Campanha gráfica e editorial da Revolução de 1932

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Cartaz representando bandeirante num dramático instante congelando, evocando a resistência e a causa paulista.

A Revolução Constitucionalista de 1932 foi um importante marco para a história do Brasil no século XX, tanto do ponto de vista dos desdobramentos políticos, econômicos e sociais, quanto do ponto de vista de sua relevância historiográfica se pensarmos em sua fartura de registros imagéticos, movimento relevante para a história do design gráfico no Brasil.

Através de todo esse testemunho visual (alinhado também a toda outra forma de registro), podemos, hoje, remontar com riqueza polissêmica o cenário do projeto político da Revolução de 32 e compreender e questionar com maior profundidade os impactos de uma campanha político-imagética na construção de um imaginário histórico e nacional[1].

Nesse sentido, o movimento paulista foi profundamente movido pela propaganda, que tratou de manter alinhados diversos setores sociais sob uma ideia de causa e missão comum, interessante política e economicamente, a princípio, apenas a uma parcela muito determinada da população paulista (elites cafeeiras e alguns setores da classe média)[2]. Esta população geral, por sua vez, foi essencial para o andamento da pretendida Revolução, desde alistamentos, a doações de fundos, aos esforços da indústria paulista para produção de equipamento e inovações de guerra. A circulação de cartazes, emblemas, cartões postais, hinos, fotografias, revistas, paradas infantis, narrativas de rádio e jornal, etc, mantinha a população permanentemente mobilizada com o projeto político da elite paulista.

Contexto histórico[editar | editar código-fonte]

Logo antes do ano que deu início a Revolução de 32, o Brasil se encontrava em crise econômica, devido a derrubada dos preços do maior produto de exportação do país, o café, pela Grande Depressão. Querendo mudanças políticas e econômicas, foi eleito o paulista Júlio Prestes nas eleições do ano de 1930 contra Getúlio Vargas. No entanto, Prestes nunca chegou a assumir o cargo, pois em união a comandantes militares do Rio de Janeiro, o presidente vigente Washington Luís foi deposto e o poder entregue nas mãos de Getúlio Vargas. Com isso, chegou ao fim a hegemonia política dividida entre São Paulo e Minas Gerais, e foi instalada uma ditadura no país. Foram nomeados interventores para os governos de todos os estados, e foram nomeados para São Paulo apenas figuras que o povo paulista desgostava, por inúmeros motivos.

O clima se tornava insustentável politicamente, com interventores tendo interferência em suas administrações pela ditadura de Vargas, enormes comícios anti-governo ocorrendo e insatisfação geral dos paulistas. Em um desses comícios, 5 jovens foram assassinados pelo Partido Popular Paulista, uma organização pró Vargas. Esse foi um dos estopins para o planejamento da revolta armada e para a criação de grupos revolucionários como o M.M.D.C.. Nesse clima, a revolução finalmente iniciou, com a tomada de quartéis, estações ferroviárias, prédios públicos, além de iniciar a propaganda política através de programas de rádio, cartazes e editoriais.

A propaganda da revolução[editar | editar código-fonte]

O Separatista[editar | editar código-fonte]

Na véspera do início da Revolução de 1932, o jornal O Separatista[3] foi lançado. Criado por Rubens Borba de Morais, em união com Alfredo Ellis Júnior e Agenor Machado, suas edições foram todas impressas clandestinamente na gráfica Tipografia Ferraz e entregue a população por estudantes envolvidos na produção do jornal. Com 3 edições, seu discurso se concentrou em, como o próprio nome já diz, discutir e incentivar a separação do estado de São Paulo do resto do país.

Sua primeira edição promovia o separatismo sem pudor, com o discurso que São Paulo seria a maior potência do Brasil, estava sendo atrasada pelos problemas do país e que não existia nenhuma vantagem para que o estado ainda fosse parte integrante da nação. O discurso polêmico do jornal se intensificou em sua segunda edição, com menos pudor ainda, através de um discurso declaradamente anti-nordestino e anti-nortista, fazendo com que essa edição tivesse grande circulação por São Paulo e se tornasse um sucesso. Na terceira e última edição, as críticas continuaram as mesmas, porém com uma linguagem menos agressiva e direta. Em junho de 1932, logo antes da revolução de 32 estourar, o jornal saiu de circulação.

O Jornal da Trincheira[editar | editar código-fonte]

Alguns projetos editoriais produzidos durante a Revolução foram voltados para os soldados em campo de batalha, como o Jornal da Trincheira. Lançado pela Liga de Defesa Paulista e editado nas oficinas do Estado de S. Paulo, o intuito do periódico era esclarecer ao combatente as motivações paulistas em relação a suas demandas constitucionalistas[4].

