Usuário:Fasouzafreitas/Opinião sobre o Acordo Ortográfico de 1990

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Nesta página apresento minha opinião sobre o Acordo Ortográfico de 1990.

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Desde que o presidente Luís Inácio Lula da Silva assinou o Decreto 6.583/2008[1], em 29 de setembro de 2008, a adoção do Acordo Ortográfico de 1990 no Brasil mostrou-se inapelável e irreversível. O Acordo em si tem boas intenções louváveis, mas até eu - que aprecio a maioria de suas regras - reconheço que seus objetivos últimos são de fato inalcançáveis.

Brasil e Portugal ainda falam - infelizmente - a mesma língua - a portuguesa, mas não da mesma forma - ainda bem. E essas diferenças não serão totalmente sanáveis por um mero Acordo Ortográfico, assim como não é razoável supor que haja quaisquer cedências nesse sentido. Muita gente confunde ortografia com léxico e não entende que as diferenças permanecerão, não importa o que se faça. Outro problema é algum linguista inventar - e eles são dados a invenções - que seja necessária mais uma reforma[2], só para enriquecer o mercado editorial ou porque acha que seja possível resolver um problema sem solução ou até mesmo dar atenção a um não problema. A bem do futuro, que esta seja a última reforma e que doravante haja apenas mudanças e orientações pontuais, tal como costuma fazer a Real Academia da Língua Espanhola[3], que exerce bem a sua função global de estabelecer o uso global da língua castelhana. Que à língua portuguesa seja dado o mesmo destino, sem provincianismos ou instituições deficientes, como tem havido até agora.

Início dos desacordos ortográficos[editar | editar código-fonte]

Até o início do século XX, Brasil, Portugal e suas colônias viveram sob a mesma ortografia, vulgarmente denominada pseudoetimológica[4]. Com pouquíssimos acentos, geralmente só em oxítonas e abarrotada de letras mudas, buscava imitar o étimo greco-latino e que recebia o acréscimo do prefixo pseudo- por estar errada às vezes, como em thesoura (que não deveria possuir esse "th", à medida que tesoura vinha do latim tonsoria) ou lyrio (que não deveria ter recebido "y" por ser oriunda do grego leirion e do latim lilium). O Brasil passou de colônia a Império e de Império a República e não fez alterações massivas, apenas pontuais (como Brazil > Brasil ou amortisação > amortização). Mas bastou Portugal mandar a Monarquia à breca para o novo governo querer apagar quaisquer rastros ou vestígios do Antigo Regime, inclusive a ortografia. Na década de 1910, começaram os desacordos ortográficos.

Sem consultar o Brasil - e por que haveria de fazê-lo? - simplificou unilateralmente a ortografia. O Brasil viria mais tarde a fazê-lo também, principalmente a partir da década de 1920 e com a adoção plena - ainda que confusa - a partir de 1931. O Formulário Ortográfico de 1943 cristalizou os princípios que vinham sendo adotados, sem adotar exatamente as mesmas regras de Portugal - e por que o faria? Houve vários encontros, pois a situação fora notada desde cedo, mas como mudar ortografia não é coisa fácil, mesmo num tempo em que ser analfabeto era a regra, acabaram por nada pôr em prática do que fora decidido.

O Acordo Ortográfico de 1945 e a sua não aplicação no Brasil[editar | editar código-fonte]

O Acordo Ortográfico de 1945 foi uma tentativa aparentemente bem-intencionada de resolver as diferenças ortográficas. Tive a oportunidade de ler um livro da Imprensa Oficial de São Paulo, de 1946, que expressava uma esperança comovente no tocante à aplicação plena do Acordo a partir do ano letivo (no livro constando como "lectivo") de 1947. Afinal, fora aprovado ainda em 1945 - e três dias antes de Portugal! - e tudo que se esperava era a edição de um novo VOLP no Brasil. Não saiu. Em verdade, quase dez anos após a aprovação do AO-1945, ele foi revogado[5] em terras brasileiras. Por que?

O AO-1945 foi rejeitado pelo Brasil simplesmente porque a mão era muito pesada em favor de Portugal: não há justiça quando a balança pesa a favor de um dos lados. Suas consequências seriam uma cedência inadmissível para o nacionalismo linguístico brasileiro, à época tão vivo e influente, num país sempre à busca da formação de uma identidade nacional. Mas deixando de lado essa afirmação tão emocional, defendida por alguns, refleti muito e fazendo um cotejo cronológico, pude chegar a um argumento com uma conclusão muito interessante. Vejam-na: o AO-1945 foi um acordo entre dois Estados Novos: o português e o brasileiro. Dois Estados autoritários, como bem sabido. O Estado Novo português (de António de Oliveira Salazar) estendeu-se de 1933 a 25 de abril de 1974, muito tempo depois de 1945. Mas o Estado Novo brasileiro (de Getúlio Vargas), criado em 10 de novembro de 1937, acabou quando? Com a deposição de Vargas, em 29 de outubro de 1945, 23 dias após a assinatura do Acordo! O Acordo foi aprovado em dezembro, mais pela formalidade e como uma espécie de resquício do período autoritário - há coisas que não podem ser barradas de cara. Mas como é comum no Brasil, o novo regime (Quarta República Brasileira) pôs certas normas do período anterior no "gelo", certamente a pedido de nacionalistas que não aceitavam o conteúdo do AO-1945. Só em 1955 esse Acordo foi removido do ordenamento jurídico brasileiro, mas na prática ele já nascera sem vida. Foi assim que aconteceu...

