de março de 1884.

Em Milagres a renitência dos senhores escravocratas iria além do ano de 1884. Enquanto aparentemente todos os municípios haviam aceitado emancipar os escravizados ao longo do ano de 1884 em Milagres não se deu tal fato, pois no começo do ano de 1885 os jornais abolicionistas de Fortaleza começaram a receber denúncias de cidadãos da vila denunciando que o juiz Joaquim do Couto Cartaxo em aliança eleitoral com o político cratense Leandro Ratisbona e outros escravocratas de Milagres se recusavam a fazer a matrícula dos escravizados de acordo com o estabelecido pela lei de 19 de outubro de 1883 e assim continuavam mantendo trabalhadores escravizados no município.

A imprensa logo começou a apelidar o juiz Joaquim do Couto Cartaxo de juiz negreiro e inúmeros protestos contra a continuidade da escravidão em Milagres foram publicados nos jornais. Além desses protestos, os trabalhadores negros livres ou escravizados de Milagres intensificaram seus combates contra a permanência da escravidão. Fugas para municípios vizinhos aonde já não havia mais escravidão se tornaram frequentes, ataques físicos contra senhores escravocratas também se tornaram frequentes em Milagres. A sociedade abolicionista de Milagres Protetora da Liberdade fundada em 1882 por pessoas brancas e negras do município recrudesceu seu trabalho de compra de alforrias e ajudas para a fuga de pretos e pretas milagrenses escravizados.

Denunciado ao presidente da província Miguel Calmon du Pin, o juiz Joaquim do Couto Cartaxo foi obrigado a redigir um relatório informando as autoridades quantos escravizados ainda havia em Milagres, o que se sabe é que em 1885, cerca de 330 pessoas ainda estavam trabalhando como escravos no município. As lutas cresceram ao longo do ano de 1885 e 1886 se tornaram cada vez mais intensas e finalmente o presidente Joaquim da Costa Barradas intimou o juiz a fazer o relato da condição dos escravizados em Milagres, de posse do documento o governo da província exigiu que o juiz Couto Cartaxo promovesse a matrícula dos escravizados o que passou a ser feito a partir do mês de novembro de 1886, em 18 de dezembro de 1886 Joaquim do Couto Cartaxo informou ao presidente Enéas de Araújo Torreão que os donos de escravos de Milagres não vendo nenhuma vantagem em pagar o altíssimo valor para matricular seus escravos preferiram emancipá-los, não havendo mais nenhum escravo em Milagres mais já no natal deste ano de 1886.

Assim, a escravidão em Milagres acabou no dia 18 de dezembro de 1886, dois anos e nove meses após as emancipações coletivas de 25 de março de 1884. Mas ao longo desses quase três anos de renitências escravistas em Milagres as lutas contra a escravidão não cessaram,pois os pretos e pretas do município que eram a maioria da população nunca se renderam ao escravismo, e assim pode-se afirmar que Milagres não foi o último município do Ceará a acabar com a escravidão, mas o município onde as lutas contra a escravidão continuaram para além do dia 25 de março de 1884.

MILAGRES NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX

Em 1889 a monarquia brasileira foi abolida após o golpe militar de 15 de novembro, as lideranças republicanas civis e militares que vinham conspirando contra a família imperial brasileira e criticando a manutenção do sistema de governo monárquico desde a década de 1870 alcançou finalmente a vitória e uma das lideranças do golpe de estado o marechal Deodoro da Fonseca foi proclamado presidente provisório da república. Nos meses que se seguiram ao golpe militar de 15 de novembro de 1889 a elite latifundiária que havia dado pleno apoio ao golpe contra a monarquia passou a trabalhar para reorganizar os pactos de poder que podiam ser rompidos caso os não os reestruturasse de acordo com os novos ventos da política nacional.

No nordeste do Brasil os latifundiários temiam perder seus privilégios políticos e econômicos devido as sucessivas crises do açúcar e a extinção do trabalho escravizado em 1888, pois a região Nordeste outrora tão rica e que garantia com sua economia de base agrária mais da metade das riquezas nacionais estava há quase meio século em crise produtiva e via o Sul e o Sudeste ascenderem economicamente e politicamente. A república veio consolidar decisivamente o poder dos latifundiários da região Sul e Sudeste do país, mas o poderosos latifundiários do Nordeste ainda procurariam se manterem firmes na balança política da república proclamada em 15 de novembro de 1889 negociando acordos eleitorais com as elites cafeicultoras de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

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Município de Milagres no começo do século XX (Fonte: Memória Milagrense).

No Estado do Ceará os poderosos donos de terra assumiriam logo a bandeira do republicanismo, isto é, praticamente não tiveram dúvidas em abandonar os ideais monarquistas que defendiam ainda nos últimos estertores do Império do Brasil para aderirem ao movimento republicano. Rapidamente as lutas em favor da república se espalharam pela Província do Ceará e chegaram ao sul do estado, isto é, na região do Cariri.

Em 1887 um grupo de cidadãos, proprietários de terra em Milagres fundaram um diretório do Partido Republicano no município. Milagres foi o primeiro município da região sul do Ceará a possuir um grêmio republicano ativo. Faziam parte desse grupo homens poderosos como o juiz Joaquim do Couto Cartaxo, o subdelegado local Domingos Leite Furtado, o fazendeiro Belarmino Ferreira Lins, o fazendeiro José Belém de Figueiredo e outros homens igualmente poderosos no Vale do Riacho dos Porcos. Os membros do Partido Republicano de Milagres escreviam manifestos em favor da república federalista para os jornais de Fortaleza e se correspondiam com lideranças republicanas cearenses e pernambucanas.

A adesão dos fazendeiros de Milagres ao movimento republicano seria logo recompensada ainda no ano de 1890, quando o o juiz Joaquim do Couto Cartaxo, político poderosos no município na década de 1880 foi eleito deputado constituinte para elaborar com os outros pares a primeira constituição republicana do Brasil. Os outros também logo seriam recompensados pelas novas lideranças da política cearense, principalmente o oligarca maior o Ceará, o todo poderoso Antônio Pinto Nogueira Acioly que desde a segunda metade da década de 1880 já vinha assumindo a posição de chefe político supremo do Ceará.

Em 1892 os acordos políticos entre as lideranças oligárquicas do estado e as elites urbanas de Fortaleza favoreceram a ascensão definitiva de Nogueira Acioly ao mando político do estado do Ceará. A partir desse momento o poderoso oligarca irá construir uma rede de poder que unia todas as forças políticas oligárquicas a sua volta. Em Milagres os maiores beneficiários foram os fazendeiros José Belém de Figueiredo e Domingos Leite Furtado. O primeiro receberia apoio necessário para se sustentar-se como intendente (prefeito) do município do Crato e outro como intendente do município de Milagres, estes eram dois dos mais importantes municípios do Ceará e os mais ricos do Cariri.

O município de Milagres entrou no século XX sob o comando do coronel Domingos Leite Furtado. Ao longo das duas primeiras décadas deste século Domingo Furtado seria um dos homens mais poderosos da política local e cearense. Mas o poder desses coronéis que governavam despoticamente os município era autocrático e violento e a população de Milagres, população essa formada em sua grande maioria por trabalhadores rurais negros e pobres sofrerão a violência dos coronéis. Até a década de 1940, os coronéis governarão Milagres e imporão seu mando político através da força e da violência física e institucional.

O CORONEL JOSÉ BELÉM DE FIGUEIREDO

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Coronel José Belém de Figueiredo, nascido em Milagres foi o todo poderoso político do Cariri entre 1892 a 1904 junto ao coronel Domingos Leite Furtado consolidaram o poder dos coronéis no sul do Ceará.

José Belém de Figueiredo nasceu no Sítio Exu, Vila de Nossa Senhora dos Milagres no ano de 1853, viveu até a sua juventude como agricultor, até casar-se com a filha do fazendeiro capitão Luís Inácio de Oliveira Rocha, um rico proprietário local, dono da Fazenda Santa Catarina. Casado com Maria de Oliveira Rocha, José Belém de Figueiredo transferiu-se do Sítio Exu para morar na sede do município onde estabeleceu uma casa comercial que logo prosperou. Seus parentes perceberam imediatamente o talento de José Belém para o comércio e um deles, seu irmão Antônio Belém de Figueiredo o convidou para associar-se com ele numa casa comercial na cidade do Crato.

A casa comercial de Antônio Belém era rica e prosperaria mais ainda com a sociedade de José Belém. Entre 1885 e 1890 a firma Belém & Irmão se tornaria uma das mais prósperas do Crato. A medida de José Belém de Figueiredo se estabelecia como um dos mais abastados comerciantes do Crato, ele procurava fazer igualmente importantes alianças políticas com os chefes do poder tanto no Crato quanto nos outros municípios do Cariri. Assim, já nos anos finais da década de 1880, José Belém tinha importantes amigos dentro da política cratense e cearense. Possuindo grande inteligência política, José Belém logo anteviu as largas possibilidades políticas e econômicas que o advento da república lhe traria. Enquanto outras lideranças políticas do Crato se mantinham em dúvida com relação ao apoio a causa republica e a com relação a certeza da vitória da república sobre a monarquia, José Belém sempre assumiu posição decisiva.

No final do governo do imperador Dom Pedro II a principal força política do Crato era o coronel José Antônio de Figueiredo, mas este era um político indeciso, não tendo a certeza da vitória da república, temia aderir completamente ao Partido Republicano e perder os favores dos monarquistas. Diante das suas indecisões resolveu nomear para assumir o comando das atividades antimonarquistas no Crato e no Cariri alguém em quem ele pudesse confiar e manipular na ocasião propícia. Assim, o coronel José Antônio de Figueiredo nomeou para delegado de polícia do Crato o enérgico cidadão milagrense e há cinco anos residindo no Crato, José Belém de Figueiredo.

José Belém de Figueiredo era muito inteligente para não suspeitar que os chefes da política cratense estavam jogando com ele para favorecer seus próprios interesses, mas assumiu o cargo decidido a tirar dele o melhor proveito possível. Desse modo, logo que assumiu o posto de delegado de polícia José Belém passou ao comando das atividades republicanas em oposição aos conservadores monarquistas. Em novembro de 1889 a república saiu vitoriosa e José Belém fortalecido na sua posição política como delegado do Crato.

