Lavagem cerebral

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A lavagem cerebral, lavagem de cérebro, reforma de pensamento ou reeducação é qualquer esforço constituído visando a mudar certas atitudes e crenças de uma pessoa - crenças estas consideradas indesejáveis ou em conflito com as crenças e conhecimentos das outras pessoas - utilizando-se, para tal, de métodos agressivos, como cansaço, substâncias químicas e persuasão, aplicados sobre pessoas que estão privadas da livre determinação de sua vontade (como prisioneiros de guerra, por exemplo). Por meio da lavagem cerebral, indivíduos passam a ter opiniões que não teriam se estivessem em condições de plena liberdade.[1][2]

Representação satírica da lavagem cerebral.

Motivos para a lavagem cerebral podem incluir o objetivo de afetar o pensamento e comportamento do indivíduo que o sistema de valores padrão considera indesejável. A lavagem cerebral é, atualmente, um elemento forte na cultura popular globalizada e, muitas vezes, é retratada como uma teoria conspiratória.

Em 1987, a Câmara de Responsabilidade Social e Ética para a Psicologia (BSERP) da American Psychological Association (APA), provisoriamente, recusou o reconhecimento da lavagem cerebral, pela carência de informações científicas sólidas a seu favor, embora o debate continue em curso.[3]

Terminologia

As palavras "reeducar" e "reeducação" já existiam com vários sentidos desde 1808, mas foi na década de 1940 que passaram a expressar especificamente conotações políticas. A expressão "lavagem cerebral" foi utilizada pela primeira vez no idioma português na década de 1950. Formas anteriores de coação por persuasão ocorreram, por exemplo, durante a caça às bruxas e no decurso de dos julgamentos contra os "inimigos do Estado" na União Soviética, mas a expressão propriamente dita surgiu nas primeiras décadas da República Popular da China, sendo usada para uso interno na luta contra os "inimigos do povo" e invasores estrangeiros.

O termo em chinês 洗脑 (xǐ não, literalmente "lavagem cerebral"), inicialmente, referia-se aos métodos coercivos de persuasão utilizados na 改造 (gǎi Zao, "reconstrução", "mudança", "alterar") dos padrões de pensamento feudal de cidadãos chineses. Já existia um termo semelhante no taoismo: "limpeza/lavagem do coração" (洗心, xǐ xin), que era utilizado porque os chineses acreditavam precisar estar "limpos" espiritualmente antes de realizar certas cerimónias ou entrar em determinados lugares santos, sendo que, em chinês, a palavra "心" (xin) também refere-se a alma ou espírito, contrastando com cérebro. O termo entrou em uso geral nos Estados Unidos e no mundo na década de 1950 durante a Guerra da Coreia (1950-1953) para descrever os métodos aplicados pelos comunistas chineses que resultaram em permanentes mudanças comportamentais em prisioneiros.[4]

A expressão "lavagem cerebral" entrou em uso nos Estados Unidos para explicar por que, ao contrário das guerras anteriores, uma porcentagem relativamente elevada de soldados norte-americanos havia ido para o lado inimigo depois de ficar prisioneiros de guerra na Coreia. Posteriores análises determinaram que algumas das principais metodologias empregadas sobre eles durante a sua prisão incluía privação do sono e outras métodos de tortura psicológica destinadas a minar a autonomia dos indivíduos.

Após a Guerra da Coreia, a expressão "lavagem cerebral" veio a aplicar-se a outros métodos de persuasão coercitiva e até mesmo para o uso eficaz das propagandas ordinárias e doutrinação.

Origem

Guerra da Coreia (1950-1953)

O Partido Comunista da China utilizou a frase "xǐ nǎo" ("lavagem cerebral", 洗脑) para descrever seus métodos ortodoxos de persuadir os membros que não estão em conformidade com a mensagem do partido. A frase foi baseada no xǐ xin (洗心, "lavagem de coração"), uma exortação - encontrada em muitos templos taoistas – para que os fiéis limpassem seus corações dos desejos impuros antes de entrar.