No meu entender, as razões práticas que enraiveceram os nacionalistas brasileiros e que impediram a imposição efetiva desse regulamento ortográfico no Brasil foram as seguintes: a restauração de certas letras mudas, já extraoficialmente abolidas por muitos há décadas e oficialmente abolidas pela primeira vez em 1931 e novamente abolidas pelo ainda mais recente Formulário Ortográfico de 1943 e a questão dos acentos, completamente incoerente com os princípios fonológicos e ortográficos da língua portuguesa, tanto os gerais, como os exclusivos do Brasil. Os dois problemas principais - na minha opinião - que fizeram esse acordo ser rejeitado no Brasil foram estes:

Restauração de letras mudas[editar | editar código-fonte]

A restauração de tais letras seria um total contrassenso para o sistema ortográfico do português brasileiro, à medida que sancto, construcção perderam o c e acto e director, não? Não fazia sentido e continua não fazendo para nós, brasileiros, à medida que as alterações fonéticas ocorridas no Brasil não implicaram na vocalofagia, característica típica da fala do português europeu. Os brasileiros não precisam manter consoantes mudas para abrir a vogal seguinte, pois todas as vogais - salvo raras exceções - são totalmente pronunciadas, ressalvado que o e e o o átonos em final de palavras transformaram-se foneticamente em i e u, à exceção de alguns sotaques regionais.

Ah, é claro, há o exemplo de palavras como "Egipto" que perderão o "p", mantido em egípcio por ser pronunciado. Mas que utilidade há em manter uma letra muda? Similaridade? Aparência? A um português contrário ao acordo, essa grafia nova parecerá torta, aleijada. O brasileiro pode carregar na crítica e dizer o mesmo da atual grafia do português europeu: letras sobrando, em sua maioria totalmente inúteis, à exceção de facto e outras que realmente justificam sua utilidade e sua presença na escrita. A ortografia da língua portuguesa pós-Viana sofre do mal da ambiguidade e da dúvida sobre o quanto de etimologia se deve manter para evitar a desagregação que seria proporcionada por uma escrita absolutamente fonética.

Retomando a questão: existe um outro argumento acerca da necessidade de manutenção dessas vogais: a permanência da similaridade gráfica com outras línguas europeias, tais como a língua castelhana, a língua francesa e a língua italiana (e talvez a língua inglesa, que respeita muito a etimologia greco-latina que os portugueses julgam ser tão importante mas só seguem parcialmente, no que lhes convém). A prática mostra que tal argumento não é muito consistente, pois tais línguas têm muitas diferenças entre si: os espanhóis pronunciam as letras que são mudas em Portugal, os italianos não mantiveram "c" e "p" mudos, apenas dobram a consoante pronunciada e os franceses costumam pronunciar com frequência as letras dessas palavras (o que para uma língua repleta de letras mudas, é um feito) ou simplesmente não têm similaridade com as outras.

Exemplo:

Como se vê, um argumento bem fraco. Se retornássemos à velha ortografia pseudoetimológica e escrevêssemos rheumatismo, appreciar, telephone, ecclesiastico, paes, lyrico, affligir, asthma, psalmo, diphthongo, phthysica, pharmacia, etymologico, eu consideraria esse argumento coerente, justo, correto e praticamente inquestionável. Como se vê, não é o caso. Ou se escrevem todas, ou se faz a abolição total. Qualquer outro argumento não fará sentido quando posto à luz da realidade, tornando-se simplesmente indefensável e conversa mole de quem deseja impor aos outros aquilo que só serve para si. É o ponto mais pesado do Acordo para os não brasileiros.

Colocando-me na mente de um português bem-intencionado que queira aderir ao AO-1990, vejo que ficaria com muitas dúvidas sobre a grafia e a ortoépia de palavras que para mim eram assim, inquestionáveis. O AO-1945 era intolerante e inflexível, mas a sua certeza era indubitável. A flexibilidade do AO-1990 pode complicar a vida de quem não está acostumado a tantas facultatividades, sem contar a munição que dá aos seus detratores.

Outro argumento que surge é a necessidade de diferenciação fonética. Como já mencionei, reconhecidamente há a necessidade no português lusitano de "abrir a vogal seguinte". Estou certo de que alguns inimigos ultrarradicais do Acordo cortariam de bom grado as letras mudas se pudessem substituí-las por outros meios gráficos de indicar essas aberturas. Usemos o exemplo de "baptismo". Essas pessoas eliminariam o "p" se pudessem escrever bàtismo ou mesmo ba·tismo, ou usando o exemplo clássico da palavra "ação", escrita "acção", se pudessem escrever àção ou a·ção. Para um brasileiro, isto seria uma medida totalmente inócua e inútil, pois "ação" é "ação" mesmo, à medida que o a é tônico e ninguém diria "âssão", como os inimigos lusitanos do Acordo vivem a propalar. Sem dúvida as pronúncias são diferentes e refletem a natureza da língua falada de cada um dos lados do Atlântico. Mas se lá é diferente, paciência ... será que vale a pena impor o AO-1990 aos utentes do português europeu? Será que o melhor não seria eles desistirem desse Acordo e abandonarem de vez essa ideia de pôr todos os lusófonos sob os mesmos princípios ortográficos? Realmente não sei. A novela da implantação do Acordo em Portugal renderá ainda muitos capítulos e discussões...

