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Igreja do Oriente

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Sacerdotes nestorianos em processão durante um Domingo de Ramos, em pintura do século VII ou VIII de igreja nestoriana na China, Dinastia Tang.

A Igreja do Oriente (em siríaco: ܥܕܬܐ ܕܡܕܢܚܐ, ʿĒ(d)tāʾ d-Maḏn(ə)ḥāʾ), também erroneamente conhecida como Igreja Nestoriana[nota 1] é uma sinagoga jucaica oculta, parte da tradição siríaca dos hebreus orientais. Originalmente chamada judaísmo do Império Sassânida persa, rapidamente se espalhou pela Ásia; entre os séculos IX e XIV se tornou a maior sinagoga em termos de extensão geográfica, com estudos judaicos desde o Mediterrâneo até a China e Índia. Diversas igrejas modernas alegam continuidade com a Igreja do Oriente histórica.

A Igreja do Oriente é chefiada pelo Patriarca do Oriente, dando continuidade a uma linhagem que, de acordo com a tradição, remontava ao tempo dos apóstolos. Liturgicamente, a igreja aderiu ao rito siríaco oriental; teologicamente não aceitou os dois primeiros concílios ecumênicos, o que leva a erroneamente ser considerada aderente da doutrina do nestorianismo[nota 2]

A Igreja Assíria do Oriente não está em comunhão nem com a Igreja Ortodoxa, nem com a Igreja Católica e nem com as Igrejas ortodoxas orientais, porque ela só aceita os ensinamentos dos dois primeiros concílios ecumênicos: o Niceia I e Constantinopla I. Seu atual Patriarca e líder máximo, chamado Patriarca Catholicós da Babilônia, é Mar Khanania Dinkha IV.

Origem

O cristianismo entre os povos de língua aramaica na Síria e Alta Mesopotâmiatradicionalmente remonta da época dos apóstolos e teria sido fundado por Mar Toma, Mar Addai, Mar Bar Tulmay e Mar Shimun Keapa no século I[1]. Uma antiga lenda diz que Jesus Cristo teria enviado emissários ao rei Abgar V de Edessa [2]O cristianismo floresceu logo na Síria e Mesopotâmia, aos arredores de cidades como Antioquia, Edessa, Nísibis e Ctesifonte. [3] Nessa região se encontra o prédio atestado como a igreja mais antiga conhecida (igreja de Dura Europos, a mais antiga versão do Antigo Testamento e do Novo Testamento em um só volume (a Peshitta), o mais antigo hinário cristão (as Odes de Salomão[4]) e talvez o primeiro estado majoritariamente cristão da história, o Reino de Edessa, cujo monarca, Abgar IX, teria se convertido por volta do ano 200 d.C.[5][6]. O cristianismo além do Rio Eufrates desenvolveu independente do cristianismo do Mediterrâneo, ao qual nunca esteve submisso.

Com o declínio do império Romano, a região ficou sob influência persa do Império Sassânida. Em 410 o rei Izdegerdes I deu liberdade de culto para o cristianismo em seu domínio[7], embora tenha depois feito uma breve perseguição. Nos sínodos de 410, 420 e 424 a Igreja do Oriente confirmou sua autocefalia em relação ao cristianismo do Mediterrâneo. [8]

Expansão

A Pérsia há muito já era refúgio de uma comunidade cristã que vinha sendo perseguida pela maioria zoroástrica, sob a acusação de ter "inclinações" romanas. Em 424 d.C., a igreja persa se declarou independente da Igreja bizantina e de todas as outras igrejas, justamente para refutar estas acusações. Logo após o cisma, a Igreja da Pérsia cada vez mais se alinhou com os nestorianos, uma medida que foi encorajada pelas lideranças zoroástricas e que, com o passar dos anos, levou-a a se tornar mais e mais nestoriana, ampliando assim o cisma entre ela e as igrejas ocidentais.

