Carolina Beatriz Ângelo

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Carolina Beatriz Ângelo
Carolina Beatriz Ângelo
Carolina Beatriz Ângelo

Fotografia restaurada por João Pena Fonseca para o Museu da Guarda, aquando da Exposição por si organizada no segundo semestre de 2010.

Nome completo Carolina Beatriz Ângelo
Nascimento 16 de abril de 1878
São Vicente, Guarda, Reino de Portugal Portugal
Morte 3 de outubro de 1911 (33 anos)
São Jorge de Arroios, Lisboa, Portugal Portugal
Ocupação Médica, feminista e activista republicana
Especialidade Ginecologia
Conhecido por A primeira mulher a votar em Portugal
Parentesco Januário Gonçalves Barreto Duarte (marido, 1877-1910)

Maria Emília Ângelo Barreto (filha, 1903-1981)

Carolina Beatriz Ângelo (Guarda, São Vicente, 16 de Abril de 1878 — Lisboa, 3 de outubro de 1911) foi uma médica e feminista portuguesa. Foi a primeira mulher a votar no país, por ocasião das eleições da Assembleia Constituinte, em 1911.[1]

O facto de ser viúva e ter de sustentar a sua filha Maria Emília Ângelo Barreto (1903-1981), depois Fagundes pelo casamento, que veio a ser professora de Filosofia, permitiu-lhe invocar em tribunal o direito de ser considerada «chefe de família», tornando-se assim a primeira mulher a votar no país, nas eleições constituintes, a 28 de Maio de 1911. Por forma a evitar que tal exemplo pudesse ser repetido, a lei foi alterada no ano seguinte, com a especificação de que apenas os chefes de família do sexo masculino poderiam votar.

Biografia

Carolina Beatriz Ângelo nasceu a 16 de Abril de 1878, em São Vicente, no concelho da Guarda, filha de Viriato António Ângelo e de sua mulher Emília Clementina de Castro Barreto, neta paterna de Manuel Ângelo e de sua mulher Maria Tecla de Jesus e neta materna de Pedro Augusto Pereira Barreto e de sua mulher e prima Firmina Augusta de Melo e Castro Barreto. Cresceu num ambiente familiar liberal. O pai apoiava o Partido Progressista e estava ligado à actividade jornalística, o que lhe permitiu ingressar no Liceu da Guarda, em 1891, onde fez os estudos primários e secundários, e posteriormente ingressou nas Escolas Politécnica e Médico-Cirúrgica em Lisboa, onde concluiu o curso de Medicina em 1902. Nesse mesmo ano, casou com Januário Gonçalves Barreto Duarte, seu duas vezes primo, casapiano, médico, activista republicano e um dos fundadores da Liga Portugeza de Foot-Ball.

Na sua carreira médica destaca-se o facto de em 1903 ter apresentado a sua dissertação inaugural “Prolapsos Genitaes (Apontamentos)”, iniciando a sua prática como a primeira cirurgiã portuguesa, feito notável que contrariava a tendência fortemente sexista dos blocos operatórios da época. Tornar-se-ia então na primeira mulher portuguesa a operar no Hospital de São José, sob a direcção de Sabino Maria Teixeira Coelho. Trabalhou ainda no Hospital Psiquiátrico de Rilhafoles, sob a orientação de Miguel Bombarda, e dedicou-se à especialidade de Ginecologia, com consultório particular na baixa lisboeta, mais precisamente na Rua Nova do Almada.

O ambiente anti-monárquico dos últimos anos do século XIX e primeiros do século XX caldeou a ideologia republicana, maçónica e feminista entre a burguesia liberal lisboeta, e sem excepções, Carolina Beatriz Ângelo. A sua militância em organizações defensoras dos direitos das mulheres iniciou-se em 1906 no Comité Português da agremiação francesa La Paix et le Désarmement par les Femmes, uma associação que tinha por objectivo a resolução de conflitos bélicos pela forma do diálogo, seguindo-se em 1907, no Grupo Português de Estudos Feministas, conduzido por Ana de Castro Osório, e na Maçonaria, na Loja Humanidade, sob o nome simbólico de Lígia.

Em 1909, fez parte do grupo de mulheres que fundou a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, defensora dos ideais republicanos, do sufrágio feminino, do direito ao divórcio, da instrução das crianças e de direitos e deveres iguais para homens e mulheres. Apenas um ano depois, o seu marido Januário Barreto viria a falecer, vítima de tuberculose, sem antes ver o fim da Monarquia, como tanto desejava, deixando-a com a filha Maria Emília Barreto Ângelo, ainda pequena, para criar.

A 5 de Outubro de 1910, dá-se a Implantação da República, tendo Carolina Beatriz Ângelo e Adelaide Cabete sido as responsáveis pela confecção secreta das bandeiras vermelhas e verdes, simbolizando a bem sucedida revolução. Logo após, esteve envolvida na fundação da Associação de Propaganda Feminista. Esta associação, que chegou a dirigir, teve origem na cisão da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas por questões relacionadas com o sufrágio feminino. No âmbito da Associação de Propaganda Feminista projectou a criação de uma escola de enfermeiras, o que é referido como mais uma manifestação da sua preocupação com a emancipação das mulheres.