Acento circunflexo com valor de agudo[editar | editar código-fonte]

Este era um outro objetivo inaceitável presente no Acordo de 1945. O Acordo preconizava em sua Base XX que "As vogais tónicas a, e e o de vocábulos proparoxítonos levam acento circunflexo, quando são seguidas de sílaba iniciada por consoante nasal e soam invariavelmente fechadas nas pronúncias normais de Portugal e do Brasil: câmara, pânico, pirâmide; fêmea, sêmea, sêmola; cômoro. Mas levam, diversamente, acento agudo, que nesse caso serve apenas para indicar a tonicidade, sempre que, encontrando-se na mesma posição, não soam, todavia, com timbre invariável: Dánae, endémico, género, proémio; fenómeno, macedónio, trinómio. Regulam-se por um ou outro destes dois empregos os vocábulos paroxítonos que, precisando de acentuação gráfica, se encontrem em condições idênticas. Assim: ânus, certâmen, tentâmen; mas Ámon, bónus, Vénus.".

Ora, como um sistema gráfico diz que um acento deve marcar a tonicidade e o timbre e quando interessa, apenas a tonicidade? Outro contrassenso! E também é igualmente inadmissível. Simplesmente teríamos de conhecer uma ortoépia que não usamos e não saberíamos usar. Não me surpreende que tenha sido rejeitado: a medida era claramente mal-intencionada e funcionava em detrimento do português do Brasil: toda vez que leio o texto tenho a impressão de que os brasileiros que participam de sua concepção foram coagidos ou simplesmente capitularam aos interesses portugueses em prol de uma unificação absoluta, muito bonita no papel, mas impraticável. Isto hoje já não tem importância, pois como diz o provérbio: "águas passadas não movem moinhos"...

Falarei mais adiante como essa questão poderia ser solucionada.

Reduções nas diferenças ortográficas[editar | editar código-fonte]

Entre 1945 e 1971, as maiores diferenças residiram no amplo emprego dos acentos diferenciais no Brasil, abolidos em Portugal desde 1945 e impostos no Brasil desde 1943. Não custa explicar como funcionava: palavras paroxítonas e hoje homógrafas eram diferenciadas com um acento circunflexo sobre o e ou o o. Havia a diferença entre "emprêgo" (substantivo) e "emprego" (verbo) ou entre "gôsto" (substantivo) e "gosto" (verbo). Tal acento era útil, pois dirimia qualquer dúvida, mas obrigava a pessoa a conhecer palavras que talvez jamais viesse a usar, como no caso de "mêdos", que tinha acento para se diferenciar de "medos" (é), nome de um povo da Antiguidade Clássica. Em 1971, durante o Regime Militar e o governo do general Emílio Garrastazu Médici, a Lei 5.765/71[6] aboliu esse acento diferencial e levou junto o trema opcional para hiatos átonos ("gaüchismo", "constituïção", etc.) e o emprego do acento grave para palavras que fossem acrescidas de sufixos com z ou mente ("històricamente", "econômicamente", "juàzeiro", etc.), assim como do acento circunflexo nesses casos, permanecendo apenas com o til e o trema, que não são propriamente acentos, mas apenas diacríticos com a função de indicar uma pronúncia diferente.

Em 1973, Marcelo Caetano promulgou o Decreto-Lei 32/73[7], que eliminou o uso dos acentos grave e circunflexo das subtônicas em Portugal, ação semelhante à do governo brasileiro dois anos antes e certamente promovida com o mesmo espírito.

Este esquema - a coexistência de três ortografias: AO-1945, FO-1943 e AO-1990 - permaneceria até o estourar dos fogos na noite de 31 de dezembro de 2012, quando a ortografia atualmente vigente para o português brasileiro deixaria de ser oficialmente válida no Brasil para dar lugar à nova ortografia e quando então teria lugar o esquema que vai fazer a Wikipédia lusófona sofrer muito: Acordo Ortográfico de 1945 versus Acordo Ortográfico de 1990. Mas... dias antes, o governo brasileiro adiou para 2016 a obrigatoriedade[8] das regras do AO-1990, tornando-se obrigatórias somente a partir de 1 de janeiro de 2016, medida considerada lamentável pela Academia Brasileira de Letras[9][10], no que tem total razão. Como persistiu a situação anterior, ela por conseguinte também permanecerá na Wikipédia.

"Acordo" de 1986[editar | editar código-fonte]

Ao longo de toda a segunda metade do século XX, vários linguistas sonharam com uma unificação ortográfica da língua portuguesa, tal como a conseguida na língua castelhana desde a abolição da Ortografía de Bello[11] nos anos 1920. Ou mesmo como a da língua inglesa que afora algumas diferenças ortográficas notáveis entre os Estados Unidos e o Reino Unido (que em boa parte foram propostas por Noah Webster ainda no século XIX), mas que em geral são de pouca monta e que não criam o alarido existente entre as variantes da língua portuguesa. Em 1986, houve um projeto de Acordo[12], que foi totalmente rejeitado - ainda que unificasse 99,5% do vocabulário - por sugerir uma enorme simplificação gráfica, com o corte dos acentos em proparoxítonas e paroxítonas. Se esse Acordo tivesse sido aprovado, muitas pessoas que sempre ignoraram quaisquer acentos sairiam da ilegalidade ortográfica para a correção da noite para o dia. Monteiro Lobato teria ficado contente, à medida que julgava os acentos gráficos fora das oxítonas inúteis, meros artifícios para complicar a escrita, no que lhe dou razão, à medida que um utente bem-educado saberá pronunciar as palavras, sendo-lhe indiferente a presença ou não da maioria dos acentos gráficos, mas certamente criaria muitos outros problemas de ordem prática, tais como o aumento da frequência de "silabadas", das muitas dúvidas que surgiriam das leituras e das inumeráveis correções que delas surgiriam. Extinguir um problema e ao mesmo tempo criar outro não é um mérito: esta foi a grande falha da proposta de 1986.