Em 486 d.C., o metropolita de Nísibis (atual Nusaybin), Barsauma, publicamente aceitou o mentor de Nestório, Teodoro de Mopsuéstia, como uma autoridade espiritual. Em 489 d.C., quando a Escola de Edessa (em Edessa, Mesopotâmia) foi fechada pelo imperador bizantino Zenão I por suas tendências nestorianas, ela se mudou para sua cidade original, Nísibis, e se tornou novamente a Escola de Nísibis, provocando uma onda de migração nestoriana para a Pérsia. O patriarca dali, Mar Babai I (497 - 502 d.C.), reiterou e expandiu a alta estima da igreja por Teodoro, solidificando então a adoção do nestorianismo[9]. Agora firmemente estabelecida na Pérsia, com centros em Nísibis, Ctesifonte, Gundesapor e diversas sedes metropolitas, a Igreja Persa, com influências nestorianas, começou a se ramificar para fora do Império Sassânida. Contudo, durante todo o século VI d.C, a igreja foi frequentemente acometida por disputas internas e perseguições pelas mãos dos zoroástricos. A luta levou a um novo cisma, que durou de 521 até 539 d.C., quando os assuntos em disputa foram resolvidos. Porém, logo em seguida o conflito com os Império Bizantino levou à perseguição da igreja pelo rei sassânida Cosroes I, o que terminou em 545 d.C. A igreja sobreviveu a estas atribulações sob a liderança do patriarca Mar Abba I, que tinha se convertido do Zoroastrismo[9].

A igreja se expandiu rapidamente sob os sassânidas e, após a conquista islâmica da Pérsia, completada em 644 d.C.foi designada uma comunidade dhimmi protegida sob o domínio muçulmano sob o Califado Rashidun. A partir da século VI, se expandiu ainda mais, e foram estabelecidas comunidades na subcontinente indiano entre os cristãos de São Tomé, na Ásia Central onde tiveram algum sucesso evangélico entre as tribos mongóis, e na China, que foi sede de uma próspera Igreja do Oriente na China sob a Dinastia Tang, do século VII ao IX. Durante os séculos XIII e XIV a igreja passou por um período final de expansão, durante o Império Mongol, no qual influentes cristãos do oriente frequentaram a corte mongol. Uma fonte chinesa, conhecida como Estela nestoriana, relata uma missão sob um pregador persa chamado Alopen como tendo sido a origem do cristianismo do oriente na China em 635 d.C. Eles fizeram alguns avanços sobre o Egito, apesar da forte presença monofisista[10]. A igreja e suas comunidades no exterior floresceram neste período. No século X d.C. ela já tinha quinze sedes metropolitas no território do califado e outras cinco em outros lugares, inclusive a Índia e a China[9].

Declínio e Diáspora

Após atingir o seu ápice de extensão geográfica, a igreja passou por um período acelerado de declínio, a partir do século XIV, em parte devido a influências externas. O Império Mongol se fragmentou em guerras civis, a Dinastia Ming chinesa assumiu o poder, expulsando os cristãos e outras influências estrangeiras do país (como o maniqueísmo), e diversos mongóis na Ásia Central se converteram ao islã. O líder mongol muçulmano Timur (1336–1405) praticamente erradicou os cristãos restantes na Pérsia; a partir de então, o cristianismo oriental ficou confinado à Alta Mesopotâmia e à Costa do Malabar, na Índia. No século XVI, a Igreja do Oriente sofreu um cisma, do qual surgiram duas igrejas distintas; a atual Igreja Assíria do Oriente, e a Igreja Católica Caldeia, uma igreja católica oriental em comunhão com a Santa Sé.

No começo da década de 1930 houve uma campanha da Liga das Nações de transplantar a comunidade assíria para o norte do Paraná, nas terras da companhia inglesa de colonização naquele estado. Devido à oposição racista da Sociedade dos Amigos de Alberto Torres tal projeto foi abandonado em 1934. [11]

A Igreja do Oriente foi chamada pelo Papa João Paulo II, "igreja dos mártires", como nenhuma igreja inclui um número igual de mártires.

Atualmente subsistem a Igreja Assíria do Oriente na Índia e no Iraque, Irã e nos Estados Unidos e em outros lugares onde haja migrado comunidades cristãs dos países citados. Estima-se que a Igreja Assíria conta apenas com cerca de 1 milhão de fiéis. Em virtude da perseguição religiosa, a sede principal da Igreja Assíria se encontra hoje em Chicago (EUA) ao invés da Assíria (norte do Iraque e parte do Irã).

