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Representação do Palácio do Santo Oficio da Santa Inquisição, feita por Giuseppe Vasi; Imagem de 1747, carregamento original feito em 25 de junho 2012 na Wikimedia Commons.

A Inquisição romana foi um sistema de tribunais criado através da bula (Licet ab initio) do papa Paulo III e instituído na Itália em 21 de julho de 1542 como resultado do crescimento dos movimentos protestantes na Península Itálica, o que levou à criação da Congregação do Santo Ofício, que tinha como objetivo coordenar os processos inquisitoriais contra a heresia. A Inquisição Romana começou inicialmente como um sistema de tribunais constituído de seis cardeais (que exerciam os cargos de inquisidores-gerais e comissários-gerais) e dirigido pelo papa, que presidia uma a cada três sessões. Os inquisidores-gerais tinham um brando poder, sendo capazes de delegá-lo a outras autoridades eclesiásticas e enviá-las onde acreditasse ser necessária a abertura de um inquérito.Nas regiões mais distantes da Cúria Romana, os bispos e inquisidores nomeados pelo Santo Ofício atuavam na abertura de processos. Durante o século XVI muitos dos tribunais locais distantes de Roma permaneceram no controle das Ordens Religiosas, como as dos dominicanos e franciscanos. Porém, quando Gian Pietro Carafa foi eleito papa, como Paulo IV em 1555, começou a perseguir muitos suspeitos de heterodoxia, entre os quais vários membros da Cúria Romana, como o cardeal inglês Reginald Pole.[1]

Em 1600, foi julgado, condenado e executado o filósofo Giordano Bruno.[2] Em 1633, foi julgado e condenado Galileo Galilei, que morreu em prisão domiciliar.[1]

O Santo Ofício, apesar do seu declínio nos séculos XVIII e XIX, permanece existente até ser renomeada em 1965 como Congregação para a Doutrina da Fé.[1][3]

História[editar | editar código-fonte]

Após a Inquisição Medieval[editar | editar código-fonte]

A partir de 1198, enquanto sob o comando do papa Inocêncio III, a Igreja Católica assume o papel de combate à heresia na Europa, dando início à inquisição medieval sob a responsabilidade inicial dos dominicanos e bispos católicos. Contudo, o modelo demonstrava-se ineficiente, de modo que não fora capaz de lidar com o catarismo e o waldesianismo, presentes na Europa desde 1173. Em 1224 o papa Honório III (1216-1227) institucionalizou a inquisição na Santa Sé, mas oficialmente só passou a funcionar a partir das bulas do papa Gregório IX (1227-1241). A Inquisição visava combater as heresias do catarismo, speronismo, arnaldistas, waldesianismo os franticelli. A outra fase da Inquisição na Península Itálica ocorreu no século XVI, como forma de combater o protestantismo, o que levou o papa Paulo III (1534-1549) no ano de 1542 a instaurar a Inquisição Romana, passando a se chamar mais tarde de Santo Ofício.[4][2]

Além disso, desde 1540 a Igreja Católica enfrentava diversas crises religiosas na Península Itálica. Surgiam pedidos por reformas, que eram, ao mesmo tempo, acompanhados de um já antigo e forte sentimento anticlerical e antipapal advindo da segunda metade do século XV, do movimento do frei Girolamo Savonarola, da Associação do Oratório do Amor Divino e das tentativas de reforma realizadas no Concílio de Pisa (1511) e Latrão V (1512-1517). Um profundo repensar teológico também surge, até mesmo anteriormente ao luteranismo, entre figuras importantes da sociedade italiana, como patrícios venezianos e alguns beneditinos.[2]

Em julho de 1541 os cardeais  Gian Pietro Carafa e Girolamo Aleandro foram nomeados ao "cuidado universal da inquisição", delegando-lhes poder para eleger inquisidores, que poderiam ser enviados ao local que lhes fossem conveniente.

Com a morte de Girolamo Aleandro no ano seguinte, Paulo III criaria a Congregação do Santo Ofício, como forma de contrabalançar o poder dos inquisidores-gerais. Inicialmente o Santo Ofício era composto por seis cardeais, sendo eles inquisidores-gerais e comissários-gerais sob influência do papa.[2]

Criação da Congregação do Santo Ofício[editar | editar código-fonte]

Foi em 21 de Julho de 1542 que a congregação cardinalícia, ou o Santo Ofício, foi fundada durante o papado de Paulo III pela bula Licet Ab Initio. Os tribunais da inquisição estavam há muitos anos praticamente inativos. Foi durante o período de difusão dos ideais protestantes que o interesse de reativar a antiga instituição surgiu como alternativa da contrarreforma.[1]

O contexto romano era de uma penetração profunda da heresia protestante na sociedade italiana - particularmente em Nápoles, Luca e Módena - e na instituição católica. Casos como o de Giovanni Morone ou de Pietro Carnesecchi não eram exceções, ou seja, de membros da própria cúria e do clero que tinham tendências reformistas. Portanto, a bula Licet Ab Initio (1542), que proclamava seis cardeais como responsáveis pela ortodoxia católica, também delimitou as características da congregação do Santo Ofício e toda sua influência anti-herética.

No sentido jurídico, seu poder estendia-se por todo mundo católico (apesar de, na prática, limitar-se apenas ao território italiano), com os membros da congregação autorizados a realizar inquéritos sem qualquer consideração de inquisidores, bispos ou padres.[1] Durante o papado seguinte, de Giovanni Ciocchi, não houve muitas transformações do tribunal daquilo já feito por Paulo III. Sobretudo, o papa Júlio III por uma bula de 29 de abril de 1550, absolveu todos aqueles que teriam caído em heresia e não ousavam voltar a Igreja por medo da penitência pública e infâmia. Essas pessoas deveriam apenas se apresentar ao inquisidor, abjurar privativamente os seus erros e por em si mesmo uma penitência secreta.[4]

Papado de Paulo IV[editar | editar código-fonte]

No pontificado de Paulo IV, a instituição do Santo Ofício ganhou mais proeminência sobre as outras magistraturas e, com o auxílio do inquisidor-geral (Antonio Ghislieri), houve uma política de centralização dos tribunais inquisitoriais e retirada de determinados poderes dos bispos, transferidos aos inquisidores. Houve também a formação da hegemonia da inquisição romana sobre o tema dos livros com a formação de uma comissão composta por expoentes do Santo Ofício, destacando a figura de Antonio Ghislieri e de Diego Laynez (superior geral da companhia de Jesus) para escreverem o índice paulino em 1555.[1]

Em 1558, o cardeal Teatino Bernardino Scotti foi responsável pela privação dos bispos de cumprir determinadas tarefas anteriormente do bispado no Índice, agora responsabilidade do Santo Ofício. O primeiro Índice de livros proibidos foi apresentado a Paulo IV em 1557, mas não foi apreciado pelo pontífice. Somente em 30 de dezembro de 1558 a versão final do Índice foi promulgada, muito mais rígida que a versão anterior.[1]

