Cândida Ventura

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Cândida Ventura
Nascimento 30 de junho de 1918
Maputo
Morte 16 de dezembro de 2015 (97 anos)
Portimão
Cidadania Portugal
Ocupação política, escritora, professora universitária, ativista política
Cândida Ventura

Cândida Margarida Ventura (Maputo, 30 de Junho de 1918 - Portimão, 16 de Dezembro de 2015), portuguesa, activista política contra o fascismo, foi a primeira mulher ter um cargo de dirigente no Partido Comunista Português (PCP).

Biografia[editar | editar código-fonte]

Nasceu na cidade de Lourenço Marques (actual Maputo), em Moçambique, a 30 de Junho de 1918, era filha do funcionário dos caminhos de ferro, António Ventura, e da professora primária Clementina de Deus Franco Pires Ventura. Pouco tempo depois, a família regressou a Portugal instalando-se no Algarve, nas Caldas de Monchique onde o pai trabalhava para as Termas de Monchique.[1][2][3][4]

Aos 11 vai estudar para Lisboa e é acolhida pelo Instituto do Professorado Primário Oficial Português por ser filha de uma professora. Frequenta o Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho que se situava nessa altura no Largo do Carmo. Em 1936, entrou na Faculdade de Letras de Lisboa, onde se matriculou no curso de Ciências Histórico-Filosóficas. Lá conviveu com Vasco Magalhães-Vilhena e Mário Dionísio, que se referiu-se a ela como Joana dos olhos claros, no seu poema "A balada dos amigos separados".[1][2][5] É também lá que conhece Fernando Piteira Santos com quem se casou. O casamento será breve.[1][3]

Durante este período, devido à Guerra Civil Espanhola, deu início à sua actividade política e associativa. Associando-se a uma série de organizações antifascistas, nomeadamente ao Bloco Académico Antifascista (BAFF), à Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas, ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, à Associação Feminina Portuguesa para a Paz e ao Socorro Vermelho Internacional.[1][2][3][4][6]

Integrou ainda a equipa de redacção do jornal O Diabo onde se reuniam vários intelectuais que eram contra o regime, entre eles, Álvaro Cunhal.[3][4]

Foi nesta altura que participou nos afamados Passeios do Tejo, uma medida que permitiu que Cândida, Álvaro Cunhal, Fernando Lopes-Graça, Mário Dionísio, entre outros, se reunissem sem levantar suspeitas.[4][7]

Em 1943 uma vez terminada licenciatura em Coimbra, a pedido de José Gregório, que na altura pertencia ao Comité Central do PCP, Cândida passou à clandestinidade tendo sido uma das suas funções dar apoio ao secretariado do Comité Central do partido. A partir daqui assumiu vários pseudónimos, entre eles Joana, Rosa, André, Rosário e Catarina Mendes (nome pelo qual era conhecida na ex-Checoslováquia).[4][5][6][8] Em Agosto desse ano participou na organização das greves do calçado em São João da Madeira. Três anos depois, em 1946, foi a primeira mulher a integrar o órgão máximo do PCP após a reorganização do partido.[2][4]

Foi também em 1946 que criou o boletim Três Páginas, dedicado às mulheres clandestinas do PCP, e que a partir de 1956 assumiria o nome de A Voz das Camaradas das Casas do Partido.[9]

Nos anos cinquenta, passou a ser a responsável do PCP no norte do país. Foi nesta altura que foi acusada de fraccionismo, quando discordou com os estatutos e com o programa projectado.[10] Como consequência perdeu o seu cargo de dirigente e foi temporariamente afastada do Comité Central, ao qual regressa em 1957. Em 1958 viajou até à ex-URSS e surgiram as suas primeiras dúvidas sobre o regime comunista que a levarão mais tarde a abandonar o partido.[2][4]

Quando regressou ao país, assumiu a responsabilidade sobre os sectores estudantis e intelectuais de Lisboa, tendo-se mantido na clandestinidade até à década de 60. No dia 3 de Agosto de 1960 foi presa pela PIDE, juntamente com o seu companheiro da altura, Orlando Lindim Ramos, após 17 anos na clandestinidade.[1][4][11]

