Lêmure: diferenças entre revisões

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{{Info/Taxonomia
{{Info/Taxonomia
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| imagem_legenda = [[Lêmure-de-cauda-anelada]] (''Lemur catta'')
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{{PBPE|Lêmure|lémure}} refere-se a qualquer [[espécie]] da infra-ordem '''Lemuriformes''', todas elas [[arborícola]]s, endémicas da ilha de [[Madagascar]], ([[África]]). Assemelham-se aos [[símio]]s, no aspecto e nos hábitos, mas são dotados de [[focinho]] que lembra o da [[raposa]], grandes [[olho]]s, [[pêlo]] lanoso, muito macio, e cauda geralmente longa e peluda.


'''Lêmure''' é a denominação atribuída às [[Espécie|espécies]] de [[primatas]] [[Strepsirrhini|esprepsirrinos]] que pertencem à superfamília [[Lemuroidea]] ou infraordem [[Lemuriformes]], a depender do critério de classificação. Todas as espécies conhecidas (tanto as viventes quanto as [[Extinção|extintas]]) são [[Endemismo|endêmicas]] da ilha de [[Madagascar]] ([[África]]), no que apenas duas também ocorrem em [[Comores]] — provavelmente introduzidas por seres humanos. Apesar de apresentarem uma limitada [[distribuição geográfica]], os lêmures configuram-se como um grupo morfologicamente diversificado, ocupando uma grande variedade de [[Nicho ecológico|nichos ecológicos]]. Expressam hábito [[arborícola]], sendo que as espécies, geralmente, são diurnas ou crepusculares. Desse modo, correspondem a um [[clado]] de expressiva diversidade dentro do grupo dos primatas, havendo cinco [[Família (biologia)|famílias]] [[Táxon extante|extantes]]: [[Cheirogaleidae]], [[Lemuridae]], [[Lepilemuridae]], [[Indriidae]] e [[Aie-aie|Daubentoniidae]], que denotam um total de 15 [[Género (biologia)|gêneros]] e cerca de 100 [[Espécie|espécies]] (por volta de 15% das espécies atuais de primatas); além de três famílias levadas à extinção pela ação [[Antropia|antrópica]]: [[Archaeolemuridae]], [[Palaeopropithecidae]] e [[Megaladapidae]].
A palavra ''lémure'' deriva do [[latim]] "''lemures''", que significa "espírito(s) da noite" ou "fantasma(s)" e deve-se provavelmente ao facto de estas criaturas serem brancas e noctivagas, perambulando pela noite e fazendo os seus chamamentos.