Segunda página do Artigo "Estão eleitas as constituintes: A eleição em Lisboa", na revista semanal «Illustração Portugueza» (com o Jornal «O Século»), N.º 276, página 12 (714), Lisboa, 5 de Junho de 1911

Por toda a Europa, e não só, havia anos que as sufragistas reivindicavam ruidosamente o direito ao voto para as mulheres e a Nova Zelândia tinha-se tornado o primeiro país a concedê-lo em 1893. Na Europa, a Finlândia era o único país europeu que reconhecia o sufrágio feminino, em 1911. A primeira lei eleitoral da República Portuguesa reconhecia o direito de votar aos «cidadãos portugueses com mais de 21 anos, que soubessem ler e escrever e fossem chefes de família». Carolina Ângelo viu nesta redacção da lei a oportunidade de a «subverter» a seu favor, dado que, gramaticalmente, o plural masculino das palavras inclui o masculino e o feminino. Viúva e com uma filha menor a cargo, com mais de 21 anos e instruída, dirigiu ao presidente da comissão recenseadora do 2º Bairro de Lisboa um requerimento no sentido do seu nome «ser incluído no novo recenseamento eleitoral a que tem de proceder-se». A pretensão foi indeferida pela comissão recenseadora, o que a levou a apresentar recurso em tribunal, argumentando que a lei não excluía expressamente as mulheres. A 28 de Abril de 1911, o juiz João Baptista de Castro, pai de Ana de Castro Osório e de Alberto Osório de Castro, proferiu a sentença que ficaria para a História: «Excluir a mulher (…) só por ser mulher (…) é simplesmente absurdo e iníquo e em oposição com as próprias ideias da democracia e justiça proclamadas pelo Partido Republicano. (…) Onde a lei não distingue, não pode o julgador distinguir (…) e mando que a reclamante seja incluída no recenseamento eleitoral».

A Sr.ª D. Carolina Beatriz Ângelo (à direita), a primeira eleitora portuguesa, acompanhada pela Sr.ª D. Ana de Castro Osório (à esquerda), presidente da Liga das Sufragistas Portuguesas.

Assim, a 28 de Maio de 1911, nas eleições para a Assembleia Constituinte, Carolina Beatriz Ângelo tornou-se a primeira mulher portuguesa a exercer o direito de voto, mas não sem um pequeno incidente, que a mesma relatou ao jornal A Capital: «No final da primeira chamada, o presidente da assembleia de voto, Sr. Constâncio de Oliveira, consultou a mesa sobre se deveria ou não aceitar o meu voto, consulta na verdade extravagante, porquanto, estando recenseada em virtude duma sentença judicial, a mesma não tinha competência para se intrometer no assunto». O caso é amplamente noticiado em Portugal e felicitado em diversos países do mundo por associações feministas.

Em Julho e Agosto começou a queixar-se de extremo cansaço, “tenho trabalhado muito”… da sua luta, dos dias inteiros a discutir e a pensar, e talvez por isso, redigiu “uma declaração para ser enterrada civilmente, a qual seria tornada pública no ano seguinte aquando das respetivas exéquias”. Tomou igualmente providências sobre o futuro da filha de oito anos, Maria Emília Ângelo Barreto, pedindo aos membros da sua família que lhe “sobrevivam, que se dispensem do convencional luto” e que "não obriguem a menina a pôr luto pela mãe".

No dia 3 de Outubro de 1911, pelas 2 horas da manhã, apenas 4 meses após ter votado, Carolina Beatriz Ângelo morreu de síncope cardíaca derivada de miocardite, em sua casa, com apenas 33 anos de idade. Dizem os relatos de então que se sentiu mal durante a viagem de eléctrico, enquanto regressava à sua residência na Rua António Pedro, freguesia de São Jorge de Arroios, após estar presente numa reunião política com outras feministas da Associação de Propaganda Feminista.

Foi sepultada num jazigo particular no Cemitério dos Prazeres. Deixou como testemunhos para a posteridade duras críticas à República e aos republicanos («A não ser o nosso Afonso Costa, o resto não vale dois caracóis»).

O seu gesto teria como consequência imediata um retrocesso na lei: o Código Eleitoral de 1913 determinava que «são eleitores de cargos legislativos os cidadãos portugueses do sexo masculino maiores de 21 anos ou que completem essa idade até ao termo das operações de recenseamento, que estejam no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, saibam ler e escrever Português, residam no território da República Portuguesa». As mulheres portuguesas teriam de esperar pelo ano de 1931 para lhes ser concedido o direito de voto e, ainda assim, com restrições: apenas podiam votar as que tivessem cursos secundários ou superiores, enquanto para os homens continuava a bastar saber ler e escrever.