Em Setembro de 1950, o Miami Daily News publicou um artigo de Edward Hunter que continha, pela primeira vez, a expressão "lavagem cerebral" em inglês, que, rapidamente, se tornou uma frase popular na propaganda da Guerra Fria. Hunter, identificado por alguns como "um operador de propaganda da Agência Central de Inteligência", escreveu diversos livros e artigos sobre o tema.[5]

Representação artística da lavagem cerebral

Um outro artigo de Hunter sobre o mesmo assunto apareceu na revista The New Leader em 1951.[6] Em 1954 e 1956, dois estudos sobre a Guerra Coreana feitos por Robert Lifton[7] e por Edgar Schein[8] concluíram que havia um efeito de lavagem cerebral transitória utilizada em prisioneiros de guerra.

Lifton e Schein constataram que os chineses não se engajaram em qualquer reeducação sistemática dos presos, mas que, geralmente, utilizaram as técnicas de persuasão coercitiva para perturbar a capacidade mental dos prisioneiros. Os chineses teriam tido sucesso na obtenção de declarações antiestadunidenses por parte de alguns dos prisioneiros, colocando-os presos em condições adversas, de privação física e social e perturbação. Em seguida, ofereciam-lhes uma situação mais confortável, como dormir em locais melhores, qualidade alimentar, roupas mais quentes ou cobertores. No entanto, os psiquiatras ainda alegaram que estas medidas de coação se demonstraram ineficazes pois não provocaram mudanças de atitudes na maioria das pessoas, e os presos não adotavam efetivamente as crenças comunistas. Os poucos prisioneiros influenciados pela doutrinação comunista aparentemente haviam sucumbido por características de personalidade que já existiam antes da prisão.

Lifton e Schein concluíram que a lavagem cerebral era resultado de uma mistura de aspectos sociais, psicológicos e físicos e pressões aplicadas a um indivíduo para produzir mudanças em suas crenças, atitudes e comportamentos. Lifton e Schein alegaram que tais práticas podem ter sucesso na presença de um elemento físico de confinamento, forçando o indivíduo a uma situação na qual, para sobreviver física e psicologicamente, ele precisa mudar de personalidade. Eles também concluíram que tais métodos tiveram sucesso somente em uma minoria, pois a coerção manteve os indivíduos muito instáveis, e a maioria voltou à sua condição anterior logo após ter deixado o ambiente coercivo.

Após o armistício que interrompeu as hostilidades na Guerra da Coreiam em Julho de 1953, um grande grupo de oficiais da inteligência, psiquiatras, psicólogos e soldados das Nações Unidas recebeu missões para repatriar os soldados. O governo dos Estados Unidos queria entender o nível sem precedentes de colaboração, a confiança depositada pelos prisioneiros em seus captores, e outros indícios de que os chineses tinham conseguido eficácia no seu tratamento dos prisioneiros de guerra. Estudos formais em revistas académicas começaram a surgir em meados dos anos 1950, bem como alguns relatos de antigos prisioneiros. Em 1961, dois especialistas na área publicaram livros que sintetizaram estes estudos para os não especialistas preocupados com as questões de segurança nacional e política social. Segundo eles, a lavagem cerebral se destinava a produzir confissões, para fazê-los sentirem-se culpados de crimes contra o Estado, torná-los desejosos de uma mudança fundamental nas perspectivas para as instituições da nova sociedade comunista e, finalmente, para realmente cumprir as alterações desejadas na lavagem cerebral/reforma de pensamento. Diz-se que as técnicas utilizadas para a lavagem cerebral foram:

Críticas às teorias de "lavagem cerebral" na Guerra da Coreia

Segundo o psicólogo forense Dick Anthony, a CIA inventou o conceito de "lavagem cerebral" como uma estratégia de propaganda anticomunista. Dick ainda afirmou que os prisioneiros nos campos coreanos comunistas tinham voluntariamente expressado sua simpatia pelo comunismo. Anthony descreveu que, em seus livros, Edward Hunter (que possuía ligações com a CIA) estava se passando por um jornalista e que ele era "um grande especialista na guerra psicológica", apresentando, ao público em geral, a teoria da lavagem cerebral da CIA. Ele afirmou ainda que, por vinte anos, começando no início dos anos 1950, a CIA e o Departamento de Defesa dos Estados Unidos conduziram investigações secretas, em uma tentativa de desenvolver práticas de lavagem cerebral, mas sua tentativa fracassou.

