Genny Gleizer
Genny Gleizer Jenny Gleizer | |
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Outros nomes | Schendla Gleizer Seindla Gleizer Jenny Simoza |
Nascimento | c. 1916 Hotin, Bessarábia, Gubernia da Bessarábia |
Morte | 1995 (79 anos) (c.) Nova York, Estados Unidos |
Causa da morte | causas naturais |
Nacionalidade | romena |
Progenitores | Mãe: Rosa Sadovinic Gleizer Pai: Motel Gleizer |
Parentesco | Berta Gleizer Ribeiro (irmã) |
Outras ocupações | tecelã |
Profissão | psicóloga |
Religião | judaísmo |
Genny Gleizer (Hotin, 1916 c. — Nova York, 1995 c.) foi uma imigrante judia de origem romena, presa ainda menor de idade, torturada e deportada do Brasil em 12 de outubro de 1935 por meio de decreto do então presidente Getúlio Vargas, sendo acusada de supostas atividades subversivas em meio a instabilidade política e antissemitismo que aconteciam no país. Irmã da antropóloga Berta Gleizer Ribeiro.[1][2][3]
Genny e sua irmã Berta foram abandonadas ainda crianças numa pequena província do Leste Europeu após o suicídio da mãe, pois seu pai já se encontrava no Brasil em busca de oportunidades de trabalho devido à perseguição antissemita que os judeus estavam sofrendo na região da Bessarábia.[1] Somente com a ajuda de uma organização internacional é que as duas conseguiram reencontrá-lo em 1932.[1]
Alguns anos depois, Genny e o pai são presos e deportados na época em que o Brasil passava por intensa repressão política aos imigrantes judeus no início da ditadura Vargas.[1] A prisão de Genny serviu como modelo para as futuras ações repressivas do governo brasileiro,[4] a partir da reestruturação da polícia política, que passava a agir baseada na Lei de Segurança Nacional de 1935.[1] E, pela primeira vez no país, registrou-se o envolvimento da população em prol da libertação de um preso político, sendo então precursora das campanhas pelos direitos humanos no Brasil.[5][6][1]
Biografia
[editar | editar código-fonte]Família e primeiros anos
[editar | editar código-fonte]Genny Gleizer nasceu no ano de 1916 em Hotin (atualmente na Ucrânia), região romena da Bessarábia.[2] Filha de Rosa Sadovinic Gleizer e Motel Gleizer. Seu pai deixou a Bessarábia em julho de 1929 imigrando para o Brasil na busca por melhores condições de sobrevivência, pois a situação era precária devido as graves restrições que os judeus no país vinham sofrendo com o aumento do antissemitismo, a ascensão de movimentos fascistas cristãos e também dos ataques pogroms no território.[1] Não podendo mandar buscar sua família de imediato, nem mandar-lhe o necessário para viver, Motel foi surpreendido com a notícia do suicídio de Rosa, pois ela não suportara a vida miserável.[1] Suas duas filhas ficaram abandonadas sem família, sem teto e sem comida. Foi por intermédio da Jewish Colonization Association (JCA), uma organização internacional que fornecia aos judeus meios para emigrarem e também pela intercessão do rabino Raffalovich, que trouxeram as meninas para o Brasil.[1] Genny (às vezes, escrito Jenny) chega ao Rio de Janeiro como imigrante, aos quatorze anos de idade na companhia da irmã Berta de oito anos em 1932, e sendo os três muito pobres, dividiam um quarto na Rua do Riachuelo. Seu pai trabalhava como comerciante nos arredores da Praça XI, reduto da comunidade judaica na época.[1][7][2] Um ano e meio após sua chegada ao Brasil, Genny já dominava a língua portuguesa e também trabalhava, e em 1934 vai para São Paulo, passando a morar em quartos alugados, trabalhando como tecelã em uma fábrica de tecidos e depois em um escritório.[7][4]
Prisão, deportação e morte
[editar | editar código-fonte]Em 11 de julho de 1935 a Aliança Nacional Libertadora foi proibida pelo governo brasileiro, ato que teve por base a Lei de Segurança Nacional, aprovada em março daquele mesmo ano[3] e o país estava sob a égide da Constituição liberal de 1934.[4] Nesse período de instabilidade política, os imigrantes judeus passaram a ser vistos negativamente por parte de setores da elite brasileira, em aspectos relativos à religião e à economia, além de político-ideológicos.[8] Práticas antissemitas e xenófobas se manifestaram: atitudes de intimidação, perseguição política, prisões, torturas e deportações, sob o pretexto — verdadeiro ou não —, de práticas comunistas, além da proibição da entrada de novos imigrantes no país.[3][2][8] Assim, "comunista" tornou-se um estereótipo de senso comum para se referir aos judeus e demais estrangeiros que viviam no Brasil.[1][6]