== Biologia ==
== Filogenia e taxonomia ==
{{Imagem múltipla
Os lêmures só são encontrados na ilha de [[Madagascar]] e em algumas pequenas ilhas circundantes como as [[Comores]] (embora provavelmente tenham aqui sido introduzidos por humanos). Indícios fósseis indicam que eles atravessaram o mar após Madagascar ter se separado da África.
| header = '''Representação da diversidade morfológica dos lêmures'''
| footer = Da imagem superior à inferior, tem-se: 1) [[aie-aie]] (''Daubentonia madagascarensis'') ([[Daubentoniidae]]); 2) lêmure-rato-pigmeu (''[[Microcebus myoxinus]]'') ([[Cheirogaleidae]]); 3) indri (''[[Indri indri]]'') ([[Indriidae]]).
| image1 = Wild aye aye.jpg
| image2 = Microcebus myoxinus.jpg
| image3 = Indri Andasibe.JPG
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}}{{cladograma|título=Filogenia dos primatas
|legenda=Hipótese das relações de parentesco entre os [[primatas]]. O [[táxon]] dos lêmures ([[Lemuroidea]]) está destacado. Adaptado de Janecka ''et al''. (2007); Asher ''et al''. (2009); Hawks (2011).
|cladograma={{clade| style=font-size:85%;line-height:100%;width:300px;
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Lêmures são [[primatas]] [[Strepsirrhini|estrepsirrinos]]<ref>{{Citar periódico |titulo=Molecular and Genomic Data Identify the Closest Living Relative of Primates |primeiro3=T. H. |primeiro8=W. J. |ultimo7=Springer |primeiro7=M. S. |ultimo6=Helgen |primeiro6=K. M. |ultimo5=Zitzmann |primeiro5=A. |ultimo4=Wiens |primeiro4=F. |ultimo3=Pringle |ultimo2=Miller |url=https://www.sciencemag.org/lookup/doi/10.1126/science.1147555 |primeiro2=W. |ultimo=Janecka |primeiro=J. E. |lingua=en |doi=10.1126/science.1147555 |acessodata=2020-11-05 |numero=5851 |paginas=792–794 |issn=0036-8075 |data=2007-11-02 |jornal=Science |ultimo8=Murphy}}</ref><ref>{{Citar periódico |titulo=The new framework for understanding placental mammal evolution |url=http://doi.wiley.com/10.1002/bies.200900053 |jornal=BioEssays |data=2009-08 |paginas=853–864 |numero=8 |acessodata=2020-11-05 |doi=10.1002/bies.200900053 |lingua=en |primeiro=Robert J. |ultimo=Asher |primeiro2=Nigel |ultimo2=Bennett |primeiro3=Thomas |ultimo3=Lehmann}}</ref> extremamente diversificados em termos ecológicos e fenotípicos que pertencem à superfamília [[Lemuroidea]] (ou infraordem [[Lemuriformes]], a depender da classificação)<ref name=":4">{{Citar periódico |titulo=An Alu-Based Phylogeny of Lemurs (Infraorder: Lemuriformes) |ultimo2=Meyer |editor-sobrenome=Murphy |jornal=PLoS ONE |data=2012-08-28 |issn=1932-6203 |paginas=e44035 |pmc=3429421 |pmid=22937148 |numero=8 |acessodata=2020-11-03 |doi=10.1371/journal.pone.0044035 |lingua=en |primeiro=Adam T. |ultimo=McLain |primeiro2=Thomas J. |url=https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone.0044035 |ultimo3=Faulk |primeiro3=Christopher |primeiro4=Scott W. |ultimo4=Herke |primeiro5=J. Michael |ultimo5=Oldenburg |primeiro6=Matthew G. |ultimo6=Bourgeois |primeiro7=Camille F. |ultimo7=Abshire |primeiro8=Christian |ultimo8=Roos |primeiro9=Mark A. |ultimo9=Batzer |editor-nome=William J. |publicado=}}</ref>. Todas as espécies conhecidas, tanto as [[Fóssil|fósseis]] quanto as [[Táxon extante|extantes]], são endêmicas de [[Madagáscar|Madagascar]] e [[Comores]] ([[África]]) (nessa última, provavelmente levadas por humanos)<ref name=":0">{{citar web |ultimo=Hawks |primeiro=John |url=http://anthropology.msu.edu/anp206-us18/files/2018/05/ANP-206-PDF-4.1-Primate-classification-phylogeny-john-hawks-weblog.pdf |titulo=Primate classification and phylogeny |data=2011 |acessodata=03/11/2020 |publicado=}}</ref>. Não há consenso nos estudos filogenéticos sobre as relações de parentesco entre as diferentes linhagens ([[Família (biologia)|famílias]]) de lêmures entre si, sendo as hipóteses ainda muito controversas<ref name=":4" /><ref name=":1">{{Citar periódico |titulo=Development and application of a phylogenomic toolkit: Resolving the evolutionary history of Madagascar's lemurs |ultimo2=Weisrock |jornal=Genome Research |data=2008-02-06 |issn=1088-9051 |paginas=489–499 |numero=3 |acessodata=2020-11-03 |doi=10.1101/gr.7265208 |lingua=en |primeiro=J. E. |ultimo=Horvath |primeiro2=D. W. |url=http://www.genome.org/cgi/doi/10.1101/gr.7265208 |ultimo3=Embry |primeiro3=S. L. |primeiro4=I. |ultimo4=Fiorentino |primeiro5=J. P. |ultimo5=Balhoff |primeiro6=P. |ultimo6=Kappeler |primeiro7=G. A. |ultimo7=Wray |primeiro8=H. F. |ultimo8=Willard |primeiro9=A. D. |ultimo9=Yoder}}</ref>. Não obstante, tem-se bem estabelecido que esses organismos configuram um grupo [[Monofilia|monofilético]], [[Grupo irmão|irmão]] do [[clado]] formado pelos [[Lorisidae|lorisídeos]] e [[Galagonidae|galagonídeos]] (superfamília [[Lorisoidea]] ou infraordem [[Loriformes]], a depender da classificação)<ref name=":1" />. Ademais, a posição basal dos [[Daubentoniidae]] ([[aie-aie]] como o único representante vivo) é, frequentemente, suportada<ref name=":1" />. Desse modo, os [[Lemuroidea]] e [[Lorisoidea]] são agrupados em um clado de grau hierárquico superior, a infraordem [[Lemuriformes]]. Dentre as diversas características compartilhadas pelos [[Lemuriformes]], pode-se destacar a projeção dos dentes [[Canino (dente)|caninos]] e [[Incisivo|incisivos]], que são justapostos, formando um [[pente dental]]; além de [[Garra|garras]], em vez de [[Unha|unhas]], no segundo dedo (membros inferiores). Essas estão associadas ao hábito de [[catação]] apresentado por esses organismos<ref name=":0" />. Ademais, características gerais compartilhadas também incluem a presença de uma [[barra pós-orbital]] e uma membrana externa da narina que é conectada ao lábio superior <ref name=":0" />.
[[Ficheiro:Megaladaspis madagascariensis.jpg|miniaturadaimagem|Crânio de ''[[Megaladapis|Megaladapsis madagascariensis]]'' ([[Megaladapidae]]).|230x230px]]
{{cladograma|título=Hipótese das relações de parentesco entre os Lemuroidea (lêmures)
|legenda=Filogenia proposta por Orlando ''et al''. (2008). Apenas as relações entre os gêneros amostrados para as análises estão representadas.
|cladograma={{Clado|style=font-size:74%; line-height:100%; width:100px;
|label1=[[Lemuroidea]]
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De expressiva biodiversidade no grupo dos primatas (correspondendo a mais de 15% das espécies viventes, restritas a uma área menor que 0,4% das superfícies terrestres)<ref name=":1" /><ref name=":3">{{Citar periódico |titulo=DNA from extinct giant lemurs links archaeolemurids to extant indriids |primeiro=Ludovic |jornal=BMC Evolutionary Biology |data=2008 |issn=1471-2148 |paginas=121 |numero=1 |acessodata=2020-11-03 |doi=10.1186/1471-2148-8-121 |lingua=en |url=http://bmcevolbiol.biomedcentral.com/articles/10.1186/1471-2148-8-121 |primeiro2=Sébastien |ultimo=Orlando |ultimo2=Calvignac |primeiro3=Céline |ultimo3=Schnebelen |primeiro4=Christophe J |ultimo4=Douady |primeiro5=Laurie R |ultimo5=Godfrey |primeiro6=Catherine |ultimo6=Hänni}}</ref><ref name=":5">{{Citar periódico |titulo=Ancient DNA from giant extinct lemurs confirms single origin of Malagasy primates |primeiro=K. P. |ultimo5=Yoder |primeiro5=A. D. |ultimo4=Parsons |primeiro4=T. J. |ultimo3=Rakotosamimanana |primeiro3=B. |ultimo2=Delefosse |primeiro2=T. |ultimo=Karanth |lingua=en |url=http://www.pnas.org/cgi/doi/10.1073/pnas.0408354102 |doi=10.1073/pnas.0408354102 |acessodata=2020-11-03 |numero=14 |pmid=15784742 |pmc=555979 |paginas=5090–5095 |issn=0027-8424 |data=2005-04-05 |jornal=Proceedings of the National Academy of Sciences |publicado=}}</ref>, os lêmures atuais estão classificados em cinco [[Família (biologia)|famílias]]: [[Cheirogaleidae]], [[Lemuridae]], [[Lepilemuridae]], [[Indriidae]] e [[Aie-aie|Daubentoniidae]], sendo que essas se ramificam em 15 [[Género (biologia)|gêneros]] e cerca de 100 [[Espécie|espécies]]<ref name=":2">{{Citar periódico |titulo=Lemur Diversity in Madagascar |ultimo3=Konstant |primeiro9=Jonah |ultimo8=Hapke |primeiro8=Andreas |ultimo7=Rylands |primeiro7=Anthony B. |ultimo6=Groves |primeiro6=Colin P. |ultimo5=Tattersall |primeiro5=Ian |ultimo4=Glander |primeiro4=Kenneth |primeiro3=William R. |url=http://link.springer.com/10.1007/s10764-008-9317-y |ultimo2=Ganzhorn |primeiro2=Jörg U. |ultimo=Mittermeier |primeiro=Russell A. |lingua=en |doi=10.1007/s10764-008-9317-y |acessodata=2020-11-03 |numero=6 |paginas=1607–1656 |issn=0164-0291 |data=2008-12 |jornal=International Journal of Primatology |ultimo9=Ratsimbazafy}}</ref>. O tamanho dessas é extremamente variável, desde os [[Microcebus|lêmures-rato]], com apenas 23-29 cm (60 g) (menor primata vivo), até os [[Indri indri|indris]], com 64-72 cm (10 kg)<ref name=":4" /><ref name=":0" />. À época da colonização de [[Madagáscar|Madagascar]] pelos [[Seres Humanos|seres humanos]] (c. 2000 [[Antes do Presente|AP]]), a região apresentava uma diversidade [[Fauna|faunística]] superior à atual, que começou a declinar a partir de então. Pelo menos 17 espécies de lêmures (de 9 gêneros) foram extintas em decorrência da ação [[Antropia|antrópica]] — e as famílias [[Archaeolemuridae]], [[Palaeopropithecidae]] e [[Megaladapidae]] desapareceram<ref name=":3" />. Como muitas dessas espécies eram maiores que as viventes e algumas compunham a [[megafauna]] da região, receberam a alcunha de [[lêmures-gigantes]]. Os [[Lêmure-preguiça|lêmures-preguiça]] (Palaeopropithecidae), por exemplo, poderiam apresentar uma massa corpórea de cerca de 160 kg; e os [[Lêmure-coala|lêmures-coala]] (Megaladapidae) chegavam até 88 kg<ref name=":3" />.

Por meio de evidências genéticas e morfológicas, estima-se que a grande diversidade atualmente verificada de lêmures deriva de um evento de colonização de [[Madagáscar|Madagascar]] por um primata ancestral há cerca de 55-60 milhões de anos (monofiletismo) <ref name=":4" /><ref name=":1" /><ref name=":3" /><ref name=":5" />. Como esse evento parece ser ulterior à separação da ilha de outras massas continentais por milhões de anos, especula-se então que esse ancestral pode ter se estabelecido por meio de [[dispersão oceânica]] através do [[canal de Moçambique]] ou, até mesmo, por outro mecanismo [[Biogeografia evolutiva|biogeográfico]]<ref name=":4" /><ref name=":1" />. A partir disso, deve ter ocorrido processos de diversificação das linhagens, condicionadas, provavelmente, por um período de acentuadas mudanças climáticas e surgimento de florestas e pela colonização da ilha por outros mamíferos competidores, culminando com a atual ocupação ampla de nichos ecológicos <ref name=":4" /><ref name=":1" />.