A política intransigente de Paulo IV acaba propiciando o fim da crise reformista a partir da criação de um ambiente profundamente combativo à heresia. Segundo Giovanni Romeo, até mesmo os motins que eclodiram em Roma no verão de 1559, que ocorreram após a morte do papa Paulo IV, não foram capazes de desestruturar o Santo Ofício que logo recuperou-se. A ¨linha-dura¨ da política papal foi muito importante para a desestabilização dos movimentos reformistas e da estabilização do Santo Ofício, delimitando boa parte de suas características.[1]

Papado de Pio IV a Pio V[editar | editar código-fonte]

Será no papado de Pio IV (1559 - 1565) que haverá a revogação da centralização do poder político dos bispos e a revisão do Índice Paulino de livros proibidos. Assim, o papado de Giovanni Medici foi marcado pela sua política moderada comparada à de Paulo IV. Em janeiro de 1561, Pio IV repassa ao Concílio de Trento a obrigação de realizar a revisão do Índice Paulino, que origina o Índice Tridentino de livros proibidos, promulgado em 1564. No mesmo ano, o pontífice criou uma comissão destinada a reavaliar as decisões de Paulo IV acerca da devolução do poder antes detido pelos bispos de emitir autorizações de leitura de livros proibidos. Outro fator de destaque do papado de Pio IV foi a descentralização do licenciamento das bíblias em língua vernácula. No entanto, o desejo de voltar a intransigência do pontificado de Carafa e reafirmar a hegemonia inquisitorial sobre a tarefa dos livros proibidos era evidente.

A eleição de Pio V (1566 - 1572) simboliza uma nova fase tal como o modelo de Paulo IV, retornando o caráter de centralidade da inquisição. Nisto, ocorreram duas importantes medidas: a transição do papel dos bispos na autorização de leitura de livros proibidos para responsabilidade do ¨Maestro del Sacro Palazzo¨ e a criação da bula Ut pestifarum opinionum, de setembro de 1572, que tinha a intenção de criar uma nova comissão para rever o índice tridentino de Pio IV, com o objetivo de tornar as revisões de livros proibidos e a atividade de expurgo estáveis como formulação do documento papal. Tal comissão se tornaria um dos órgãos centrais da Inquisição Romana, conhecido como Congregação do Index. As delimitações das competências da Congregação do Santo Ofício aos seus delegados não era clara, deixando um grande parênteses na falta de diretivas precisas, possibilitando um controle cada vez mais amplo e propício à repressão das atividades dos tribunais locais.[1]

Final do século XVI[editar | editar código-fonte]

Após o papado de Pio V em 1572, a Itália via-se fora da influência da Reforma Protestante. A capacidade de liderança e coordenação de Ghislieri durante seu papado como Pio V foi capaz de compensar as deficiências da jurisdição local e a colaboração desinteressada das autoridades locais. Muito do apoio à Inquisição foi advindo das Núncias Apostólicas e dos Colégios Jesuítas, estruturas eclesiásticas mais dependentes de Roma.

Grande parte do controle exercido pela cúria romana na Itália sob as periferias constituiu-se na expansão e no reforço dos tribunais dominicanos e franciscanos já instalados na península, embora os tribunais diocesanos tenham tido forte papel. A nomeação dos inquisidores também passa a ser uma obrigação do Santo Ofício, e não mais das Ordens às quais pertenciam, o que aumentou a centralização da Inquisição. Segundo o historiador Giovanni Romeo, até 1580 o novo mecanismo operava em todas as áreas onde era possível ou via-se necessidade. Um exemplo é o Reino de Nápoles, no qual inquisidores da Cúria Romana não possuíam papel de liderança na atividade inquisitorial, mesmo os que residiam na região.[1]

A escolha de manter certas áreas sob a mesma estrutura ou abdica-las aos bispos em tribunais diocesanos cabia somente a certas localidades específicas, onde o Santo Ofício poderia intervir através de uma avocação de julgamentos ou envio de comissários. A distribuição desigual de inquisidores pela península, combinada ao sentimento de abandono de dioceses por parte do Santo Ofício evidenciado pelos bispos explicaria o fato do sul da península ter tido um apoio mais fraco à ortodoxia católica – com a exceção do Reino de Nápoles, que apesar de sua autonomia tinha uma vigilância equivalente ao centro e norte da Itália.

Devido a estes fatores, a Inquisição Romana tomava agora corpo como um sistema de territórios precisos e extremamente dependentes dos seus atuantes nas áreas longe do centro da cúria. Os gabinetes inquisitoriais periféricos, isto é, distantes do controle romano, tornavam-se mais homogêneos conforme estabeleciam relações com o centro, sendo avaliados por seu grau de funcionalidade e eficiência, o que também atraía mais responsabilidades aos que eram delegados. Bem como uma atuação exemplar recompensada de elogios e transferências a posições mais cobiçadas, se fossem constatados abusos e erros em processos inquisitórios poderia ocorrer o despedimento ou até a prisão do infrator.[1]

Por outro lado, o sistema de tribunais inquisitoriais se tornava cada vez mais independente da atuação dos governos locais da Península, com raras exceções em Génova, Veneza e Luca. Os inquisidores e bispos eram treinados para agirem por conta própria, bem como recorrer o menos possível ao braço secular, que deveria ser acionado somente em casos além da capacidade de atuação dos juízes do Santo Ofício. Entre essas casualidades estão a captura e, algumas vezes, a detenção dos procurados, bem como a realização de castigos corporais. O sigilo – tanto para os juízes e colaboradores do Santo Ofício quanto às testemunhas e o acusado – e a preservação de documentos também tornava-se regra e um requisito cotidiano.

Todavia, a autonomia dos bispos sob a autoridade local não se aplicava aos inquisidores, aos quais tinha de recorrer em conjunto para a realização de processos, isso tornou-se um fator de risco, gerando conflitos com os inquisidores. Na década de 1570-1580, alguns casos notáveis ocorreram, como o espancamento de um inquisidor por um vigário-geral e outros padres em 1581, bem como a prisão de um notário de um ministro delegado da inquisição em Nápoles, decretada por um outro vigário-geral. Contudo, o Santo Ofício repreendeu atitudes do tipo realizadas por estes, que eram obrigados a realizar pedidos de perdão e/ou tinham seus decretos cancelados. De modo geral o Santo Ofício tendia a não conciliar frequentemente à vontade destes. Os inquisidores detinham poderes mais autônomos sob a atuação dos bispos, que aos mesmos cabia apenas a assinatura das sentenças.[1]

Do final da década de 1580 até o fim da década de 1590, alguns tribunais foram desmembrados, bem como novas sedes, como a de Toulouse, foram criadas, embora algumas em meio a turbulências – e outras nem mesmo puderam ser estabelecidas, como as de Aosta e Šibenik, considerando também que no segundo caso o inquisidor foi preso e exilado. Logo na última década do século, diversas dioceses foram submetidas à jurisdição inquisitorial, de modo que passaram a obedecer aos tribunais inquisitoriais mais próximos.

