Literatura tupi

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Capa de "Arte de Gramática da Língua mais Usada na Costa do Brasil", de José de Anchieta. Edição da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1933. Fac-símile da primeira edição (1595).

Literatura tupi é o conjunto de obras escritas na língua tupi. Em sua maior parte, compõe-se de gramáticas, catecismos, dicionários, peças de teatro e poemas de cunho religioso compostos pelos jesuítas no Brasil no período de 1549 a 1759, porém também compõe-se de relatos de viajantes europeus no Brasil nesse período, bem como de cartas de indígenas tupis.[1][2]

A língua tupi[editar | editar código-fonte]

A língua tupi era a mais difundida no litoral brasileiro na época da chegada dos europeus ao Brasil (século XVI). Foi aprendida pelos viajantes europeus para que eles pudessem se comunicar com os índios tupis que habitavam o litoral. Dessa forma, o Brasil dos primeiros séculos da colonização portuguesa se tornou bilíngue, sendo o tupi falado tanto por índios quanto por brancos e escravos negros.[2] O uso do tupi estendeu-se como língua da colônia até a proibição do ensino da língua no Brasil feita pelo marquês de Pombal em 1758.[3]

A literatura tupi[editar | editar código-fonte]

Literatura tupi jesuítica[editar | editar código-fonte]

Manuscrito original do Monólogo de Guaixará, presente no Auto de São Lourenço, de José de Anchieta

A língua tupi, na sua forma oral, foi usada como instrumento de catequese pelos jesuítas de 1549 a 1759. Durante esse período, os missionários aprenderam a língua e organizaram as primeiras gramáticas, vocabulário e catecismo na língua. Dentro da literatura brasileira incipiente, nasceram, então, os primeiros escritos na língua tupi.[1]

A literatura jesuítica em língua tupi se divide basicamente em dois grupos: didáticos e catequéticos. Os jesuítas elaboraram gramáticas e vocabulários tupis com finalidade didática para que os padres que chegavam ao Brasil pudessem se comunicar em tupi com a população brasileira. No Colégio da Bahia, se ensinava tupi. Em seguida, escreveram catecismos e outros textos com o objetivo de orientar os padres na catequização da população brasileira.

O marco inicial da literatura tupi é a publicação da Arte de Gramática da Língua mais Usada na Costa do Brasil de José de Anchieta em 1595. Durante toda a sua produção literária, o jesuíta espanhol escreveu em latim, português, espanhol e tupi. Juntam-se, a ele, no uso do tupi escrito: Antônio de Araújo (1618) e Luís Figueira (1687).

Relatos de viajantes europeus em tupi[editar | editar código-fonte]

Muitos viajantes europeus que visitaram o Brasil nos séculos XVI e XVII escreveram textos em tupi, como os franceses Jean de Léry e Claude d'Abbeville e o alemão Hans Staden.[2]

Textos em tupi de índios tupis[editar | editar código-fonte]

Os índios tupis, os falantes originais da língua tupi, eram ágrafos. Foram os jesuítas que criaram a representação escrita da língua tupi no alfabeto latino. Porém a representação escrita do tupi destinou-se prioritariamente ao ensino dos padres recém-chegados ao Brasil e não aos índios ou colonos portugueses:[4] dessa forma, os índios tupis continuaram não escrevendo em tupi. Um dos poucos textos em tupi escritos por um índio tupi e que chegaram até os nossos dias foi uma carta do índio potiguar Diogo Camarão, primo de Filipe Camarão, redigida em 21 de outubro de 1645, pedindo a seu primo Pedro Poti que ficasse do lado dos portugueses na luta contra os neerlandeses.[5]

Amostras de texto[editar | editar código-fonte]

Pai-nosso[editar | editar código-fonte]

A seguinte versão do pai-nosso, de 1618, é de autoria do jesuíta Antônio de Araújo, tendo sido publicada em seu Catecismo na língua brasílica.[6]