Foi colocada em isolamento e torturada, chegando a estar às portas da morte. Graças à família que intercede por ela, foi transferida para o Hospital da Ordem Terceira. Apesar de personalidades como Alves Redol e o médico Francisco Pulido Valente terem testemunhado a favor dela, em 1961, foi condenada a cinco anos de prisão e os seus direitos políticos foram declarados suspensos por 15 anos.[1][4]

Devido ao seu estado de saúde, saiu em liberdade condicional em 1963 e fugiu para a Rússia onde recebeu tratamento.[12] De seguida foi para a ex-Checoslováquia, onde passou a representar o PCP, escreveu para a Revista Internacional e tornou-se conhecida como Catarina Mendes.[13][14][15] Conheceu e ficou amiga de Alexander Dubček, o líder comunista checoslovaco e de Artur London, um dos acusados no processo Slánský, autor do prefácio do livro de Cândida sobre a sua experiência com o socialismo.[1][8]

Estava em Praga quando se deu a Primavera de Praga e assistiu em directo à invasão do país pelas tropas do Pacto de Varsóvia.[1][4][15] Estes dois acontecimentos e a sua amizade com Dubček e London, levaram-na a colocar as directivas do partido em causa e o comunismo em si. Mesmo assim, recusou-se a assinar a mensagem que outros exilados comunistas pretendiam enviar às autoridades checoslovacas e às embaixadas dos países do pacto de Varsóvia, cujas tropas ocuparam o país, condenando o acto.[8] Preferiu manter o seu posto, para desta forma poder ajudar os que entretanto passaram para a resistência.[8][10][16]

Regressou a Portugal após o 25 de Abril de 1974, em 1975. Cândida, em pleno PREC (Processo Revolucionário em Curso), denunciou o que se passava, naquela que era na altura a Europa de leste, atitude que a leva a entrar que cada vez mais em choque com as directivas do partido, que acaba por abandonar em 1976. De dirigente passou a dissidente do PCP.[5]

Sem nunca abandonar completamente a política, foi funcionária do Ministério dos Negócios Estrangeiros e trabalhou como professora.

Regressou ao Algarve, vindo a falecer com 97 anos, no dia 16 de Dezembro de 2015, em Portimão.[17][18]

Reconhecimentos e Prémios[editar | editar código-fonte]

A 13 de Novembro de 2009, foi homenageada e condecorada em Bratislava, no 20º aniversário da independência da Eslováquia, pela Fundação Alexander Dubček[1]

A sua biografia consta no livro no livro Mulheres Portuguesas na Resistência de Rose Nery Nobre de Melo.[19] 

Mário Dionísio recorda-a como “Joana de olhos claros”, em Balada dos Amigos Separados.[20]

Pacheco Pereira incluiu fotografias de Cândida Ventura na biografia (3 volumes) que escreveu sobre Álvaro Cunhal.

É mencionada nos livros:

  • Ditaduras e Revolução - Democracia e políticas da memória, de Filipe Piedade Manuel Loff, editora Almedina, 2014[21]
  • Feminismos: Percursos e Desafios, de Manuela Tavares, editora Texto, 2011[22]
  • Álvaro Cunhal: retrato pessoal e intimo, biografia de Adelino Cunha, editora A Esfera dos Livros, 2010[23][24]
  • Álvaro Cunhal, o homem e o mito, de Joaquim Vieira, editora Objectiva 2013[25][26]
  • Mulheres Portuguesas na resistência, Rose Nery Nobre de Melo, Seara Nova, 1975[19]

Obras[editar | editar código-fonte]

  • O «socialismo» que eu vivi: testemunho de uma ex-dirigente do PCP. Lisboa : O Jornal, 1984. Prefácio de Artur London.[27]
  • Cândida Ventura foi igualmente autora de artigos para a Revista internacional: problemas da paz e do socialismo, publicação teórica e informativa dos partidos comunistas e operários, que começou a ser editada em Portugal, em 1974, pelas Edições Avante! , sob a sua direcção.[28]

