Gamergate
GamerGate (algumas vezes precedido de uma "#" (hashtag)) foi uma campanha sexista de assédio virtual na comunidade de fãs de videojogos. A controvérsia teve início com a acusação de que a desenvolvedora de jogos indie americana Zoe Quinn teria mantido relacionamentos amorosos com jornalistas da indústria de jogos eletrônicos. Os eventos subsequentes levaram à criação do movimento e das hashtags #GamerGate e #NotYourShield, e colocaram em debate a ética jornalística da indústria e a liberdade de expressão.
O movimento GamerGate recebeu grande destaque negativo na mídia, incluindo no Brasil, onde foi referido em portais de jogos como IGN Brasil como "um grupo que assedia, ofende e ameaça mulheres da indústria dos videogames quando elas fazem críticas em relação ao machismo existente na indústria"[1].
Eventos[editar | editar código-fonte]
Depression Quest[editar | editar código-fonte]
O jogo eletrônico indie "Depression Quest" foi desenvolvido pela norte-americana Zoe Quinn em 2013[2] e aprovado para distribuição no Steam pelo Steam Greenlight em 7 de janeiro de 2014.[3]
Em 16 de agosto de 2014, logo após o lançamento do jogo na Steam, o ex-namorado de Quinn, Eron Gjoni, escreveu em seu blog uma série de acusações - entre elas, a de que ela o teria traído com Nathan Grayson, colaborador do site Kotaku.[4][5][6][7][8]
The Fine Young Capitalists[editar | editar código-fonte]
Em fevereiro de 2014, a representante de Zoe Quinn, Maya Kramer, falou publicamente no Twitter contra a organização conhecida como The Fine Young Capitalists (TFYC).[9] O grupo, que apóia mais mulheres desenvolvedoras, iniciou uma campanha na Indiegogo para arrecadar fundos.[10] Após acusações de transfobia por Quinn e associados da Silverstring Media, os organizadores tiveram informações pessoais vazadas publicamente, receberam ameaças, o site do projeto sofreu ataques DDOS, e a página de doações na IndieGogo foi invadida.[11]
Após estes acontecimentos, a TFYC recebeu suporte de diversos grupos da internet, como Facepunch Studios e membros dos sites Reddit e 4Chan, acumulando mais de 60 mil dólares.[11] A falta de cobertura da mídia sobre os acontecimentos também foi criticada. O escritor Jason Schreier, da Kotaku, justificou não ter escrito um artigo sobre a campanha por estar hesitante em publicar um artigo que envolve alguém que teve relações com um de seus repórteres.[11]
Em 18 de agosto de 2014, após apoiar publicamente Quinn, Phil Fish, desenvolvedor do jogo Fez, teve suas informações pessoais vazadas,[12] incluindo informações de sua empresa, a Polytron. Foi revelado que, entre os que investiram no desenvolvimento de Fez, estavam organizadores do evento "Indie Games Festival" (IGF) e membros do corpo de jurados dos anos de 2011 e 2012.[8] O escândalo foi compartilhado em sites e redes sociais como 4chan e Reddit, onde membros da comunidade expressaram sua posição, e levando à criação por Adam Baldwin da hashtag "#gamergate" no Twitter em 27 de agosto de 2014.[13] O termo faz referência ao Caso Watergate, que levou à derrubada do presidente americano Richard Nixon. Utilizando a hashtag, usuários do Twitter promoveram ataques pessoais e expuseram mulheres ligadas à indústria de jogos, incluindo dados pessoais e endereços de residência.
A "Morte dos Gamers"[editar | editar código-fonte]
Em 28 de agosto de 2014, um dia após a criação da hashtag #gamergate no Twitter, foram publicados artigos opinativos em dez sites jornalísticos diferentes, nos quais foi declarada "a morte dos gamers".[13] Os jornalistas publicaram artigos repudiando o cyberbullying e comportamentos sexistas por parte dos gamers, argumentando que a figura do jogador como conhecíamos não existe mais.[4] Os artigos reafirmavam que a reação ao escândalo de Quinn era uma reação à extinção da figura do gamer, e que as acusações de corrupção apenas acobertavam o que era, em essência, um movimento misógino.[9]
A similaridade dos artigos e o curto espaço de tempo em que eles foram publicados foram interpretados como uma prova da conspiração no jornalismo. Da mesma forma, doações feitas por escritores de sites de jogos a desenvolvedores foram vistas como conflitos de interesse.[9]
Em alguns casos, o conteúdo relacionado à controvérsia foi bloqueado ou apagado; pelo menos um usuário do site Youtube teve seu vídeo removido por uma violação da DMCA.[9]
O fórum Gaming Journalism Professionals inclui editores, repórteres e jornalistas de sites de notícias como Polygon, Ars Technica e Kotaku. Em 17 de setembro, o site Breitbart publicou uma série e-mails privada, na qual o grupo discute "a formação de atitudes em relação a notícias no segmento" e "sobre o que fazer cobertura e o que ignorar".[13], porém os emails vazados foram trocados após Quinn receber os ataques [14].
