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===== Efeitos Culturais e Pogroms =====
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Os efeitos demográficos, culturais e religiosos foram inestimáveis. A população desceu em mais de um terço. Os sobreviventes do povo e da pequena nobreza e burguesia provavelmente enriqueceram, por aumento dos salários devido à diminuição da mão-de-obra e descida dos preços das terras e das rendas. Os grandes proprietários rurais, dependentes totalmente do trabalho alheio, sofreram algum declínio económico. Dai se explica aproclamação das leis do [[sumptuário]], que proibiram aos vilões usar roupas caras como os nobres. Não estando as divisões sociais tão claras como antes a nivel de propriedade, insistiu-se mais nos títulos.
Os efeitos demográficos, culturais e religiosos foram inestimáveis. A população desceu em mais de um terço. Os sobreviventes do povo e da pequena nobreza e burguesia provavelmente enriqueceram, por aumento dos salários devido à diminuição da mão-de-obra e descida dos preços das terras e das rendas. Os grandes proprietários rurais, dependentes totalmente do trabalho alheio, sofreram algum declínio económico. Dai se explica aproclamação das leis do [[sumptuário]], que proibiram aos vilões usar roupas caras como os nobres. Não estando as divisões sociais tão claras como antes a nivel de propriedade, insistiu-se mais nos títulos.



Revisão das 14h54min de 20 de agosto de 2005

Ilustração da Peste numa Bíblia Medieval. A epidemia da Bíblia poderá ou não ter sido Peste

A Peste Negra é o nome medieval dado à Peste Bubônica, doença que atacou a Europa durante o século XIV e dizimou cerca de 25 milhões de pessoas, um quarto da população da época. A doença é causada pela bactéria Yersinia pestis que se espalha através das pulgas dos ratos pretos Rattus rattus ou outros roedores.

História

A peste é de todas as doenças uma das poucas que teve influência determinante no desenvolvimento da história da Humanidade.

Os reservatórios da bactéria da peste em roedores são sempre a origem das epidemias. Há dois reservatórios antigos, um no sopé dos Himalaias e outro na região dos Grandes Lagos em África. As restantes populações de roedores infectados existentes hoje terão sido apenas contaminadas em períodos históricos.

As populações de alguns rodedores das pradarias vivem em altissímos números em enormes conjuntos de galerias subterraneas que comunicam umas com as outras. O número de individuos nestas comunidades permite à peste estabelecer-se porque com o constante nascimento de crias, há sempre suficiente número de novos hóspedes de forma continua para a sua manutenção endémica. Naturalmente que as populações de ratos e de humanos nas (pequenas) cidades medievais nunca teve a massa crítica continua de individuos susceptiveis para se manter. Nessas comunidades de homens, a peste infecta todos os individuos susceptiveis até só restarem os mortos e os imunes. Só após uma nova geração não imune surgir e se tornar a maioria, pode a peste regressar. Nas comunidades humanas portanto a peste ataca em epidemias.

A Peste na Antiguidade

Há várias referências a epidemias mortiferas na Bíblia. No período medieval, em que a peste era a principal doença epidémica mortífera, estas alusões foram interpretadas como referentes a ela, uma ideia que tem sido aceite por muitos historiadores até ao presente. No entanto não existem quaisquer dados clínicos que permitam identificar as doenças epidémicas da Bíblia, como aquela que Deus mandou contra os filisteus como castigo após terem roubado a Arca da aliança.

A peste em Ashdod, quadro de Nicolas Poussin, 1630. (na verdade a epidemia bíblica de Ashdod dos filisteus poderá não ter sido a peste)

Do ponto de vista médico, é improvável que a doença bíblica tenha sido peste. Não há referências claras a bubos, nem a nenhuns sintomas caracteristicos, e na altura havia muitas doenças capazes de matar muitas pessoas em pouco tempo. Se tivesse sido peste, teria de vir de algum reservatório animal e nesse caso teria continuado a aparecer com alguma frequência na região. No entanto os antigos Hipócrates e Galeno não a mencionam nos seus textos e a violência extrema com que dizimou as populações durante a era de Justiniano e a Idade média fazem supor que não haveria imunidades entre as populações da Europa e Médio oriente nessa altura.

A epidemia descrita por Tucídides que atingiu Atenas no século de Péricles (século V aC), durante a Guerra do Peloponeso contra Esparta, matando um terço da população, também foi considerada como peste. É muito mais provável, no entanto que tenha sido outra doença como Sarampo ou Varíola, na altura doenças mortíferas devido à baixa imunidade, e de qualquer forma a população da Grécia então era insuficiente para lhe permitir estabelecer-se, pelo que desapareceu sem rastro.