Mas a república proclamada precisava se consolidar frente as possibilidades de uma restauração monárquica. Os anos de 1890 a 1892 foram particularmente críticos para a república recém proclamada. Movimentos revoltosos e que pediam o retorno ao regime monárquico faziam crer que haveria uma restauração do poder da família imperial. Temeroso de que houvesse uma derrocada da república o coronel José Antônio de Figueiredo não só deu mais poderes ao delegado José Belém, como no ano de 1892 o escolheu para ser o seu candidato único ao comando do município do Crato, José Belém seria o interventor do Crato, (seria o prefeito municipal).

O acordo de José Antônio de Figueiredo com os outros coronéis cratenses consistia no seguinte: José Belém seria eleito e nomeado interventor do Crato de forma provisória, até que a situação política do Brasil e do Ceará se equilibrasse e finalmente pendesse para os lados da república ou da monarquia, isto é, eles esperariam para ver quem venceria primeiro e depois José Belém devolveria a prefeitura (interventoria) ao coronel José Antônio de Figueiredo. No entanto, José Belém sabia que os poderosos latifundiários do Crato estavam apostando sua cabeça, caso a república saísse derrotada ele seria rifado e os coronéis nada sofreriam. Farejando a vitória certa da república, principalmente após a posse do vice presidente Floriano Peixoto no cargo de presidente da república em 1891 após a renúncia de Deodoro da Fonseca, José Belém um florianista convicto decidiu fortalecer-se no poder e assumir o controle da política no Crato e no Cariri, criando sua própria poderosa oligarquia.

Como delegado do Crato, José Belém organizou uma poderosa Guarda Local, composta de homens valentes e ferozes todos eles fiéis ao seu chefe. Uma vez escolhido intendente municipal em 1892, José Belém convocou um homem de sua confiança para comandar a sua guarda, esse homem foi o milagrense Jesuíno Antônio de Maria, a este seu amigo nomeou alferes e comandante da Guarda Local, para o posto de delegado escolheu um outro aliado seu, também de Milagres, Domiciano Ferreira Lima. Assim, a política do Crato ficou sob o comando da facção política da cidade de Milagres. Seis meses depois de ter assumido o cargo de intendente do Crato, José Belém de Figueiredo foi convidado a abandoná-lo, pois como o coronel José Antônio de Figueiredo não via mais perigo para a república queria reassumir o seu posto.

Foi neste momento que ficou bem evidente a jogada política de José Belém, pois este não somente se recusou a deixar o poder sobre o município do Crato, como fundou sua própria facção política e passou a perseguir aqueles que lhe faziam oposição. O coronel José Antônio de Figueiredo tentou resistir, mas a atuação violenta de Jesuíno Antônio de Maria, da Guarda Local e o temor de uma guerra com os aliados de José Belém o fez aceitar a derrota e convencer os seus próprios aliados e aceitarem a nova liderança política de José Belém.

A força política de José Belém aumentou e se consolidou definitivamente nas eleições de 1896, quando seu grupo político deu vitória massiva ao oligarca Nogueira Acioly no Crato e no Cariri. José Belém seria então reconhecido como chefe político do Crato e do Crairi e receberia o título e a patente de coronel da Guarda Nacional. Sua força crescente também aumentou sua prepotência e autocracia. Seus jagunços e sua Guarda Local comandada por Jesuíno Antônio de Maria aterrorizavam os cratenses, mas seu poder estava firme, pois tinha a seu lado o oligarca cearense Nogueira Acioly.

Em 1900 o coronel José Belém já era praticamente invencível, sua oligarquia belenista tinha influência decisiva sobre todo os Cariri. A eleição de Pedro Borges um aciolista convicto para presidente do Ceará e de Nogueira Acioly para senador dera mais poder a José Belém, mas a oposição no Crato aumentava dia a dia, pois a força policial de José Belém não poupava os desafetos do coronel e até pessoas inocentes eram atacadas e violentadas por Jesuíno Antônio de Maria. As manifestações contra José Belém ganharam força no ano de 1893 e se intensificaram quando um jovem cratense de nome Sinoblino foi assassinado por membros da Guarda Civil no Sítio Buenos Aires e o cadáver humilhantemente exposto em cima de jumento pelas ruas do Crato.

Para demonstrar sua força, José Belém convidou todos os poderosos coronéis do Cariri para participarem de um banquete em homenagem ao seu amigo e conterrâneo coronel da guarda nacional Domingos Leite Furtado, chefe político de Milagres. Compareceram ao Crato para tomarem parte nas homenagens ao coronel Domingos Furtado os coronéis: Antônio de Santana (Missão Velha), Roque de Alencar (Santana do Cariri), Joaquim Alves da Rocha (Jardim), Antônio Mendes (Assaré), Marcolino Alves (Quixará) padre Lacerda (Saboeiro) e outras numerosas lideranças políticas locais. O banquete realizou-se em 06 de setembro de 1903 e foi pontuado por inúmeros discursos em louvor de Domingos Leite Furtado, de José Belém, de Nogueira Acioly e Pedro Borges. Ao final do banquete houve um espetáculo pirotécnico na Praça da Sé em Crato e no dia seguinte os jornais de Fortaleza e do Rio de Janeiro noticiaram o evento.

Mesmo diante dessa demonstração de força do coronel José Belém a oposição do Crato não se intimidou e as violências do alferes Jesuíno Antônio de Maria aumentaram para reprimir os adversários de José Belém. A revolta contra o poderoso político milagrense e que controlava o Crato era apenas uma questão de tempo. O estopim dessa revolta foi uma confusão do alferes Jesuíno com um grupo de jovens cratenses numa noite de novembro de 1903. Durante a noite de 07 de novembro de 1903 um grupo de 19 jovens da cidade do Crato passeavam pelas ruas da sede do município fazendo uma serenata ao som da viola, quando foram abordados pelos alferes Jesuíno e mais 15 comandados seus. Jesuíno Antônio de Maria os interrogou sobre aquela passeata política, os jovens reagiram informando que tratava-se apenas de uma serenata, mas o alferes não acreditou e deu ordens para dispersão do grupo, alguns fugiram, mas dois deles, Horácio Jácome, cunhado do coronel Nelson da Franca Alencar e Augusto da Silva Bacural decidiram enfrentar o alferes que foi ferido. A reação da Guarda Local foi imediata, os soldados atacaram aos jovens e Horácio Jácome foi ferido mortalmente enquanto Augusto Bacural conseguiu fugir e se esconder ferido numa casa próxima.

Nos meses que se seguiram a população do Crato se dividiu em dois grupos políticos distintos: os Maxixes, oposição ao coronel José Belém e os Malabares seus aliados. Para liderar a oposição foi escolhido o ex-belenista coronel Antônio Alves Pequeno que conseguiu o apoio do poderoso coronel Nelson da Franca Alencar e outros latifundiários cratenses. José Belém também contava com o apoio de forças importantes, mas a falta de pronunciamento do senador Nogueira Acioly a seu favor o punha sob suspeita. Enquanto o problema no Crato não se resolvia Nogueira Acioly mantinha um atitude supostamente neutra esperando ver qual dos grupos políticos sairia vencedor desta guerra entre coronéis para ele mandar o telegrama de congratulações ao vencedor da refrega, para ele não importava quem venceria se Maxixes ou Malabares, sabia que ambos os grupos estariam sempre a seu favor na política estadual.

Os dois grupos começaram a se armar e formar o seu exército, em junho de 1904 as lutas já eram intensas e os coronéis do partido Maxixe logo demonstraram maior capacidade de articulação, ocupando posições estratégicas na Chapada do Araripe contrataram bandos armados em Pernambuco e cercaram o Crato, o coronel Belém concentrou suas forças na Praça da Sé e expediu um pedido de ajuda para o coronel Domingos Leite Furtado, estava disposto a resistir contra a aliança das oligarquias cratenses que estavam combatendo seu poder sobre o município. As forças armadas dos Maxixes, isto é, jagunços e cangaceiros logo ocuparam as ruas do Crato e cercaram a casa de José Belém que já não possuía mais o apoio popular e somente alguns fiéis continuavam a seu favor. Sua única esperança era a chegada do coronel Domingos Leite Furtado, mas este tardava em seu socorro e não resistindo mais ao cerco de sua residência, José Belém rendeu-se e concordou em fazer a paz com os Maxixes, quando Domingos Furtado chegou ao Crato com seus homens, já o coronel José Belém havia se rendido e se preparava para deixar a cidade do Crato.

A vitória das armas dos jagunços e cangaceiros contra José Belém e a favor de Antônio Alves Pequeno na cidade do Crato deu ao coronel Domingos Leite Furtado a certeza de que Milagres poderia ser o próximo município a ser atacado pelos bacamartes dos seus inimigos, assim como ocorrera em Barbalha e Crato, Por esse motivo aliou-se ao major José Inácio de Sousa para formar um dos mais poderosos bandos de cangaceiros do Nordeste.

O CORONEL DOMINGOS LEITE FURTADO

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Coronel Domingos Leite Furtado, poderoso político do Cariri e autocrata de Milagres entre 1888 a 1918.

Domingos Leite Furtado, natural do Sítio Coité localizado atualmente no município de Mauriti, foi sem dúvida um dos mais poderosos coronéis do Cariri e do Ceará, enquanto viveu e exerceu seu poder discricionário sobre Milagres não houve bando de cangaceiros ou qualquer outro coronel comandando exércitos de jagunços que ousassem atacar o município de Milagres e depô-lo da intendência como aconteceu em outros municípios da região do Cariri.

O coronel Domingos Leite Furtado como ficou mais conhecido entre seus pares e em todo o Cariri, nasceu no ano de 1842 e era filho de um dos mais prósperos latifundiários da Povoação de Nossa Senhora dos Milagres, o rico proprietário João Furtado Leite (Janjote), importante aliado do político cratense José Martiniano de Alencar que presidiu o Ceará na década de 1830 e que se fez senador do Império do Brasil e um dos articuladores do Golpe da Maioridade em 1839. Foi essa aliança política dos proprietários milagrenses com a poderosa família Alencar da cidade do Crato que favoreceu a emancipação de Milagres em 1846.