Os objetivos da Inquisição após a contrarreforma[editar | editar código-fonte]

Apesar da centralização e expansão cada vez maior do poder, qualquer ameaça à ortodoxia romana não era evidente. Por outro lado, alguns outros riscos traziam deveres permanentes ao tribunal, como a luta contra a heresia entre os italianos e o combate à influência de grupos protestantes e judaicos e do mundo otomano – principalmente os protestantes, visto que o contato comercial era constante e inevitável. Além destes riscos usuais, os inquisidores também passaram a se dedicar ao combate às práticas conhecidas como diabólicas, isto é, as práticas de bruxaria. Segundo Giovanni Romeo:

"Na primeira metade do século [XVI], um certo número de pessoas, ainda não especificado, mas talvez não inferior a algumas centenas, na sua maioria mulheres, pagou com a vida[...]"[1]

Por outro lado, os inquisidores somente julgavam casos onde ocorressem apostasia ou heresia, o que resultava na prática do papel mais ativo dos bispos para atuar contra a bruxaria. A partir da década de 1570, e excepcionalmente nos anos seguintes, o Santo Ofício manteve o combate à feitiçaria e magias diabólicas como uma de suas principais ocupações, principalmente àquela bruxaria considerada mais banal. Neste último caso, seria considerada simples superstição, e seriam julgados por bispos, enquanto aos inquisidores restaria avaliar a presença de heresias nas práticas mágicas.

Em 1586 com a bula Coeli et terrae, Sisto V estabeleceu o encerramento da relação entre a Igreja Católica e a magia renascentista, como a astrologia e outras magias eruditas. Por outro lado, o combate à magia e bruxaria foi traçado desde a segunda metade da década de 1560. O combate à magia foi caracterizado por uma direção da Cúria arquiepiscopal de Nápoles, e já por volta de 1567 os seus juízes mantinham uma independência em relação à Congregação do Santo Ofício, os quais puderam instituir até longos e complexos processos de magia e bruxaria.[1]

De modo geral, a contestação do monopólio inquisitorial era aquela vinda dos juízes seculares, que acabavam em certos momentos reivindicando o direito de proceder contra certos blasfemos. A bigamia também entraria na mira do Santo Ofício no final do século XVI, levando a um conflito com autoridades estaduais. A elasticidade do sistema jurídico inquisitorial tornava possível a interferência sobre muitos processos sob a avaliação da presença de desvios heréticos.

A Inquisição no século XVIII[editar | editar código-fonte]

Galileu Galilei perante o Santo Ofício, por Joseph-Nicolas Robert-Fleury (século XIX).

Com o crescimento do Iluminismo e das correntes do pensamento filosófico e científico no século XVIII, a Igreja Católica, por meio da instituição do Santo Ofício, tentava lidar de uma maneira mais conciliatória com estas questões, além de tentar equilibrar as divergências com os ateus e praticantes de outras religiões com os seus próprios dogmas, visto o caso de Galileu Galilei, que deixou uma mácula na história da Igreja Católica. Porém a Inquisição continuava com suas práticas de censura à produção científica, como a inserção de considerados subversivos no Index, como, por exemplo, os livros: “Ensaio sobre o Intelecto Humano”, de John Locke, “O espírito das leis, de Montesquieu  e a obra de Cesare Beccaria, “Dos delitos e das penas”.[1]

Durante o século XVIII a Inquisição Romana também apresentava algumas características como as perseguições a judeus e maçons (mesmo alguns destes estando fora da Itália), as retratações públicas e as prisões como forma de penitência.[1]

A abolição dos tribunais na Itália[editar | editar código-fonte]

A dissolução dos Tribunais do Santo Ofício ocorreu de forma lenta e progressiva por toda a Itália, além de diferentes formas, sendo elas rápidas ou após longas negociações. Diversos Bispos foram proibidos de atuar como Inquisidores como o do Reino de Nápoles em 1746 e do Ducado de Parma em 1768. Desta forma, estabelecia-se um controle mais estatal e menos religioso destes tribunais, com maiores indicações de ministros, delegados e funcionários leigos. Assim, os tribunais inquisitoriais vão perdendo o controle por parte da Igreja, ou sendo extintos, como no caso da Toscana, onde o Santo Ofício foi abolido em 1782. Também, devido a disputas territoriais com a França, no final do século XVIII, são abolidos os tribunais de Turim e da Lombardia. Em sequência, também são extintos os tribunais de Gênova e de Veneza, já demonstrando o enfraquecimento do caráter inquisitório e acentuando a crise entre o Estado e Igreja.

Porém, mesmo com a abolição dos tribunais, muitos continuaram suas funções judiciais de maneira mais ortodoxa, pois a instituição do Santo Ofício estava muito enraizada naquela sociedade, que também era considerada por sua missão espiritual ao defender os dogmas cristãos.[1]

O início do século XIX[editar | editar código-fonte]

Mesmo com a chegada do século XIX, as comunidades judaicas ainda sofriam com perseguições, como as conversões e os batismos forçados. Podemos ver também que a própria comunidade eclesiástica sofria com punições inquisitoriais, como os casos de excomunhão de padres, freiras e monges. No século XIX, há ainda os processos de acusações de bruxaria e feitiçaria, e também de exorcismos, que continuou até a contemporaneidade e é visto como um dos legados da Inquisição para a Igreja Católica Italiana.[1]

Séculos XX e XXI - Dicastério para a doutrina da fé[editar | editar código-fonte]

Foto do Palácio do Santo Oficio da Santa Inquisição de 22 de janeiro de 2015. Autor: Roxyuru (professor universitário e usuário da Wikimedia Commons).

Em 1908, o Papa Pio X mudou o nome da instituição para “Sagrada Congregação do Santo Ofício (alguns países católicos ainda se referem ao dicastério como Santo Ofício). Em 1965 passou a chamar-se “Congregação para a Doutrina da Fé". Atualmente é conhecida como “Dicastério para a Doutrina da Fé", nome dado em 5 de julho de 2022. Hoje em dia, a instituição tem como principal função, “promover e tutelar a doutrina sobre a fé e os costumes em todo o mundo católico” sendo dividida em duas seções: Doutrinal, responsável, dentre outras coisas, por promover e salvaguardar a promoção da fé e da moral além de promover estudos para a compreensão da fé e do significado de existência perante os avanços científicos e sociais; e Disciplinar, referente a questões da justiça canônica.[3]

Caso Mortara[editar | editar código-fonte]

A última ação notável da Inquisição romana ocorreu em 1858, em Bolonha, quando os agentes da Inquisição sequestraram um menino judeu de 6 anos de idade, Edgardo Mortara, separando-o de sua família. O inquisidor local tinha aprendido que o menino estava secretamente batizado por sua babá. O Papa Pio IX levou o menino como um católico para Roma. O pai do menino, Momolo Mortara, passou anos à procura de ajuda em todos os quadrantes, inclusive internacionalmente, para tentar recuperar seu filho. O caso recebeu atenção internacional e alimentou a sentimentos antipapais que ajudaram o movimento de nacionalismo italiano.[5]

Estrutura[editar | editar código-fonte]