Tupi antigo Tradução literal por Eduardo Navarro Português
Oré rub, ybakype tekoar, Nosso pai, o que está no céu, Pai nosso que estás nos céus,
i moetepyramo nde rera t'oîkó. como o que é louvado teu nome esteja. santificado seja o teu nome.
T'our nde "Reino"! Que venha teu Reino! Venha o teu Reino!
T'onhemonhang nde remimotara Que se faça tua vontade Seja feita a tua vontade,
ybype, na terra, assim na terra,
ybakype i nhemonhanga îabé! como o fazer-se dela no céu! como no céu!
Oré remi'u, 'ara îabi'õndûara, Nossa comida, a que é de cada dia, O pão nosso de cada dia
eîme'eng kori orébe. dá hoje para nós. nos dá hoje.
Nde nhyrõ oré angaîpaba resé orébe, Perdoa tu nossos pecados a nós, E perdoa-nos as nossas dívidas,
oré rerekomemûãsara supé como aos que nos tratam mal assim como nós também temos perdoado
oré nhyrõ îabé. nós perdoamos. aos nossos devedores.
Oré mo'arukar umẽ îepé "tentação" pupé, Não nos deixes tu fazer cair em tentação, E não nos deixes cair em tentação,
oré pysyrõte îepé mba'eaíba suí. mas livra-nos tu das coisas más. mas livra-nos do mal.

Trecho do Auto de São Lourenço[editar | editar código-fonte]

O texto a seguir é a primeira estrofe do segundo ato do Auto de São Lourenço, obra de José de Anchieta. Ambas as versões, em tupi antigo e em português, foram escritas de modo artístico, o que implica o respeito, nas duas línguas, da rima e da métrica, elementos comumente empregados em poemas.[7][8]

Tupi antigo Tradução literal por Eduardo Navarro Português
Xe moaîumarangatu, Importuna-me bem, Esta virtude estrangeira
xe moŷrõetekatûabo, irritando-me muitíssimo, me irrita sobremaneira.
aîpó tekopysasu. aquela lei nova. Quem a teria trazido,
Abá serã ogûeru, Quem será que a trouxe, com seus hábitos polidos
xe retama momoxŷabo? estragando minha terra? estragando a terra inteira?

Cronologia da literatura tupi[editar | editar código-fonte]

Obras[editar | editar código-fonte]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. a b CELIA - Centre d'Etudes des Langues Indigènes d'Amérique
  2. a b c NAVARRO, E. A. Método moderno de tupi antigo: a língua do Brasil dos primeiros séculos. 3ª edição. São Paulo. Global. 2005. 463 p.
  3. Revista Galileu edição 89 – Editora Globo
  4. Os "línguas" e a gramática tupi no Brasil. Disponível em http://celia.cnrs.fr/FichExt/Am/A_19-20_01.htm. Acesso em 26 de junho de 2014.
  5. a b NAVARRO, E. A. Método moderno de tupi antigo: a língua do Brasil dos primeiros séculos. 3ª edição. São Paulo. Global. 2005. p. 445-448.
  6. NAVARRO, Eduardo de Almeida (2005). Método moderno de tupi antigo: a língua do Brasil dos primeiros séculos 3ª ed. São Paulo: Global. p. 350 e 351. 464 páginas. ISBN 9788526010581 
  7. ANCHIETA, José de (2006). Teatro. Seleção, introdução, notas e tradução do tupi por Eduardo de Almeida Navarro 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes. p. 6. 248 páginas. ISBN 9788533621428 
  8. BARBOSA, Antônio Lemos (1956). Curso de tupi antigo: gramática, exercícios e textos. Rio de Janeiro: Livraria São José. p. 419. Cópia arquivada em 18 de março de 2022 
  9. Revista "online" de literatura e linguística". Disponível em http://www.revistaeutomia.com.br/volumes/Ano1-Volume1/literatura-artigos/Glacy-Magda-Souza-Machado-%20UFGO.pdf. Acesso em 26 de junho de 2014.
  10. NAVARRO, E. A. Método moderno de tupi antigo: a língua do Brasil dos primeiros séculos. 3ª edição. São Paulo. Global. 2005. p. 422.
  11. NAVARRO, E. A. Método moderno de tupi antigo: a língua do Brasil dos primeiros séculos. 3ª edição. São Paulo. Global. 2005. p. 11.