João Furtado Leite era casado com Francisca das Chagas do Nascimento e ligado por laços de parentesco aos poderosos proprietários rurais do Podimirim e da Várzea das Emas, os Morais, família rica que vivia em Milagres desde meados do século XVIII. O sr. Janjote criou o filho para ser seu herdeiro e assumir posição de destaque na região do Riacho dos Porcos, pois sabia ele que com a emancipação de Milagres que até 1846 estava juridicamente subordinada a Vila de Jardim logo o novo município do Cariri chamaria a atenção das elites políticas locais e do Ceará, pois possuía uma próspera lavoura de cana-de-açúcar e seus rebanhos eram dos melhores da Província do Ceará.

O fazendeiro João Furtado Leite estava certo, pois já em 1860, Milagres despontava como uma das cidades mais prósperas do Ceará. Domingos Leite Furtado foi enviado pelo pai para estudar no Crato aonde aprendeu a ler e escrever, mas a partir de 1856 frequentou o colégio do padre Inácio de Sousa Rolim na cidade de Cajazeiras, Província da Paraíba. Desse modo foi educado em dos mais prestigiados colégios do interior nordestino daquela época. Em 1862 a epidemia de cólera se alastrou pelas cidades do sertão nordestino e não foi diferente nem na Paraíba nem tampouco no Ceará. Domingos Leite Furtado com 20 anos voltou a Milagres para ajudar ao pai na administração das propriedades da família. Passou a residir na Fazenda Tabocas. Em 1867 participou com outros fazendeiros locais do ataque a aldeia indígena da Serra da Cachorra Morta e assim foi granjeando os favores das lideranças políticas de Milagres.

Já como eleitor vinculado ao Partido Conservador cuja liderança em Milagres estava nas mãos do delegado Jesus da Conceição Cunha foi nomeado subdelegado da vila em 1875. Domingos Leite Furtado nesse tempo foi acusado de proteger escravos fugitivos em suas propriedades, defendeu-se perante a Câmara Municipal de Milagres demonstrando que nenhum dos negros que viviam sob sua guarda eram fugitivos e que as acusações que lhe eram dirigidas vinham do fato de haver favorecido ao direito de um preto chamado Mingu, Voluntário da Fortuna e que após sete anos de ausência a mando do delegado Jesus da Conceição Cunha retornara livre da Guerra do Paraguai e se abrigara com sua mãe em uma casa construída por ele mesmo nas proximidades de sua Fazenda Nazaré.

Ao assumir a herança deixada por seu pai João Furtado Leite, Domingos Furtado decidiu que aumentaria significativamente sua fortuna e da própria família. Assim foi que em 1869 casou-se com a prima Praxedes Maria Furtado de Lacerda, nascida em 1848 e filha de Pedro Furtado de Lacerda, (seu tio Pepedro) e Maria Cavalcante de Lacerda. Como herdeiro de uma das maiores fortunas de Milagres e procurando ascender a categoria de um dos mandatários políticos da vila, Domingos Furtado decidiu vir residir em posição estratégica de onde pudesse controlar tanto as suas propriedades, como se manter próximo aos acontecimentos políticos mais importantes que vinham se sucedendo no Ceará.

Assim foi que em 1871 começou a investir suas energias para comprar a Fazenda Nazaré pertencente a um parente seu, o proprietário João Leite de Morais. No entanto João Leite de Morais aconselhado por sua filha Argina Juscelina Leite de Morais que era viúva e auxiliava o pai na administração da propriedade recusou-se a vender a fazenda. Domingos Furtado Leite não se abateu e passou a fazer duro assédio ao fazendeiro João Leite de Morais e ajudado pelo delegado Jesus da Conceição Cunha conseguiu obrigá-lo a vender por baixíssimo preço a dita fazenda em 1872. Desse modo o proprietário João Leite de Morais e sua família foi expulsa da Fazenda Nazaré e passaram a residir no Sítio Quixabinha, atualmente município de Mauriti.

De posse da Fazenda Nazaré, Domingos Furtado passou a atuar ao lado das forças políticas que comandavam Milagres. Ao mesmo tempo procurava manter contato com os bandos armados de jagunços que viviam na região, pois em 1876 era um dos protetores dos Viriatos, criminosos perseguidos pela justiça da Província de Pernambuco e que haviam se refugiado no Ceará, mais especificamente no Cariri Oriental. Aos poucos Domingos Furtado Leite vai galgando importantes posições no grupo dos mandatários locais. Em 1877 com a morte do poderoso líder político Tomaz Pompeu de Sousa Brasil, senador pelo Partido Liberal e a força que mantinha a unidade política do grupo houve uma ruptura que vai permitir ascensão de novas lideranças entre essas figuras está a de Antônio Pinto Nogueira Acioly (genro do senador Pompeu) que passará a comandar a dissidência dos Liberais-Pompeu enquanto Vicente de Paula Pessoa passou a comandar os Liberais-Paula.

As cisões não ficaram restritas ao Partido Liberal no Ceará, elas também ocorreram no Partido Conservador. Essas rupturas obrigaram as elites dos municípios cearenses também procederem a um rearranjo na política local e assim também aconteceu em Milagres. No princípio de 1880, após quase vinte e cinco anos como delegado e mandatário de Milagres, Jesus da Conceição Cunha, viu seu grupo político ligado ao Partido Conservador se fragmentar e a força política de seu inimigo Joaquim do Couto Cartaxo líder do Partido Liberal em Milagres crescer. Em 1882 o acirramento dos embates abolicionistas no Ceará e em Milagres aumentaria ainda mais as disputas políticas locais. Os conservadores apoiariam a criação da Associação Abolicionista Protetora da Liberdade em Milagres enquanto os liberais passariam a combater a emancipação dos escravizados.

As eleições de maio de 1884, ocorridas dois meses após as emancipações coletivas de 25 de março desse ano foram favoráveis ao juiz Joaquim do Couto Cartaxo e seu grupo político ligado ao deputado cratense Leandro Ratisbona e ao político Nogueira Acioly. Joaquim do Couto Cartaxo ganhara a eleição prometendo aos donos de escravizados que não eram obrigados a emancipar seus escravos. Logo foi apelidado na imprensa cearense de juiz negreiro e em toda a Província do Ceará começou-se a fazer uma intensa campanha contra ele. Por esse tempo já estava claro para Domingos Leite Furtado que precisava aliar-se as forças políticas que estavam triunfando em todo o Ceará. Rompeu com os "Caranguejos" (grupo conservador) e se aliou aos Liberais-Pompeu, essa aliança foi logo recompensada, pois em 1886 foi nomeado delegado do Termo de Milagres.

Uma vez escolhido para ser delegado do município de Milagres, Domingos Leite Furtado obteve a patente de capitão e passou a manobrar com as questões políticas locais, naquele ano de 1886 a principal polêmica que mobilizava a imprensa e as lideranças da política cearense era a permanência da escravidão em Milagres sustentada pelo juiz Joaquim do Couto Cartaxo. Mas no segundo semestre de 1886 o governo provincial havia dado um ultimato ao juiz, solicitando que este providenciasse o cumprimento da lei de 19 de outubro de 1883 ou instruísse os proprietários de escravos de Milagres a emanciparem seus escravizados. Sabendo que não poderia opor-se ao mesmo tempo a opinião pública e as autoridades provinciais, Joaquim do Couto Cartaxo enviou relatório ao presidente da Província do Ceará informando já não haver escravizados em Milagres no ano de 1887.

O problema é que nem todos os escravocratas estavam dispostos a cumprirem as ordens do juiz e desses escravocratas renitentes foi o capitão Antônio Leite Rabelo da Cunha, fazendeiro abastado de Milagres e proprietário da Fazenda Rosário localizada no Podimirim. Antônio Leite Rabelo da Cunha era poderoso, pois possuía inúmeras propriedades tanto no Cariri, como no Vale do Riacho dos Porcos e outras províncias do Nordeste. Escravocrata, recusava-se a emancipar seus escravizados e ao se sabe tratava barbaramente seus trabalhadores negros escravizados. Informações da época afirmam que Antônio Leite Rabelo da Cunha tinha por hábito separar as famílias de pessoas escravizadas, separava filhos de suas mães, esposos e irmãos, vendendo-os separadamente, era também um dos maiores fornecedores de trabalhadores escravizados para o tráfico interprovincial de seres humanos.

A Protetora da Liberdade (associação abolicionista de Milagres) moveu intensa campanha contra este fazendeiro, facilitando a fuga de escravizados de sua fazenda, escondendo os fugitivos, levando-o ao tribunal. Contra si, o capitão Antônio Leite Rabelo da Cunha tinha também o pároco de Milagres o padre Manoel Rodrigues de Lima que proferia discursos inflamados no púlpito da igreja matriz contra o fazendeiro escravocrata. Obrigado a cumprir as determinações do governo provincial, Joaquim do Couto Cartaxo se viu também obrigado a romper com o capitão Antônio Leite Rabelo da Cunha e solicitar ao delegado capitão Domingos Leite Furado que desse uma batida na fazenda do capitão Antônio Rabelo.

A situação política ficou tensa em Milagres ao longo do ano de 1887. Antônio Leite Rabelo da Cunha escreveu ao jornal A Constituição denunciando os desmandos do juiz e do delegado, informava ele que estava sendo perseguido por ambos e também pelo pároco. O capitão Domingos Leite Furtado preparou uma tropa para fazer buscas na Fazenda Rosário, o objetivo era descobrir se as denúncias de que o capitão Antônio Rabelo mantinha negros escravizados era verdadeira. Mas a ação policial não pode ser levada a cabo, pois em mais de 1888 a Lei Áurea acabou com a escravidão. No entanto as intrigas políticas entre os dois fazendeiros poderosos continuaram e em agosto de 1888, o delegado de Milagres, capitão Domingos Leite Furtado foi emboscado e baleado por um jagunço durante uma viagem que fazia de Jamacaru, (Missão Velha) de volta a Milagres.

Domingos Leite Furtado não teve nenhuma dúvida de quem fora o mandante do crime e logo contratou outro jagunço para vingar-se de Antônio Leite Rabelo da Cunha, que por sinal era seu primo. O crime contra o capitão Antônio Rabelo deveria ser perpetrado num dia de feira em Milagres, mas inexplicavelmente o jagunço de Domingos Leite Furtado em vez de alvejar o capitão Antônio Leite atentou mais uma vez contra a vida de Domingos Furtado. Em depoimento o "cabra" afirmou que cometera um engano terrível, pois atirara contra seu contratante m virtude de ser este muito semelhante ao capitão Antônio Leite Rabelo da Cunha.