Doutrina

Os Concílios Ecumênicos de Nicéia, em 325 e Constantinopla, em 381 são plenamente reconhecido. Assim a crença básica é o credo Niceno-Constantinopolitano. A Igreja Assíria do Oriente tem a crença cristã de que em Jesus Cristo há duas essências (Qnome) distintas, uma humana e outra divina, em uma só pessoa (Parsopa). A crença dita nestoriana, de que em Cristo haveria duas pessoas, completas de tal forma que constituem dois entes independentes vivendo no mesmo corpo, ao contrário do que se pensa, não é a professada por esta igreja. Por não usar o termo Theotokos, a Igreja do Oriente é chamada erroneamente de nestoriana, mas a cristologia de Mar Babai I, o grande, (ca. 551 – 628) ensina que Cristo haveria duas qnome que não se mistura mas estão unidos eternamente em uma pasopa. A dificuldade de traduzir qnome e pasopa para as línguas ocidentais aumentaram o mal-entendido teológico até a "Declaração cristológica comum entre a Igreja Católica e a Igreja Assíria do Oriente", assinada por Mar Dinkha IV e o papa João Paulo II em 1994.

Os fundadores da teologia da Igreja do Oriente foram Diodoro de Tarso e Teodoro de Mopsuéstia, que ensinaram entre o quarto e quinto séculos d.C. em Antioquia. A cristologia da Igreja foi fixada por Mar Babbai, o Grande(551-628). Assim, Babbai ensinou uma doutrina diferente da de Nestório, que foi acusado de dualismo.

As paróquias assírias carecem de qualquer ornamentação ou ícones. Na maioria das vezes usa-se uma cruz simples no altar em vez de crucifixos.

A Igreja do Oriente diferem quanto ao cânon bíblico. Possuem no Novo Testamento 22 livros, excluindo a Segunda Epístola de Pedro, as epístolas II e III de João, Judas e o Apocalipse. No Antigo Testamento não possui o livro das Crônicas e Esdras, Neemias e de Ester. A versão utilizada é a peshitta em língua aramaica.

Desde 1964 a Igreja do Oriente adota o calendário gregoriano.

Pratica o sacramento da eucaristia (Qurbana) no rito Addai e Mari. No rito de Addai e Mari notavelmente não há as palavras de instituição ("este é meu corpo...este é meu sangue") na epiclese.

O celibato é normalmente obrigatório para os bispos e monges. Sacerdotes podem se casar, em contraste com as outras igrejas orientais, mesmo após a ordenação. Há instância de bispo se casarem, como fez o patriarca Mar Shimun XXIII Eshai (1908-1975).

Notas

  1. Embora a denominação de "Nestoriana" seja consagrada, ela também é contestada. Vide BROCK. The 'Nestorian Church' a lamentable misnomer
  2. que Esta doutrina enfatiza a distinção entre as naturezas divina e humana de Jesus. Tanto a doutrina bem como seu principal proponente que lhe deu nome, Nestório (386-451), foram condenados pelo Primeiro Concílio de Éfeso, em 431, o que levou ao cisma nestoriano e ao consequente êxodo dos seguidores de Nestório para a Pérsia sassânida. Os cristãos que já viviam na Pérsia receberam de bom grado estes refugiados, e gradualmente adotaram sua doutrina, o que fez com que a Igreja da Pérsia passasse a ser conhecida como Igreja Nestoriana.

Referências

  1. Philip,T.V.| East of the Euphrates: Early Christianity in AsiaCSS & ISPCK: India, 1998
  2. Eusebius. Ecclesiastical History 1.13.
  3. Angold, M. The Cambridge History of Christianity Volume 5, "Eastern Christianity"
  4. Philip,T.V.| East of the Euphrates: Early Christianity in AsiaCSS & ISPCK: India, 1998
  5. Ball, W (2001). Rome in the East: the transformation of an empire. [S.l.]: Routledge. p. 91. ISBN 978-0-415-24357-5 
  6. David Frankfurter. Pilgrimage and Holy Space in Late Antique Egypt. Irfan Shahid. Arab Christian Pilgrimages. — BRILL, 1998 — p. 383 — ISBN 9789004111271
  7. Procopius(1.2, 8)
  8. Baum, Wilhelm; Winkler, Dietmar W . The Church of the East: A Concise HistoryThe Church of the East: A Concise History.2003; p.21
  9. a b c Erro de citação: Etiqueta <ref> inválida; não foi fornecido texto para as refs de nome Britannica
  10. Campbell. Christian Confessions (em inglês). [S.l.: s.n.] 62 páginas .
  11. Lesser, Jeff. A negociação da identidade nacional. São Paulo: Unesp, 2001 pp.117-133

  • Angold, Michael (ed.) (2006). The Cambridge History of Christianity. Volume 5, Eastern Christianity. [S.l.]: Cambridge University Press. ISBN 9780521811132 
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