== Distribuição e hábitats ==
[[Ficheiro:Satellite image of Madagascar in September 2003.jpg|esquerda|miniaturadaimagem|310x310px|Imagem de satélite da ilha de [[Madagáscar|Madagascar]] ([[NASA]] - Setembro de 2003). Notar a perda de densidade de vegetação no eixo Leste-Oeste, indicando gradiente de umidade.]]
Lêmures são, naturalmente, [[Endemismo|endêmicos]] de [[Madagáscar|Madagascar]], a leste da costa de [[Moçambique]] ([[África]]). Considerando essa localidade, apresentam grande dispersão e ocupam diversos [[Nicho ecológico|nichos ecológicos]], desde a leste, caracterizado por possuir alta umidade até oeste, caracterizado por ser mais [[Clima árido|árido]]; além do sul, que pode ser muito mais seco que a região oeste.

Possuem hábito [[arborícola]], entretanto, algumas espécies podem passar algum tempo no solo. O maior número de lêmures é encontrado em regiões com árvores altas e locais beneficiados durante estações chuvosas, pois há maior disponibilidade de alimentos. Por possuir alta habilidade de adaptação às diferentes regiões onde vivem, durante o restante do ano, diversos lêmures deixam estas regiões e buscam outras, onde podem obter mais recursos <ref name=":6">{{Citar livro|url=https://www.worldcat.org/oclc/841171322|título=The Study of prosimian behavior|ultimo=Doyle, Gerald A. (Gerald Anthony), 1931-|ultimo2=Martin, R. D. (Robert D.), 1942-|data=1979|editora=Academic Press|local=New York|oclc=841171322}}</ref>.

Diversas características ambientais exercem influência na capacidade dos lêmures habitarem determinado local. Cada espécie responde de forma diferente a um mesmo ambiente, principalmente pelas diferenças geradas entre cada uma ao longo de sua história [[Evolução|evolutiva]]. A distribuição e [[Abundância relativa|abundância]] do gênero de árvores ''[[Canarium]]'' possui grande relação com a distribuição de lêmures como o [[aie-aie]] (''Daubentonia madagascariensis'') ([[Daubentoniidae]]). De forma análoga, a presença de arbustos frutíferos, secreções de insetos e árvores produtoras de [[Goma natural|goma]] são de grande importância para lêmures [[Omnívoro|onívoros]] <ref name=":6" />.

Dentre as diversas espécies de lêmures existentes, cada uma possui particularidades no que diz respeito ao ambiente. A estrutura geral do [[Habitat|hábitat]], diversidade vegetal, aspectos físicos, [[Geologia|geológicos]] e químicos, tipos e tamanho dos alimentos disponíveis geram [[Nicho ecológico|nichos]] diferentes, que podem ser melhor explorados por determinadas espécies.

Um comportamento visto em diversos lêmures refere-se ao fato de que em área com média e baixa [[riqueza de espécies]] de árvores, eles selecionam partes da floresta que possuem maior diversidade de árvores, buscando alimento nestas áreas e retornando às áreas com menos riqueza, nas quais decidiram habitar. O aspecto favorável deste comportamento refere-se ao fato de que as sazonalidades nas regiões são protegidas, havendo alternância no local em que habitam conforme a disponibilidade de recurso. Entretanto, regiões nas quais há uma grande quantidade de diferentes espécies de lêmures e riqueza de recursos oriundos das árvores pode se tornar pobre nestes recursos devido a grande exploração destas diversas espécies, isso se deve ao fato de que muitos lêmures evitam o custo energético de viajar para outras localidades quando há abundância de recursos no local em que estão, entretanto, com as mudanças geradas nestes microhábitats, os animais se veem obrigados a migrarem<ref>{{Citar livro|url=https://www.worldcat.org/oclc/3506806|título=Primate ecology : studies of feeding and ranging behaviour in lemurs, monkeys, and apes|ultimo=Clutton-Brock, T. H.|data=1977|editora=Academic Press|local=London|oclc=3506806}}</ref>.

== Morfologia e anatomia ==
[[Ficheiro:Description iconographique comparée du squelette et du système dentaire des mammifères récents et fossiles (Indri indri).jpg|miniaturadaimagem|270x270px|Representação de um [[esqueleto]] de [[Indri indri|indri]] (''Indri indri'') ([[Indriidae]]). Notar a proporção semelhante entre os membros [[Tórax|torácicos]] e [[Pelve|pélvicos]], sendo estes pouco maiores que aqueles. A [[cauda]] é reduzida nesse [[Género (biologia)|gênero]].]]
Os lêmures, em comparação com os [[Simiiformes|antropóides]], são animais pequenos, com um [[cérebro]] proporcionalmente diminuto em relação a seu tamanho corporal. Em animais quadrúpedes (que é o caso dos lêmures), que correm e escalam, a proporção de tamanho entre os [[Membro|membros]] [[Tórax|torácicos]] e [[Pelve|pélvicos]] é semelhante, sendo os membros pélvicos pouco maiores que os torácicos. Possuem [[Focinho|focinhos]] longos, com [[Olho|olhos]] em posição frontal e próximos um ao outro. A posição dos olhos nestes animais promoveu a melhor locomoção em ambientes tridimensionais, ou seja, a locomoção pelas árvores, e facilitam a precisão para coletar e capturar alimentos <ref>{{Citar livro|url=https://www.worldcat.org/oclc/437597677|título=Primate anatomy : an introduction|ultimo=Ankel-Simons, Friderun.|primeiro=|data=2007|editora=Elsevier Academic Press|ano=|edicao=3rd|local=Amsterdam|página=|páginas=|oclc=437597677}}</ref>.[[Ficheiro:Varecia variegata foot with toilet-claw.jpg|esquerda|miniaturadaimagem|240x240px|Garra de [[catação]] no segundo dedo do pé em [[Varecia-preto-e-branco|''Varecia variegata'']] ([[Lemuridae]])]]{{Imagem múltipla
| footer = [[Crânio]] e [[cabeça]] em diferentes posições de ''[[Lemur catta]]'' ([[Lemuridae]]. Notar o focinho alongado e posição frontal dos olhos, próximos entre si.
| image1 = Lemur catta skull - MUSE.JPG
| image2 = Ring-tailed lemur profile.jpg
| image3 = Ringtail lemur face, up close.jpg
| width = 200
| direction = vertical
}}[[Ficheiro:Lemur catta toothcomb.jpg|miniaturadaimagem|[[Pente dental]] da [[mandíbula]] de ''[[Lémure-de-cauda-anelada|Lemur catta]]'' ([[Lemuridae]]).|borda|esquerda|240x240px]]
Possuem coxins palmares e plantares com muitos sulcos e estrias, como na maioria dos primatas. Os [[Prossímio|prossímios]], exceto o [[aie-aie]], possuem unhas nos dedos das mãos e na maioria dos dedos dos pés. O [[aie-aie]] possui [[Garra|garras]] em seus dedos, exceto no [[hálux]], onde tem uma [[unha]]. Os demais [[Prossímio|prossímios]] de [[Madagáscar|Madagascar]] possuem uma garra no segundo dedo do pé, que é usada para arranhar e, sobretudo, para a [[catação]] (para esse hábito, há ainda a presença de um [[pente dental]]). Esta conformação também ocorre em prossímios que não habitam [[Madagáscar|Madagascar]], sendo que a única exceção é o gênero ''[[Tarsius]]'', que possui esta garra no segundo e terceiro dedo do pé. A maior parte dos primatas inferiores possui 5 dedos nos pés, sendo que o [[hálux]] encontra-se mais abduzido em relação aos demais, uma das adaptações dos primatas para agarrar-se em troncos de árvores<ref name=":6" />.