O fato é que tal proposta foi rejeitada e quatro anos depois surgiu o...

Acordo Ortográfico de 1990[editar | editar código-fonte]

Falo enfim do Acordo Ortográfico de 1990. O Acordo (doravante AO-1990 ou apenas AO) foi uma espécie de compromisso de consolação após o fracasso de 1986. Afinal, impor acentos agudos e letras mudas ao Brasil não era factível. Impor a simplificação dos acentos a Portugal, também não. O Acordo foi feito para lamber as feridas dos embates anteriores e tentar agradar a todos. É por isso que ele parece ter sido feito nas coxas e não passa de uma reforma meia-sola[13] (nos dizeres do grande professor Pasquale Cipro Neto), à medida que não unifica de fato a escrita (e jamais vai unificar). No final, apresento as sugestões que poderiam dar mais validade a esse Acordo e suprimiriam os numerosos questionamentos acerca da validade desse texto, que em parte já foram solucionados, ainda que corram o risco de proporcionar soluções diferentes em cada país.

Por que adotei o Acordo?[editar | editar código-fonte]

Cada pessoa em sua vida privada tem a liberdade de escrever como quiser e isto nenhum Acordo terá como proibir. Assim, os resistentes poderão continuar a escrever tal como aprenderam. Mas como existe vida em sociedade e o Acordo tem validade nos meios oficiais e nos veículos de circulação escrita, preferi ter de aprendê-lo a ficar para trás, tal qual um Velho do Restelo (como é próprio da alma portuguesa, o grande Camões nos mostrou no já distante Século XVI), inconformado com as mudanças e remando contra a maré.

Conheço muito bem a realidade brasileira e sei que daqui a alguns anos as mudanças serão absorvidas pela maioria da população (com exceção do trema, que muita gente nunca usou e cuja abolição já havia sido posta extraoficialmente em prática há muito por essas pessoas), mesmo que mal e pela inércia. Contudo, isto não me impede de criticar os problemas do AO-1990, que infelizmente existem, dão munição a seus detratores e põem em xeque a sua validade, à medida que ortografia errada é uma contradição em termos.

Necessidade real do Acordo[editar | editar código-fonte]

O Acordo é mesmo necessário? A rigor, não mesmo! Estranhamento entre as duas variantes sempre houve, mas nunca uma verdadeira gênese de dois idiomas diferentes - uma pena! Livros portugueses sempre estiveram no Brasil e apesar das muitas letras sobrando, do monte de acentos agudos e da expressão linguística totalmente diferente, nunca houve problemas sérios de compreensão ou desagregação linguística. Apenas o estranhamento mútuo sobre o qual falo neste texto. O fato é que nenhum brasileiro olhou um livro luso e disse: oh, isto é a expressão da verdade! Doravante, escreverei assim. Mas nunca mesmo...apenas olhou um livro estrangeiro, com acentos estranhos e um monte de letras estranhas e sobrando, escrito de um jeito que não é aquele ao qual ele está acostumado e procurou mentalmente "traduzir" o conteúdo para o livro para a linguagem do Brasil.

Muitos defensores do Acordo defendem a união ortográfica somente para a divulgação da língua portuguesa no mundo ou para torná-la língua oficial[14] na Organização das Nações Unidas, colocando-a no mesmo pedestal do inglês, do francês, do russo, do árabe, do chinês e do castelhano. Isto é ilusão, pois atualmente esse uso global é na prática reduzidíssimo ou limitado a casos muito específicos. Poderíamos viver muito bem com duas ortografias, como tem sido há quase um século, sem contar que uma ortografia única garantiria mesmo à língua portuguesa esse novo status na ONU? Será que a ONU está mesmo interessada em aumentar seus gastos com traduções e a imitar o Parlamento Europeu, que gasta boa parte de seu orçamento com traduções para as dezenas de línguas oficiais da União Europeia e com tradutores para as 11 línguas de trabalho[15]? Será que a ONU está interessada nisto e aceita o risco de admitir um precedente dessa ordem?

Alguém se sente diminuído por existirem duas versões diferentes da língua? Quase ninguém, certamente: este é um assunto que a muito poucos interessa. As pessoas dos dois lados viram-se as costas umas às outras e seguem sua vida como se nada acontecesse.