Nesse contexto, em 15 de julho de 1935, uma expressiva reunião de jovens, visando preparar o I Congresso da Juventude Proletária e Estudantil de São Paulo, realizada pelo Sindicato dos Empregados do Comércio no Palacete Santa Helena,[9][7][1] foi dissolvida violentamente pela polícia política. Todos os participantes foram presos e posteriormente soltos, menos a judia Genny Gleizer — sendo ainda menor de idade com dezessete anos —, por supostas atividades subversivas.[6][3][7][4] Seu paradeiro permanecia um mistério, assim seu pai liderou uma busca em jornais e revistas com a frase: "Onde está Genny?" e apesar das suas indagações e da sociedade, a polícia insistia em negar a sua prisão. Àquela altura, Motel Gleizer peregrinava atrás de autoridades e advogados que pudessem indicar o paradeiro da filha,[7] e a polícia política, que desobedecendo um habeas corpus impetrado a favor de Genny, escondeu a jovem da justiça e da imprensa a transferindo de prisão em prisão, entre São Paulo e Rio de Janeiro, para despistar o público e evitar os processos visando a soltá-la até que a ordem de expulsão do país fosse outorgada e cumprida.[9][6][3][4][7]
Mas em 18 de agosto de 1935, o jornalista Danton Gomes do Correio Popular descobriu que Genny estava presa numa das celas da cadeia pública de Campinas e conseguiu fazer a primeira entrevista com ela: — "Ah! o senhor é repórter? Então me faça a caridade de dizer que estou presa aqui. Hoje estive lendo nos jornais que todos me procuram, mas ignoram o meu paradeiro".[4][9] Dez dias após Genny ter sido descoberta em Campinas, o delegado da ordem política de São Paulo, Egas Botelho, afirmou em entrevista que ela teria sido solta e estava desaparecida. No entanto, a jovem já havia sido transferida para a Central de Polícia do Rio de Janeiro numa operação sigilosa e logo retornaria a São Paulo. Nesse curto período de tempo, ela estivera em oito cativeiros diferentes sofrendo todo tipo de intimidação e maus-tratos,[4][9] nem o próprio pai conseguia vê-la.[4]
A pressão popular aumentou quando o governo decidiu deportá-la para a Romênia, país alinhado com os ideais fascistas e antissemitas.[7] Seu drama ficou conhecido na época como o Caso Genny Gleizer.[5] Abaixo-assinados de intelectuais e de associações foram encaminhados à polícia em defesa dos direitos de cidadania da jovem,[6] iniciando uma grande campanha pela sua libertação, onde jornais antifascistas davam matérias defendendo sua liberdade e atos públicos foram realizados, causando grande comoção no país.[7][6][4] Inúmeros jovens se ofereceram para casar com Genny para salvá-la da expulsão, pois estrangeiras casadas com brasileiros, não podiam ser deportadas. Entre eles estaria Paulo Emílio Sales Gomes, futuro crítico de cinema.[6][4]
Nesse cenário, diante da comprovação de sua prisão, as autoridades deram suas primeiras versões sobre o caso e os órgãos de repressão e setores conservadores da imprensa buscaram apresentá-la como uma "perigosa agente do comunismo internacional"[4][3][6] e que as provas apreendidas a incriminavam. No prontuário policial de Genny, lhe foram atribuídos dezenove anos de idade[7] e continha "provas de suas ideias e comportamentos subversivos" sendo testemunhos de seu status de “estrangeira indesejável”, demonstrando a preocupação da polícia política em deixar claramente registrada também nos pronunciamentos junto à grande imprensa sensacionalista a sua identidade judaica — a tratando com extremo preconceito, e a sua periculosidade — por também ser uma mulher jovem e "comunista".[6] Mas de acordo com o sociólogo Túlio Khan, as acusações feitas pela polícia política não procediam, pois nada da atuação da jovem junto ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e tampouco os documentos reunidos pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) para incriminá-la, comprovaram que ela fosse pertencente a organização.[5][1] A relevância dada pela polícia ao papel dela junto ao PCB, era uma tentativa de conter as manifestações favoráveis a sua libertação.[7] No cárcere, a jovem sofreu violências físicas, sexuais e psicológicas.[7]