Além disso, os dedos dos [[Prossímio|prossímios]] podem ser altamente especializados, como no caso do [[aie-aie]]. Este animal possui dedos alongados, principalmente o D3 e o D4, que ele utiliza para coletar alimento em troncos de árvores. Com o D3, ele bate levemente nas cascas e, assim, com suas longas e altamente móveis orelhas, este animal consegue detectar e localizar o alimento. Seus longos dedos com garras nas pontas agem como anzóis para retirar larvas de insetos e outros itens alimentícios escondidos dentro de aberturas nas cascas de árvores<ref>{{Citar periódico |titulo=Anatomy is important, but need not be destiny: Novel uses of the thumb in aye-ayes compared to other lemurs |url=https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S016643281100653X |jornal=Behavioural Brain Research |data=2012-06 |paginas=378–385 |numero=2 |acessodata=2020-11-05 |doi=10.1016/j.bbr.2011.08.046 |lingua=en |primeiro=Sergio M. |ultimo=Pellis |primeiro2=Vivien C. |ultimo2=Pellis}}</ref>.

Nos primatas inferiores, o que inclui os lêmures, a área ao redor do nariz e dos lábios é chamada de [[Rinário#:~:text%3DO%20rin%C3%A1rio%20%C3%A9%20a%20superf%C3%ADcie%2Ccertamente%20parte%20do%20sistema%20olfat%C3%B3rio.|rinário]], uma área com pele úmida e sem pelos, com exceção do gênero ''[[Tarsius]]''. Nesse, há uma área de tecido [[Glândula|glandular]] ao redor do focinho, entre o nariz e o lábio inferior; contudo, não há a presença de lábios verdadeiros. O [[rinário]] é mais modificado em [[Galagonidae]] e no gênero ''[[Microcebus]]'', sendo perdido na maioria dos primatas superiores..

A coloração e tamanho da pelagem são principalmente influenciados pelo ambiente na maioria dos mamíferos. Colorações mais escuras costumam ser encontradas em primatas que vivem em áreas de florestas, enquanto o tamanho da pelagem costuma variar de acordo com o clima, sendo que, em climas mais frios, os pelos costumam ser mais longos e espessos. A ilha de Madagascar possui uma grande variação climática, o que resulta em padrões de pelagem diferentes. Lêmures que vivem em áreas ao leste, que são mais frias e com florestas, apresentam coloração escura na testa, nas margens da face e ao redor dos olhos, possuindo também uma pelagem mais longa nas orelhas. O comprimento dos pelos nas orelhas e nas margens da face também está relacionado com o tamanho do grupo, sendo que espécies que vivem em grupos maiores possuem pelos mais longos<ref name=":7">{{Citar periódico |titulo=Evolution of facial color pattern complexity in lemurs |numero=1 |ultimo3=Fichtel |jornal=Scientific Reports |data=2017-11-09 |issn=2045-2322 |paginas=15181 |pmc=5680244 |pmid=29123214 |url=https://www.nature.com/articles/s41598-017-15393-7 |doi=10.1038/s41598-017-15393-7 |acessodata=2020-11-04 |lingua=en |primeiro=Hanitriniaina |ultimo=Rakotonirina |primeiro2=Peter M. |ultimo2=Kappeler |primeiro3=Claudia |publicado=}}</ref>.

== Reprodução ==
[[Ficheiro:Lemur-3816795 340.jpg|miniaturadaimagem|250x250px|[[Lémure-de-cauda-anelada|''Lemur catta'']] carregando filhote.]]
As populações de lêmures, em geral, apresentam apenas uma temporada de partos ao ano, que se concentram em um período de um ou dois meses, ocorrendo em períodos diferentes a depender da espécie. As fêmeas podem ser mono ou poliéstricas sazonais, enquanto os machos de algumas espécies podem apresentar variações sazonais no tamanho e função testicular. O [[ciclo estral]] destes animais é controlado pelo [[Fotoperiodismo|fotoperiodo]], sendo que algumas espécies são de dias longos, como o [[Microcebus murinus|''Microcebus murinus'']] ([[Cheirogaleidae]]), e outras de dias curtos, como o ''[[Lémure-de-cauda-anelada|Lemur catta]]'' ([[Lemuridae]]). O estímulo social, como a introdução de machos em um ambiente com fêmeas, e a alteração artificial do fotoperíodo são fatores que podem influenciar o ciclo estral de fêmeas em cativeiro<ref name=":6" />.


Lêmures, em geral, apresentam um curto período de gestação, em comparação com outros primatas de tamanho similar.
Enquanto que os seus antepassados competiam com macacos e outros primatas, os lêmures estavam a salvo, sem qualquer tipo de competição, e por isso diferenciaram-se numa grande quantidade de espécies.


== Ecologia ==
Os lêmures podem ir dos 30 gramas aos 10 kg. As maiores espécies, algumas das quais pesavam mais de 240 kg, extinguiram-se desde que os humanos se estabeleceram em Madagáscar. As espécies menores são noctívagas enquanto as maiores são diurnas.
[[Ficheiro:Lemure negro e marrom.jpg|esquerda|miniaturadaimagem|285x285px|[[Lêmure-negro|Lêmure negro]] (''Eulemur macaco'') e [[Eulemur fulvus|lêmure marrom]] (''Eulemur fulvus'') ([[Lemuridae]]).]]
Os lêmures vivem em grupos sociais pequenos, sendo raro encontrar grupos contendo mais de 15 indivíduos, A maior parte das espécies é diurna ou crepuscular, com exceção dos gêneros ''[[Cheirogaleus]]'', ''[[Microcebus]]'', ''[[Mirza coquereli|Mirza]]'', ''[[Allocebus trichotis|Allocebus]]'', ''[[Phaner]]'', ''[[Lepilemur]]'', ''[[Avahi]]'' e ''[[Aie-aie|Daubentonia]]'', que são noturnos<ref name=":6" />. Os membros da comunidade compartilham uma área de vida que abrange várias áreas centrais usadas preferencialmente por grupos de 2 a 5 indivíduos<ref name=":8">{{Citar periódico |titulo=Lemur Ecology |url=http://www.annualreviews.org/doi/10.1146/annurev.es.22.110191.001045 |jornal=Annual Review of Ecology and Systematics |data=1991-11 |issn=0066-4162 |paginas=145–175 |numero=1 |acessodata=2020-11-04 |doi=10.1146/annurev.es.22.110191.001045 |lingua=en |primeiro=A F |ultimo=Richard |primeiro2=R E |ultimo2=Dewar}}</ref>. É comum que no caso de outros primatas, como os [[Simiiformes|símios]], os machos sejam dominantes sobre as fêmeas, ou que haja codominância entre fêmeas e machos'''<ref>Smuts BB, Cheney DL, Seyfarth RM, Wrangham RW,
Struhsaker TT. 1987. Primate societies. Chicago: University of Chicago Press.</ref><ref>Wright PC. 1993. The evolution of female dominance
and biparental care among non-human primates. In:
Miller B, editor. Sex and gender hierarchies. Cambridge: Cambridge University Press. p 127–147.</ref> <ref>Strier KB. 1996. Male reproductive strategies in New
World primates. Hum Nature 7:105–123.</ref>'''. Porém, entre a maioria das espécies de lêmures, suas sociedades são organizadas com a dominância de fêmeas adultas sobre todos os machos <ref>Richard, A. F., Nicoll, M. E. 1987. Female social dominance and basal metabolism in a Malagasy primate. Pro- pithecus verreauxi. Am. J. Primatol. 12:309-14</ref>. As fêmeas lêmures toleram apenas outras fêmeas da mesma matriz; quando o tamanho do grupo aumenta e o nível de parentesco genético entre seus membros femininos diminui, as fêmeas expulsam outras fêmeas que não possuem semelhanças com o grupo'''''<ref>Vick, L. G., Pereira, M. E. 1989. Episodic targeting aggression and the histories of Lemur social groups. Behav. Ecol. Sociobiol. 25:3-12</ref>'''''.