#NotYourShield[editar | editar código-fonte]
Uma segunda hashtag foi criada, "#NotYourShield" (não sou seu escudo) como resposta às acusações de misoginia e racismo feita pelos opositores do movimento. A hashtag foi compartilhada por usuários do sexo feminino e de grupos de minoridade nas redes sociais para mostrar apoio ao movimento.[5][15]
Similarmente, os opositores do GamerGate foram acusados de utilizarem acusações de misoginia como forma de silenciar as preocupações legítimas dos usuários com a integridade moral da indústria jornalística[10], e de rotular uma maioria baseado na minoria.[8]
Ameaças[editar | editar código-fonte]
A atenção da mídia foi focada em grande parte na natureza altamente pessoal das acusações feitas a Zoe Quinn e as seguintes acusações a outros jornalistas. Esta atitude foi acusada pelos jornalistas e pessoas opostos ao GamerGate como sexista, afirmando que o motivo era para assustar as mulheres da indústria.[2][5][15][16] Esta abordagem criticada por Noah Dulis, que acusou a mídia de colocar Quinn como foco do GamerGate como tentativa de desviar a atenção de si mesma.
Tanto Quinn quanto a jornalista Anita Sarkeesian divulgaram ter recebido ameaças de morte, alegando que isto mostra uma violência especial contra as mulheres no meio.[17] A atitude de ameaçá-las foi colocada pelos jornalistas e pessoas opostas ao GamerGate como sexista, afirmando que o motivo era para assustar as mulheres da indústria.[2][5][15][16] Enquanto os ataques pessoais podem revelar que as críticas aos jornalistas tem o pretexto de tornar o abuso contra mulheres na indústria permissível[2], Quinn e Sarkeesian também foram acusadas de usarem as ameaças a seu favor, para se colocarem como vítimas.[10]
Milo Yiannopoulos, do site Breitbart, também revelou ter recebido ameaças após publicar um artigo sobre nepotismo e corrupção no jornalismo de videogames.[10][17] Além disso, em entrevista, desenvolvedor Daniel Vavra questionou se a indústria é realmente hostil às mulheres, notando que a maior parte das reclamações vêm de "jornalistas e bloggers que nunca trabalharam numa companhia de jogos".[18]
No dia 15 de outubro, a desevolvedora Brianna Wu divulgou que estava recebendo ameaças de morte, supostamente de GamerGates.[13]
No dia 15 de novembro, Anita Sarkeesian cancelou uma palestra na Universidade de Utah após receber uma ameaça de atentado por e-mail, mesmo após o FBI considerar que não existia qualquer risco proveniente dessa ameaça. Apesar de não mencionar jogos eletrônicos ou a hashtag #gamergate, foi atribuída a seguidores do movimento.[13]
As ameaças de morte atingiram ambos os lados da controvérsia.[10][17][19]
E-mails[editar | editar código-fonte]
A partir de setembro, passaram a ser enviados e-mails para anunciantes de sites que publicavam conteúdo contra o movimento, pedindo-as para cancelar os anúncios. No dia 1º de outubro, a empresa Intel removeu seus anúncios do site Gamasutra, que publicava contra o GamerGate.[13]
No dia 16 de outubro, o editor do blog da Gawker Media Sam Biddle postou um tweet no qual fala "nerds deveriam ser constantemente envergonhados e degradados". Em resposta ao que foi percebido como bullying, companhias que anunciavam na Gawker foram contactadas por ativistas, levando-os a retirarem anúncios do site. Em 11 de dezembro, Gawker anunciou que a controvérsia havia custado pelo menos um milhão de dólares à empresa.[20]
Discurso na ONU[editar | editar código-fonte]
Em setembro de 2015, Anita Sarkeesian e Zoe Quinn discursaram na ONU sobre o que seria uma "crescente onda de violência contra mulheres e meninas" [21]. O resultado disso foi um relatório chamando a atenção para violência contra a mulher em ambientes virtuais. [22]
Análise[editar | editar código-fonte]
Fontes jornalísticas expressaram a dificuldade em se definir os objetivos do GamerGate, argumentando que muitas vezes as preocupações do movimento são abafadas por comentários ofensivos.[23]