Desde o princípio, a inquisição romana tornou-se um tribunal para manter a ortodoxia. Apesar do seu objetivo de manter diálogo entre os expoentes da cristandade dividida, ficou muito claro que o diálogo podia ser usado de uma forma agressiva para atacar seus opositores, como no caso de Pier Paolo Vergerio. Os párocos conciliadores de idéias reformistas tinham criado raízes na instituição católica, e vai ser a partir dos encontros do concílio de Trento que alguns simpatizantes do reformismo serão investigados, como o próprio Pier, bispo simpatizante da causa protestante, que em 1546, após ser obrigado a submeter-se a inquisição romana, fugiu para não ser condenado. Esse poder também será responsável pela elaboração de uma congregação de elaboração de um catálogo de livros antigos com expoentes do Santo Ofício, como o Ghislieri, o cardeal Teatino Bernedito Scotti e Diego Laínes, segundo superior geral da Companhia de Jesus. (As proibições de textos como de Erasmo, da bíblia em língua vernácula incomodou os próprios membros do clero que em um período curto de tempo afrouxa-se o acesso a estes textos). Apesar disso, será apenas após a morte de Paulo IV que alguma flexibilização vai aparecer.

O papa Pio IV não só dará alguns dos privilégios retirados por Carafa aos bispos como também a possibilidade de expurgo (a de rever obras anteriormente proibidas e poder julgar sua proibição). Será apenas no papado de Pio V que haverá uma centralização da atividade do expurgo novamente e uma revisão da nomeação da comissão do Índice Tridentino. Sobretudo, não era claro onde começava e onde terminava o poder papal e do Santo ofício, o que deu uma liberdade aos inquisidores gerais não só de julgarem as censuras dos livros como também controle cada vez maior das atividades repressivas dos tribunais locais.[1]

A prática dos inquéritos inquisitoriais foi dando-se mais facilmente devido às regras processuais desenvolvidas pelos inquisidores mais especializados do final da idade média dos manuais antigos e novos, com a ajuda de inquisidores profissionais e recém-formados. Os tribunais criados depois de 1542 desenvolveram procedimentos legais, baseados nos esquemas e regras de base. Os inquisidores a tempo integral e os seus assistentes, lidavam com casos mais numerosos e mais complexos e necessitavam de orientações mais claras para seu próprio benefício e conveniência. A sistematização da atividade jurídica satisfazia as suas necessidades, mas de uma forma talvez mais controversa também ajudava a melhorar a situação dos réus que estavam familiarizados com a Inquisição. Esta reflexão incide sobre o funcionamento do sistema (ou sistemas), a forma como os inquisidores procediam às suas investigações e a forma como os mesmos e testemunhas respondiam.

O conceito de heresia e as regras processuais influenciaram a forma como eram conduzido os interrogatórios, a admissão de testemunhas e provas, o recurso da tortura, bem como o tipo de confissões, abjurações e explicações consideradas aceitáveis. Os estudos eram centrados em Veneza, onde o arquivo do Estado era rico em registros de investigação e julgamentos, Roma era o centro, com duas congregações inquisitoriais: O Santo Ofício e o Index além de outras congregações desempenhando papéis marginais.[6]

Funcionamento[editar | editar código-fonte]

A interação do centro da inquisição romana e as periferias[editar | editar código-fonte]

Um dos aspectos fundamentais da interação entre o centro da Inquisição romana e as periferias é a relação entre a Congregação do Santo Ofício e o interior do tribunal periférico, essencialmente promovida pela correspondência entre o Cardeal Secretário e o inquisidor local, onde se via até que ponto os inquisidores eram guiados pelos cardeais e pelo papa e até que ponto permaneciam autônomos.

A posição do inquisidor no início da Itália moderna era complicada. Apontados por Roma e trabalhando em vários países da península italiana e arredores, estavam expostos a uma variedade de pressões políticas concorrentes. Os inquisidores também tinham de navegar num conjunto de políticas e procedimentos bastante incipientes, sujeitos a constantes modificações pelos seus superiores na Congregação do Santo Ofício em Roma. Os erros processuais poderiam resultar em repreensões da Congregação e ordens para recomeçar os julgamentos. Havia também extensa correspondência entre a Congregação e os tribunais periféricos. Muito menos bem compreendidas, contudo, são as relações entre os vários ramos periféricos da Inquisição Romana, relações que se revelaram críticas para o funcionamento desses tribunais periféricos externos em Itália.[6]

Para além dos extensos documentos de julgamento, existe uma valiosa coleção de correspondência inquisitorial, incluindo uma substancial reserva de cartas datadas da década de 1640, que mostram a comunicação ao tribunal veneziano das suas contrapartes no continente. A maior parte das cartas desta coleção provém de zonas venezianas, mas há também comunicações de Bolonha, Trento, Pisa e outros locais. Embora os tribunais individuais tivessem a sua esfera de jurisdição local, a mobilidade de arguidos, vítimas e testemunhas significava que os inquisidores locais dependiam frequentemente da assistência dos seus colegas em áreas periféricas para poderem processar os seus casos com sucesso. Um problema fundamental para os inquisidores dos primeiros tempos modernos era encontrar e identificar positivamente os indivíduos relevantes para o julgamento. Ao mesmo tempo, os tribunais também deviam atuar por sua própria iniciativa. Os inquisidores contavam uns com os outros para obter conselhos e assistência na gestão das suas relações com a Cúria.

Havia também uma diferença entre periferias interiores e exteriores. As periferias interiores referem-se a tribunais inquisitoriais em grandes cidades dentro ou fora do Estado Papal, incluindo Bolonha, Florença, Milão, Turim e Veneza. Já as periferias exteriores eram tribunais pequenos em cidades ou aldeias remotas, muitas vezes nas mãos de "Vigários'" (Vicari) em vez de inquisidores de pleno direito.[6]

As linhas gerais do processo[editar | editar código-fonte]

Um novo inquérito (processo) começava normalmente com uma queixa externa. Então, os Bispos e os Vigários Episcopais, juízes da fé de longa data, recebiam as queixas ou registravam suspeitas durante as visitas pastorais e transmitiam a informação aos inquisidores locais. A queixa externa de um não profissional poderia ser escrita, anônima ou assinada, ou também apresentada verbalmente a um oficial inquisitorial e registrada por um notário. Legalmente o delator não era um “queixoso”, por que não era obrigado a provar as suas alegações contra o arguido, essa era a tarefa do tribunal.[2]

Queixas[editar | editar código-fonte]

As queixas e denúncias indiciadas por terceiros podem ocorrer por diferentes razões: Por desejo de limpar a consciência depois de ver atividades suspeitas com os próprios olhos. Como um ato de vingança contra o alegado comportamento malicioso de outro indivíduo. Para tentar evitar uma possível incriminação, tomando a iniciativa e apresentando uma queixa em vez de ser acusado. A autodenúncia era mais frequente, pois os confessores convidavam os penitentes a recorrerem voluntariamente à inquisição em troca de garantia de absolvição ou uma pena mais leve, um sistema muito encorajado pelos Bispos, Párocos, e inquisidores.