Depois de três meses de prisão, às vésperas da expulsão, o jornalista de A Platea, Arthur Piccinini, se casa por procuração com Genny, mas essa última tentativa de retê-la em território brasileiro foi em vão e ela é deportada na madrugada de 12 de outubro de 1935 via Porto de Santos no cargueiro francês Aurigny para ser entregue ao governo fascista da Romênia,[7][6] condição que significaria pena de morte.[2] O então presidente Getúlio Vargas já havia assinado a resolução determinando a expulsão da menor do território nacional em 21 de agosto de 1935, por ser considerada "elemento perigoso à ordem pública e nociva aos interesses do país", — uma expressão de mentalidade fascista —[6][4][7][3] e portanto, antes da realização do casamento com Piccinini, sendo que o mesmo permaneceu casado com Genny por mais onze anos, separando-se legalmente dela apenas em 1946.[7]
Porém, graças à intervenção do capitão e da tripulação do navio que a conduziam e dos portuários franceses, Genny pôde ser resgatada por membros do Socorro Vermelho Internacional quando aportaram na França, dando-lhe a liberdade e um local onde se abrigasse em Paris.[3][1][4][7] Posteriormente, viveu na Rússia e no Peru. Após a Segunda Guerra Mundial, teria conseguido emigrar e se estabelecer nos Estados Unidos, morando em Nova York, onde formou-se em psicologia, trabalhando em um hospital e vivendo reclusa.[1][6][2] Teve uma filha chamada Renée Simoza, já falecida.[10] Genny faleceu de causas naturais em 1995.[1][4][7]
Vítimas do fascismo
[editar | editar código-fonte]“ | Se você quiser acreditar em mim, acredite. Fui a primeira vítima do fascismo [no Brasil]! | ” |
— Jenny em entrevista, [2] |
Em entrevista à pesquisadora Eva Alterman Blay realizada em 23 de agosto de 1982,[2] já com o nome de Jenny Simoza,[10] ela explicou que não tinha nada a ver com política, que foi vítima do acaso. Como eram só ela, o pai e a irmã muito pequena, trabalhava, mas queria muito estudar e com esse pensamento foi se encontrar com um rapaz que a ajudaria. Como ele não apareceu e havia uma reunião em um salão próximo, entrou para procurá-lo, quando de repente fecharam as portas e prenderam todos que lá se encontravam. Mesmo tentando explicar que não tinha culpa, foi presa e jogada em um porão junto com prostitutas e depois com assassinos.[2] Ficou incomunicável por muito tempo, sofrendo torturas físicas e psicológicas, até ser deportada.[7] Seu caso serviu como modelo para as futuras ações repressivas do governo Vargas,[4] a partir da reestruturação da polícia política, que passava a agir baseada na recém promulgada Lei de Segurança Nacional de 1935, suprimindo cada vez mais os espaços possíveis de contestação da ordem vigente.[1]
Três meses depois da expulsão de Genny, no início de 1936 — auge da repressão aos imigrantes no Brasil —, a polícia política invade um centro cultural de trabalhadores judeus onde funcionava a redação do semanário Der Unhoib (O Começo), buscando e prendendo os estrangeiros que lá se encontravam, sendo a maioria deportada juntamente com seu pai à bordo do navio Bagé em 16 de abril de 1936.[4][1] Assim como Genny, Motel Gleizer teria sido resgatado na França junto a outros imigrantes expulsos do país[1] e posteriormente, foi morto em um campo de concentração.[4]
Sua irmã Berta ficou órfã e sozinha no país, então passou a ser cuidada por famílias de imigrantes judeus entre o Rio de Janeiro e São Paulo, sob a tutela do Partido Comunista Brasileiro, se casando posteriormente com o jovem antropólogo Darcy Ribeiro em 1948.[1] Genny voltou a vê-la algumas vezes anos mais tarde e sempre lhe escrevia cartas.[2][10]
Homenagens