O surgimento e desenvolvimento da controvérsia foi atribuída à sensação de desconexão entre a indústria de jogos e os gamers, e à necessidade de haver mais transparência e integridade na área jornalística[10], assim como a necessidade de mudança na indústria.[23]
Segundo a Purebreak, "a tag #gamergate se fortaleceu para dizer que se gamers são horríveis assim, somos algo novo e totalmente diferente disso".[8]
No decorrer dos anos, o GamerGate passou a ser reconhecido como um movimento que colaborou com a ascensão da extrema-direita e o crescimento de ataques e assédio contra mulheres e minorias em ambientes virtuais.[24]
Ver também[editar | editar código-fonte]
Referências[editar | editar código-fonte]
- ↑ [1] Funcionária da Nintendo é Demitida Após Ataques. IGN. Acesso em 05 de maio de 2016
- ↑ a b c d Simon Parkin (9 de setembro de 2014). «Zoe Quinn's Depression Quest». The New Yorker. Consultado em 9 de setembro de 2014
- ↑ «January 7th Batch of Greenlight Titles». Steam. Consultado em 21 de setembro de 2014
- ↑ a b Vítor Alexandre. «Gamergate: a nova polêmica». Eurogamer.pt, 06/09/2014. Consultado em 21 de setembro de 2014
- ↑ a b c d Sarah Kaplan (12 de setembro de 2014). «With #GamerGate, the video-game industry's growing pains go viral». Washington Post. Consultado em 14 de setembro de 2014
- ↑ Keith Stewart (3 de setembro de 2014). «Gamergate: the community is eating itself but there should be room for all». The Guardian. Consultado em 14 de setembro de 2014
- ↑ Stephen Totilo (20 de agosto de 2014). «In recent days I've been asked several times». Kotaku. Consultado em 15 de setembro de 2014
- ↑ a b c d «Escândalo #GamerGate: fique por dentro dos fatos que geraram o movimento». Purebreak, 13/09/2014. Consultado em 21 de setembro de 2014
- ↑ a b c d Erik Kain. «GamerGate: A Closer Look At The Controversy Sweeping Video Game». Forbes. Consultado em 21 de setembro de 2014
- ↑ a b c d e f Jordan Ephraim (2 de setembro de 2014). «10 Things You Need To Know About The #GamerGate Scandal». What Culture. Consultado em 21 de setembro de 2014
- ↑ a b c William Usher (Setembro de 2014). «TFYC Discuss #GamerGate, Recovering From Hacks, 4chan Support». Cinema Blend. Consultado em 13 de dezembro de 2014
- ↑ Karyne Levy (2 de setembro de 2014). «Game Developers Are Finally Stepping Up To Change Their Hate-Filled Industry». Business Insider. Consultado em 7 de setembro de 2014
- ↑ a b c d e f Yuri Gonzaga (11 de novembro de 2014). «Gamers e feministas se enfrentam ao redor do caso 'gamergate'; entenda». Folha de S.Paulo. Consultado em 12 de dezembro de 2014
- ↑ «Addressing allegations of "collusion" among gaming journalists». ArsTechnica. Consultado em 20 de dezembro de 2020
- ↑ a b c Radhika Sanghani (10 de setembro de 2014). «Misogyny, death threats and a mob of trolls: Inside the dark world of video games with Zoe Quinn - target of #GamerGate». The Telegraph. Consultado em 14 de setembro de 2014
- ↑ a b Todd VanDerWerff. «=#GamerGate: Here's why everybody in the video game world is fighting». Vox. Consultado em 21 de setembro de 2014
- ↑ a b c «5 Fatos que você precisa saber sobre o escândalo gamergate». Purebreak, 28/09/2014. Consultado em 21 de setembro de 2014
- ↑ Andrew Otton (12 de setembro de 2014). «An interview with Daniel Vavra: GamerGate and the gaming industry». Tech Raptor. Consultado em 12 de dezembro de 2014
- ↑ Cathy Young (1 de novembro de 2014). «Misandry in the GamerGate Controversy». Reason.com. Consultado em 13 de dezembro de 2014
- ↑ «Gawker discusses cost of 'gamergate'». Capital New York. Consultado em 12 de dezembro de 2014
- ↑ «Anita Sarkeesian, Zoe Quinn and more take aim at cyber harassment against women». Polygon. Consultado em 20 de dezembro de 2020
- ↑ «CYBER VIOLENCE AGAINST WOMEN AND GIRLS: A WORLD-WIDE WAKE-UP CALL» (PDF). UN Woman. Consultado em 20 de dezembro de 2020 [ligação inativa]
- ↑ a b Julia Sousa (29 de outubro de 2014). «O QUE É #GAMERGATE?». Midiálogo. Consultado em 12 de dezembro de 2014
- ↑ [2] O Gamergate 5 anos depois. E seu papel para a extrema direita. Nexo. Acesso em 17 de setembro de 2021