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. a b c d e f g h i Fernandes, José Manuel (16 de dezembro de 2015). «Morreu Cândida Ventura, a dirigente histórica do PCP que denunciou o "socialismo real"». Observador 
  2. a b c d e Público (16 de dezembro de 2015). «Morreu Cândida Ventura». Público 
  3. a b c d Almeida, Nuno Ramos de (22 de dezembro de 2015). «Cândida Ventura: a dissidente comunista». Semanário Sol 
  4. a b c d e f g h i j Pinto, Nuno Tiago (16 de dezembro de 2015). «Morreu Cândida Ventura». Sábado 
  5. a b c «Morreram ″Joana″, ″André″, ″Maria″... Morreu Cândida Ventura - DN» 
  6. a b «Morreu Cândida Ventura» 
  7. «Jornal «Avante!» - PCP - Passeios no Tejo» 
  8. a b c d Fernandes, Primeira mulher a entrar, depois de 1940, para a direcção do PCP, a sua ruptura com o comunismo começou e acabou em Praga Em lugares que nos levou a ver Regresso à cidade com uma das protagonistas de 1968 Por José Manuel. «Chamavam-lhe Catarina, mas sempre foi Cândida Ventura» 
  9. Rosas, Fernando; Brito, J.M. Brandão (1996). Dicionário de História do Estado Novo, vol I. Lisboa: Circulo de Leitores. p. 452. ISBN 972-42-1404-4 
  10. a b «Afectos e rupturas de um líder revolucionário» 
  11. Coelho, José Dias (1974). A resistência em Portugal. [S.l.]: Ministerio de Cultura 
  12. Rosas, Fernando; Pinto, J.M. Brandão (1996). Dicionário de história do Estado Novo. II. Lisboa: Círculo de Editores. p. 800. ISBN 972-42-1456-7 
  13. Szobi, Pavel (novembro de 2017). «From Enemies to Allies? Portugal's Carnation Revolution and Czechoslovakia, 1968–1989». Contemporary European History (em inglês). 26 (4): 669–690. ISSN 0960-7773. doi:10.1017/S0960777317000376 
  14. «Fundação Mário Soares | Aeb | Biblioteca | Pesquisa Autores» 
  15. a b Fernandes, José Manuel. «Uma viagem à Praga dos dias da invasão pela mão de quem aí os viveu» 
  16. «Adelino Cunha."É profundamente injusto chamar estalinista a Álvaro Cunhal"» 
  17. Informação, Sul (17 de dezembro de 2015). «Morreu Cândida Ventura» 
  18. Seabra, Zita. «Morreu a camarada André» 
  19. a b «PacWeb 2012» 
  20. «Poema: Balada dos Amigos Separados - Mário Dionísio - Poesia / Poemas no Citador» 
  21. «Ditaduras e revolução: democracia e políticas da memória». Biblioteca Nacional 
  22. «Manuela Tavares, Feminismos. Percursos e Desafios (1947-2007), Alfragide, Texto, 2011». Biblioteca Nacional de Portugal 
  23. «Álvaro Cunhal: Retrato Pessoal e Íntimo (Biografia)». Biblioteca Nacional de Portugal 
  24. «Álvaro Cunhal - Livro - WOOK» 
  25. «Biblioteca Nacional de Portugal» 
  26. Vieira, Joaquim (16 de janeiro de 2014). Álvaro Cunhal - O homem e o mito. [S.l.]: Penguin Random House Grupo Editorial Portugal 
  27. Primeira edição. A obra teve outras edições. Cf. registo do Catálogo Geral da Biblioteca Nacional de Portugal.
  28. Cf. registo do Catálogo Geral da Biblioteca Nacional de Portugal e registo do Arquivo e Biblioteca da Fundação Mário Soares.