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Rubens Paiva

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Rubens Paiva
Rubens Paiva
Nascimento 26 de dezembro de 1929
Santos, Brasil
Morte ? de janeiro de 1971
Rio de Janeiro, Brasil
Nacionalidade Brasil brasileira
Cônjuge Eunice Paiva
Filho(a)(s) 5
Ocupação engenheiro civil, político

Rubens Beyrodt Paiva (Santos, 26 de dezembro de 1929Rio de Janeiro, ? de janeiro de 1971) foi um engenheiro civil e político brasileiro dado como desaparecido durante a ditadura militar no país.

Sua morte só foi confirmada mais de 40 anos depois, após depoimentos de ex-militares envolvidos no caso, em depoimento à Comissão Nacional da Verdade. Torturado e assassinado nas dependências de um quartel militar entre 20 e 22 de janeiro de 1971, seu corpo foi enterrado e desenterrado várias vezes por agentes da repressão, até ter seus restos jogados ao mar, na costa da cidade do Rio de Janeiro, em 1973, dois anos após sua morte.[1]

Vida pregressa

Era filho de Jaime Almeida Paiva, advogado, fazendeiro do Vale do Ribeira e despachante do Porto de Santos, e de Araci Beyrodt. Casou-se com Maria Lucrécia Eunice Facciolla (n. 1929), com quem teve cinco filhos: Marcelo Rubens Paiva, escritor e jornalista, Vera Sílvia Facciolla Paiva (psicóloga e professora), Maria Eliana Facciolla Paiva (jornalista, editora de arte e professora), Ana Lúcia Facciolla Paiva (matemática e empresária) e Maria Beatriz Facciolla Paiva (psicóloga e professora).

Formou-se em engenharia civil pela Universidade Mackenzie, em São Paulo, em 1954. Militou no movimento estudantil na campanha "O petróleo é nosso". Foi presidente do centro acadêmico e vice-presidente da União Estadual dos Estudantes de São Paulo.

Carreira política

Sua vida política tomou impulso em outubro de 1962, quando foi eleito deputado federal por São Paulo, na legenda do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Assumiu o mandato em fevereiro do ano seguinte e participou da da Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI, criada na Câmara dos Deputados para examinar as atividades do IPES-IBAD (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais – Instituto Brasileiro de Ação Democrática). A instituição financiava palestrantes e escritores que escreviam artigos avisando sobre a chamada "ameaça vermelha" no Brasil.

No dia 1º de abril de 1964, enquanto os militares avançavam com suas tropas para depor o então presidente João Goulart, Paiva fez um discurso acalorado de cinco minutos na Rádio Nacional, criticando o governador paulista, Ademar de Barros, apoiador do golpe, e conclamando trabalhadores e estudantes a defenderam a legalidade[2].

Com o Golpe Militar de 1964, devido ao fato de ter participado da CPI do IBAD, teve seu mandato cassado no dia 10 de abril de 1964, editado no dia anterior (AI-1) pela junta militar que assumiu o poder a partir da deposição de João Goulart.

O exílio e a volta ao Brasil

Rubens Paiva se exilou na Iugoslávia e depois na França.[3] Passados nove meses, viajou com destino a Buenos Aires, a fim de se encontrar com Jango e Brizola. Mas, durante uma escala do voo no Rio de Janeiro, disse à aeromoça que iria comprar cigarros, saiu do avião e pegou outro voo para São Paulo, seguindo para a casa de sua família. Chegou em casa de surpresa, dizendo: "Entrei no Brasil, estou no Brasil, vou ficar no Brasil".[4] A família mudou-se então para o Rio de Janeiro, e Rubens Paiva voltou a exercer a engenharia e a cuidar de seus negócios, mas sempre fazendo contatos com os exilados.

Fundou, com o editor Fernando Gasparian, o Jornal de Debates e foi diretor da Última Hora de São Paulo, até que o jornal foi vendido por Samuel Weiner ao Grupo Folha da Manhã, de Octavio Frias de Oliveira.[5]

Prisão, desaparecimento e morte

Em 1969, depois de uma visita a Santiago, Chile, para ajudar a exilada Helena Bocayuva Cunha, filha de seu amigo Luiz Fernando Bocayuva Cunha (também deputado cassado após o golpe de 1964) que fora implicada no sequestro do embaixador Charles Burke Elbrick, Rubens Paiva voltou para o Brasil. Algum tempo depois, pessoas que traziam uma carta de Helena endereçada a Rubens, foram presas pelos órgãos da repressão política.[6] Os agentes suspeitaram que Rubens Paiva fosse o contato de "Adriano", codinome de Carlos Alberto Muniz[7], militante do MR-8 e contato de Carlos Lamarca, à época o homem mais procurado do país.