Todos os lêmures existentes apresentam hábitos arborícolas, com exceção da espécie ''[[Lémure-de-cauda-anelada|Lemur catta]]'' ([[Lemuridae]]), que também apresenta hábitos terrestres. Possuem poucos predadores, entretanto o principal desses são as [[Fossa (animal)|fossas]] <ref>{{Citar periódico |titulo=Gender Specific Expression of Volatiles in Captive Fossas (Cryptoprocta ferox) During the Mating Season |url=https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-0-387-73945-8_15 |jornal=Chemical Signals in Vertebrates 11 |data=2008 |paginas=161–168 |acessodata=2020-11-04 |doi=10.1007/978-0-387-73945-8_15 |lingua=en |primeiro=Barbara Renate |ultimo=Vogler |primeiro2=Frank |ultimo2=Goeritz |primeiro3=Thomas Bernd |ultimo3=Hildebrandt |primeiro4=Martin |ultimo4=Dehnhard}}</ref>, os maiores mamíferos carnívoros encontrados na Ilha de Madagáscar. Outros organismos capazes de predar os lêmures, mas menos usuais, são: jiboias, gaviões e espécies introduzidas <ref>{{Citar periódico |titulo=Predation on Lemurs in the Rainforest of Madagascar by Multiple Predator Species: Observations and Experiments |url=https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-0-387-34810-0_4 |jornal=Primate Anti-Predator Strategies |data=2007 |paginas=77–99 |acessodata=2020-11-04 |doi=10.1007/978-0-387-34810-0_4 |lingua=en |primeiro=Sarah M. |ultimo=Karpanty |primeiro2=Patricia C. |ultimo2=Wright}}</ref>. Os lêmures respondem com vocalizações e agitação à presença de cobras, carnívoros e raptores, com diferenciações entre os chamados de alarme para predadores aéreos e terrestres<ref name=":8" />. Os predadores aviários são uma ameaça para os animais jovens, especialmente bebês, enquanto que adultos e também bebês podem estar mais ameaçados pelos predadores mamíferos. <ref>Sauther, M. L. 1989. Antipredator be- havior in troops of free-ranging Lemur catta at Beza Mahafaly Special Reserve, Madagascar. Int. J. Primatol. 10:595- 606</ref>
As espécies pequenas [[Cheirogaleoidea]] alimentam-se de frutos, folhas, brotos, néctar, insectos, pequenos vertebrados e ovos roubados de outros animais. Os restos das espécies [[Lemuroidea]] são essencialmente herbívoros, embora possam complementar a dieta com insectos.
== Alimentação ==
[[Ficheiro:Bamboo Lemur Lemurs Park Antananarivo Madagascar - panoramio (1).jpg|miniaturadaimagem|291x291px|[[Lêmure-grisalho-do-bambu|Lêmure grisalho do bambu]] (''Hapalemur griseus'') ([[Lemuridae]]) alimentando-se.]]
Lêmures possuem uma dieta muito variada, algumas espécies mais que outras<ref>{{Citar periódico |titulo=Diets of Two Lemur Species in Different Microhabitats in Beza Mahafaly Special Reserve, Madagascar |url=http://link.springer.com/10.1023/A:1019645931827 |jornal=International Journal of Primatology |data=2002 |paginas=1025–1051 |numero=5 |acessodata=2020-11-04 |doi=10.1023/A:1019645931827 |primeiro=Nayuta |ultimo=Yamashita |publicado=}}</ref>. Essa dieta pode, em geral, variar de [[Folha|folhas]] jovens a gemas axilares, [[frutas]], [[Flor|flores]] ou [[insetos]] e até mesmo, em algumas espécies, [[néctar]]<ref name=":8" />. Tal hábito de alimentar-se de néctar parece ser mais comum entre os lêmures do que entre outros primatas que, mesmo também se alimentando de flores, são pouco capazes de explorar apenas o néctar<ref name=":8" />. Alguns estudos têm proposto a importância de lêmures nectarívoros enquanto polinizadores em regiões como Madagascar, onde morcegos e pássaros nectarívoros são raros ou ausentes<ref name=":8" />.


Além disso, o grupo inclui alguns dos únicos primatas que se alimentam principalmente de folhas em vez de frutas, o que pode ser explicado pelo estudo que mostra a carência de nitrogênio nas frutas de Madagascar, quando comparadas às frutas de outras regiões. Isso sugere que os lêmures adotaram as folhas em sua dieta como forma de compensar essa carência nutricional das frutas<ref>{{Citar periódico |titulo=Fruitless Foragers |url=http://www.nature.com/doifinder/10.1038/scientificamerican0218-12 |jornal=Scientific American |data=2018-01-16 |issn=0036-8733 |paginas=12–13 |numero=2 |acessodata=2020-11-04 |doi=10.1038/scientificamerican0218-12 |primeiro=Jason G. |ultimo=Goldman}}</ref>.
Os lêmures possuem [[polegar|polegares oponíveis]], mas as suas caudas não são [[preênsil|preênseis]]. Têm unhas em vez de garras e visão a cores limitada.


Os lêmures muitas vezes se afastam grandemente da região em que habitam para buscar alimento. E, dependendo da estação do ano, comem preferencialmente [[Noz|nozes]] e frutas, possuindo alto conhecimento do que costuma crescer em determinada região e estação do ano<ref name=":6" />.
Ao contrário do resto dos primatas, os lêmures vivem numa sociedade [[matriarcal]].


== Conservação ==
==Estado de conservação==
[[Ficheiro:Poster Todos Saúdem o Rei Julien.jpg|miniaturadaimagem|Pôster da animação "[[All Hail King Julien|Todos Saúdem o Rei Julien]]"]]
A [[União Internacional para a Conservação da Natureza]] disse em Julho de 2020 que quase todos os lémures de Madagáscar estão ameaçados e cerca de um terço está à beira da extinção, devido à desflorestação e à caça.
Os lêmures são considerados os mamíferos que mais correm risco de extinção no mundo<ref>{{Citar periódico |titulo=Prioritizing protected areas in Madagascar for lemur diversity using a multidimensional perspective |url=https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0006320716311181 |jornal=Biological Conservation |data=2017-03 |paginas=1–8 |acessodata=2020-11-03 |doi=10.1016/j.biocon.2016.12.028 |lingua=en |primeiro=James P. |ultimo=Herrera}}</ref>. Seus hábitats têm sido massivamente degradados ao longo dos anos, havendo diversas queimadas e desmatamento, além da predação por humanos e tráfico de animais.


As queimadas e desmatamento em Madagascar causam uma brusca mudança no hábitat. As florestas passam a ser ocupadas por agricultura e pecuária, afetando não apenas os lêmures, como todas os outros organismos que vivem nestas regiões.
Cerca de 33 espécies de lémures, que vivem apenas em Madagáscar, estão "criticamente ameaçadas" e 98 por cento dos animais são considerados "ameaçados".