Cultos religiosos

Existem debates sobre a possíveis práticas de lavagem cerebral em seitas e novos movimentos religiosos ou supostamente religiosos (há acusação de lavagem cerebral por parte da cientologia). Pesquisadores acadêmicos de seitas discordam sobre a existência de um processo social com influência coerciva, e também discordam sobre se as pessoas se tornam influenciados contra a sua vontade.

Teorias sobre a lavagem cerebral também se tornam alvo de discussões jurídicas em tribunais: nelas, os peritos tiveram que pronunciar seus pontos de vista perante júris em termos mais simples do que os utilizados em publicações acadêmicas.

Lavagem cerebral nas massas

O conceito de "lavagem cerebral" é, por vezes, aplicado em algumas sociedades onde o Estado mantém um controle sobre os meios de comunicação em massa e o sistema de ensino, e usa este controle para difundir uma propaganda particularmente intensa, que poderia "lavar o cérebro" de grandes camadas da população. Esta propaganda estatal visaria a influenciar o sistema de valores dos cidadãos e sua conduta, por meio de um discurso persuasivo buscando a adesão a seus interesses. A sua abordagem usa informação distribuída maciçamente com a intenção de apoiar uma determinada opinião política ou ideológica. Embora a mensagem possa ser verdadeira, ou incompleta, e não partidária, como uma desinformação, ela não apresenta uma imagem neutra e equilibrada da opinião em questão, que é sempre referida como assimétrica, subjetiva e emocional. A sua principal utilização é no contexto político, geralmente patrocinada por governos ou partidos para convencer as massas; secundariamente, refere-se a ela como a publicidade de empresas privadas.

Commons
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Ver também

Referências

  1. FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. 2ª edição. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 1986. p. 1 014.
  2. Compare: «brainwashing». Dorland's Medical Dictionary for Healthcare Consumers. Merck/Elsevier. 2007. Consultado em 13 de setembro de 2008 
  3. Compare: «brainwashing». Dorland's Medical Dictionary for Healthcare Consumers. Merck/Elsevier. 2007. Consultado em 13 de setembro de 2008 
  4. Browning, Michael (14 de março de 2003). «Brainwashing agitates victims into submission». Palm Beach Post. Palm Beach. ISSN 1528-5758. Consultado em 5 de julho de 2008 
  5. Marks, John (1979). «8. Brainwashing». The Search for the Manchurian Candidate: The CIA and Mind Control. New York: Times Books. ISBN 0-8129-0773-6. Consultado em 30 de dezembro de 2008  Parâmetro desconhecido |firstn= ignorado (ajuda)
  6. Zweiback, Adam J. (dezembro de 1998). «"Turncoat GIs": Nonrepatriations and the political culture of the Korean War». The Historian. 60 (2): 345–362. doi:10.1111/j.1540-6563.1998.tb01398.x. Consultado em 30 de março de 2008 
  7. Lifton, Robert J. (abril de 1954). «Home by Ship: Reaction Patterns of American Prisoners of War Repatriated from North Korea». American Journal of Psychiatry. 110 (10): 732–739. PMID 13138750. doi:10.1176/appi.ajp.110.10.732. Consultado em 30 de março de 2008  Citado de Thought Reform and the Psychology of Totalism
  8. Schein, Edgar (maio de 1956). «The Chinese indoctrination program for prisoners of war: a study of attempted brainwashing». Psychiatry. 19 (2): 149–172. PMID 13323141. Consultado em 30 de março de 2008  Citado de Thought Reform and the Psychology of Totalism