Os delatores muitas vezes eram os próprios parentes próximos, por temer envolvimento ou para salvar a alma de seu familiar. Havia também os vizinhos que denunciavam por vingança, ou por suas práticas supersticiosas não terem funcionado ou por ter morrido uma criança ou um animal, por que não poderia ser atribuída a alguém, mas sim a alguma prática demoníaca. Todas as pessoas envolvidas estavam sujeitas a regras de sigilo. Qualquer pessoa que aparecesse como queixoso, testemunha ou arguido era obrigada a guardar silêncio sobre tudo o que acontecesse perante o inquisidor e os seus oficiais e poderia ser exigido um juramento formal de silêncio.

Os tribunais estavam perfeitamente conscientes de que as queixas tinham frequentemente origem em brigas de família, em conflitos entre monges e membros do clero, entre patrões e empregados, e que alguns arranjavam testemunhas instruídas para apoiar as suas acusações. Por isso, uma pergunta rotineira ao acusado era: "Tens inimigos?". Poderia haver verdade nas queixas, mas também invenções e truques para incriminar alguém.[2]

Os interrogatórios[editar | editar código-fonte]

Uma vez registrada a queixa, um funcionário do tribunal tinha de decidir se devia atuar. No caso de denúncias anônimas sem testemunhas, geralmente não se tomavam medidas, a não ser que o indivíduo denunciado pudesse ser claramente identificado e a acusação potencialmente dissesse respeito à heresia de alto nível. O acusado não era geralmente interrogado de imediato.

Se fosse possível identificar testemunhas, estas eram convocadas para interrogatório, mesmo que apenas por um notário. Com base nos resultados do interrogatório, o inquisidor, com ou sem consulta alargada, decidia se convocava e interrogava também o arguido, se o prendia ou não. O processo podia ser interrompido nesta fase se a pessoa ou objeto de investigação deste tivesse respostas plausíveis ou se conseguisse provar que a queixa inicial era o resultado de malícia por parte dos vizinhos.[2]

Se um ou mais nomes coincidissem com os do queixoso (cuja identidade não era revelada no início, e muitas vezes nunca o era), o suspeito era libertado, com a obrigação de guardar silêncio sobre a investigação. Em outras ocasiões, o acusado podia confessar ter-se enganado, declarar a sua ignorância, a sua incapacidade de compreender e submeter-se à clemência do tribunal, safando-se com uma repreensão e um pequeno castigo espiritual. Como no caso de Giorgio Moreto, em 1589.

Se estes requisitos não fossem cumpridos, o arguido poderia ser sujeito a um interrogatório prolongado, de uma ou mais sessões; poderiam ser ouvidas outras testemunhas ou o primeiro poderia ser novamente condenado. Alguns processos eram abandonados ou deixados pendentes. Se o processo atingisse o nível de interrogatório múltiplo, tornava-se um verdadeiro "processo formal", com acusações contra o arguido, que tinha claramente de se defender. O arguido podia pedir a audição de testemunhas favoráveis para se ilibar. Muito raramente o tribunal permitia uma confrontação entre o arguido e o seu acusador.[2]

Alguns arguidos que se revelassem particularmente obstinados aos olhos do juiz podiam ser ameaçados de tortura e, mais raramente, torturados, para os induzir a admitir condutas ou crenças heréticas ou a nomear cúmplices em conventos heréticos ou reuniões de bruxas.

Quando o tribunal decidia que o julgamento deveria ter lugar, era normalmente concedido ao arguido um defensor público, cujo papel consistia basicamente em alegar circunstâncias atenuantes, limitar o interrogatório de testemunhas adversas ou tentar desacreditar as alegadas provas do crime.[2]

Confissões e confessores[editar | editar código-fonte]

Muitas investigações foram feitas baseadas em autodenuncias, ou por pessoas enviadas pelo seu confessor ou pároco, sob pressão, para fornecer informações sobre pessoas suspeitas. O confessor poderia ser um profissional itinerante ou um padre da paróquia local, e tinha o poder de recusar a absolvição até que o crente comparecesse perante a inquisição, talvez para dizer que a denúncia também servia para aliviar a sua consciência. alguns inquisidores, bispos e teólogos defendiam que, em caso de suspeita de heresias graves, o confessor era obrigado a comunicar a inquisição o que lhe havia sido dito ou sugerido em segredo, caso o fiel decidisse não comparecer pessoalmente, porém, outros defendiam com veemência o segredo do confessionário. Esta defesa era motivada pelos próprios princípios do sacramento, continha também um argumento a favor dos bispos e vigários que desejavam preservar a autonomia episcopal e evitar a interferência dos inquisidores nas suas prerrogativas pastorais. Os confessores podem ter ignorado discretamente algumas confissões perigosas ou preferido encaminhar os casos de consciência para os bispos, em vez de empurrar os penitentes para a Inquisição.[2]

Em janeiro de 1559, sob o pontificado de Paulo IV, o Santo Ofício seguiu o exemplo do Inquisidor Geral da Espanha e ordenou aos confessores que não absolvessem os penitentes que aderissem à heresia ou possuíssem livros proibidos, a não ser que estes tivessem se apresentado previamente a um inquisidor ou a um bispo para se arrependerem, declararem oficialmente o crime e revelarem os nomes dos cúmplices. Além disso, os confessores que não cumprissem estas instruções seriam severamente punidos pelo Santo Ofício. Estas disposições alteraram o funcionamento da confissão. Anteriormente, Paulo IV tinha reconhecido a necessidade de respeitar o segredo de confissão.[2]

Muitas das confissões e abjurações eram uma consequência do processo de investigação, consistindo essencialmente numa troca de perguntas e respostas, ditadas de cima para baixo. Alguns depoimentos, no entanto, eram uma expressão genuína do acusado, podiam surpreender os inquisidores e revelar novos cenários. Ter de lidar com a cultura da dissimulação, no meio da suspeita, era também um problema para os inquisidores, e tornava mais difícil penetrar nas "verdadeiras" crenças dos acusados e das testemunhas. muitas vezes os inquisidores podiam também atuar como mediadores, em vez de juízes, e aceitar a ideia de negociar a punição.[2]

O veredito[editar | editar código-fonte]

As decisões que conduziam ao veredito eram por vezes tomadas por um único inquisidor, ou por vários funcionários locais, mesmo sem outras instruções solicitadas ou fornecidas pela Congregação em Roma, ou pelo Supremo espanhol no caso da Sicília e da Sardenha. Os inquisidores dirigidos a partir de Roma, na sua maioria dominicanos, presumivelmente utilizavam os conselhos dos confrades do convento onde estavam alojados. Os tribunais mais ricos e mais ativos tinham, como parte de uma extensa rede de pessoal, consultores para questões de direito canônico e teologia.

