Paralisia de Bell

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Paralisia de Bell
Paralisia de Bell
Homem com paralisia de Bell à direita tentando mostrar seus dentes e elevar as sobrancelhas
Especialidade neurologia
Frequência 1.5%
Classificação e recursos externos
CID-10 G51.0
CID-9 351.0
CID-11 2004402146
DiseasesDB 1303
MedlinePlus 000773
eMedicine emerg/56
MeSH D020330
A Wikipédia não é um consultório médico. Leia o aviso médico 

A paralisia de Bell é uma paralisia do nervo facial (nervo craniano VII) que resulta em inabilidade para controlar os músculos faciais no lado afetado. Várias condições podem causar uma paralisia facial, por exemplo, tumor cerebral, derrame e doença de Lyme. Porém, se nenhuma causa específica pode ser identificada, a condição é conhecida como paralisia de Bell. Nomeada pelo anatomista escocês Charles Bell, que primeiro descreveu-a, a paralisia de Bell é a mononeuropatia aguda mais comum (doença que envolve só um nervo), e é a causa mais comum de paralisia aguda de nervo facial.

A paralisia de Bell é definida como paralisia de nervo facial unilateral idiopática (sem causa conhecida), de inicio rápido, geralmente em 2 dias.

Acredita-se que é uma condição inflamatória que leva ao inchaço do nervo facial. Acredita-se que o inchaço do nervo e sua compressão no estreito canal ósseo do crânio atrás da orelha possam levar à inibição, lesão ou morte do nervo. Nenhuma causa prontamente identificável para a paralisia de Bell foi encontrada até hoje.

Os médicos podem prescrever drogas anti-inflamatórias e antivirais. O tratamento precoce é necessário para que a terapia medicamentosa tenha efeito. O efeito do tratamento ainda é controverso.

A maioria das pessoas se recupera espontaneamente e volta a ter funções normais ou próximas do normal. Muitos podem demonstrar sinais de melhora em até 10 dias após do início da paralisia, mesmo sem tratamento.

Geralmente a pessoa não consegue, devido à paralisia, fechar o olho no lado afetado. Este olho deve ser protegido para que não seque, ou a sua córnea pode se tornar permanentemente lesada, resultando em problemas de visão.

A incidência anual da paralisia de Bell é de cerca de 20 afetados para cada 100.000 habitantes. A doença costuma ocorrer mais em grávidas e diabéticos.

Fisiopatologia

A paralisia de Bell envolve o comprometimento do nervo facial, também conhecido como sétimo (VII) nervo craniano, e seus ramos. Este nervo controla diversas funções da mímica facial, como o piscar e o fechamento dos olhos, fazer sorrir e enrugar a testa. Também é responsável pela produção de lágrimas e saliva.

Também inerva os músculos estapédios da orelha interna e carrega a sensação de paladar dos dois terços anteriores da língua.

Sinais e sintomas

Nervo facial: os núcleos do nervo facial estão no tronco cerebral (eles estão representados na ilustração como „θ“).

Em laranja: nervos oriundos do hemisfério esquerdo do cérebro
Em amarelo: nervos oriundos do hemisfério direito do cérebro.

Obs.: Observe que a inervação da testa recebe fibras de ambos hemisférios cerebrais (representada em amarelo e laranja).

A paralisia de Bell é caracterizada por um flacidez facial súbita unilateral, que geralmente surge em horas.

Os achados mais comuns incluem a flacidez da sobrancelha, incapacidade de fechar o olho, desaparecimento do sulco nasolabial e o desvio da boca para o lado não afetado.

Outros achados possíveis incluem lacrimejamento, hiperacusia e perda do paladar nos dois terços anteriores da língua.

Em algumas pessoas pode-se observar o sinal de Bell, que corresponde ao movimento do olho para cima e para fora no lado afetado, quando o paciente tenta piscar. A paralisia ou fraqueza é frequentemente precedida ou acompanhada de dor próxima da região do ouvido.

Os médicos devem determinar se os músculos da testa estão poupados. Devido a uma peculiaridade anatômica, os músculos da testa recebem inervação de ambos os lados do cérebro. A testa pode então ainda estar enrugada (inervada) em um paciente cuja paralisia facial é causada por um problema em um dos hemisférios do cérebro (paralisia facial central). Se o problema reside no próprio nervo facial (paralisia periférica) todos os sinais nervosos são perdidos, incluindo os que vão para a musculatura da testa.

O grau de lesão do nervo pode ser avaliado através da escala de House-Brackmann.

Causas

Acredita-se que alguns vírus estabeleçam uma infecção persistente (ou latente) sem sintomas, como o vírus herpes simplex, herpes zoster [1] e o vírus Epstein-Barr. A reativação de uma infecção viral existente tem sido sugerida[2] como causa da paralisia de Bell aguda. Estudos[3] sugerem que esta nova ativação poderia ser precedida por trauma, fatores ambientais e transtornos metabólicos ou emocionais, sugerindo que por fim, diversas condições podem desencadear a reativação.