Evidências geradas por [[Subfóssil|subfósseis]] permitem concluir que antes do desmatamento causado por humanos, Madagáscar abrigava diversos lêmures que dependiam extensivamente da estrutura das florestas presentes<ref>{{Citar periódico |titulo=Early Holocene chronology and environment of Ampasambazimba, A Malagasy subfossil lemur site |url=http://link.springer.com/10.1007/BF02735571 |jornal=International Journal of Primatology |data=1985-10 |issn=0164-0291 |paginas=463–489 |numero=5 |acessodata=2020-11-03 |doi=10.1007/BF02735571 |lingua=en |primeiro=R. D. E. |ultimo=MacPhee |primeiro2=D. A. |ultimo2=Burney |primeiro3=N. A. |ultimo3=Wells}}</ref>. A distribuição disjunta vista atualmente entre as diversas espécies de lêmures indica que as florestas, em seu platô, eram contínuas o suficiente para permitir migração constante para espécies como o [[aie-aie]], [[Eulemur fulvus|lêmures marrons]] e outros. Além do mais, evidências oriundas de sequências de paleopólen indicam que durante o platô das florestas de Madagascar, havia um ecossistema extremamente dinâmico, com mudanças bióticas e abióticas muito significativas<ref>{{Citar periódico |titulo=Threshold response of Madagascar's littoral forest to sea-level rise |url=http://doi.wiley.com/10.1111/j.1466-8238.2008.00429.x |jornal=Global Ecology and Biogeography |data=2009-01 |paginas=98–110 |numero=1 |acessodata=2020-11-03 |doi=10.1111/j.1466-8238.2008.00429.x |lingua=en |primeiro=Malika |ultimo=Virah-Sawmy |primeiro2=Katherine J. |ultimo2=Willis |primeiro3=Lindsey |ultimo3=Gillson}}</ref>. Estimativas conservadoras indicam que entre 1950 e 2000 houve perda de aproximadamente 40% da mata original de Madagascar<ref>{{Citar livro|url=https://www.taylorfrancis.com/books/9780203118313|título=Conservation and Environmental Management in Madagascar|ultimo=Scales|primeiro=Ivan R.|data=|editora=Routledge|ano=2014|edicao=1|local=Londres|página=|páginas=|lingua=en}}</ref>.
Temos agora menos de 10 por cento da floresta original em Madagáscar. Portanto, naturalmente, isto tem um enorme impacto nas espécies que dependem dessas florestas, como os lémures<ref>{{citar web|URL=https://tvi24.iol.pt/internacional/09-07-2020/ambientalistas-alertam-para-ameaca-de-extincao-de-lemures-em-madagascar|título=Lémures estão em perigo de extinção em Madagáscar|autor=|data=|publicado=|acessodata=}}</ref>.
[[Ficheiro:Lemure.jpg|esquerda|miniaturadaimagem|259x259px|Lêmure ''[[varecia]]'' ([[Lemuridae]]) apoiado numa corda.]]
O [[ecoturismo]] é uma medida para conter os danos causados às florestas, que impactam diretamente os lêmures e outros animais. Desta forma, tem-se a atenção do público e o ganho econômico gerado por este tipo de atividade estimula o país a conservar o ambiente, além de ser uma fonte de renda e empregabilidade para os moradores da região. Há mais de 20 organizações voltadas para conservação de lêmures, como [https://aeecl.org/ AEECL], [https://www.lemurconservationnetwork.org/organization/ary-saina/ Ary Saina], [https://www.aspinallfoundation.org/ Aspinall Foundation] e outras. Além destas organizações, [[Zoológico|zoológicos]] e santuários também possuem a função de conservação destes animais.


[[Corredor ecológico|Corredores ecológicos]] têm sido criados ao longo dos anos, com o objetivo de conectar regiões da floresta que sofreram fragmentação devido ao desmatamento. Estes corredores tentam resgatar a continuidade que as florestas possuíam antes dos danos ambientais causados.
== Classificação ==
* Ordem [[Primates]]
** Subordem [[Strepsirrhini]]
*** Infraordem '''Lemuriformes'''
**** Super-família [[Cheirogaleoidea]]
***** Família [[Cheirogaleidae]]: lémures anão e lémures rato
**** Super-família [[Lemuroidea]]
***** Família [[Lemuridae]]: lémures
***** Família [[Lepilemuridae]]
***** Família [[Indridae]]: lémure-lanudo e sifacas


A preservação de lêmures e outros animais também é estimulada a partir da [[Cultura de massa|cultura pop]]. Desenhos como [[All Hail King Julien|Todos saúdem o Rei Julien]], no qual a narrativa se dá em uma sociedade governada por um rei lêmure e os filmes [[Madagascar (franquia)|Madagascar]] chamam a atenção do público a estes ambientes e a necessidade de se conservar o hábitat destes animais.
{{esboço-prossímio}}
{{Primatas}}


== Referências ==
[[Categoria:Lemuriformes| ]]
<references />

Revisão das 00h32min de 6 de novembro de 2020

Como ler uma infocaixa de taxonomiaLêmures
"Lêmure-de-cauda-anelada"
"Lêmure-de-cauda-anelada"
Classificação científica
Reino: Animalia
Filo: Chordata
Classe: Mammalia
Ordem: Primates
Subordem: Strepsirrhini
Infraordem: Lemuriformes
Superfamília: Lemuroidea

Gray, 1821

Distribuição geográfica

Lêmure é a denominação atribuída às espécies de primatas esprepsirrinos que pertencem à superfamília Lemuroidea ou infraordem Lemuriformes, a depender do critério de classificação. Todas as espécies conhecidas (tanto as viventes quanto as extintas) são endêmicas da ilha de Madagascar (África), no que apenas duas também ocorrem em Comores — provavelmente introduzidas por seres humanos. Apesar de apresentarem uma limitada distribuição geográfica, os lêmures configuram-se como um grupo morfologicamente diversificado, ocupando uma grande variedade de nichos ecológicos. Expressam hábito arborícola, sendo que as espécies, geralmente, são diurnas ou crepusculares. Desse modo, correspondem a um clado de expressiva diversidade dentro do grupo dos primatas, havendo cinco famílias extantes: Cheirogaleidae, Lemuridae, Lepilemuridae, Indriidae e Daubentoniidae, que denotam um total de 15 gêneros e cerca de 100 espécies (por volta de 15% das espécies atuais de primatas); além de três famílias levadas à extinção pela ação antrópica: Archaeolemuridae, Palaeopropithecidae e Megaladapidae.

Filogenia e taxonomia

Representação da diversidade morfológica dos lêmures
Da imagem superior à inferior, tem-se: 1) aie-aie (Daubentonia madagascarensis) (Daubentoniidae); 2) lêmure-rato-pigmeu (Microcebus myoxinus) (Cheirogaleidae); 3) indri (Indri indri) (Indriidae).
Filogenia dos primatas
Primatas
Strepsirrhini

Adapiformes

Lemuriformes

Lemuroidea

Lorisoidea

Haplorrhini

Tarsinoidea

Ceboidea

Cercopithecoidea

Hominoidea

Hipótese das relações de parentesco entre os primatas. O táxon dos lêmures (Lemuroidea) está destacado. Adaptado de Janecka et al. (2007); Asher et al. (2009); Hawks (2011).

Lêmures são primatas estrepsirrinos[1][2] extremamente diversificados em termos ecológicos e fenotípicos que pertencem à superfamília Lemuroidea (ou infraordem Lemuriformes, a depender da classificação)[3]. Todas as espécies conhecidas, tanto as fósseis quanto as extantes, são endêmicas de Madagascar e Comores (África) (nessa última, provavelmente levadas por humanos)[4]. Não há consenso nos estudos filogenéticos sobre as relações de parentesco entre as diferentes linhagens (famílias) de lêmures entre si, sendo as hipóteses ainda muito controversas[3][5]. Não obstante, tem-se bem estabelecido que esses organismos configuram um grupo monofilético, irmão do clado formado pelos lorisídeos e galagonídeos (superfamília Lorisoidea ou infraordem Loriformes, a depender da classificação)[5]. Ademais, a posição basal dos Daubentoniidae (aie-aie como o único representante vivo) é, frequentemente, suportada[5]. Desse modo, os Lemuroidea e Lorisoidea são agrupados em um clado de grau hierárquico superior, a infraordem Lemuriformes. Dentre as diversas características compartilhadas pelos Lemuriformes, pode-se destacar a projeção dos dentes caninos e incisivos, que são justapostos, formando um pente dental; além de garras, em vez de unhas, no segundo dedo (membros inferiores). Essas estão associadas ao hábito de catação apresentado por esses organismos[4]. Ademais, características gerais compartilhadas também incluem a presença de uma barra pós-orbital e uma membrana externa da narina que é conectada ao lábio superior [4].

Crânio de Megaladapsis madagascariensis (Megaladapidae).
Hipótese das relações de parentesco entre os Lemuroidea (lêmures)
Lemuroidea
Daubentoniidae

Daubentonia

Lepilemuridae

Lepilemur

Cheirogaleidae

Microcebus

Cheirogaleus

Mirza

Lemuridae

Varecia

Eulemur

Lemur/Hapalemur

Megaladapidae

Megaladapis

Indriidae

Indri

Indriidae

Avahi

Propithecus

Palaeopropithecidae

Palaeopropithecus

Archaeolemuridae

Archaeolemur

Hadropithecus

Filogenia proposta por Orlando et al. (2008). Apenas as relações entre os gêneros amostrados para as análises estão representadas.