Quando um caso se tornava mais grave, o acusado podia enfrentar uma longa prisão, em condições muito variáveis. Os tribunais locais não dispunham geralmente de prisões adequadas, como se queixavam os inquisidores, pelo que recorriam a prisões seculares, a celas de conventos ou a salas de um palácio episcopal. O tribunal de Veneza só teve a sua própria prisão em 1580. A segurança era muitas vezes negligenciada, os carcereiros podiam ser complacentes e ajudar os prisioneiros a fugir, por compaixão ou por dinheiro. No entanto, os carcereiros também podiam espiar os prisioneiros, ouvir as suas conversas e denunciá-las à corte.[2]

As fases finais de um processo, em que as acusações foram consolidadas, as confissões totais ou parciais feitas e os pedidos também chegava a hora da decisão final, que era complicada; era difícil prever o resultado final. Por vezes, as negociações ou os acordos sobre a sentença eram efetuadas nos bastidores. As condenações podiam resultar em libertação para as autoridades seculares (o que significava a morte), em prisão perpétua ou em prisões por um período.

Após um curto período de condenação, em função das reações e comportamento do delinquente, as condições estabelecidas podiam ser formalmente modificadas, dentro de certos limites: os anos de prisão, a prisão domiciliária, o confinamento num convento ou o exílio podiam ser reduzidos, enquanto as galés podiam substituir a pena de morte.[2]

O abitello ou sanbenito[editar | editar código-fonte]

O abitello na Itália eram as vestes usadas por aqueles que eram julgados como hereges (que ou quem professa uma heresia ou doutrina contrária ao que foi estabelecido pela Igreja como dogma). Sanbenito era o termo utilizado em Espanha para a mesma veste, que trata-se de uma túnica amarela usada para demonstrar a condenação do indivíduo. Este ato ficou conhecido como aspecto da história da inquisição devido suas reproduções e ilustrações em livros. Tais vestes penitenciais eram mais comuns na Espanha do que na Itália, e para inquisição romana estas não eram de uso obrigatório, desde que substituídas por uma lista de hábitos e nomes dos julgados.[2]

Abjurações e sentenças[editar | editar código-fonte]

O veredito final de culpa do acusado poderia ter diferentes níveis de gravidade, de acordo com a presença e o grau de heresia. Aqueles condenados à abjuração leve (de levi) tinham como pena as penitências, e abjuravam durante cerimônia no palácio inquisidor ou do bispo. Os que abjuravam de vehementi ou de formali eram humilhados publicamente na igreja, nos degraus da catedral ou num carro da fé, com a leitura pública das acusações e sentença. A última e mais grave categoria aplicava-se geralmente aos reincidentes e podia resultar na execução do culpado. Os autos da fé como eventos coletivos para a publicação das condenações de heresias, teve uma utilização limitada sob a Inquisição Romana entre 1550 e 1570. O primeiro auto da fé ocorrido em Roma provavelmente ocorreu em 6 de junho de 1552, quando sete luteranos foram conduzidos perante uma grande multidão, envergados em vestes amarelas e reconciliados, mas não foram executados. Por outro lado, na Sicília os autos da fé iniciaram muito antes. Entre 1501 a 1744, foram organizados 211 autos. O número de condenados é, na maioria das vezes, desconhecido.[2]

Além da pena capital, a Inquisição poderia impor outra gama de punições, como prisões, banimentos para as galés, multas, pequenas penitências religiosas e expulsão. Ao contrário do que geralmente se imagina, a Inquisição Romana sentenciou relativamente poucas pessoas à execução, que foi o caminho oposto ao dos tribunais seculares. As execuções quando aplicadas costumavam ser cruéis, sendo utilizados como métodos a mutilação, fogueira, enforcamento e até mesmo o afogamento. As condenações às galés muitas vezes poderia ser comutada, seja por motivos de saúde, familiar ou através do pagamento de uma quantia para que outra pessoa cumprisse a pena em seu lugar (caso de Carlo Chiavello, que comprou um escravo para que cumprisse sua pena). Quanto às penas de prisão perpétua, muitas vezes não eram respeitadas, e eram tratadas como penas de três a oito anos, podendo ser em cela fechada ou com circulação livre pelo edifício prisional. Condenados mais abastados poderiam tirar proveito de suas condições para tornar suas celas mais agradáveis, e em alguns casos a prisão poderia tornar-se domiciliar (como foi o caso de Galileu Galilei).[2]

Defesa[editar | editar código-fonte]

Os réus acusados e investigados por heresia durante o período da Inquisição Romana tinham o direito de recorrer à defesa por um advogado. Este não precisava insistir em aceitar um caso que achasse moralmente condenável, pois, antes da defesa de seu cliente, sua fidelidade era com a instituição do tribunal do Santo Ofício. Contudo, seu papel não era figurativo, ele podia rebater acusações, minar a fiabilidade das testemunhas e questionar os argumentos contra. Também podia preparar ¨humildes desculpas¨, solicitando perdão por uma ingenuidade do réu pela falta de conhecimento herético.[2]

A identidade dos informantes e testemunhas tinham de ser resguardadas em segredo para que o advogado e o réu não pudessem assediá-las. Caso fosse libertado ou inocentado, o réu tinha que jurar não incomodar os acusadores, isto porque, apesar de ser proibido a circulação dos nomes dos delatores e testemunhas, ocorria da informação vazar por funcionários do tribunal.[2]

Entretanto, apesar do cuidado em esconder os nomes dos delatores e testemunhas das cópias dos registros do tribunal entregues ao advogado e ao acusado, ocasionalmente, o juiz era autorizado em realizar um "cara-a-cara" do acusado com as testemunhas.

Além disso, o delatado e o advogado podiam estabelecer como estratégia de defesa desacreditar das testemunhas adversas, normalmente ocorridos em casos que o arguido era confrontado pela testemunha. Em casos de bruxaria médica, o tribunal poderia solicitar um perito para averiguar a "veracidade da bruxaria". Lembra-se do caso de Angela Castellana, de 1624, uma prostituta que acusou a Bellina Loredana de a ter enfeitiçado, apesar de que as relações sexuais podem ter sido o principal motivo da seu adoecimento. Em diversos casos havia também a presença da defesa regular, desde os mais famosos - como do cardeal Morone, o filósofo Tommaso Campanella e Flaminio Rinaldini que foi defendido por Domenico Medici - até os mais obscuros.[2]

Tortura[editar | editar código-fonte]

As torturas durante o período da inquisição, ao contrário da crença popular, eram aplicadas de forma moderada. Tinha-se padrões de conduta impostas pela inquisição romana onde os tribunais locais precisavam pedir autorização de Roma para aplicá-la. Segundo as regras básicas seguidas pelos inquisidores Diego de Simancas e Eliseo Masini, essa ferramenta só poderia ser usada caso o acusado negasse a culpa apesar da pertinência das provas. Se as informações descobertas durante a tortura não fossem liberadas, elas eram consideradas inválidas, e se essas informações fossem invalidadas por ter sido feita apenas por ¨medo e sofrimento¨, o inquisidor poderia optar em repeti-la. Sobretudo, a congregação romana não simpatizava com o excesso desta ferramenta e era preferível o não uso dela.[2]

Para o inquisidor poder tomar uma pena ou prosseguir com a tortura, deveria haver primeiro um julgamento ofensivo, depois defensivo na congregação dos Consultores do Santo Ofício, e no conselho douto e maduro ou, em casos graves, poderia ser solicitado ao próprio Santo Ofício.