A troca de acusações entre os dois fazendeiros na imprensa da capital da Província do Ceará continuou ao longo do ano de 1888. Em abril, Domingos Leite Furtado acusou o primo de caluniá-lo e de estar espalhando mentiras a seu respeito. João Leite Rabelo da Cunha dirigiu carta aberta aos jornais denunciando o autoritarismo e violência do delegado de Milagres. Em 1887 a Protetora da Liberdade se transformou em Partido Republicano de Milagres e os cidadãos mais importantes do município logo a ele se associariam, inclusive o próprio Domingos Leite Furtado. O capitão Antônio Leite Rabelo da Cunha foi para a oposição e permaneceu fiel a monarquia. Temia-se que em 1889 a cidade de Milagres se visse mergulhada na violência provocada pelo inevitável choque entre os grupos armados do delegado capitão Domingos Leite Furtado e do fazendeiro capitão Antônio Leite Rabelo da Cunha.

Temeroso de que os dois primos incendiassem toda a região com sua guerra pessoal o coronel Manoel Inácio Bezerra se propôs a pacificar os contendores. Desse modo serviu de negociador entre as duas partes e finalmente conseguiu os termos de paz de ambas as partes. Convenceu Domingos Leite Furtado a abandonar as acusações contra Antônio Rabelo e deste conseguiu que abandonaria Milagres indo fixar-se no Distrito de Brejo dos Santos. Com o fim da oposição do capitão Antônio Leite Rabelo da Cunha e a proclamação da república em 1889, Domingos Leite Furtado emergiu já na última década do século XIX como a grande liderança política de Milagres.

Em 1882 o capitão Domingos Leite Furtado foi nomeado para ser o intendente de Milagres, cargo que manteria praticamente até a sua morte. A ascensão de seu grande amigo e aliado José Belém de Figueiredo como intendente do Crato em 1892, Domingos Leite Furtado formaria com este uma poderosa facção política no Cariri. A vitória esmagadora de Nogueira Acioly para presidente do Ceará em 1896 com os apoios incontestáveis dos coronéis do Carri sob a liderança de José Belém de Figueiredo, deu ainda mais poder a Domingos Leite Furtado, pois sua força política no Cariri Oriental havia sido demonstrada com a votação esmagadora dada a Nogueira Acioly na região. Assim, o capitão Domingos Leite Furtado vai comprar a patente de coronel da Guarda Nacional e aos sessenta anos de idade, no princípio do século XX é o chefe político incontestável de Milagres e um dos coronéis mais poderosos do Ceará e do Nordeste.

O banquete realizado no dia 03 de setembro de 1903 em sua homenagem na casa do coronel José Belém de Figueiredo na cidade do Crato, não foi somente uma festa para que José Belém angariasse as graças e favores de seu amigo, mas foi seguramente um evento de demonstração do poder e da riqueza do coronel Domingos Leite Furtado, sem nenhuma dúvida um dos mais poderosos coronéis de sua época.A queda de José Belém como intendente do Crato poderia tê-lo enfraquecido, mas Domingos Leite Furtado soube manter sua aliança com Nogueira Acioly e para evitar que outros coronéis seus inimigos invadissem Milagres para depô-lo fortaleceu sua aliança com o major José Inácio de Sousa, (Zé Inácio do Barro), seu braço direito desde 1892.

O coronel Domingos Leite Furtado autorizou ao seu amigo Zé Inácio do Barro a contratar jagunços para proteger suas propriedades e ficarem a postos para atenderem ao seu chamado caso precisasse defender-se de algum inimigo. Logo o bando de jagunços e cangaceiros comandados por Zé Inácio e a serviço de Domingos Leite Furtado se tornou um dos mais temidos da região do Cariri. Quando algum outro coronel das cidades vizinhas queriam apear um inimigo do poder vinha pedir ao coronel Domingos Leite Furtado apoio e cabras para mover sua guerra particular. O exército de jagunços e cangaceiros do coronel Domingos Leite Furtado se tornou temido e logo Zé Inácio do Barro passou a utilizá-lo em proveito próprio. Ao longo da década 1900 vários foram os coronéis do Cariri depostos pela força dos jagunços e cangaceiros armados de bacamarte. Deposições ocorreram em Missão Velha, Aurora, Santana do Cariri, Jardim, Quixará. Em outros municípios para evitar a deposição pela força o próprio coronel se rendia e entregava de bom grado o poder, como ocorreu com o coronel Basílio em Brejo Santo.

A guerra entre os coronéis chegou a um ponto tão extremo de violência que em 1911, o padre Cícero Romão Batista decidiu convocá-los para uma assembleia em Juazeiro do Norte e negociar com eles a paz. A reunião dos potentados do Cariri ocorrida em outubro de 1911, ficou conhecida como Pacto dos Coronéis e o representante do coronel Domingos Leite Furtado de 69 anos nessa reunião foi o major Zé Inácio do Barro. O Pacto dos Coronéis definia como pontos principais do acordo que estes homens poderosos deixariam de fazer guerras entre si pelo poder, que adotariam o padre Cícero como seu conselheiro e embaixador, que jurariam fidelidade ao governador Nogueira Acioly. Assim foi feito, e Zé Inácio do Barro assinou a ata em nome do seu chefe coronel Domingos Leite Furtado.

Na década de 1910 o bando organizado por Zé Inácio e posto a serviço do coronel Domingos Leite Furtado ganharia reforços poderosos com a chegada a Milagres dos perigosos cangaceiros Sinhô Pereira e seu bando, Luís Padre, primo de Sinhô Pereira. Esses dois homens eram figuras perigosas e já traziam sobre si vários crimes. Domingos Leite Furtado os acolheu e os mandou para a guarda de Zé Inácio, sabia ele que protegendo aqueles homens das perseguições da polícia pernambucana e paraibana teria sob seu mando indivíduos corajosos e que combateriam em seu nome. Para fortalecer ainda mais o bando de Zé Inácio veio fugido de Pernambuco o assassino Virgulino Ferreira e seu irmão, que haviam cometido um crime de vingança naquele estado.

O bando de cangaceiros de Zé Inácio se tornara um dos maiores do sertão e amedrontava até os poderosos. A partir de então esse bando comandado por Zé Inácio e muitas vez por seu filho Tuburtino Inácio, o Gavião atacava as cidades das redondezas, Ceará, Paraíba e Pernambuco para depor coronéis ou simplesmente para saqueá-las. A polícia nada podia fazer, pois o bando tinha o apoio do coronel Domingos Furtado que tinha o apoio do governo estadual.

Em 1912 uma revolta em Fortaleza depôs Nogueira Acioly do cargo de presidente do Ceará, as eleições realizadas em março deste mesmo ano deram a vitória ao coronel do exército Franco Rabelo. A derrota de Nogueira Acioly significava a necessidade de reorganizar as forças políticas no Cariri, em Milagres ainda houve uma tentativa de se criar uma aliança para apoiar Franco Rabelo e alguns proprietários mais afoitos viram na vitória do candidato da oposição uma possibilidade de retirar Domingos Leite Furtado do poder. O coronel Domingos Leite Furtado decidiu não reagir imediatamente esperando ver para qual lado a balança do coronelismo iria finalmente pender.

Em 1913, a família Chicote de Brejo Santo aliada de Franco Rabelo solicitou ao governador a destituição de Domingos Leite Furtado da intendência, pretendiam eles vingar-se dos fatos ocorridos no passado contra o capitão Antônio Rabelo e também tirar desforra dos ataques infligidos a Brejo Santo pelo cangaceiro Tiburtino inácio filho do braço direito do coronel Domingos Leite Furtado. Apesar das pressões políticas Franco Rabelo não cedeu, pois enfrentava maiores problemas com a oposição aciolina que planejava apeá-lo do poder estadual. O segundo semestre de 1913 foi particularmente agitado no Ceará. Floro Bartolomeu da Costa braço direito do padre Cícero aliado de peso de Nogueira Acioly movia duríssima campanha contra Franco Rabelo. Em dezembro de 1913 a revolta estourou em Juazeiro do Norte, milhares de jagunços, cangaceiros, romeiros comandados por Floro Bartolomeu, Antônio Alves Pequeno e outros coronéis do Cariri se sublevaram contra o governador Franco Rabelo.

Franco Rabelo enviou tropas da Força Pública (polícia) para debelar a revolta, mas não conseguiu obter a vitória, logo os revoltosos de Juazeiro venceram os soldados do governo, invadiram e saquearam o Crato, depois Barbalha. Em Milagres, proprietários locais decidiram enviar homens para apoiar a luta em favor de Franco Rabelo, mas ao chegar em Missão Velha trocaram tiros com alguns soldados do governo que não os viram como auxiliares, mas como inimigos, alguns foram feridos e o bando de onze homens ao saber que os jagunços do padre Cícero já estavam em Iguatu voltaram a Milagres. O coronel Domingos Leite Furtado esperou pacientemente para saber para qual dos lados penderia a balança da política do coronelismo. Em fevereiro de 1914 teve a certeza de que os vencedores seriam o padre Cícero e Floro Bartolomeu, telegrafou imediatamente aos dois e em 15 de março telegrafou ao interventor estadual Setembrino de Carvalho, felicitando-o por ter saído vitorioso contra as forças que oprimiam o Ceará.

A vitória dos sediciosos de Juazeiro fez com que o poder político do padre Cícero e de Floro Bartolomeu chegasse ao seu auge. Em Milagres a força política parecia está cada vez mais pendendo para o lado do temido major Zé Inácio do Barro, pois o coronel Domingos Leite Furtado com 73 anos parecia igualmente temer Zé Inácio e seu bando. Era evidente que o sucessor de Domingos Leite Furtado no comando da política de Milagres seria o major José Inácio da Silva, pois o coronel Domingos e sua esposa Praxedes Maria não haviam tido filhos, seu sobrinho e filho adotivo Pedro Furtado de Lacerda (Pedro Velhinho), poderia ser o herdeiro político do tio ou pai adotivo, mas não possuía os mesmos talentos políticos de Domingos Furtado.