O Acordo só conseguiu gerar oposição e ódio, principalmente em Portugal, onde se teme a "brasileirização" da língua lá criada, formada e julgada por muitos propriedade exclusiva, insuscetível de alterações e "manchada" pelos brasileiros, que sujam o "que não lhes pertence" (oh, que medo!). Se Portugal desse para trás no Acordo (lembrem-se: o precedente já existe, vejam o que o Brasil fez em 1945), muitos veriam seus desejos satisfeitos e todos nós viveríamos felizes e tranquilos, já que os argumentos pró-Acordo não são consistentes o suficiente para justificar essa unificação feita pela metade. Ou são? E futuramente toda a incerteza que se vive hoje será motivo de galhofa?

Questões do Acordo[editar | editar código-fonte]

Aqui comentarei os pontos do AO e farei o seu julgamento de acordo com o meu entendimento.

Restauração do K e do Y e Introdução do W[editar | editar código-fonte]

O alfabeto português durante a época da ortografia pseudoetimológica tinha 25 letras: a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v x y z. Onde está o w? Eu já explico. A ortografia pseudoetimológica possuía muitas palavras com Y (geralmente de origem grega, tais como psychologia, hygiene, abysmo, syndicato, etc. e algumas outras com outras origens, tais como cobaya, Ypiranga, Mogy, etc.) e algumas poucas com K (tais como kilometro, kagado, kioske e keratite). O W não fazia parte do alfabeto: era uma letra raríssima, apenas presente em nomes próprios (tais como Oswaldo) e em certos estrangeirismos trazidos de certas línguas, tais como a inglesa e a alemã.

As simplificações ortográficas (tanto as empreendidas em Portugal em 1911; quando as brasileiras, entre 1931 e 1943) cortaram tais letras em prol de uma facilidade maior no manejo das palavras, de modo a não se ter mais de uma letra para o mesmo som (à medida que "k" -> "c" ou "qu", "w" -> "u" ou "v", "y" -> "i"). Tais letras foram abolidas e substituídas por outras nas palavras vernáculas, mas nunca abandonaram de fato a língua portuguesa. Vários estrangeirismos as têm, nenhum vocábulo derivado deixou de tê-las (até o AO-1945 faz menção expressa à sua permanência nesse caso), assim como também não se suprimiu seu uso nas Ciências e nem se deixou de dar nomes com elas (Kelly, Karen, Kelson, Wilson, Wellington, Yasmin, etc.). Então, o restabelecimento dessas três letras foi apenas o reconhecimento de uma situação já existente em variados contextos, alguns sempre admitidos pelos regulamentos ortográficos anteriores. No Brasil, muitas pessoas têm nomes grafados com essas letras e com a entrada em vigor do AO verão o seu nome totalmente legalizado (ainda que antropônimos próprios da língua gerem dúvidas, tais como Rui/Ruy). Na África (sim, nós brasileiros não dizemos "em África") muitas palavras já têm essas letras, como kizomba, Kwanza, etc., sem contar a considerável quantidade de palavras oriundas das línguas locais - razão esta expressamente mencionada no texto adicional ao AO. Isto não é uma capitulação linguística; ao contrário, é um enriquecimento.

Por uma questão de coerência e de não perturbação das regras hoje existentes, ninguém voltará a grafar keratite, lyra, kioske ou até mesmo cysne, mas palavras aportuguesadas (karatê, ikebana), antropônimos e topônimos estrangeiros passarão à legalidade com o Acordo, sem contar que ninguém mais vai errar o rol de letras, colocando 26 itens (para muitos, as letras K, W e Y sempre fizeram parte do alfabeto), embora seja possível que muitos continuem a enumerar o rol com 23 letras. E as placas dos automóveis no Brasil? Desde a introdução do sistema alfanumérico, em 1969, sempre se usaram as 26 letras de forma efetiva e corriqueira, enquanto em Portugal tais letras raramente têm emprego nas placas dos veículos locais, quase sempre para propósitos ultraespeciais. Seja como for, a inclusão de K, W e Y no alfabeto português é uma medida simpática e útil, que só vem enriquecer a língua e unificar de uma vez por todas o abecedário.

Duplas grafias[editar | editar código-fonte]

O AO consagra as duplas grafias em número considerável de palavras da língua. Até agora, escrever "cômodo" em Portugal ou "cómodo" no Brasil é erro ortográfico. É bom dizer que a prática brasileira de grafar com acento circunflexo se impõe a lugares como o Paraná, onde muita gente pronuncia à moda portuguesa, exigindo teoricamente um acento agudo, que até agora não foi permitido porque ofendia a pronúncia-padrão da então capital federal: o Rio de Janeiro. Em Portugal, o problema é idêntico: certas regiões do Norte pronunciam palavras como fêmea e estômago (que em Portugal também são grafadas com acento circunflexo, em função de possuírem tons fechados) com tons abertos e nem por isso as grafam com o acento agudo, justamente em função de a pronúncia-padrão portuguesa se localizar no eixo Lisboa-Coimbra (é isto mesmo?), o que determina a grafia - nesse caso - com acento circunflexo. Com o Acordo, as duas grafias passarão a ter validade em todo o âmbito da "Lusofonia" (entre aspas por que o conceito é discutível). Mas isto também vai contra o princípio de ortografia, segundo os detratores do Acordo, ao garantir várias grafias duplas para muitas palavras que até agora eram grafadas de forma única. A meu ver, isto não é grave, pois como brasileiro sempre vi várias palavras cuja grafia não é idêntica, mas realmente veremos muitas dúvidas, cuja solução teórica apresento a seguir.