Na esperança de prender "Adriano" e consequentemente chegar a Lamarca, pessoas que se disseram pertencer à Aeronáutica, armadas com metralhadoras, invadiram a casa de Rubens Paiva, no Rio de Janeiro, em 20 de janeiro de 1971, para prendê-lo, sem contudo apresentar um mandado de prisão. Ele teve tempo de se arrumar e saiu de terno e gravata, guiando o próprio carro. A recuperação posterior desse carro seria a prova de que o ex-deputado fora preso - o que os órgãos de repressão negavam. Eunice, sua esposa, também foi detida no mesmo dia, juntamente com sua filha de quinze anos, Eliana, e permaneceu incomunicável durante doze dias. Eliana foi solta no dia seguinte, tendo sido deixada na Praça Saens Peña, na Tijuca. Entre o dia de sua prisão e o seguinte, Rubens Paiva foi transferido, da III Zona Aérea para o Destacamento de Operações Internas (DOI), no quartel da Polícia do Exército, onde teria sido novamente torturado. Segundo testemunho do médico Amilcar Lobo, que na época atuava no DOI-Codi, Paiva morreu por causa dos ferimentos sofridos em sessões de tortura.[8]

Segundo nota oficial dos órgãos de segurança à época, o carro que conduzia Rubens Paiva teria sido abalroado e atacado por indivíduos desconhecidos, que o teriam sequestrado dois dias depois da sua prisão. Assim, ele foi dado oficialmente como desaparecido. A farsa foi desmascarada em 2014, depois de depoimento à Comissão Nacional da Verdade feito pelo ex-major Raimundo Ronaldo Campos, que admitiu ter montado a versão com a ajuda de dois companheiros, incendiando e atirando no suposto fusca no qual Paiva teria sido resgatado por subversivos, para que ele assim fosse encontrado, confirmando a versão oficial de resgate.[9]

Em carta, ainda em 1971, ao Conselho de Defesa dos Direitos Humanos, com base em relato de testemunhas, Eunice Paiva contou que provavelmente seu marido começara a ser torturado no mesmo dia de sua prisão, durante o interrogatório realizado na sede da III Zona Aérea, localizada junto ao aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, à época sob o comando do brigadeiro João Paulo Burnier.

Em 1996, após sancionada a chamada Lei dos Desaparecidos [10] pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, foi emitido o atestado de óbito do ex-deputado, ficando assim reconhecida oficialmente a sua morte. O corpo, entretanto, nunca foi encontrado.

Esclarecimento da morte

Em fevereiro de 2014, a Comissão Nacional da Verdade denunciou que o assassino de Rubens Paiva foi o ex-tenente do exército Antônio Fernando Hughes de Carvalho, oficial do CPOR (Centro de Preparação de Oficiais da Reserva) ligado à Cisa (Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica), através de depoimento de outro dos envolvidos, o coronel da reserva Armando Avólio Filho, ex-integrante do Pelotão de Investigações Criminais da Polícia do Exército (PIC-PE), presente ao interrogatório e tortura de Paiva. A morte do ex-deputado se deu nas dependências do Destacamento de Operações de Informações (DOI) do I Exército, na Rua Barão de Mesquita, Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro.[11] Por seu trabalho na repressão aos subversivos, o tenente Hughes de Carvalho, já falecido, foi condecorado com a Medalha do Pacificador em 1971.[12]

No mês seguinte, o jornal carioca O Globo publicou o depoimento de militares envolvidos no caso – sob condição de anonimato. Depois de morto no quartel da Polícia de Exército, entre 20 e 22 de janeiro de 1971, o corpo de Paiva foi a princípio enterrado em lugar ermo do Alto da Boa Vista, próximo à Avenida Edson Passos, mesmo local onde seu carro seria encontrado incendiado, numa operação levada a cabo por oficiais e sargentos do exército. Dali foi retirado posteriormente, pelo temor de que obras iniciadas na avenida acabassem descobrindo o corpo, e enterrado nas areias da praia do Recreio dos Bandeirantes, zona oeste da cidade, então um lugar ainda praticamente desabitado.[1]

Dois anos depois, sob ordens do "gabinete do ministro", o militar responsável pela operação, o então capitão do exército Paulo Malhães[13], também envolvido com a tortura, morte e desaparecimento de presos políticos na chamada Casa da Morte, em Petrópolis, região serrana do estado do Rio,[14] comandou uma equipe de busca na área, formada por cerca de quinze outros militares em roupas civis – entre eles o capitão José Brant Teixeira, parceiro de diversas outras operações e os sargentos Jairo de Canaan Cony e Iracy Pedro Interaminense Corrêa[13] – encontrou os restos do corpo ensacado de Paiva enterrado depois de quinze dias cavando buracos na areia disfarçados de turistas, o retirou, e os restos foram transportados num caminhão até o Iate Clube do Rio de Janeiro, onde foram embarcados numa lancha, levados até alto mar e lançados ao oceano num momento propício das correntes marinhas. [1] Num depoimento posterior à CNV, Malhães negou ter participado pessoalmente desta missão.[15]