A lei eleitoral de Maio de 1946 alargou o direito de voto aos homens que, sendo analfabetos, pagassem ao Estado pelo menos 100 escudos de impostos e às mulheres chefes de família e casadas que, sabendo ler e escrever, tivessem bens próprios e pagassem pelo menos 200 escudos de contribuição predial.

Em Dezembro de 1968 foi reconhecido o direito de voto político às mulheres, mas as Juntas de Freguesia continuaram a ser eleitas apenas pelos chefes de família. Só em 1974, já depois do 25 de Abril, seriam abolidas todas as restrições à capacidade eleitoral dos cidadãos tendo por base o género.

Família e Origens

Carolina Beatriz Ângelo foi baptizada a 20 de Maio de 1878 na Igreja Paroquial de São Vicente da Guarda, contando 1 mês de idade, tendo como padrinhos o Dr. Afonso Barreto Pereira de Campos e esposa Carolina Cândida de Campos Barreto.

Eram seus pais Viriato António Ângelo (São Vicente, Guarda, 22 de Outubro de 1850 - Rio de Mouro, Sintra, ?), proprietário de tipografia que imprimia o Distrito da Guarda, e de Emília Clementina de Castro Barreto (São Vicente, Guarda, 20 de Maio de 1849 - ?), doméstica.

Filha segunda do matrimónio de seus pais, que ocorreu a 7 de Abril de 1877, na residência dos mesmos, foram seus irmãos: Viriato (São Vicente, Guarda, 28 de Agosto de 1876 - São Vicente, Guarda, 4 de Setembro de 1877), que nasceu antes do casamento dos pais e neste acto foi legitimado, falecendo muito novo; Mariana (São Vicente, Guarda, 13 de Novembro de 1879 - São Vicente, Guarda, 14 de Maio de 1880), que também faleceu muito nova; Viriato Ângelo (São Vicente, Guarda, 1 de Agosto de 1881 - 19 de Maio de 1940), que recebeu o nome do pai e do falecido irmão; Corina da Soledade Barreto Ângelo do Couto (São Vicente, Guarda, 7 de Janeiro de 1884 - 17 de Julho de 1933).

Os caminhos de Carolina, Viriato e Corina cruzar-se-iam na capital, para onde toda a família se terá deslocado na última década de oitocentos, com as raparigas a desposarem dois notáveis casapianos, futebolistas eméritos dos principais clubes e profissionais distintos, um na área da medicina, Januário Gonçalves Barreto Duarte, o outro enquanto arquitecto, António José do Couto Abreu; e o irmão Viriato, funcionário público, casaria com a irmã de Januário, Maria José Barreto Duarte.

Foram seus avós paternos Manuel Ângelo e Maria das Dores Tecla Ângelo, que também usava Maria Tecla de Jesus, maternos Pedro Augusto Pereira Barreto (falecido em 26 de Novembro de 1890, aos 72 anos), amanuense de Administração do Concelho e responsável pela publicação do periódico Distrito da Guarda, órgão do Partido Progressista, e de Firmina Augusta de Mello e Castro Barreto (falecida em 9 de Maio de 1891, aos 66 anos), doméstica.

Casou, na Igreja Paroquial de Santa Justa e Santa Rufina, em Lisboa, a 3 de Dezembro de 1902, contando 24 anos, com o já referido Januário Gonçalves Barreto Duarte (Aldeia do Souto, Covilhã, 17 de Abril de 1877 - Santa Isabel, Lisboa, 23 de Junho de 1910), seu primo e colega de curso, que viria a falecer de tuberculose pulmonar, também com 33 anos. Deste casamento tiveram apenas uma filha: Maria Emília Ângelo Barreto Fagundes (Santos-o-Velho, Lisboa, 27 de Junho de 1903 - Coração de Jesus, Lisboa, 11 de Março de 1981), futura professora de filosofia do Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho, que ficaria orfã de pai e mãe aos 8 anos de idade, descrita como sendo «de uma inteligência e cultura invulgares», por Teresa Pizarro Beleza, sua aluna. Esta filha casaria, em 26 de Setembro de 1932, com o também professor Humberto de Matos Fagundes, natural de Angra do Heroísmo, que faleceria em 3 de Outubro de 1977; foram os pais do advogado e activista anti-fascista Jorge Humberto Fagundes (1936-2010).

Homenagens

O seu nome foi atríbuido à toponímia de várias localidades, nomeadamente nos concelhos de Almada, Amadora, Barreiro, Guarda, Moita, Oeiras, Odivelas, Póvoa de Santo Adrião, Sesimbra, Setúbal, Sintra e Tavira.

Na cidade da Guarda, existe ainda uma Escola EB 2,3 com o seu nome.

Em Loures, o hospital Beatriz Ângelo recebeu também o seu nome como homenagem à médica e activista.

Referências

Ver também

Ligações externas