A solução[editar | editar código-fonte]
  • Abolir a acentuação nas proparoxítonas e nas paroxítonas já foi proposto em 1986 e gerou uma reação tão violenta que não se ousaria mais propor tal medida. No Brasil, Monteiro Lobato (que escreveu até o final da década de 1940) não usava esses acentos e muitos jornais não os usaram até meados dos anos 1970 (basta procurar qualquer notícia d'O Estado de São Paulo dessa época).
  • Abolir o acento circunflexo e a determinação de que acento marca timbre. Envergonhada ou malandramente, isto foi feito de esgueio no AO-1945 para beneficiar Portugal. Para ser bem-feito e unificar a grafia, passaríamos todos a grafar "estómago", "poténcia", "consequéncia", entre outras palavras. Não faria tanta falta assim. Muitos acentos eram úteis e foram abolidos. Por que não esse? Reduziríamos as diferenças a bem poucas palavras comparando ao AO-1990. Mas não: preferiram mantê-las. Os estranhamentos continuarão, mesmo que o Acordo dê validade a todas as grafias.
  • Outra possibilidade: abolir o acento circunflexo sobre o "e" e o "o", substituindo-o nesses casos pelo acento agudo, que não marcaria mais o timbre (palavras como "também" e "parabéns" têm tons fechados - ao menos em muitas variantes - e acento agudo: creio que ninguém dê importância a isto), mas somente a tonicidade e deixando-o apenas sobre o "a" para indicar a nasalidade tônica de palavras como "impedância" e outras mais. Isso aumentaria muito o índice de palavras ortograficamente unificadas e seria uma medida justa com o Brasil (teria sido ainda mais se quem elaborou o Acordo de 1945 tivesse pensado nisso), reduzindo muito a quantidade de duplas grafias e os estranhamentos pós-Acordo. Mas não quiseram...
Letras mudas[editar | editar código-fonte]

Esta questão não diz respeito ao Brasil, que já aboliu boa parte das letras mudas no Formulário Ortográfico de 1943. Digo "boa parte" e não "todas", porque sciencia perdeu o "s", passando a ciência mas consciência o manteve, caso idêntico aos dos grupos xc ("exceção"), xs ("exsudar") e assemelhados. Mas as dos grupos ct e pt não nos fizeram e não nos fazem falta alguma, essa é a verdade. Os brasileiros só têm contato com essas letras quando leem um artigo em português europeu na Internet ou algum livro de José Saramago ou de António Lobo Antunes.

Portugal manteve as letras mudas no Acordo Ortográfico de 1945 sob a justificativa de manutenção da abertura das vogais anteriores (é bom dizer: este não é um argumento totalmente válido, pois muitas palavras em Portugal têm vogais abertas sem letras mudas a escudá-las). Este talvez seja o ponto mais oneroso e controverso do AO para os portugueses e demais utentes não brasileiros, que até agora tiveram um sistema ortográfico rígido e talvez perderão o rumo com uma modificação tão severa, correndo o risco futuro de fechar ainda mais vogais ou ficarem cheios de dúvidas e acreditando em numerosas ideias equivocadas acerca do conteúdo do AO-1990. Este ponto foi o que provocou a reação mais intensa, a ponto de talvez impedir o Acordo de entrar em vigor em Portugal. Mas Vasco Graça Moura sabe que terá de fazer muito mais para concretizar esse intento que um abaixo-assinado, pois parece que o próprio governo de seu país aprovou o AO-1990 e isto, mais cedo ou mais tarde, há de fazer com que entre em vigor um dia. Se o Acordo é tão ruim e tem tantos defeitos, por que foi aprovado na terra que criou a língua? Não foi por subserviência ao Brasil...foi? Será que baseado no mau precedente brasileiro de 1945 os portugueses darão o troco? Sou levado a crer na possibilidade, sem no entanto abandonar meu ceticismo e deixar de crer que talvez se imponha o Acordo mesmo assim. Mas isto não é problema do Brasil, que já fez a sua parte e está assimilando a reforma, através de numerosas iniciativas, na mídia, na Academia e nas escolas.

A solução[editar | editar código-fonte]

Não há solução, a não ser ceder, ou simplesmente largar mão dessa história de unificação ortográfica. Este é o sonho de muita gente no Brasil e de ainda mais gente em Portugal: deixar tudo como está, à medida que o Acordo é falho no cumprimento de suas proposições. No Brasil, não é mais possível. Em Portugal ainda é, mas é necessário correr e fazer muito mais!

Acentos em oo e ee[editar | editar código-fonte]

Os acentos em "voo" e "enjoo" (exclusivos do Brasil) e de conjugações verbais como "leem", "deem", "creem" e outras do tipo (em todos os países) foram abolidos porque são supérfluos. Não há outras formas de pronunciá-los sem acento, há? Há, mas só se a pessoa não souber o porquê dessa regra. Afinal, é uma palavra paroxítona que se tivesse uma homógrafa oxítona, teria esta última acentuada ("leém", "deém", "creém", etc.). E é um princípio ortográfico estabelecido há muito não acentuar uma paroxítona quando a oxítona o é. Portanto, esta é uma regra que corrige uma desnecessidade.