Zé Inácio do Barro era temido não somente em Milagres pelos trabalhadores pobres, mas também pelos proprietários locais e de outras cidades, assim em 1916 sugeriram ao coronel Domingos Leite Furtado que em virtude de sua velhice aceitasse nomear o comerciante Raimundo Alves Pereira como intendente de Milagres. Raimundo Alves Pereira era um cidadão cordato, próspero comerciante local, fazendeiro, tinha fama de bom administrador e era amigo e aparentado da família Leite Furtado. O coronel Domingos aceitou o acordo estratégico para impedir a ascensão de Zé Inácio ao controle da política local. A partir de 1916 começaram as articulações políticas para a sucessão segura do coronel Domingos Leite Furtado no controle político de Milagres e para o bloqueio das ambições de Zé Inácio do Barro.

Em 1918, ano da pandemia de gripe espanhola no mundo o coronel Domingos Leite Furtado foi uma das vítimas da gripe, faleceu aos 76 anos de gripe pulmonar no dia 27 de outubro de 1918 durante a madrugada. Foi sepultado dentro da capela de Nossa Senhora dos Remédios na sede de sua Fazenda do Nazaré. Mas a partir daí se iniciará um lustro conturbado na história de Milagres, as disputas pela herança política e pela fortuna do coronel Domingos Leite Furtado durarão até 1923 e terá como principal protagonista de uma verdadeira guerra civil no Cariri Oriental o major Zé Inácio do Barro.

MAJOR ZÉ INÁCIO DO BARRO

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Major Zé Inácio do Barro, um dos personagens mais complexos da história de Milagres e uma das figuras mais importantes do coronelismo no Nordeste. (Foto blog: Munganga Promoções).

A morte do velho coronel Domingos Leite Furtado sem deixar um herdeiro direto para assumir seu capital político principalmente no Cariri Oriental, desencadeou uma série de lutas pelo poder na região do Riacho dos Porcos. Nessa fase da história do município de Milagres se destacará a figura do temido major José Inácio de Sousa, o braço direito do coronel Domingos Leite Furtado e sem dúvida um dos seus maiores aliados e amigos.

A aliança entre Zé Inácio do Barro e o coronel Domingos Furtado foi costurada ao longo da década de 1890 e nos anos de 1900 a 1918 os dois se tornaram indissociáveis. A ascensão do coronel José Belém de Figueiredo ao poder supremo na política do Cariri foi em grande medida sustentada pelo coronel Domingos Leite Furtado e sua eminência parda, o major Zé Inácio do Barro. A milícia de jagunços e cangaceiros comandada por José Inácio da Sousa e posta a serviço do coronel Domingos Leite Furtado foi uma das mais poderosas e temidas do Cariri, pois compunha de mais de seiscentos homens armados sob o comando de dois coronéis que tinham alianças políticas importantes tanto no Ceará quanto na capital da república.

Zé Inácio do Barro nasceu no Sítio Prazeres, Distrito de Cuncas, no começo da segunda metade do século XIX. Seu avô, Chico Broca já havia atuado como cangaceiro nos sertões de Piranhas (PB) e Pajeú (PE), como também no Ceará no começo do século XIX.Seu pai Lino José Antônio era um fazendeiro da região, produtor principalmente de gado e milho. Zé Inácio nunca demonstrou como o pai atração para o trabalho e o cuidado da lavoura, preferindo atuar como administrador das propriedades do pai e negociante nas feiras locais. Casado com Maria Amélia Medeiros de Sousa, filha de um rico fazendeiros paraibano. Logo Zé Inácio entraria em choque com o sogro o coronel Olímpio, pois roubou uma carga inteira de tabaco de propriedade deste e foi negociá-la na feira do São Félix nas proximidades do Coité. Descoberto o roubo pelos próprios parentes, Zé Inácio procurou o chefe político de Milagres para pedir-lhe proteção, o coronel Domingos Leite Furtado deu-lhe a proteção solicitada e o abrigou na sua propriedade do Sítio Barro nas margens do Riacho das Antas.

Sob a proteção de Domingos Leite Furtado e de posse do Sítio Barro que comprou ao líder milagrense, Zé Inácio vai se tornar logo o homem de maior confiança do coronel Domingos. No período de 1892 a 1904, o coronel Domingos Leite Furtado e seu amigo e aliado José Belém de Figueiredo consolidaram a liderança política de Milagres na região do Cariri e impuseram seu mando sobre uma das cidades mais rica e importantes do Ceará naquele momento, a cidade do Crato. José Inácio de Sousa ao lado do coronel Domingos Furtado também foi beneficiado com o fortalecimento do poder político de Domingos Leite Furtado na região.

A década de 1900 a 1910 foi uma época de inúmeras deposições de coronéis por meio das armas pelos seus inimigos, o bacamarte reinou soberano no Cariri e nenhum coronel estava suficientemente seguro no poder caso não possuísse um exército de jagunços e cangaceiros a seu favor ou um outro coronel como aliado poderoso e que possuísse tal exército. Depois da deposição do coronel José Belém de Figueiredo em 1904 pelo seu inimigo Antônio Alves Pequeno, o coronel Domingos Leite Furtado sabia que Milagres poderia ser atacada a qualquer momento pelos cangaceiros a serviço dos poderosos políticos do Crato que haviam deposto José Belém. Desse modo deu ordens para José Inácio de Sousa formar um exército de homens igualmente ferozes que o protegesse quando a cidade de Milagres fosse atacada.

Aos poucos Zé Inácio do Barro já com a patente de major passaria a organizar seu bando de cangaceiros e o poria a serviço do amigo de Milagres. Zé Inácio oferecia a quantos desejassem a proteção do coronel Domingos Leite Furtado, aliado do presidente Nogueira Acioly e forte liderança política do Cariri com amigos poderosos na capital da república entre senadores, deputados e ministros. Criminosos da Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte passara a vir se refugiar em Milagres, mais especificamente nas propriedades de Zé Inácio e Domingos Leite Furtado e rapidamente o exército de cangaceiros já se compunha de centenas de homens.

Em 1908 o médico baiano Floro Bartolomeu da Costa chegou ao Cariri para negociar com o padre Cícero a exploração do cobre das minas do Coxá. As terras do Coxá pertenciam por doação ao padre Cícero Romão Batista, mas estavam em disputa judicial com o coronel Antônio Leite Teixeira, aliado do coronel Antônio Luís Alves Pequeno que temia a posse das minas do Coxá pelo padre Cícero, pois iria fortalecer politicamente Juazeiro justificando assim sua emancipação com relação ao Crato. Todos os documentos para os trâmites legais sobre o verdadeiro dono e quem tinha o direito de explorar o ouro e o cobre do Coxá estavam no fórum de Milagres, pois a maior parte das terras do Coxá pertenciam a este município e a outra parte em Aurora.

Para melhor defender seus interesses e representar também os do padre Cícero, seu amigo, Floro Bartolomeu decidiu instalar-se e residir em Milagres, mas enquanto voltava de uma viagem a Juazeiro foi tocaiado e baleado já nas proximidades do Rosário. Temendo por sua vida, Floro Bartolomeu da Costa pede proteção ao coronel Domingos Leite Furtado que o põe logo sob a guarda do major Zé Inácio do Barro, iniciando assim a sólida amizade entre o grupo político do padre Cícero e o grupo político de Milagres.

As disputas em torno da posse das minas de cobre do Coxá se intensificarão a medida que o momento da demarcação das terras se aproxima, decidido a impedir que seus inimigos conquistem mais espaço do que já possuíam na política cearense caso viessem a assumir o controle sobre as riquezas do Coxá, Antônio Luís Alves Pequeno potentado cratense negocia com o coronel Antônio Leite Teixeira o intendente de Aurora a resistência ao ousado médico Floro Bartolomeu da Costa que mal chegara ao Cariri e já conseguira aliança com os mais poderosos chefes da região. Como era primo do presidente do Ceará, Antônio Pinto Nogueira Acioly, o coronel Antônio Luis Alves Pequeno telegrafa a este solicitando garantias para o intendente de Aurora. O governo atende aos pedidos do coronel cratense e também do coronel e de outras autoridades de Aurora, envia para o Cariri um destacamento policial de sessenta homens sob o comando do tenente Florêncio. O objetivo era usar essa força policial para fazer uma batida no Sítio Taveira aonde escondiam-se os principais inimigos do coronel Totonho, o intendente de Aurora.

Temendo por sua vida, Dona Marica Macedo matriarca da poderosa família Macedo de Aurora e parente do coronel Domingos Leite Furtado deixou Aurora em direção a Missão Velha para obter a proteção de seu outro parente o coronel Antônio Joaquim de Santana. Antes de chegar a Missão Velha, Marica Macedo parou para pernoitar no Sítio Taveira que foi atacado pelos homens da Força Pública comandada pelo tenente Florêncio. O ataque da polícia foi revidado e os soldados foram postos em fuga, mas durante o ataque um dos filhos de Marica Macedo foi morto e esta imediatamente foi em busca do coronel Domingos Leite Furtado para garantir a vingança pela morte de seu filho. A morte do adolescente José Antônio Macedo (14 anos), filho de Marica Macedo foi o estopim para a guerra civil entre os coronéis que disputavam a posse do Coxá.

O coronel Domingos Leite Furtado telegrafou ao presidente Nogueira Acioly solicitando deste a retirada da força policial da cidade de Aurora, imediatamente foi atendido e o tenente Florêncio levou seus soldados de volta a Iguatu. Tão logo a tropa policial partiu de Aurora, Domingos Leite Furtado deu ordens ao major Zé Inácio para juntar seus homens e marchar para a sede do município de Aurora. Assim foi feito. No dia 23 de dezembro de 1908, Zé Inácio do Barro comandando cerca de 600 homens e sob a proteção de Domingos Leite Furtado e garantido por uma aliança de vários outros coronéis do Cariri atacou a cidade de Aurora e depôs o intendente coronel Antônio Leite Teixeira que foi levado prisioneiro para Lavras da Mangabeira.