Sobre o processo de tortura, ele era separado em etapas: primeiramente, um interrogatório com ameaças de castigo físico, a exibição da câmara de tortura e dos instrumentos, o despir do acusado, o posicionamento dos instrumentos de tortura e a sua utilização. As torturas ocorriam em torno de meia hora, comumente e, caso houvesse cooperação, o processo poderia ser interrompido. [2]

Periodicamente, a câmara era visitada por cirurgiões e médicos para verificarem as ferramentas, se o equipamento era adequado e se funcionavam de forma não-letal as vítimas. Na inquisição italiana, um método de tortura muito comum era o método da corda. Basicamente, a vítima tinha as mãos atadas atrás das costas, presas por uma corda a um gancho, com o qual era levantadas e mantidas em suspensão. No clero secular, ocorria de alguns pesos serem colocados aos pés dos torturados, o que não era uma prática bem vista pelo Santo Ofício por poder causar a ¨morte pela corda¨. Isto porque, a intenção do julgamento era que o acusado sofresse o equivalente a sua pena, sem excessos (como poderia ocorrer), para que pudesse gozar de sua liberdade quando e se liberto.[2]

Os inquisidores estavam cientes da inadequação da tortura como método ineficaz. A opinião do Inquisidor Eymerich (1320 - 1399) foi passada por manuais posteriores:

"a tortura é um instrumento frágil e arriscado, e muitas vezes incapaz de conduzir à verdade. De facto, muitos, graças à sua força mental e física, são capazes de suportar o tormento, de modo que a verdade não lhes pode ser arrancada de forma alguma; outros temem tanto o sofrimento que estão dispostos a mentir para o evitar."[2]

Processo sumário[editar | editar código-fonte]

Os processos sumários seguiam-se geralmente à "comparência espontânea" de um indivíduo, ou ocorriam quando as pessoas convocadas faziam uma rápida admissão de culpa, ou quando o inquisidor aceitava uma alegação de ignorância e um pedido de clemência. O tipo de procedimento dependia das provas que o tribunal poderia utilizar num julgamento formal, de considerações sobre a gravidade da infração e do fato de o acusado poder ou não citar nomes durante o julgamento. Provavelmente as finanças do tribunal, os recursos humanos e a carga de processos também  desempenharam um papel importante.[2]

Aparições espontâneas[editar | editar código-fonte]

O conceito de "aparição espontânea" foi desenvolvido com as Bulas de Júlio III de 1550, que permitiam ao confessor abjurar privadamente aqueles que se apresentavam voluntariamente (inicialmente por posse de livros heréticos), em ambos os foros, interno e externo, sem abjuração pública; mesmo aqueles que faziam uma confissão espontânea ao  inquisidor, por crimes de opinião, podiam abjurar privadamente.[2]

O pároco ou confessor era obrigado a recusar a absolvição em certos "casos reservados" (que competiam ao bispo, ao Papa ou ao inquisidor). Este fato poderia transformar o pároco numa espécie de polícia local. O penitente podia escolher entre expor-se a um processo, e portanto à infâmia e ao castigo público, ou apresentar-se "espontaneamente" perante o inquisidor para limpar a sua consciência. Nesta altura, o inquisidor podia decidir se realizava uma confissão sacramental em sentido estrito, uma combinação desta com um julgamento judicial, mas secreto (como um "fórum interno"), ou um julgamento propriamente dito. Em muitos casos, a abjuração era privada, e mesmo as penitências antes da absolvição eram espirituais e privadas (in foro conscientiae), em vez de físicas e públicas ('fórum externo'). Mesmo que aqueles que se entregavam - ainda que parcialmente cúmplices do crime - fossem tratados com clemência, as outras pessoas envolvidas eram objeto de investigação inquisitorial. O processo sumário, por mais desencadeado que fosse, tinha normalmente a vantagem de excluir outras testemunhas, a defesa e a tortura. Conduzia geralmente à abjuração e à absolvição privada e a penitências salutares (orações, jejuns). Isto limitava o sofrimento físico e a infâmia pública.

As aparições espontâneas eram consideradas suspeitas, especialmente por aqueles que pensavam que eram apenas um expediente para obter penas leves da Inquisição, onde os bispos ou as autoridades seculares acreditavam que os acusados deveriam receber punições mais severas. No século XVII, isso já era uma realidade em relação aos crimes contra a moral e as práticas supersticiosas.[2]

Notários e atas[editar | editar código-fonte]

Os notários desempenhavam um papel crucial no trabalho dos inquisidores, uma vez que participavam em praticamente todos os procedimentos do tribunal, desde o registro inicial das queixas e dos depoimentos das testemunhas até às investigações formais, ao julgamento e à sentença. Estavam também envolvidos na correspondência de rotina e nas tarefas administrativas do tribunal. Em alguns casos, os notários eram um elemento de continuidade entre um inquisidor ou um vigário e o sucessor, e forneciam informações ao recém-chegado. A sua competência linguística deve ter sido considerável, uma vez que dominavam o latim, o italiano padrão e vários dialetos, dos quais normalmente traduziam para italiano enquanto as testemunhas falavam. A maior parte dos notários eram leigos. Vários tribunais tiveram dificuldade em recrutar pessoas honestas e capazes.[2]

As atas poderiam ter sido alteradas, embelezadas, modificadas por razões de documentação supérflua numa determinada fase do processo, podem ser alterações não intencionais, obra de um copista que quis corrigir um erro evidente, ou deliberadas, à luz de testemunhos posteriores. Em algumas sessões, as perguntas são relatadas, mas não as respostas, porque as respostas nunca chegaram, ou porque eram confusas e ininteligíveis; porque o copista não conseguiu ler a letra do notário, ou porque as respostas foram posteriormente consideradas irrelevantes ou inconvenientes para serem transmitidas noutro local.

O grau de interferência do notário durante uma investigação é outro aspecto pouco claro, embora se possa presumir que ele intervinha ao explicar ou traduzir as perguntas do inquisidor. Uma vez que o notário tinha mais conhecimentos locais do que o inquisidor, podia fornecer informações adicionais. O arquivo e a triagem do material devem ter sido outra responsabilidade dos notários, que muitas vezes permaneciam ao serviço durante muito mais tempo do que o inquisidor, o seu vigário ou o cobrador de impostos, podendo assim cruzar as transcrições das atas com a memória de casos e  procedimentos passados. Pouco se sabe sobre o grau de confiança dos tribunais nas atas arquivadas e sobre o tratamento que lhes davam.[2]

Os manuais e tratados usados nos processos inquisitoriais[editar | editar código-fonte]

Os inquisidores tinham à sua disposição vários manuais e tratados para os ajudar na condução dos processos. Muitos textos eram impressos, embora alguns manuscritos mais comuns ainda continuavam sendo úteis, muitos em latim, outros em espanhol ou italiano. Editor de várias edições, Francisco Peña teve uma vasta experiência como consultor da Congregação do Índice, auditor da Roda (uma espécie de tribunal de recurso) e membro da Congregação dos Beatos, que se ocupava dos processos de canonização.[2]

Foram utilizados manuais e histórias de processos inquisitoriais escritos por peritos espanhóis, alguns dos quais, como Diego de Simancas ou o próprio Peña, trabalharam também na Itália. Outro manual popular foi o Sacro Arsenale, overo pratica dell'Officio della Santa Inquisizione, de Eliseo Masini, reimpresso em pelo menos dez edições, regularmente atualizadas, entre 1621 e 1730. O manual foi escrito quando era inquisidor em Génova e fornecia a muitos um modelo de perguntas e respostas, explicando como conduzir o interrogatório em diferentes casos, como o acusado podia responder, como interrogá-lo uma segunda vez, em que consistia a abjuração.