De expressiva biodiversidade no grupo dos primatas (correspondendo a mais de 15% das espécies viventes, restritas a uma área menor que 0,4% das superfícies terrestres)[5][6][7], os lêmures atuais estão classificados em cinco famílias: Cheirogaleidae, Lemuridae, Lepilemuridae, Indriidae e Daubentoniidae, sendo que essas se ramificam em 15 gêneros e cerca de 100 espécies[8]. O tamanho dessas é extremamente variável, desde os lêmures-rato, com apenas 23-29 cm (60 g) (menor primata vivo), até os indris, com 64-72 cm (10 kg)[3][4]. À época da colonização de Madagascar pelos seres humanos (c. 2000 AP), a região apresentava uma diversidade faunística superior à atual, que começou a declinar a partir de então. Pelo menos 17 espécies de lêmures (de 9 gêneros) foram extintas em decorrência da ação antrópica — e as famílias Archaeolemuridae, Palaeopropithecidae e Megaladapidae desapareceram[6]. Como muitas dessas espécies eram maiores que as viventes e algumas compunham a megafauna da região, receberam a alcunha de lêmures-gigantes. Os lêmures-preguiça (Palaeopropithecidae), por exemplo, poderiam apresentar uma massa corpórea de cerca de 160 kg; e os lêmures-coala (Megaladapidae) chegavam até 88 kg[6].

Por meio de evidências genéticas e morfológicas, estima-se que a grande diversidade atualmente verificada de lêmures deriva de um evento de colonização de Madagascar por um primata ancestral há cerca de 55-60 milhões de anos (monofiletismo) [3][5][6][7]. Como esse evento parece ser ulterior à separação da ilha de outras massas continentais por milhões de anos, especula-se então que esse ancestral pode ter se estabelecido por meio de dispersão oceânica através do canal de Moçambique ou, até mesmo, por outro mecanismo biogeográfico[3][5]. A partir disso, deve ter ocorrido processos de diversificação das linhagens, condicionadas, provavelmente, por um período de acentuadas mudanças climáticas e surgimento de florestas e pela colonização da ilha por outros mamíferos competidores, culminando com a atual ocupação ampla de nichos ecológicos [3][5].

Distribuição e hábitats

Imagem de satélite da ilha de Madagascar (NASA - Setembro de 2003). Notar a perda de densidade de vegetação no eixo Leste-Oeste, indicando gradiente de umidade.

Lêmures são, naturalmente, endêmicos de Madagascar, a leste da costa de Moçambique (África). Considerando essa localidade, apresentam grande dispersão e ocupam diversos nichos ecológicos, desde a leste, caracterizado por possuir alta umidade até oeste, caracterizado por ser mais árido; além do sul, que pode ser muito mais seco que a região oeste.

Possuem hábito arborícola, entretanto, algumas espécies podem passar algum tempo no solo. O maior número de lêmures é encontrado em regiões com árvores altas e locais beneficiados durante estações chuvosas, pois há maior disponibilidade de alimentos. Por possuir alta habilidade de adaptação às diferentes regiões onde vivem, durante o restante do ano, diversos lêmures deixam estas regiões e buscam outras, onde podem obter mais recursos [9].

Diversas características ambientais exercem influência na capacidade dos lêmures habitarem determinado local. Cada espécie responde de forma diferente a um mesmo ambiente, principalmente pelas diferenças geradas entre cada uma ao longo de sua história evolutiva. A distribuição e abundância do gênero de árvores Canarium possui grande relação com a distribuição de lêmures como o aie-aie (Daubentonia madagascariensis) (Daubentoniidae). De forma análoga, a presença de arbustos frutíferos, secreções de insetos e árvores produtoras de goma são de grande importância para lêmures onívoros [9].

Dentre as diversas espécies de lêmures existentes, cada uma possui particularidades no que diz respeito ao ambiente. A estrutura geral do hábitat, diversidade vegetal, aspectos físicos, geológicos e químicos, tipos e tamanho dos alimentos disponíveis geram nichos diferentes, que podem ser melhor explorados por determinadas espécies.

Um comportamento visto em diversos lêmures refere-se ao fato de que em área com média e baixa riqueza de espécies de árvores, eles selecionam partes da floresta que possuem maior diversidade de árvores, buscando alimento nestas áreas e retornando às áreas com menos riqueza, nas quais decidiram habitar. O aspecto favorável deste comportamento refere-se ao fato de que as sazonalidades nas regiões são protegidas, havendo alternância no local em que habitam conforme a disponibilidade de recurso. Entretanto, regiões nas quais há uma grande quantidade de diferentes espécies de lêmures e riqueza de recursos oriundos das árvores pode se tornar pobre nestes recursos devido a grande exploração destas diversas espécies, isso se deve ao fato de que muitos lêmures evitam o custo energético de viajar para outras localidades quando há abundância de recursos no local em que estão, entretanto, com as mudanças geradas nestes microhábitats, os animais se veem obrigados a migrarem[10].

Morfologia e anatomia

Representação de um esqueleto de indri (Indri indri) (Indriidae). Notar a proporção semelhante entre os membros torácicos e pélvicos, sendo estes pouco maiores que aqueles. A cauda é reduzida nesse gênero.

Os lêmures, em comparação com os antropóides, são animais pequenos, com um cérebro proporcionalmente diminuto em relação a seu tamanho corporal. Em animais quadrúpedes (que é o caso dos lêmures), que correm e escalam, a proporção de tamanho entre os membros torácicos e pélvicos é semelhante, sendo os membros pélvicos pouco maiores que os torácicos. Possuem focinhos longos, com olhos em posição frontal e próximos um ao outro. A posição dos olhos nestes animais promoveu a melhor locomoção em ambientes tridimensionais, ou seja, a locomoção pelas árvores, e facilitam a precisão para coletar e capturar alimentos [11].

Garra de catação no segundo dedo do pé em Varecia variegata (Lemuridae)
Crânio e cabeça em diferentes posições de Lemur catta (Lemuridae. Notar o focinho alongado e posição frontal dos olhos, próximos entre si.
Pente dental da mandíbula de Lemur catta (Lemuridae).

Possuem coxins palmares e plantares com muitos sulcos e estrias, como na maioria dos primatas. Os prossímios, exceto o aie-aie, possuem unhas nos dedos das mãos e na maioria dos dedos dos pés. O aie-aie possui garras em seus dedos, exceto no hálux, onde tem uma unha. Os demais prossímios de Madagascar possuem uma garra no segundo dedo do pé, que é usada para arranhar e, sobretudo, para a catação (para esse hábito, há ainda a presença de um pente dental). Esta conformação também ocorre em prossímios que não habitam Madagascar, sendo que a única exceção é o gênero Tarsius, que possui esta garra no segundo e terceiro dedo do pé. A maior parte dos primatas inferiores possui 5 dedos nos pés, sendo que o hálux encontra-se mais abduzido em relação aos demais, uma das adaptações dos primatas para agarrar-se em troncos de árvores[9].

Além disso, os dedos dos prossímios podem ser altamente especializados, como no caso do aie-aie. Este animal possui dedos alongados, principalmente o D3 e o D4, que ele utiliza para coletar alimento em troncos de árvores. Com o D3, ele bate levemente nas cascas e, assim, com suas longas e altamente móveis orelhas, este animal consegue detectar e localizar o alimento. Seus longos dedos com garras nas pontas agem como anzóis para retirar larvas de insetos e outros itens alimentícios escondidos dentro de aberturas nas cascas de árvores[12].