[editar | editar código-fonte]Gleizer foi posteriormente alçada a heroína das classes populares e como exemplo para os jovens estudantes no país.[1] Após sua deportação, no dia 4 de novembro de 1935, foi noticiada a mobilização de jovens do Pará para a Campanha dos 50%, que pleiteava a redução dos custos de transporte e entretenimento para os estudantes. Na ocasião, seu nome foi lembrado, como o de uma "autêntica heroína da juventude brasileira".[1]
Já em 11 de novembro de 1935, foi noticiado pelo jornal A Manhã que os trabalhos para a instalação do 1º Congresso da Juventude em Minas Gerais haviam sido reiniciados e que sua delegação, adotara o nome de Genny Gleizer em homenagem à jovem judia.[1]
Legado
[editar | editar código-fonte]O Caso Genny Gleizer, foi precursor das campanhas pelos direitos humanos no Brasil, pois pela primeira vez no país, registrou-se o envolvimento da sociedade civil em prol da libertação de um preso político e em nome dos direitos do cidadão.[5][6][1]
Leitura adicional
[editar | editar código-fonte]- BLAY, Eva Alterman (2020). O Brasil como Destino: Raízes da Imigração Judaica Contemporânea para São Paulo 2.ª ed. São Paulo: Unesp. 424 páginas. ISBN 9788539308026
- CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (2001). O Anti-semitismo na era Vargas: Fantasmas de uma Geração (1930-1945). São Paulo: Perspectiva. 536 páginas. ISBN 8527302713
- CARONE, Edgar (1994). Movimento Operário no Brasil (1887-1944). 1. São Paulo: Record. 200 páginas. ISBN 978-8528602173
- GODOY, Arnaldo Sampaio Moraes (29 de setembro de 2007). «Direito e História: Genny Gleiser, o anti-semitismo na era Vargas e o Habeas Corpus nº 25906/1935.: Um estudo de caso». Revista Jus Navigand. ISSN 1518-4862
Ver também
[editar | editar código-fonte]Referências
- ↑ a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v w x Antão, Ana Carolina da Cunha Borges (2017). Gênero, imigração e política: o caso da judia comunista Genny Gleizer no Governo Vargas (1932-1935) (PDF) (Dissertação de Mestrado Acadêmico). Rio de Janeiro: COC/FIOCRUZ. 141 páginas. Consultado em 10 de janeiro de 2023
- ↑ a b c d e f g h i j Blay, Eva Alterman (1989). «Inquisição, Inquisições: Aspectos da participação dos judeus na vida sócio-política brasileira nos anos 30» (PDF). Tempo Social. 1 (1): 105-130. ISSN 1809-4554. doi:10.1590/ts.v1i1.83335. Consultado em 6 de maio de 2023
- ↑ a b c d e f g h Buonicore, Augusto; Garcia, Fernando (7 de junho de 2012). «As mulheres e os noventa anos do comunismo no Brasil». Centro de Memória Sindical (CMS). Consultado em 23 de agosto de 2023
- ↑ a b c d e f g h i j k l m n o p q C. Buonicore, Augusto (9 de agosto de 2015). «O caso Genny Gleizer: a garota judia e comunista deportada por Vargas § Geral/Nacional». Portal Vermelho. Consultado em 10 de dezembro de 2016
- ↑ a b c d Khan, Tulio (1995). «O Caso Genny Gleizer: Precursor das Campanhas pelos Direitos Humanos no Brasil». São Paulo. Revista Cultura Vozes. 89 (6): 13‐36. Consultado em 16 de outubro de 2023. Cópia arquivada em 13 de março de 2003
- ↑ a b c d e f g h i j k l m Carneiro, Maria Luiza Tucci (2008). «Guerreiras anônimas: por uma história da mulher judia» (PDF). Projeto Integrado (PROIN) Arquivo Público do Estado de São Paulo e USP. Consultado em 25 de dezembro de 2022
- ↑ a b c d e f g h i j k l m n o p q Arruda, Cláudia Maria Calmon (janeiro–junho de 2010). «Memórias num bordado: traços de Genny Gleizer no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro» (PDF). Uberlândia. Cadernos de Pesquisa do CDHIS. 23 (1): 15-22. ISSN 1518-7640. doi:10.14393/cdhis.v23i1.7700. Consultado em 24 de novembro de 2022
- ↑ a b Chor, Marcos (julho–dezembro 1988). «O anti-semitismo na era Vargas» (PDF). Fundação Getúlio Vargas. Revista Estudos Históricos. 1 (2 Identidade Nacional): 304-309. ISSN 2178-1494. Consultado em 26 de agosto de 2023
- ↑ a b c d Florindo, Marcos Tarcísio (2000). O Serviço Reservado da Delegacia de Polícia de Ordem Política e Social de São Paulo na era Vargas (PDF) (Dissertação de Mestrado Acadêmico). Franca: Unesp. pp. 62–65. Consultado em 17 de setembro de 2023
- ↑ a b c Inventários dos arquivos pessoais de Darcy e Berta Ribeiro (PDF). Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro. 2011. pp. 577–582, 619–627. ISBN 9788563574138. Consultado em 21 de agosto de 2023