Diagnóstico

A paralisia de Bell é um diagnóstico de exclusão, por eliminação de outras causas possíveis. Logo, por definição, nenhuma causa específica pode ser confirmada. A paralisia de Bell é geralmente referida como idiopática ou criptogênica, significando que ela tem causas desconhecidas.

Exames complementares não são necessários em todos os casos. Alguns pacientes podem se beneficiar de exames de imagem, eletroneuromiografia e exames de sangue.

Diagnóstico diferencial

Diversas doenças podem ser confundidas com a paralisia de Bell e entram no diagnóstico diferencial, como, por exemplo: doença de Lyme, infecção pelo HIV, síndrome de Melkersson-Rosenthal, otite média, colesteatoma, sarcoidose, síndrome de Sjögren e tumor da glândula parótida.

Tratamento

Em pacientes com paralisia facial incompleta, nos quais o prognóstico de recuperação é muito bom, o tratamento pode ser desnecessário. Os pacientes que se apresentam com paralisia completa, marcada por uma incapacidade de fechar os olhos e a boca no lado envolvido, são geralmente tratados. O tratamento precoce (dentro de 3 dias a partir do surgimento) é necessário para que a terapia seja efetiva.[4] Os esteróides tem se demonstrado efetivos em melhorar a recuperação, enquanto os antivirais não.

Esteroides

A prednisolona, um corticosteroide, se usada precocemente no tratamento da paralisia de Bell, melhora significantemente as chances de recuperação completa em 3 e 9 dias quando comparada ao tratamento com a droga anti-viral aciclovir ou a nenhum tratamento.[5]

Antivirais

Os antivirais (como o aciclovir e o valaciclovir) são usados no tratamento devido a uma ligação teórica entre a paralisia de Bell e os vírus herpes simples e varicela zoster.[5]

No entanto, alguns estudos não têm demonstrado eficácia em melhorar a recuperação da paralisia de Bell em associação com os esteróides.[6]

Cuidados com os olhos

Em casos de paralisia mais intensa, o fechamento insuficiente da pálpebra e a diminuição da produção de lágrimas podem afetar a córnea. Para evitar lesões de córnea por ressecamento e trauma, costuma-se usar lágrima artificial e/ou pomadas oftalmológicas. Também podem ser utilizados óculos ou tampões protetores.

Tratamentos alternativos

A eficácia da acupuntura permanece desconhecida porque os estudos disponíveis são de baixa qualidade.[7] Os procedimentos cirúrgicos para descomprimir o nervo facial tem sido tentados, mas não tem provado benefícios.

Prognóstico

Mesmo sem nenhum tratamento, a paralisia de Bell tende a ter um bom prognóstico. Em estudo feito em 1982, quando ainda nenhum tratamento estava disponível, 85% de 1.011 pacientes demonstrou os primeiros sinais de recuperação dentro das primeiras 3 semanas após o surgimento da doença. Nos 15% restantes, a recuperação ocorreu nos 3-6 meses restantes. Após uma acompanhamento de pelo menos 1 ano ou até a cura, a recuperação completa ocorre em mais de dois terços (71%) de todos os pacientes. A recuperação foi considerada moderada em 12% e pobre em somente 4% dos pacientes.[8]

Outro estudo demonstrou que a paralisia incompleta desaparece completamente, quase sempre durante um mês. Os pacientes que recuperam movimento dentro das primeiras duas semanas quase sempre recuperam-se completamente. Quando a remissão não ocorre até a terceira semana ou mais tarde, uma significante maioria dos pacientes desenvolve sequelas.[9]

Um terceiro estudo mostrou um melhor prognóstico para pacientes jovens, com idade abaixo de 10 anos, enquanto pacientes acima dos 61 anos apresentaram um pior prognóstico.[3]

Complicações

As principais complicações da paralisia de Bell são perda crônica da gustação (ageusia), espasmo facial crônico e infecções da córnea. Para prevenir estas infecções, os olhos podem ser protegidos por tapadores ou encobertos durante os períodos de sono e descanso. Colírios de composição semelhante à lágrima ou pomadas oftalmológicas podem ser recomendadas, especialmente para casos com paralisia completa. Quando o olho não fecha completamente, o reflexo do piscar também é afetado, e cuidados devem ser tomados para proteger o olho de uma lesão.

Outra complicação pode ocorrer no caso de uma regeneração incompleta ou errônea do nervo facial lesionado. O nervo pode ser considerado como um grupo de pequenas conexões nervosas individuais menores que se ramificam para seus destinos próprios. Durante a regeneração, os nervos geralmente são capazes de localizar seu caminho tradicional para o destino correto - mas alguns nervos podem seguir um caminho colateral levando a uma condição conhecida como sincinesia. Por exemplo, a regeneração de músculos que controlam os músculos anexos ao olho podem fazer um caminho colateral e também regenerar conexões que atingem os músculos da boca. Desta maneira, o movimento de um afetará o outro. Por exemplo, o canto da boca levantar-se involuntariamente em uma pessoa que fecha os olhos.