Só no século I DC é que Rufus de Éfeso, um médico grego, nos dá a uma descrição mais clara de peste na Líbia, Egipto e Síria. Ele descreve os bubos duros, febre alta, dor e delirio encontrados pelos seus colegas Dioscorides e Posidonius nessas regiões. A descrição da doença por Rufus deixa claro que a doença era extremamente incomum na região nessa altura, apesar da sua referencia a um médico do século III aC que a teria descrito, o que leva alguns historiadores a supor que já seria endémica no Mediterrâneo desde há muito. No entanto será mais provável que estas epidemias do século I sejam devidas a raros viajantes infectados. De facto foi por volta dos primeiros anos da Era de Cristo que as primeiras ligações regulares por barco do Egipto Romano para a Índia foram efectuadas. A peste é transmissivel de pessoa para pessoa, mas esse modo de transmissão mata rapidamente (em 2-3 dias) e é ineficaz, logo as epidemias deste tipo são de curta duração e extensão. Como não existiriam populações de roedores infectados nessa altura perto do Mediterrâneo, a transmissão epidémica da peste por toda a Europa e Médio Oriente seria impossivel.

A Peste de Justiniano

A peste de Justiniano ocorreu no Império romano do Oriente, melhor conhecido enquanto Império Bizantino, em 541 e 542. Os historiadores da época dão-nos a primeira descrição inconfundivel da peste.

Esta pandemia deve ter tido origem na Etiópia a partir do reservatório dos Grandes Lagos, ou pelos navios romanos que faziam comércio com a Índia, e entrou no território de Bizâncio no Egipto. Nessa altura o Egipto pagava a anona o imposto de grão de trigo para abastecer os mercados de Constantinopla, como fizera anteriormente a Roma. Terá sido nesses navios que a peste foi levada à capital. Nesta cidade de um milhão de habitantes, a peste matou no seu pico cerca de 10.000 pessoas por dia, segundo o historiador da época Procopius, acabando por matar ao todo 40% da população da cidade. A nobreza foi também dizimada, levando o Imperador Justiniano a promulgar leis novas de sucessão para lidar com a situação da perda aguda dos seus militares e burocratas.

Nessa altura, o Império Bizantino lutava contra a ocupação bárbara das terras do antigo Império romano ocidental, tendo já, graças aos seus generais Belisário e ao escravo imperial e eunuco Narses, recuperado o Norte de África, incluindo Cartago dos Vândalos, e a Itália e o sul de Espanha (incluindo o Algarve) dos Ostrogodos e Visigodos. A perda de fundos e de homens na capital devido à peste foi determinante na cessação das hostilidades no período de maior sucesso, levando finalmente à derrota da campanha pela pressão continua das tribos bárbaras não conquistadas que aí habitavam.

Ao todo terá morrido 25% da população das costas do Mediterrâneo Oriental, cerca de 25 milhões de pessoas.

Peste Negra

A Peste Negra foi uma epidemia que atingiu a Europa, a China, o Médio Oriente e outras regiões do Mundo durante o século XIV (1347-1350), matando um terço da população da Europa e proporções provavelmente semelhantes nas outras regiões. A peste não só dizimou a população como largamente destruiu a brilhante civilização europeia da baixa Idade Média, da construção das catedrais e do Feudalismo e Mercantilismo, que foi substituida pela bastante diferente civilização das Descobertas e do Renascimento, logo que a população voltou a crescer.

Durante o periodo de revolução que causou, instituições milenares como a Igreja Católica foram questionadas, novas formas de religião místicas e de pensar prosperaram e minorias inocentes como os leprosos e os Judeus foram perseguidas e acusados de serem a causa da peste.

Infecção inicial

"Dança da Morte", desenho de Hans Holbein, o jovem (1491)

A condição inicial para o estabelecimento da peste foi a invasão da Europa pelo rato preto indiano Rattus rattus (hoje raro). O rato preto não trouxe a peste para a Europa, mas os seus hábitos mais domesticados e mais próximos das pessoas, criaram condições para a rápida transmissão da doença. A sua substituição pelo Rattus norvegicus cinzento e muito mais tímido, foi certamente importante no declinio das epidemias de peste na Europa a partir do século XVIII.

A peste foi quase certamente disseminada pelos mongóis, que criaram um império na estepe no final do século XIII. Ghengis Khan com as suas hordas de nómadas mongóis conquistou toda a estepe da Eurásia setentrional, da Ucrânia até à Manchúria. Terão sido os mongóis que após a sua conquista da China foram infectados na região a sul dos Himalaias pela peste, já que essa região alberga um dos mais antigos reservatórios de roedores infectados endemicamente. Os guerreiros mongóis terão então infectado as populações de roedores das planicies da Eurásia, da Manchúria à Ucrânia, cujos reservatórios de roedores infectados endemicamente existem hoje. Os ratos pretos das cidades e do campo da Europa ocidental não são suficientemente numerosos ou aglomerados em grandes comunidades para serem afectados endemicamente, e terão sido afectados pela epidemia do mesmo modo que as pessoas, morrendo em grandes quantidades até acabarem os individuos susceptiveis, ocorrendo nova epidemia quando surgia uma nova geração. Logo terão sido apenas os mediadores da infecção entre por um lado os mongóis e os roedores infectados da sua estepe, e os europeus. Deste modo se explica que, ao contrário de qualquer época precedente, a peste tenha surgido em quase todas as gerações na Europa após o século XIV: estava estabelecido um reservatório da infecção logo às suas portas na Ucrânia (onde de facto foram as epidemias mais frequentes, até à última que aí se limitou). Também é por esta razão explicado o facto da peste ter atingido simultaneamente a Europa, a China e o Médio oriente, já que as caravanas da rota da Seda facilmente comunicaram a doença a estas regiões limítrofes da estepe.