A vitória do exército comandado por Zé Inácio do Barro em Aurora foi uma incrível demonstração de força do coronel Domingos Leite Furtado e de seu braço direito, o major. Em 1911 a confiança de Domingos Furtado em Zé Inácio era tamanha que ele foi o enviado para selar em nome do chefe de Milagres o Pacto dos Coronéis. A ligação de Zé Inácio do Barro com Floro Bartolomeu da Costa, padre Cícero Romão Batista e coronel Domingos Leite Furtado se aprofundou ainda mais com a crise do aciolismo a partir de 1912. Procurando apoios em todo o Ceará e principalmente nos poderosos coronéis do Cariri para se opor ao presidente Franco Rabelo e finalmente apeá-lo do governo do estado, Floro Bartolomeu da Costa negociou e conseguiu unir em torno da figura política e carismática do padre Cícero até mesmo coronéis inimigos entre si. Quando a Revolta de Juazeiro estourou em dezembro de 1913, o caudilho juazeirense conseguiu prontamente a ajuda de todos aqueles que se havia postos ao lado de Nogueira Acioly e do padre Cícero em 1911 durante a reunião de coronéis em Juazeiro do Norte.

Quando em fevereiro de 1914 ficou evidente tanto para o coronel Domingos Leite Furtado, quanto para os outros coronéis do Cariri que a força política de Floro Bartolomeu e do padre Cícero era a maior do Ceará, trataram de fortalecer os laços com a oligarquia de Juazeiro do Norte e o Ceará passou a ser cada vez mais procurado pelos cangaceiros e jagunços que eram perseguidos pela polícia nas províncias vizinhas. A banda oriental da Chapada do Araripe onde está localizada a cidade de Milagres tornou-se rapidamente o maior valhacouto de bandidos e assassinos do Cariri e do Ceará. Sob a proteção do coronel Domingos Leite Furtado e sob o comando de Zé Inácio do Barro ficarão os homens mais perigosos do sertão: Sinhô Pereira, Luís Padre, João Dedé, José Dedé, Raimundo Morais, Antônio Carneiro e outros muitos elementos não menos periculosos.

Com a morte de Domingos Leite Furtado em 1918, o major Zé Inácio do Barro estava pronto para se tornar o maior coronel de barranco do Cariri e um dos maiores do Nordeste. Acreditando que o amigo e aliado o deixaria como herdeiro político em Milagres, pois o servira fielmente por quase trinta anos, mas logo ficou evidente para Zé Inácio do Barro que nem a elite latifundiária de Milagres, nem tampouco a viúva Praxedes Maria Furtado de Lacerda estavam dispostos a conceder-lhe o poder no município. Logo Zé Inácio do Barro compreendeu que dona Praxedes Furtado de Lacerda entregava o controle das propriedades do coronel Domingos Leite Furtado ao sobrinho e filho adotivo, Pedro Furtado de Lacerda enquanto o comando da política de Milagres passava para as mãos do comerciante Raimundo Alves Pereira, alguém em quem elites locais confiavam e tinha boa fama de homem cordato e negociador.

O major Zé Inácio do Barro passou a alegar publicamente que o coronel Domingos Leite Furtado havia falecido devendo-lhe grande soma em dinheiro pelos serviços que lhe prestara durante mais de vinte anos, afirmava também que a viúva Praxedes Maria Furtado de Lacerda estava usando esse dinheiro que lhe era devido para fazer política contra ele. Três meses depois da morte do coronel Domingos Leite Furtado, o major Zé Inácio do Barro reuniu um grupo de homens e sob o comando do seu filho Tiburtino Inácio mandou cobrar seus supostos honorários atrasados a dona Praxedes Furtado de Lacerda na sede da Fazenda Nazaré nas proximidades de Milagres.

O bando sob o comando de Tiburtino Inácio chegou ao Nazaré no dia de São Sebastião em janeiro de 1919 quando o padre José Furtado de Lacerda parente em primeiro grau de dona Praxedes celebrava a missa em homenagem aquele santo na capela de Nossa Senhora dos Remédios onde jaziam os restos mortais do coronel Domingos Furtado. a viúva do coronel Domingos foi avisada pelo próprio Zé Inácio a não permanecer no Nazaré, mas decidida como era, ali permaneceu e entre testemunhou quando Tiburtino Inácio e seus comandados invadiram sua casa e cumpriram as ordens de Zé Inácio do Barro de saquear o que houvesse de valor na casa do falecido coronel Domingos Leite Furtado, principalmente dinheiro. O bando provido do saque voltou a Fazenda Barro e entregou tudo para Zé Inácio, mas este ainda não estava satisfeito e a partir desse episódio Zé Inácio comandando um poderoso bando de cangaceiros, bando esse que em 1921 receberia o reforço de Virgulino Ferreira, o lampião e seus irmãos, passou a espalhar a violência e o medo pelo Cariri oriental e os estados vizinhos da Paraíba e Pernambuco.

O começo da década de 1920 foi particularmente violento em Milagres, por várias vezes a cidade esteve a ponto de ser invadida pelos cangaceiros de Zé Inácio do Barro e os assaltos nas fazendas e casas de comércio do município eram constantes. A imprensa de todo o estado do Ceará denunciava as ações violentas de Zé Inácio e cobrava providências enérgicas do governador do estado e da polícia cearense. Com a eleição de Floro Bartolomeu para o cargo de deputado federal a vida dos cangaceiros no Cariri ficaria cada vez mais difícil, pois procurando limpar sua imagem na capital da república o próprio Floro Bartolomeu rompeu antigas alianças com os cangaceiros e passou a estimular a perseguição a estes. Zé Inácio respondeu a retirada de apoio tanto em Milagres, quanto de Floro Bartolomeu e do governo do estado do Ceará com o aumento de suas incursões violentas tanto nas cidades do Cariri Oriental como na Paraíba.

Mas o recrudescimento de suas ações violentas no sertão não o levou a nenhuma vitória decisiva e o poder político em Milagres manobrado por Praxedes Furtado de Lacerda passou definitivamente para as mãos do coronel Raimundo Alves Pereira. O major Zé Inácio ainda tentou uma reação violenta contra a família Lacerda em 1922, ao atacar o padre José Furtado de Lacerda no Coité, mas foi rechaçado e seu bando de cangaceiros posto em fuga. No ano seguinte, 1923, seria morto na Bahia, alcançando assim um fim trágico aquele que fora por duas décadas um dos homens mais temidos e poderosos de Milagres e uma das figuras mais singulares da história do Nordeste.

A GUERRA CONTRA O PADRE LACERDA DO SÍTIO COITÉ (1922)

Por ter sido ao longo da década de 1900 e 1910 o braço armado da família Furtado no Cariri, o major Zé Inácio acreditava que essa família lhe devia favores, dinheiro, reconhecimento e gratidão. Enquanto o coronel Domingos Leite Furtado viveu, o major Zé Inácio gozou de proteção e prestígio, a amizade entre os dois foi muito importante para garantir ao potentado de Milagres o poder no município desde sua ascensão em 1892 até sua morte em 1918.

No entanto a viúva do coronel Domingos Leite Furtado, a senhora Praxedes Furtado de Lacerda não tinha a mesma confiança que o esposo depusera em José Inácio de Sousa. A morte do coronel Domingos Furtado em 1918 deixou dona Praxedes na liderança dos negócios da família, pois não tivera filhos que herdassem o papel político do esposo e fizesse frente ao major Zé Inácio que se compreendia o herdeiro natural de Domingos Leite Furtado.

Praxedes Maria Furtado de Lacerda nascera em 1848 e tinha setenta anos quando enviuvou, casada com o primo Domingos Leite Furtado, mesmo não vindo a ter filhos, o casal fortaleceu e fez florescer o poder da família Lacerda no sul do Ceará. Era óbvio que em 1918 os membros dessa poderosa família de Milagres não permitiriam que a sua força política adquirida ao longo de décadas passasse para as mãos de Zé Inácio do Barro, assim o choque entre os Lacerda e o brando de Zé Inácio era Inevitável.

A guerra começou três meses após a morte do coronel Domingos Leite Furtado, quando as sete horas da manhã do dia 20 de janeiro de 1919 o major Zé Inácio do Barro ordenou o assalto a casa de dona Praxedes Furtado de Lacerda na Fazenda Nazaré. O assalto vinha sendo planejado pelo menos desde um mês antes, pois Zé Inácio do Barro afirmou em depoimento ao juiz Hermes Parayba que presidia a comarca de Milagres que mandara assaltar o Nazaré por estar dona Praxedes usando o dinheiro do falecido coronel Domingos Leite Furtado (dinheiro que segundo ele lhe pertencia por direito) para fazer política contra ele.

Após a morte do marido, dona Praxedes Maria Furtado de Lacerda passou a manobrar a política de Milagres para impedir que Zé Inácio do Barro assumisse a intendência e o mando da política local. Para manobrar as forças da política milagrense a matriarca da família Lacerda vai cooptar para seu lado os fazendeiros e comerciantes de Milagres e da região do Riacho dos Porcos. Praticamente nenhum deles depunha confiança em Zé Inácio do Barro, pois muitos o temiam e sabiam que sem a autoridade do coronel Domingos Leite Furtado, a violência do major Zé Inácio ficaria descontrolada. Assim, dona Praxedes Maria Furtado de Lacerda cooptou para seu grupo político o rico comerciante de Milagres, Raimundo Alves Pereira que será nomeado sucessor de Domingos Leite Furtado no comando da intendência de Milagres.

O major Zé Inácio do Barro não aceitará a manobra política da matriarca dona Praxedes e logo começará os preparativos para invadir a sede do município de Milagres e depor pela força o intendente Raimundo Alves Pereira. Logo a violência se espalha pela região e várias casas de comércio e fazendas da zona rural de Milagres são atacadas e assaltadas por bandos de cangaceiros a mando de Zé Inácio do Barro. O armazém do intendente Raimundo Alves Pereira e a casa do padre Luís Furtado Maranhão são assaltados por bandos de cangaceiros. As denúncias são feitas contra Zé Inácio do Barro, mas nenhuma punição é dada e a imprensa da capital do estado do Ceará passa a denunciar o clima de insegurança em Milagres.

O assalto ao Nazaré a mando de Zé Inácio vai desgastá-lo definitivamente com a família Lacerda, pois esta além de não confiar mais nele, confiança esta que se rompera com a morte do coronel Domingos, agora manobra a política local e estadual contra ele. Sentindo-se perseguido pelos seus antigos aliados, Zé Inácio recrudescerá a violência na região e preparará o ataque definitivo a Milagres para apear Raimundo Alves Pereira e a família Lacerda do poder. Temendo um ataque iminente os Lacerda também se armam. Dona Praxedes Maria Furtado de Lacerda une-se ao padre José Furtado de Lacerda seu parente e os dois passam a manobrar em conjunto contra Zé Inácio do Barro.