Nos primatas inferiores, o que inclui os lêmures, a área ao redor do nariz e dos lábios é chamada de rinário, uma área com pele úmida e sem pelos, com exceção do gênero Tarsius. Nesse, há uma área de tecido glandular ao redor do focinho, entre o nariz e o lábio inferior; contudo, não há a presença de lábios verdadeiros. O rinário é mais modificado em Galagonidae e no gênero Microcebus, sendo perdido na maioria dos primatas superiores..

A coloração e tamanho da pelagem são principalmente influenciados pelo ambiente na maioria dos mamíferos. Colorações mais escuras costumam ser encontradas em primatas que vivem em áreas de florestas, enquanto o tamanho da pelagem costuma variar de acordo com o clima, sendo que, em climas mais frios, os pelos costumam ser mais longos e espessos. A ilha de Madagascar possui uma grande variação climática, o que resulta em padrões de pelagem diferentes. Lêmures que vivem em áreas ao leste, que são mais frias e com florestas, apresentam coloração escura na testa, nas margens da face e ao redor dos olhos, possuindo também uma pelagem mais longa nas orelhas. O comprimento dos pelos nas orelhas e nas margens da face também está relacionado com o tamanho do grupo, sendo que espécies que vivem em grupos maiores possuem pelos mais longos[13].

Reprodução

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Lemur catta carregando filhote.

As populações de lêmures, em geral, apresentam apenas uma temporada de partos ao ano, que se concentram em um período de um ou dois meses, ocorrendo em períodos diferentes a depender da espécie. As fêmeas podem ser mono ou poliéstricas sazonais, enquanto os machos de algumas espécies podem apresentar variações sazonais no tamanho e função testicular. O ciclo estral destes animais é controlado pelo fotoperiodo, sendo que algumas espécies são de dias longos, como o Microcebus murinus (Cheirogaleidae), e outras de dias curtos, como o Lemur catta (Lemuridae). O estímulo social, como a introdução de machos em um ambiente com fêmeas, e a alteração artificial do fotoperíodo são fatores que podem influenciar o ciclo estral de fêmeas em cativeiro[9].

Lêmures, em geral, apresentam um curto período de gestação, em comparação com outros primatas de tamanho similar.

Ecologia

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Lêmure negro (Eulemur macaco) e lêmure marrom (Eulemur fulvus) (Lemuridae).

Os lêmures vivem em grupos sociais pequenos, sendo raro encontrar grupos contendo mais de 15 indivíduos, A maior parte das espécies é diurna ou crepuscular, com exceção dos gêneros Cheirogaleus, Microcebus, Mirza, Allocebus, Phaner, Lepilemur, Avahi e Daubentonia, que são noturnos[9]. Os membros da comunidade compartilham uma área de vida que abrange várias áreas centrais usadas preferencialmente por grupos de 2 a 5 indivíduos[14]. É comum que no caso de outros primatas, como os símios, os machos sejam dominantes sobre as fêmeas, ou que haja codominância entre fêmeas e machos[15][16] [17]. Porém, entre a maioria das espécies de lêmures, suas sociedades são organizadas com a dominância de fêmeas adultas sobre todos os machos [18]. As fêmeas lêmures toleram apenas outras fêmeas da mesma matriz; quando o tamanho do grupo aumenta e o nível de parentesco genético entre seus membros femininos diminui, as fêmeas expulsam outras fêmeas que não possuem semelhanças com o grupo[19].

Todos os lêmures existentes apresentam hábitos arborícolas, com exceção da espécie Lemur catta (Lemuridae), que também apresenta hábitos terrestres. Possuem poucos predadores, entretanto o principal desses são as fossas [20], os maiores mamíferos carnívoros encontrados na Ilha de Madagáscar. Outros organismos capazes de predar os lêmures, mas menos usuais, são: jiboias, gaviões e espécies introduzidas [21]. Os lêmures respondem com vocalizações e agitação à presença de cobras, carnívoros e raptores, com diferenciações entre os chamados de alarme para predadores aéreos e terrestres[14]. Os predadores aviários são uma ameaça para os animais jovens, especialmente bebês, enquanto que adultos e também bebês podem estar mais ameaçados pelos predadores mamíferos. [22]

Alimentação

Lêmure grisalho do bambu (Hapalemur griseus) (Lemuridae) alimentando-se.

Lêmures possuem uma dieta muito variada, algumas espécies mais que outras[23]. Essa dieta pode, em geral, variar de folhas jovens a gemas axilares, frutas, flores ou insetos e até mesmo, em algumas espécies, néctar[14]. Tal hábito de alimentar-se de néctar parece ser mais comum entre os lêmures do que entre outros primatas que, mesmo também se alimentando de flores, são pouco capazes de explorar apenas o néctar[14]. Alguns estudos têm proposto a importância de lêmures nectarívoros enquanto polinizadores em regiões como Madagascar, onde morcegos e pássaros nectarívoros são raros ou ausentes[14].

Além disso, o grupo inclui alguns dos únicos primatas que se alimentam principalmente de folhas em vez de frutas, o que pode ser explicado pelo estudo que mostra a carência de nitrogênio nas frutas de Madagascar, quando comparadas às frutas de outras regiões. Isso sugere que os lêmures adotaram as folhas em sua dieta como forma de compensar essa carência nutricional das frutas[24].

Os lêmures muitas vezes se afastam grandemente da região em que habitam para buscar alimento. E, dependendo da estação do ano, comem preferencialmente nozes e frutas, possuindo alto conhecimento do que costuma crescer em determinada região e estação do ano[9].

Conservação

Ficheiro:Poster Todos Saúdem o Rei Julien.jpg
Pôster da animação "Todos Saúdem o Rei Julien"

Os lêmures são considerados os mamíferos que mais correm risco de extinção no mundo[25]. Seus hábitats têm sido massivamente degradados ao longo dos anos, havendo diversas queimadas e desmatamento, além da predação por humanos e tráfico de animais.

As queimadas e desmatamento em Madagascar causam uma brusca mudança no hábitat. As florestas passam a ser ocupadas por agricultura e pecuária, afetando não apenas os lêmures, como todas os outros organismos que vivem nestas regiões.

Evidências geradas por subfósseis permitem concluir que antes do desmatamento causado por humanos, Madagáscar abrigava diversos lêmures que dependiam extensivamente da estrutura das florestas presentes[26]. A distribuição disjunta vista atualmente entre as diversas espécies de lêmures indica que as florestas, em seu platô, eram contínuas o suficiente para permitir migração constante para espécies como o aie-aie, lêmures marrons e outros. Além do mais, evidências oriundas de sequências de paleopólen indicam que durante o platô das florestas de Madagascar, havia um ecossistema extremamente dinâmico, com mudanças bióticas e abióticas muito significativas[27]. Estimativas conservadoras indicam que entre 1950 e 2000 houve perda de aproximadamente 40% da mata original de Madagascar[28].

Lêmure varecia (Lemuridae) apoiado numa corda.

O ecoturismo é uma medida para conter os danos causados às florestas, que impactam diretamente os lêmures e outros animais. Desta forma, tem-se a atenção do público e o ganho econômico gerado por este tipo de atividade estimula o país a conservar o ambiente, além de ser uma fonte de renda e empregabilidade para os moradores da região. Há mais de 20 organizações voltadas para conservação de lêmures, como AEECL, Ary Saina, Aspinall Foundation e outras. Além destas organizações, zoológicos e santuários também possuem a função de conservação destes animais.

Corredores ecológicos têm sido criados ao longo dos anos, com o objetivo de conectar regiões da floresta que sofreram fragmentação devido ao desmatamento. Estes corredores tentam resgatar a continuidade que as florestas possuíam antes dos danos ambientais causados.

A preservação de lêmures e outros animais também é estimulada a partir da cultura pop. Desenhos como Todos saúdem o Rei Julien, no qual a narrativa se dá em uma sociedade governada por um rei lêmure e os filmes Madagascar chamam a atenção do público a estes ambientes e a necessidade de se conservar o hábitat destes animais.

Referências

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