A manobra argumentativa do M.M.D.C. residia no sentido de uma missão de “libertação nacional e restauração da lei” e do direito constitucional[5], opondo-se às novas e disruptivas mudanças políticas trazidas pela instalação do Governo Provisório (que desbalanceavam o anterior equilíbrio econômico oligárquico do café com leite em prejuízo da elite cafeeira paulista).

O Jornal das Trincheiras projetava sobre o cidadão a responsabilidade dessa luta, e projetava seus valores “civilizatórios” e políticos sobre o resto do Brasil. Para o Jornal das Trincheiras, portanto, a Revolução de 1932, não era um movimento regionalista, ou mesmo separatista, mas sim nacionalista, mirando num Brasil comum para todos os brasileiros, livre, gozando de liberdade [sic].

Entretanto, ao longo de suas 13 edições[6][7], o Jornal, em detrimento das iniciais motivações constitucionalistas, vai dando mais espaço para o apelo ao ideal de paulistanidade, muito marcado pelo etnocentrismo e xenofobia.

Manchete de "A Gazeta" em 24/05/32, destacando a abrangência e aderência pública ao movimento, engrandecendo-o enquanto momento histórico.

A imagem da revolução[editar | editar código-fonte]

A fim de divulgar seu projeto, suas ações e reunir esforços, voluntários e apoio entre a população geral, o grupo M.M.D.C. articulou, através do Departamento de Propaganda Cívica, uma ampla campanha propagandística multimídia que, em parceria com grandes plataformas de informação como o Estado de S. Paulo[8], e personalidades intelectuais paulistas como Guilherme de Almeida e Alfredo Ellis Jr., moldou todo um imaginário paulista do espírito paulista que até hoje de certas formas perdura.

Fotografia[editar | editar código-fonte]

Soldados armados dispostos em torno da bandeira do movimento constitucionalista.
Voluntário paulista posando com a bandeira em pose heróica.
Desfile do Batalhão Esportivo pelas ruas de São Paulo, reforçando a performance do imaginário da guerra.

A imagem fotográfica, muito potente em comunicar o “real”, o “verossímil” e assim orientar um imaginário sócio-cultural, foi desde o início utilizada para moldar essa tal percepção do real. A maioria dos clichês do Movimento de 32 registra unicamente os preparativos, deixando de lado a ação. O imaginário da guerra atravessa imagens de uma guerra alienada, sem violência, mortes ou fome. Do contrário, as fotografias focavam em representar um conflito idealizado e limpo, destacando imagens de soldados em poses heróicas e de sorrisos cativantes, nunca em conflito.[9]

“Uma análise superficial e apressada do legado fotográfico da Revolução de 32 nos deixa com a falsa impressão de que tudo não passou de uma alegre gincana política, promovida por animados paulistanos com o fito de obter a Constituição.” (VASQUEZ, 1982: 7)

Contrapondo o imaginário articulado pela liderança do Movimento de 32 com indicativos historiográficos de baixas em conflitos, deserções e desalinhamento políticos da população, por exemplo, observamos evidentes lacunas na narrativa parcial e manipulativa do conflito entre os paulistas e o governo federal.[10]

Cartazes[editar | editar código-fonte]

Cartaz representando gigante bandeirante subjugando um diminuto Vargas. A relação de tamanhos denota uma indicação de superioridade moral dos revolucionários.
Cartaz provoca sentimento de responsabilidade muito pessoal.

O cartaz enquanto veículo de comunicação de fruição pública, no caso deste evento civil-militar, busca especialmente a mobilização política de toda a conjuntura social, cultural, econômica e militar paulista. Assim, sua ênfase estratégica era a retórica da sensibilização e do convencimento através do envolvimento emocional (pathos)[11], abordando certas convenções sócio-culturais e representações de projetos políticos familiares aos paulistas dos anos 30 (havendo também um trabalho com a autoridade do orador, o ethos). O símbolo talvez mais amplamente abordado pelas peças veiculadas foi a figura do “bandeirante”. Num projeto de suscitação do sentimento regionalista paulista, ocorre um resgate dos grandes feitos do passado[12] [sic] (a partir principalmente de um ponto de vista de cultura colonizada e europeizada). O bandeirante, portanto, evocaria os valores do dito espírito paulista, vinculando o mito de um passado desbravador e heróico a um presente de autonomia política.[13]

Outra tendência simbólica muito comum foi o imaginário imperativo bélico, através dos quais os cartazes faziam uso de um discurso verbal de impacto e implicador de culpa e cumplicidade inata a todo paulista. Peças como “VOCÊ tem um dever a cumprir! Consulte o MMDC e sua consciência.” acompanhado de figuras militares uniformizadas, severas, de olhares extremamente penetrantes, e indicador apontado na direção do leitor, evocam um enorme e pessoal sentimento de responsabilidade no leitor do cartaz. O intuito era conceder ao paulista comum a ideia de um papel de importância vital no conflito, que o engajasse ao alistamento e o constrangesse caso não o fizesse.