José Furtado de Lacerda era o sacerdote que celebrava a missa de São Sebastião no dia 20 de janeiro de 1919 quando o bando de Gavião invadiu a casa de Praxedes Maria Furtado de Lacerda no Nazaré e roubou avultada quantia em dinheiro para Zé Inácio do Barro. A personalidade do padre José Lacerda nunca foi a de um simples pároco do interior do Ceará, sabendo da influência política da sua família tanto no sul do Ceará quanto no próprio estado, o padre Lacerda comandava seu próprio curral eleitoral e tinha seus próprios jagunços e cangaceiros. Residindo no Sítio Coité, localidade de origem da família Lacerda, o padre José Lacerda se tornara ao longo da década de 1910, uma importante figura política na localidade, pois controlava o importante curral eleitoral do Buriti, distrito de Milagres.

O assalto a Fazenda Nazaré mostra ao padre José Lacerda que o major Zé Inácio do Barro não é um homem de confiança e que põe todo o poder da poderosa família em risco, assim ele e sua parenta dona Praxedes passam a conspirar abertamente contra o coronel Zé Inácio do Barro. Os ano de 1920 e 1921 são extremamente violentos em Milagres, os assaltos se sucedem, os ataques de cangaceiros são frequentes, mas apesar disto a família Lacerda se mantém firme e o controle político de Milagres permanece nas suas mãos. Em 1921 um jovem cangaceiro vem juntar-se com os seus irmãos ao bando de Zé Inácio e Sinhô Pereira, este jovem é Virgulino Ferreira, que se instala em Milagres em busca da proteção contra a perseguição da polícia pernambucana.

Praxedes Maria Furtado de Lacerda e o padre José Lacerda do Coité recrudescem sua campanha contra o major Zé Inácio do Barro, reclamaram do governo do estado do Ceará apoio na sua luta contra os cangaceiros em Milagres, pois haviam garantido ampla maioria de votos ao governador eleito Justiniano de Serpa. Como Praxedes Furtado de Lacerda e o padre José Lacerda possuíam mais votos que Zé Inácio do Barro ficava muito claro que este não teria os favores do governo estadual contra aqueles que possuíam um curral eleitoral mais vasto que o seu. Zé Inácio do Barro concluiu que precisava arruinar e devastar definitivamente o curral eleitoral do padre do Coité e assim preparou o ataque para 20 de janeiro de 1922, vencendo o padre José Lacerda e seu bando de cangaceiros invadiria Milagres, deporia Raimundo Alves Pereira e imporia a matriarca Praxedes Furtado de Lacerda já muito idosa seu poder discricionário sobre Milagres.

Com efeito, nas primeira horas da manhã do dia 20 de janeiro de 1922, o bando de Zé Inácio do Barro comandado pelo seu filho Tiburtino Inácio cercou o Sítio Coité com a ajuda do bando de Ulisses Liberato e Cícero Costa, logo se juntou ao grupo atacante Sinhô Pereira e também Virgulino Ferreira, o Lampião e seus irmãos com mais de setenta cangaceiros fortemente armados. O padre José Lacerda contava com aproximadamente cinquenta jagunços, mas estava disposto a resistir até a morte ao ataque de Zé Inácio do Barro. Entrincheirado na sua casa, o padre José Lacerda enfrentou os atacantes enquanto esperava o reforço vindo de Milagres.

Ao saber, já a tardinha, do ataque ao Sítio Coité, dona Praxedes Furtado de Lacerda ordenou para que o sargento Romão, comandante da tropa da polícia enviada a Milagres para combater o cangaço fosse reforçar a luta do padre Lacerda contra Zé Inácio. O sargento Romão marchou rapidamente até o Coité e atacou os cangaceiros pela retaguarda. A resistência do padre José Lacerda havia desgastado o moral dos cangaceiros atacantes, Sinhô Pereira percebeu que o ataque estava perdido e ordenou a retirada, pois já estava com alguns homens mortos e outros feridos, um dos feridos era o irmão de Lampião, Antônio Ferreira. O bando de Zé Inácio havia perdido a batalha.

A guerra se espalhou por Milagres. Zé Inácio do Barro sabia que havia enveredado por um caminho sem volta, o major sabia que ou vencia dona Praxedes Furtado de Lacerda e o padre José Lacerda ou ele seria preso ou mesmo morto. A população de Milagres viveu longos meses de 1922 em pânico, temendo a qualquer momento um violento ataque a sede do município. O intendente municipal Raimundo Alves Pereira pediu ajuda ao governo estadual. Na zona rural a violência contra os trabalhadores pobres era constante, ninguém estava seguro, pois os cangaceiros promoviam um clima de terror em Milagres.

Para evitar o desastre de ver Milagres invadida por Zé Inácio do Barro, dona Praxedes Furtado de Lacerda manobrou mais uma vez a política local e estadual e conseguiu que o governo do estado iniciasse uma perseguição implacável contra o major. O ano de 1922 marcaria a degringolada do bando de Zé Inácio, pois seus cangaceiros seriam perseguidos implacavelmente. Na batalha do Sítio Queimadas em Milagres, o bando de Sinhô Pereira levou a pior sendo cercado e derrotado pelo tenente Zé Galdino e o sargento Romão. Durante a batalha morreram vários cangaceiros e outros saíram feridos, Sinhô Pereira e seu bando, acompanhado de Lampião fugiram para Pernambuco e lá o "Demônio do Sertão", apelido de Sinhô Pereira, abandonou o cangaço e entregou o comando do bando a Lampião.

Mas dona Praxedes Furtado de Lacerda estava convencida de que o grande mentor da guerra civil em Milagres era Zé Inácio do Barro e não se contentou em ver o bando de Sinhô Pereira estilhaçado, precisava vencer o prepotente major. Ela e as forças políticas de Milagres ordenaram o ataque a Fazenda Barro, pois era lá onde se escondia Tiburtino Inácio e seu pai Zé Inácio. O ataque se mostrou eficaz, pois Zé Inácio logo percebeu não ter mais apoio dos poderosos locais nem mesmo do governo do estado contra a família Lacerda, ciente de que havia perdido sua força política na região, o major Zé Inácio do Barro retira-se para Goiás aonde se refugiara Sinhô Pereira e em 1923 já se encontra atuando na Bahia, mas acaba sendo morto.

Os conflitos políticos ocorridos em Milagres entre 1918 a 1923 envolvendo a família Lacerda e o major Zé Inácio do Barro, faz emergir uma importante figura histórica do município que até então crera-se ter vivido apenas na sombra do seu esposo. A senhora Praxedes Furtado de Lacerda foi sem dúvida nenhuma mais do que a esposa do coronel Domingos Leite Furtado, ela, como matriarca da família Lacerda impôs sua voz de mando político na região e após a morte do coronel assumiu por mais de uma década papel de destaque na política local. Sua atuação como coronela foi decisiva para cooptar as elites de Milagres na luta contra o cangaço na região do Riacho dos Porcos, na derrota definitiva de Zé Inácio do Barro e na consolidação do mando do coronel Raimundo Alves Pereira que ao longo da década de 1920 até a década de 1940 se estabeleceria como uma das mais fortes lideranças políticas de Milagres.

Personalidades

Júlio Rodrigues Coelho (?-1887-1932), farmacêutico que dá nome à rua próxima da igreja matriz. Embora não fosse médico formado, exercia, na qualidade de farmacêutico, toda a assistência médica da população no início do século XX, indo ao encontro dos habitantes mais distantes em lombo de jumento, sem receber, por vezes, qualquer remuneração.

Em virtude de seu trabalho, sua saúde ficou bastante debilitada, tendo falecido ainda jovem, deixando viúva Adelia Gomes Coelho e 13 filhos, dentre os quais Aldenor Coelho, que seguiu os passos do pai como farmacêutico e José Osmar Gomes Coelho (1926-2000), que chegou a vice-prefeito do município com votação superior a do então prefeito, nos anos 60.

Raimundo Alves Pereira, um dos coronéis do Cariri, foi o primeiro prefeito da cidade. Escolhido pelo governo da República Velha, governou de 1916 a 1925. Torna-se novamente prefeito pelo PTB no período de 1936 a 1940.

João Fechine de Melo, homenageado ao emprestar seu nome a uma das ruas mais conhecidas da cidade, foi eleito prefeito entre os anos de 1931 a 1934.

Clicério Martins Pereira, fazendeiro, um dos maiores produtores de algodão de sua época, também foi prefeito durante os anos de 1948-1950. Hoje, uma das maiores escolas do município leva seu nome, sendo a responsável por disseminar a educação entre a população carente e incrementar os índices de alfabetização. Nessa escola funciona um dos maiores colégios eleitorais da cidade.

Cícero Leite Dantas, o primeiro prefeito eleito diretamente pelos votos da população da cidade, governou durante o quadriênio 1926-1930. Seu nome é homenageado ao batizar o edifício da Prefeitura Municipal de Milagres.

Hino do Município

Letra
Socorro Sampaio (veja a letra)
Música
José Alves Ferreira

Aspectos Administrativos

Donos de Milagres

Nº Nome
1 Cel. Domingos Leite Furtado
2 Cel. Antônio Gomes

Prefeitos de Milagres

Nº Nome Partido Imagem Início do mandato Término do mandato Observações
1 Cel. Raimundo Alves Pereira 1915 1925
2 Cicero Leite Dantas 1926 1930 Primeiro Prefeito eleito pelo povo
3 João Fechine de Melo 1931 1934
4 Celso Gomes Alves 1935 1935
5 Cel. Raimundo Alves Pereira PTB 1936 1940
6 Aluízio Franklin do Nascimento 1941 1944
7 Isaias Bezerra Leite 1945 1947
8 Clicério Martins Pereira 1948 1950
9 Antenor Ferreira Lins UDN 1951 1954
10 Sebastião Cavalcanti UDN 1955 1958
11 Edmilson Coelho Pereira PSD 1959 1962
12 Antenor Ferreira Lins UDN/PSP/PSD 1963 1966
13 Elísio Leite de Araújo ARENA 1967 1970
14 Edmilson Coelho Pereira ARENA 1971 1972
15 Francisco Gilvan Morais ARENA 1973 1976
16 Elísio Leite de Araújo ARENA 1977 1982
17 Francisco Gilvan Morais PDS 1983 1988
18 Hellosman Sampaio de Lacerda PMDB 1 de janeiro de 1989 31 de dezembro de 1992
19 Fernando Alves Tavares PST 1 de janeiro de 1993 31 de dezembro de 1996
20 Hellosman Sampaio de Lacerda PMDB 1 de janeiro de 1997 31 de dezembro de 2000
21 Hellosman Sampaio de Lacerda PMDB 1 de janeiro de 2001 31 de dezembro de 2004 reeleito
22 Meire Francisca Lacerda de Medeiros PMDB 1 de janeiro de 2005 31 de dezembro de 2008
23 Hellosman Sampaio de Lacerda PMDB 1 de janeiro de 2009 31 de dezebro de 2012
24 Hellosman Sampaio de Lacerda PMDB 1 de janeiro de 2013 31 de dezembro de 2016 reeleito
25 Lielson Macedo Landim PDT 1 de janeiro de 2017 31 de dezembro de 2020
26 Cícero Alves de Figueiredo PDT 1 de janeiro de 2021 31 de dezembro de 2024

Formação Administrativa

Distrito criado com a denominação de Milagres, pela Resolução Régia de 01-04-1813, e ato provincial de 18-03-1842, e por lei provincial nº 263, de 03-12-1842. subordinado ao município de Crato. 