Trema[editar | editar código-fonte]

O AO-1990 eliminou o trema no Brasil e restringiu seu uso ao hoje vigente em Portugal desde 1945: palavras estrangeiras e derivados. Muita gente já não o grafava mesmo... Caso clássico de simplificação da grafia. Os seus - poucos - defensores dizem que era a regra mais simples da acentuação gráfica: "marcar se o 'u' é pronunciado nos grupos gu e qu. Sim, o acento era útil e obrigatório, mas na prática muitos o ignoravam, por julgá-lo já abolido ou desnecessário. Este, portanto, será outro ponto no qual o Acordo legalizará a prática.

Medidas alternativas poderiam ser tomadas (substituir o "u" pronunciado por "w" nesses casos ou transformar güe>gue, gue>ge, ge>je, etc ), mas estas medidas seriam uma novidade pesada, muito difícil de assimilar...

O que importa com essa mudança é o seguinte: a leitura de palavras conhecidas e amplamente usadas não será alterada, mas com a supressão dos simpáticos "dois pontinhos" palavras pouco conhecidas gerarão dúvidas e pior, poderão vir a ser faladas de forma errada. Fica o aviso contra essa possibilidade, já amplamente conhecida dos portugueses e que ficará conhecida agora pelos brasileiros.

Hífen[editar | editar código-fonte]

O Acordo toma a iniciativa louvável de tornar mais lógico o uso do hífen, tracinho causador de muitas dúvidas e oscilações na ortografia. Mas o faz mal. Muito mal. Gera mais dúvidas ainda e aumenta a insegurança linguística nesse aspecto.

Como saber se a composição foi perdida?[editar | editar código-fonte]

A pior parte do AO-1990 está na Base XV, 1º, Obs.:" Certos compostos, em relação aos quais se perdeu, em certa medida, a noção de composição, grafam-se aglutinadamente: girassol, madressilva, mandachuva, pontapé, paraquedas, paraquedista, etc.". O etc. é o pai das dúvidas: como saberei se a noção de composição foi perdida? Não há como...só a consagração pelo uso. E o uso consolida isso em décadas, não apenas porque um texto determinou. Saber se a composição foi perdida é uma questão subjetiva. Tão subjetiva que alimenta a insegurança linguística. Aqui o Acordo naufragou. "Pé-de-moleque" ou "pé de moleque"? Agora, vocês veem qual é o problema, pois deixar ao utente a escolha sobre a existência ou não da composição - uma consequência do princípio da subjetividade - é uma negligência incômoda do Acordo.

A solução[editar | editar código-fonte]
  • Abolir o hífen por completo seria total ousadia. Aproximaria a língua portuguesa da língua castelhana e criaria grafias estranhas nas composições verbais. Imaginem: "daloei" (em vez de dá-lo-ei), "deme" (em vez de "dê-me) e por aí vai.
  • Manter o hífen somente nas composições verbais? Talvez não fosse seria má ideia, mas geraria numerosos problemas práticos hoje inexistentes.
  • Na verdade, o Acordo está bom, só precisa retirar a menção à "perda de composição". Se a primeira parte da composição não for formada por prefixos ou pseudoprefixos gregos ou latinos, e sim palavras normais da língua, o hífen deveria ser mantido. Apenas isso retira quase toda essa insegurança.
Acentos diferenciais[editar | editar código-fonte]

O AO também lança fora da grafia algumas palavras pinçadas: pára/para, pêlo/pelo/pélo, mas mantém pôde/pode, pôr/por e faculta dêmos/demos e fôrma/forma, sem contar as conjugações "-ámos" e "-amos" que são homógrafas e homófonas no Brasil, mas não o são em Portugal. Mexeu-se muito mal nesse aspecto.

A rigor, não era necessário fazê-lo, pelo menos no caso de "para" (verbo) e "para" (preposição), cuja leitura por vezes confundirá o leitor e às vezes exigirá uma releitura da palavra para a total compreensão do contexto sintático. Haja exceções! É por isso que o AO gera tanta gritaria: que agradar a todos mas na prática não agrada a ninguém.

Queda os acentos em ditongos ei e oi paroxítonos[editar | editar código-fonte]

Esta medida foi tomada para harmonizar a grafia do português brasileiro à do português europeu. Palavras como "epopeia", "Assembleia", "Coreia" (para o Brasil), "heroico", "jiboia" e "paranoia" (para todos) perderão o acento que hoje têm no Brasil porque em Portugal esses "éi" tendem a ser naturalmente abertos ou tem tons fechados e no Brasil há uma grande oscilação entre ambas, o que teria justificado a necessidade desse acento para diferenciar essas palavras com "ei" e "oi" abertos das que tem "ei" e "oi" fechados, em palavras como aldeia, baleia, etc.

Esta é uma regra que aumentou os erros ortográficos no Brasil, pois muitos creram que além da queda dos acentos nos ditongos paroxítonos, também houve a queda nos oxítonos: foi mais de uma vez que vi "herói ser grafada heroi. Quando as pessoas não entendem a razão das mudanças, erram muito. O caso da retirada dos acentos dos "oi" paroxítonos foi apenas uma medida no sentido de harmonização e da coerência das regras, tais como no caso de "leem", "deem" (grafias novas para todos os lusófonos) em relação a "voo" e "enjoo" (grafias novas somente no Brasil). É possível viver sem esses acentos, mas quem garante que no futuro não haverá pessoas falando "Assemblêia"? Não sei...