Mapa ilustrativo do conflito entre São Paulo e o governo federal.

Mapa descritivo da Revolução Constitucionalista de 1932[editar | editar código-fonte]

Ilustrado por José Wasth Rodrigues, esse mapa se tornou um dos maiores símbolos e registros gráficos que se tem da Revolução de 1932. Nele, foram ilustradas as frentes de combate das tropas revolucionárias e as rotas utilizadas por eles, podendo ser relacionadas a um contexto gráfico europeu contemporâneo da revolução, em termos de tipografia, grafismos, traço de ilustração, heráldica, etc.

A produção desse mapa se deu através de matrizes de pedra, na gráfica Editora Hamburgo. Após o fim da guerra civil, a gráfica foi revistada pelas forças do governo e foi feito um acordo que resultou na destruição das matrizes de pedra do mapa e de outros exemplares que ainda sobravam do mapa.[14]

Cédula emitida devido a escassez monetária durante a revolução de 1932 representando a imagem de um bandeirante no centro.

Outros formatos utilizados[editar | editar código-fonte]

Além de cartazes, que representavam mensagens mais pontuais no projeto de comunicação da elite separatista paulista, o repertório visual do “espírito paulista” estava por todo lado permeado por uma diversidade de outros artefatos. Dentre estes foram confeccionados selos, postais, flâmulas, bandeiras, braçadeiras, medalhas, notas, moedas e a indumentária de guerra, por exemplo, todas compondo com o imaginário projetado pelos demais esforços gráficos[14]. O uso das cores regionais de São Paulo, de seus brasões, de efígies militares com capacetes de aço olhando para o futuro, de frases de efeito, entre outros elementos, corroboraram para o tecimento teatral de uma espécie de espírito nacionalista da região.

Referências

  1. Disponível em: <https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/imagens/CatalogoRevolucao32.pdf>. Acesso em: 4 abr. 2022.
  2. 19&20 - A propaganda política de 1932, hoje, por André Toral. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/obras/1932_propaganda.htm>. Acesso em: 4 abr. 2022.
  3. DO BRASIL, C.-C. DE P. E. D. H. C. SEPARATISTA, O. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/separatista-o>. Acesso em: 4 abr. 2022.
  4. DO BRASIL, C.-C. DE P. E. D. H. C. JORNAL DAS TRINCHEIRAS. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/jornal-das-trincheiras>. Acesso em: 4 abr. 2022b.
  5. Jornal das Trincheiras : órgão da Revolução Constitucionalista. N.1. 1932. Categorias
  6. Jornal das Trincheiras : órgão da Revolução Constitucionalista. N.13. 1932.
  7. Rodrigues, João Paulo (junho de 2011). «Tradição e retórica imagética: a construção da propaganda visual oposicionista no levante de 1932 em São Paulo». SciELO. Consultado em 3 de abril de 2022 
  8. RODRIGUES, J. P. Tradição e retórica imagética: a construção da propaganda visual oposicionista no levante de 1932 em São Paulo. História (São Paulo), v. 30, n. 1, p. 372–395, 2011.
  9. Vasquez, Pedro (1982). Revolução de 32, Fotografia e Política (PDF). Rio de Janeiro: Funarte. pp. 4–8 
  10. Toral, André (2016). «A propaganda política de 1932, hoje.». 19&20. Consultado em 4 de abril de 2022 
  11. EMANUEL, B. Retórica na interação. Rio de Janeiro, 2017.
  12. JÚNIOR, O.; DE, A. R. Convencimento e emoção: a força da imagem-propaganda no movimento constitucionalista de 1932 1. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/9o-encontro-2013/artigos/gt-historia-da-midia-audiovisual-e-visual/convencimento-e-emocao-a-forca-da-imagem-propaganda-no-movimento-constitucionalista-de-1932>. Acesso em: 4 abr. 2022.
  13. Leitão, Raphael. «1932: A MOBILIZAÇÃO DE ÂNIMOS QUE CONDUZIU SÃO PAULO PARA A GUERRA CIVIL» (PDF). Consultado em 3 de abril de 2022 
  14. a b Disponível em: <https://www.casaguilhermedealmeida.org.br/museu/revolucao-de-32-alem-das-armas.pdf>. Acesso em: 4 abr. 2022b.
Ícone de esboço Este artigo sobre design é um esboço. Você pode ajudar a Wikipédia expandindo-o.