O roteiro da prisão, tortura, morte e destino final de Rubens Paiva foi: preso em casa, no Leblon --> interrogatório e agressões na 3ª Zona Aérea, Aeroporto Santos Dumont, carceragem da Cisa (Centro de Informações da Aeronáutica) --> torturado e morto no quartel da PE na Tijuca --> enterrado no Alto da Boa Vista --> desenterrado, transportado e novamente enterrado no Recreio dos Bandeirantes --> desenterrado e levado para o Iate Clube na Urca --> embarcado em lancha e jogado ao largo da costa fluminense. Estes fatos ocorreram num período de dois anos.[16]

Responsabilidades

Apesar da cobertura dada aos militares e subversivos pela Lei da Anistia para crimes cometidos durante o período da ditadura militar, em março de 2014 o Ministério Público Federal, decidiu, através de procedimento instaurado desde 2012, fazer uma denúncia formal sobre quatro dos envolvidos no caso: os oficiais reformados ainda vivos José Antônio Nogueira Belham — que comandava o Destacamento de Operações de Informações do 1º Exército (DOI-I), na Rua Barão de Mesquita, quando Paiva morreu sob torturas — e Raimundo Ronaldo Campos, que admitiu ter montado uma farsa para forjar a fuga do ex-deputado; além deles, também são denunciados os irmãos e ex-sargentos Jacy e Jurandyr Ochsendorf, envolvidos na fraude do incêndio do automóvel. As novas evidências, que envolvem o CIEx podem, entretanto, ampliar as investigações.[1]

Homenagens

Em 1992, Telma de Souza, prefeita de Santos, terra natal de Rubens, o homenageou colocando seu nome no Terminal Municipal de Passageiros, localizado no bairro do Valongo. Na inauguração estavam presentes a víuva e um dos filhos de Rubens, o escritor Marcelo Rubens Paiva.

Em 24 de setembro de 1998, foi inaugurada no bairro da Pavuna a Estação Rubens Paiva do Metrô Rio.

Em 1° de março de 2012, a Assembléia Legislativa de São Paulo instalou a Comissão da Verdade Rubens Paiva, instituída para investigar violações de direitos humanos no período de 1964 a 1982.[17]

Referências

  1. a b c d «MP vai denunciar 4 militares pela morte de Rubens Paiva». O Globo. Consultado em 16 de março de 2014 
  2. Melito, Leandro (19 de março de 2014). «Ouça áudio exclusivo em que Rubens Paiva defende governo Jango no dia do Golpe de 64». Portal EBC. Consultado em 29 de Março de 2014 
  3. «Vida de Rubens Paiva é contada em exposição na Câmara dos Deputados». Amambai Notícias. Consultado em 28 de fevereiro de 2014 
  4. «Palestra hoje no Rio lembra trajetória do trabalhista Rubens Paiva». Site do Partido Democrático Trabalhista - PDT. Consultado em 28 de fevereiro de 2014 
  5. «Mais um Passo para Esclarecer o Caso Rubens Paiva». Instituto Vladimir Herzog. Consultado em 28 de fevereiro de 2014 
  6. Arquivos revelam versão incoerente do Exército sobre o desaparecimento de ex-deputado
  7. Rubens Paiva foi torturado por se recusar a entregar perseguido. Por Miriam Leitão e Cláudio Renato. O Globo, 1° de março de 2012.
  8. Autópsia da sombra. Veja, 18 de novembro de 1992
  9. «Militar dá nome de oficial que teria torturado Rubens Paiva». O Globo. Consultado em 27 de fevereiro de 2014 
  10. Lei nº 9.140, de 4 de dezembro de 1995. Reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, e dá outras providências.
  11. «Comissão da Verdade aponta assassino de Rubens Paiva». Gazeta do Povo. Consultado em 28 de fevereiro de 2014 
  12. «Comissão da Verdade confirma ex-tenente do Exército como assassino de Rubens Paiva». O Globo. Consultado em 27 de fevereiro de 2014 
  13. a b «Coronel revela como sumiu com corpo de Rubens Paiva». O Dia. Consultado em 21 de março de 2014 
  14. «Torturador conta rotina da Casa da Morte em Petrópolis». O Globo. Consultado em 18 de maio de 2013 
  15. «Coronel volta atrás e nega ter ajudado a ocultar o corpo de Rubens Paiva». UOL Notícias. Consultado em 25 de março de 2014 
  16. Otávio, Chico (16 de março de 2014). «O Roteiro do Calvário». O Globo. 3 páginas 
  17. Comissão da Verdade Rubens Paiva. 2 de março de 2012.