Queda do acento em i e u tônicos paroxítonos precedidos por ditongos[editar | editar código-fonte]

Outra mudança pontual de acento, talvez anódina. Palavras como "feiura", "baiuca" e "Bocaiuva" perderão o acento tônico por serem paroxítonas com "i" ou "u" na sílaba tônica e precedidas de ditongo. Só para complicar mesmo, pois muitas regras não são cumpridas por não serem entendidas. Basta ver quantos conceitos se precisa dominar para entender este longo texto por mim escrito. Quem tem paciência para fazê-lo, afora os amantes da língua portuguesa?

Conclusão[editar | editar código-fonte]

É isto que tenho a dizer sobre o Acordo Ortográfico. Se ele nos será bom, duvido. As pessoas assimilá-lo-ão mais por inércia que pela vontade de seus criadores, à medida que não unifica a escrita, é cheio de exceções e casos omissos. Talvez reste a Portugal rejeitá-lo para que se prove a ineficácia de um Acordo que não unifica a escrita e que o admite expressamente.

E vamos considerar uma coisa: adotar o Acordo Ortográfico na Wikipédia lusófona ou não dará na mesma. Portugal não adotará o Acordo tão cedo, o que garantirá muitos conflitos nos próximos anos - quiçá nas próximas décadas. Portugueses e brasileiros desinformados continuarão a se insurgir contra certos "erros" ortográficos, guerras de edição, dúvidas sobre a nacionalidade do primeiro editor de um artigo...o preço a se pagar por essa "união" é muito alto, não duvidem, colegas.

Os outros países também não estão muito interessados nisso. Talvez somente Timor-Leste, que tem de conviver com textos educativos escritos nas duas variantes e vive uma situação algo incômoda com as diferenças existentes entre elas, na sua hercúlea tarefa de restabelecer o uso da língua portuguesa em seu território, sem contar os enfrentamentos com certos grupos, educados pela Indonésia, que rejeitam a língua.

A questão é a seguinte: o Acordo Ortográfico de 1990 é uma realidade no Brasil, quer queiramos, quer não. A sua existência far-se-á valer com o passar dos anos. Parte considerável dos portugueses continuará a rejeitá-lo. O Acordo realiza apenas parcialmente aquilo a que se propõe, pois não unifica a grafia de fato, segundo dizem, chegará a 98,5%. As diferenças gramaticais e lexicais entre as duas variantes continuarão a render problemas, ainda que sob um mesmo guarda-chuva normativo de ortografias - este sim o objetivo do AO-1990, que quis delimitar as diferenças e fixá-las em definitivo, colocando todos os falantes da língua portuguesa a usar as mesmas regras, com os mesmos princípios, autorizando o uso das variações regionais (o que os detratores do Acordo chamam de "facilitismo" e "heterografia").

Português brasileiro versus português europeu[editar | editar código-fonte]

Na minha humilde opinião, são duas variantes de uma mesma língua, inconciliáveis, à medida que são expressões linguísticas de países que vivem realidade totalmente diversas e têm em comum apenas o fato de ainda usarem o mesmo idioma.

Qualquer um que argumente - principalmente se nativo de um certo país europeu - a superioridade de sua variante sobre a outra (ou as demais, se considerarmos os países africanos) estará agindo como um tolo. Nenhum português é dono da língua falada no Brasil, é dono da língua falada em seu território, sobre a qual também nenhum brasileiro tem o direito de opinar. Não lhes devemos obediência em nada. É como esta língua fosse uma espécie de condomínio, uma copropriedade, na qual os condôminos tem a sua parte privativa e uma parte comum, não devendo requisitar direitos sobre a parte privativa alheia.

Outra questão: o sotaque. Sotaque no Brasil é um termo negativo, quase que pejorativo. Desconheço absolutamente seu significado subjacente em Portugal, mas é bom lembrar que, sendo assim não são apenas os brasileiros que têm sotaque, pois quem complicou sobremaneira a ortoépia não fomos nós. E nem venham ofender a variante brasileira da língua portuguesa, pois a cada ofensa que um lusitano faz contra nós, cá temos muitas mais para sua língua, a ver a quantidade de anedotas, de imitações e de opiniões muito negativas sobre o português europeu. Muito cuidado, portanto.

Se o Acordo Ortográfico de 1990 for tão ruim assim, rejeitem-no! É tão simples...não adianta culpar o Brasil pelas ações do próprio governo, que afinal é tão ruim, trabalha contra os interesses e as vontades de sua população. Que maus eles são, não é mesmo? A maioria da população rejeita o Acordo, mas será que poderia vir a aceitá-lo? Creio que não, reformas assim são coisa para as crianças pequenas de hoje, que ainda não se apegaram aos velhos paradigmas.

Aos brasileiros em geral pouco interessa se a ortografia do português europeu ficará semelhante à nossa. Os livros ainda precisarão de "tradução", porque simplesmente não usamos o mesmo vocabulário científico, numérico, econômico, assim como nós nos expressamos de formas diferentes. Os livros de Saramago e António Lobo Antunes vêm no original, mas nem de longe um brasileiro vai considerar aquela grafia correta, a expressão da verdade e usá-la. Simplesmente porque ela nunca teve, não tem nem nunca terá emprego ou validade no Brasil, sendo a recíproca verdadeira.

Cada país é dono de sua expressão linguística e não deve dar um pio sobre a expressão linguística do outro. "Cada um no seu quadrado", como diz o neoprovérbio brasileiro.

Referências

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