No final do século XVII, os vigários e outros funcionários inquisitoriais dispunham de um manual de procedimento, as Regras do Tribunal do Santo Ofício, redigidas por Fra Tommaso Menghini, em princípio para Ferrara, "per lume de' vicarii della di lui giurisditione" (com quatro edições impressas, 1683-1702). O texto centrava-se nos casos de blasfêmia, profecia e curas médicas supersticiosas e sugeria os casos a incluir nestes tipos de delitos. Menghini sublinhava também os procedimentos burocráticos a adotar no tratamento destes casos, a forma de recolher testemunhos e de tratar as confissões. É provável que alguns manuais tenham circulado bastante como manuscritos, antes de serem impressos, e que outros não tenham sido impressos totalmente neste período.[2]

Penas de morte[editar | editar código-fonte]

A perda de documentações sobre a inquisição em Roma pode alterar os dados sobre os registros que temos, porém de acordo com a leitura, o número de pessoas efetivamente executadas pela inquisição romana é relativamente baixo se comparada com o padrão da pena capital das sociedades na época. Os primeiros objetivos eram os que seguiam o protestantismo, depois aparecem os casos de superstições. Em Roma os inquisidores sentenciavam a pena de morte principalmente em casos de reincidência.[2]

Diferentes procedimentos e punições sob o mesmo inquisidor[editar | editar código-fonte]

As divergências nos procedimentos e documentos inquisitoriais eram constantes. O próprio inquisidor poderia agir de maneiras diversas de acordo com cada caso. Uma das punições da inquisição era confiscar os bens daqueles que eram julgados, esse procedimento proporcionou uma base financeira considerável a alguns inquisidores que utilizavam do valor para construções de prisões. A inquisição em Roma exigia dos inquisidores uma postura mais rígida e severa, considerando por vezes alguns inquisidores demasiados ou fracos por alertarem ou conversarem com os julgados antes de puni-los ou levar os julgamentos adiante.

A inquisição Romana preferia os acusados mais ilustres e nobres, já que ali suas punições eram consideradas as mais severas, longas e lentas, com poucas chances de reversão do caso, principalmente se esses eram apoiadores do protestantismo e contra a igreja Romana. Os fatos eram relatados e enviados a Roma para que os inquisidores seguissem com as punições quando havia dúvidas de como prosseguir e qual a punição adequada, dependendo do caso, gênero, saúde e classe social.[2]

O pessoal[editar | editar código-fonte]

Os tribunais italianos não tinham uma quantidade de pessoas suficiente para exercer suas funções principais, que era erradicar a heresia e comportamentos considerados incorretos. Para ganhar novos seguidores que auxiliavam nesse meio, sendo remunerado ou não, principalmente familiares que trabalhavam voluntariamente fazendo uma ligação entre inquisição e as diversas camadas sociais, eram convidados outros funcionários eclesiásticos e pessoas dispostas a se voluntariar.

Esses serviços prestados pelos familiares eram recompensados por benefícios e até mesmo os bens que eram confiscados pelos tribunais. A coroa, os inquisidores e os arcebispos contavam com uma rede de espiões trabalhando a seu favor entre 1560-1580. Dentre essas pessoas que apoiavam e trabalhavam para os tribunais inquisitórias, os licenciados e oficialmente reconhecidos recebiam alguns privilégios e eram isentos de impostos, isso era levado muito a sério.[2]

Controvérsias[editar | editar código-fonte]

O PhD em história, Joseph Bernard, afirma que a Inquisição na Itália procedeu com moderação, e só excepcionalmente houveram penas corporais graves e execuções.[7] As acusações se centralizavam em questões relacionadas à heresia, incluindo a feitiçaria, imoralidade, blasfêmia, bruxaria e judaizantes, bem como para a censura da literatura contrária à fé cristã ou que apresentassem conteúdo protestante. Era um organismo bastante diferente da Inquisição medieval, pois era uma assembleia permanente de cardeais e outros prelados que não dependiam do controle episcopal. O seu âmbito de ação foi alargado a toda a Igreja Católica.[7]

Segundo o historiador alemão Ludwig Von Pastor (1854-1928):

"Houve alguns casos isolados em Roma sob Júlio III. O jornal de Cola Coleina menciona, em 6 de junho de 1552, que sete luteranos foram levados a Santa Maria Sopra Minerva, onde abjuraram os seus erros... Os poucos casos de hereges punidos com a morte sob Júlio III foram apresentados na Alemanha por panfletos que davam a crer que se moviam violenta perseguição aos protestantes italianos. A verdade a esse propósito transparece de uma carta de Vergerio e Bullinger, de 8 de outubro de 1553, a respeito do estado de coisas na Itália. Aí se lê: 'Poder-se-ia crer que centenas de pessoas foram queimadas diariamente, mas seria falso; nenhum acusado foi queimado, se bem que leve perseguição se tenha movido em algumas localidades". [8]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. a b c d e f g h i j k l m n o p q r s ROMEO, Giovanni (2002). L'Inquisizione nell'Italia moderna. Bari, Itália: Editori Laterza. ISBN 978-88-58-10049-3 
  2. a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v w x y z aa ab ac ad ae af ag ah BLACK, Christopher F. (2013). Storia dell'Inquisizione in Italia. Tribunali, eretici, censura. Col: Catholic Christendom, 1300-1700. Leiden Boston (Mass.): Brill. ISBN 978-8843057368 
  3. a b «Dicastério para a Doutrina da Fé - Perfil». www.vatican.va. Consultado em 26 de junho de 2023 
  4. a b AQUINO, Felipe. Para entender a Inquisição. 8º Edição. Cléofas, Lorena. 2014.
  5. Kertzer, David I. (1997). The kidnapping of Edgardo Mortara. New York: A. A. Knopf 
  6. a b c Aron-Beller, Katherine; Black, Christopher F. (2018). The Roman Inquisition: centre versus peripheries. Col: Catholic Christendom, 1300-1700. Leiden Boston (Mass.): Brill 
  7. a b BERNARD Joseph. Inquisição - História Mito e Verdade. Ed. Loyola
  8. PASTOR, Ludwig, The History of the Popes. K. Paul, Tresch, Trübner & Co.Ltd. 1899.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]