Além disso, durante a recuperação, uma parcela muito pequena dos pacientes pode exibir a síndrome das lágrimas de crocodilo, também conhecida como reflexo gustolagrimal ou síndrome de Bogorad. Nesta síndrome, as pessoas liberam lágrimas enquanto comem. Isso é creditado a uma regeneração inadequada do nervo facial, um ramo que controla as glândulas salivares e lacrimais. O suor gustativo também pode ocorrer.

Epidemiologia

A incidência anual da paralisia de Bell é de cerca de 20 para 100.000 habitantes, e a incidência aumenta com a idade.[10] A herança familiar tem sido encontrada em 4-14% dos casos.[11]

Não há predileção por raça, sexo ou localização geográfica. No entanto, a paralisia de Bell afeta três vezes mais mulheres grávidas do que mulheres não grávidas, principalmente no terceiro trimestre de gestação ou na primeira semana pós-parto.[12] Também afeta quatro vezes mais pessoas diabéticas do que a população em geral.[13]

Um faixa de diversas taxas de incidência anual já foi descrita na literatura: 15,[11] 24,[14] e 25-53[15] (todas taxas por 100.000 habitantes por ano). A paralisia de Bell não é uma doença que deve ser notificada, o que complica a aferição de suas estatísticas.

História

A lesão foi descrita pela primeira vez por Sir Charles Bell, um cirurgião escocês. Em 1829 ele apresentou três casos na Royal Society of London. Dois casos eram idiopáticos e o terceiro era devido a um tumor na glândula parótida.

Galeria de imagens

Referências

  1. Facial Nerve Problems and Bell's Palsy Information on MedicineNet.com
  2. Furuta Y, Ohtani F, Chida E, Mesuda Y, Fukuda S, Inuyama Y (2001). «Herpes simplex virus type 1 reactivation and antiviral therapy in patients with acute peripheral facial palsy». Auris Nasus Larynx. 28 Suppl: S13–7. PMID 11683332. doi:10.1016/S0385-8146(00)00105-X 
  3. a b Kasse et al. (2003) Clinical data and prognosis in 1521 cases of Bell’s palsy. International Congress Series (2003) Issue Vol.1240 Page no. 641-647 ISSN 05315131 (page 646)
  4. Hato N, Matsumoto S, Kisaki H; et al. (2003). «Efficacy of early treatment of Bell's palsy with oral acyclovir and prednisolone». Otol. Neurotol. 24 (6): 948–51. PMID 14600480. doi:10.1097/00129492-200311000-00022 
  5. a b Sullivan FM, Swan IR, Donnan PT; et al. (2007). «Early treatment with prednisolone or acyclovir in Bell's palsy». N. Engl. J. Med. 357 (16): 1598–607. PMID 17942873. doi:10.1056/NEJMoa072006 
  6. Lockhart P, Daly F, Pitkethly M, Comerford N, Sullivan F (2009). «Antiviral treatment for Bell's palsy (idiopathic facial paralysis)». Cochrane Database Syst Rev (4): CD001869. PMID 19821283. doi:10.1002/14651858.CD001869.pub4 
  7. He L, Zhou MK, Zhou D; et al. (2007). «Acupuncture for Bell's palsy». Cochrane Database Syst Rev (4): CD002914. PMID 17943775. doi:10.1002/14651858.CD002914.pub3 
  8. Peitersen E (1982). «The natural history of Bell's palsy». Am J Otol. 4 (2): 107–11. PMID 7148998  quoted in Roob G, Fazekas F, Hartung HP (1999). «Peripheral facial palsy: etiology, diagnosis and treatment». Eur. Neurol. 41 (1): 3–9. PMID 9885321. doi:10.1159/000007990 
  9. Peitersen E, Andersen P (1966). «Spontaneous course of 220 peripheral non-traumatic facial palsies». Acta Otolaryngol.: Suppl 224:296+. PMID 6011525 
  10. Ahmed A (2005). «When is facial paralysis Bell palsy? Current diagnosis and treatment». Cleve Clin J Med. 72 (5): 398–401, 405. PMID 15929453. doi:10.3949/ccjm.72.5.398 
  11. a b Döner F, Kutluhan S (2000). «Familial idiopathic facial palsy». Eur Arch Otorhinolaryngol. 257 (3): 117–9. PMID 10839481. doi:10.1007/s004050050205 
  12. Bender, Paula Gillingham. "Facing Bell's Palsy while pregnant." (Commercial website). Sheknows: Pregnancy and Baby. Retrieved on 2007-09-06.
  13. "Bell's Palsy InfoSite & Forums: Facial Paralysis FAQs" (Website). Bell's Palsy Information Site. Retrieved on 2007-09-06.
  14. Wolf SR (1998). «[Idiopathic facial paralysis]». HNO (em German). 46 (9): 786–98. PMID 9816532 
  15. Morris AM, Deeks SL, Hill MD; et al. (2002). «Annualized incidence and spectrum of illness from an outbreak investigation of Bell's palsy». Neuroepidemiology. 21 (5): 255–61. PMID 12207155. doi:10.1159/000065645