Elevado à categoria de vila com a denominação de Milagre, pela lei provincial nº 374, de 1708-1846, desmembrado de Crato. Sede no núcleo de Milagres. Instalado em

 Pela lei provincial nº 1708, de 25-07-1876 e ato provincial de 30-12-1862 é criado o distrito de Brejo dos Santos e anexado ao município de Milagres

Pela ato provincial de 27-03-1873, é criado o distrito de São Pedro e anexado ao município de Milagres.

Elevado a condição de cidade, com a denominação de Milagres, pelo decreto estadual nº 31, de 25-07-1890.

Pelo decreto estadual nº 49, de 26-08-1890, desmembra do município de milagres o distrito de  Brejo dos Santos. Elevado a categoria de vila.

Pela lei nº 257, de 20-09-1895, o município de Milagres adquiriu a extitnta vila de Mauriti, como simples distrito. 

Em divisão administrativa referente ao ano de 1911, o município aparece constituído de 4 distritos: Milagres, Cuncas, São Pedro e Mauriti.

Nos quadros de apuração do Recenseamento Geral de I-IX-1920, o município é constituído de 5 distrtios: Milagres, Cuncas, Mauriti, Santa Cruz e São Pedro. 

Pela lei estadual nº 2211, de 28-10-1924, desmembra do município de Milagres o distrito de Mauriti. Elevado à categoria de município.

Pela lei estadual nº 2634, de 06-10-1928, desmembra do município de Milagres o distrito de Mauriti. Elevado novamente à categoria de município.

Pelo decreto estadual nº 1156, de 04-12-1933, desmembra do município de Milagres os distritos de Mauriti e Santa Cruz. Para formar o novo município de Mauriti. Sob o mesmo decreto acima citado, é criado o distrito de Rosário e anexado ao município de Milagres.

Em divisão administrativa referente ao ano de 1933, o município é constituído de 4 distritos: Milagres, Cuncas, Rosário e São Pedro.

Assim permanecendo em divisão territorial datada de 31-XII-1936.

Pelo decreto estadual nº 378, de 20-10-1937, é criado o distrito de Barro e anexado ao município de Milagres.

Em divisão territorial datada de 31-XII-1937, o município é constituído de 5 distritos: Milagres, Barro, Cuncas, Rosário e São Pedro.

Pelo decreto-lei estadual nº 448, de 20-12-1938, o distrito de São Pedro passou a denominar-se Pedro Segundo e o distrito de Rosário a denominar-se Podimirim. No quadro fixado para vigorar no período de 1939-1943, o município é constituído de 5 distritos: Milagres, Barro, Cuncas, Pedro Segundo ex-São Pedro e Podimirim ex-Rosário.

Pelo decreto-lei estadual nº 1114, de 30-12-1943, o distrito de Pedro Segundo passou a denominar-se Abaiara. No quadro fixado para vigorar o período de 1944-1948, o município é constituído de 5 distritos: Milagres, Abaiara ex-Pedro Segundo, Barro, Cunca e Podimirim.

Pela lei estadual nº 1153, de 22-11-1951, desmembra de Milagres os distritos de Barro e Cuncas. Para formar o novo município de Barro. Em divisão territorial datada de 1-VII-1955, o município é constituído de 3 distritos: Milagres, Abaiara e Podimirim.

Pela lei estadual nº 3921, de 25-11-1957, desmembra de Milagres o distrito de Abaiara. Elevado à categoria de município. Em divisão territorial datada de 1-VII-1960, o município é constituído de 2 distritos: Milagres e Podimirim. Assim permanecendo em divisão territorial datada de 2005.

Pela lei municipal n° 917 de 1997, o distrito de Podimirim passa a ser denominado Rosário.

Pela lei municipal n° 1349 de 20 de maio de 2019, são criados os distritos: Café da Linha, Fronteiro e Padre Cícero.

Fonte

IBGE

Plataforma SILB.

Revista Itaytera.

BEZERRA, Antônio. Algumas Origens do Ceará, Fundação Waldemar Alcântara, Fortaleza, 2003.

MORAIS, Flávio. Milagres do Cariri, Gráfica Universitária, 1989.

SOUZA, Carlos: Milagres, nossa terra Cariri, Artes Gráficas e Editora, Fortaleza, 2021.

Banda de Musica

Origem da Banda de Música de Milagres, com base no levantamento feito sobre como surgiu, podemos fazer alguns registros, bem como: Nasceu em julho de 1947, era organizada pelos seguintes representantes: Luiz Benício, Leopoldo, José Arimatéia. Estes eram tidos como mestres na época, na criação da mesma.

Industrias Colins

Milagres viveu sua época de Ouro nas décadas de 60, 70 e 80, quando o chamado “Ouro Branco” estava em alta, nessa época o que predominava na região eram os grandes plantios de algodão, foi justamente nesse período que as Indústrias Collins SA, começaram a funcionar no município, atendendo toda a região.

Indústrias Collins SA: fundada em 26 de março de 1943, na direção de Antenor Ferreira Lins, José Amaro Nicodemos Neto, Lacordaire Ferreira Lins e José Rinaldo Alves Landim. Com destaque nas cidades de Milagres, Brejo Santo e Missão velha, esse foi um período marcante e para a região.

Clima

A pluviosidade no município é de 490 milímetros anuais, com chuvas concentradas de dezembro a abril. As temperaturas médias ao longo do ano variam entre 29.6 °C e 42.2 °C, com médias mínimas de 22 °C até médias máxima de 44 °C. As mínimas variam entre 32.3 °C e 39.3 °C, enquanto as máximas absolutas são de 37.9 °C a 42.9 °C, conforme o mês do ano

Dados climatológicos para Milagres
Mês Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Ano
Temperatura máxima média (°C) 32,1 31,1 30,1 29,5 28,9 28,7 29 30,4 31,8 32,7 32,9 32,8 30,8
Temperatura média (°C) 26,8 26,3 25,7 25,2 24,5 23,8 23,6 24,5 25,8 26,6 27,1 27,2 25,5
Temperatura mínima média (°C) 21,6 21,5 21,3 21 20,1 20,1 18,3 18,7 19,8 20,6 21,3 21,6 20,4
Precipitação (mm) 123 187 238 157 47 23 12 5 7 18 37 62 916
Fonte: pt.climate-data.org/location/42440/

Hidrografia

A principal fonte de água faz parte da bacia do rio Salgado sendo seu afluente o Riacho dos Porcos.Existem ainda alguns açudes, entre eles o Açude do Nazaré. Nascente como o Pinga no Sítio Oitis, e barragem como a Guela no Sítio Malhada.

Subdivisões

O município de Milagres é dividido em cinco distritos: Milagres (sede), Rosário, Fronteiro, Café da Linha e Padre Cícero.[8] A sede do município é composta por oito bairros: Cabeceiras, Casa Própria, Centro, Eucaliptos, Francisca do Socorro, Frei Damião, Missionárias e Rodoviária.[8]

Eventos

  • Carnaval
  • Paixão de Cristo (Quinta e Sexta-feira santa)
  • Festival de quadrilhas Junho)
  • Festa de nossa Senhora dos Milagres (06 à 15 de Agosto)
  • Festa de Agosto - Festa da emancipação do município (06 á 14 de Agosto)
  • Vaquejada Nossa Senhora dos Milagres (Agosto)
  • Natal de luz (Dezembro)

BIBLIOGRAFIA

BEZERRA, Antônio. Algumas Origens do Ceará, Fundação Waldemar Alcântara, Fortaleza, 2003.

FARIAS, Airton de. História do Ceará, Armazém de Cultura, Fortaleza, 2015.

LUCETTI, Hilário. Lampião e o estado maior do cangaço, Craturismo, Crato, 1995.

MORAIS, Flávio. Milagres do Cariri, Gráfica Universitária, Crato, 1989.

SOUZA, Carlos. Milagres, Nossa Terra Cariri, Artes Gráficas e Editora, Fortaleza 2021. download em https://doceru.com/doc/cxvc5n1

Referências

  1. a b [1]
  2. IBGE (10 de outubro de 2002). «Área territorial oficial». Resolução da Presidência do IBGE de n° 5 (R.PR-5/02). Consultado em 5 de dezembro de 2010 
  3. «Censo Populacional 2010». Censo Populacional 2010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 29 de novembro de 2010. Consultado em 11 de dezembro de 2010 
  4. «Ranking decrescente do IDH-M dos municípios do Brasil». Atlas do Desenvolvimento Humano. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). 2000. Consultado em 11 de outubro de 2008 
  5. a b «Produto Interno Bruto dos Municípios 2004-2008». Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Consultado em 11 de dezembro de 2010 
  6. SOUZA, Carlos (2021). Milagres, nossa terra Cariri. Fortaleza: Artes Gráficas e Editora. p. 75. ISBN 9786555562248 
  7. Caboclos são a mistura de indígenas com a população local, geralmente eram chamados de caboclos os indígenas não aldeados.
  8. a b https://www.milagres.ce.gov.br/omunicipio.php

Ligações externas

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