A Peste na Europa

Progressão anual da Peste Negra na Europa no século XIV. A verde zonas pouco atingidas

A peste responsável pela epidemia do século XIV surge durante o cerco à colónia de Génova, Caffa, na Crimeia (Ucrânia), em Outubro de 1347 pelos Tatares (um povo mongol ou túrquico) auxiliados pelos venezianos. A peste matou tantos tatares que foram obrigados a retirar-se, mas não sem contaminar a cidade. Nesta morreram tantos habitantes que tiveram de ser queimados em piras, já que não havia mão de obra suficiente para os enterrar. Constantinopla terá sido infectada na mesma altura. Vários navios genoveses fugiram da peste, indo atracar aos portos de Messina, Génova, Marselha e Veneza, com os porões cheios dos cadáveres dos marinheiros. A transmissão terá sido feita pelos ratos pretos de Caffa, que transmitiram as suas pulgas infectadas aos ratos destas cidades. Assim se explica que apesar de algumas cidades terem recusado os navios, tenham sido infectadas igualmente, já que os ratos escapavam pelas cordas da atracagem.

Da Itália a doença espalhou-se pelo resto da Europa, atingindo a Grã-Bretanha e Portugal em 1348 e finalmente a Escandinávia em 1350. Algumas zonas foram inexplicavelmente poupadas, como Milão e a Polónia.

Médico da Idade Média com fato "protector" anti-peste
A Peste em Portugal

Em Portugal a peste entrou no Outono de 1348. Matou entre um terço a metade da população, segundo a estimativas mais credíveis, e entretanto reduziu o estado ao caos. Foram inclusivamente convocadas as Cortes em 1352 para restaurar a ordem.

Um dos efeitos da peste em Portugal seria a revolução após o reinado de Dom Fernando (Crise de 1383-1385). Este interregno, mas que uma guerra civil pela escolha de novo Rei, terá antes sido a luta da nova classe de pequena nobreza e burguesia que subira a escada social aproveitando as oportunidades após os desequilibrios sociais provocados pela peste, contra o "antigo regime" desacreditado, a enfraquecida e esclerótica alta nobreza que presidira à catástrofe e cujos titulares, nascidos e criados nos anos da doença, não terão adquirido as capacidades necessárias à governação eficaz. De facto esta elite da alta nobreza, clero e Casa Real, terá respondido à substancial perda de rendimentos e aumento de custos de mão de obra devido à peste com maior autoritarismo e tirania. Assim se explica a tendência desta frágil alta nobreza de se aliar com a sua também atacada congénere castelhana.

A peste, que nunca antes existira na Península Ibérica, voltou a Portugal várias vezes até ao fim do século XVII, ou seja sempre que nasciam suficientes novos hóspedes não imunes. Nenhuma foi nem remotamente tão devastadora como a primeira, mas a Grande Peste de Lisboa em 1569 terá morto 600 pessoas por dia, ao todo 60.000 habitantes da cidade terão sucumbido. A última grande epidemia foi em 1650. No entanto no seguimento da Terceira Pandemia (ver à frente), a peste foi importada para o Porto em 1899 do Oriente (provavelmente de Macau onde grassou desde 1895 até ao fim do século). A epidemia do Porto foi estudada por Ricardo Jorge, que instituiu as medidas de Saúde Pública necessárias, e que a conseguiram limitar.

Efeitos Culturais e Pogroms
Ver artigo principal: Lenda do envenenamento dos poços

Os efeitos demográficos, culturais e religiosos foram inestimáveis. A população desceu em mais de um terço. Os sobreviventes do povo e da pequena nobreza e burguesia provavelmente enriqueceram, por aumento dos salários devido à diminuição da mão-de-obra e descida dos preços das terras e das rendas. Os grandes proprietários rurais, dependentes totalmente do trabalho alheio, sofreram algum declínio económico. Dai se explica aproclamação das leis do sumptuário, que proibiram aos vilões usar roupas caras como os nobres. Não estando as divisões sociais tão claras como antes a nivel de propriedade, insistiu-se mais nos títulos.

As perseguições às minorias aumentaram drasticamente, e especialmente os pogroms contra os Judeus. O facto de a maioria dos médicos Judeus pouco poder fazer, e do fanatismo religioso que se apossou das populações aterrorizadas terá contribuído para a acusação e perseguição a essa minoria. Além disso os Judeus ficaram suspeitos quando devido às suas leis talmúdicas rigorosamente enforçadas de higiene as suas vítimas foram em menor número que as de comunidades cristãs. Houve mais de 150 massacres e dezenas de comunidades judaicas mais pequenas foram exterminadas pelos motins dos cristãos, facilmente incitados pelos priores locais, apesar das condenações pelos altos clérigos. A perseguição dos Judeus na Alemanha levou à sua emigração em massa para a Polónia e para a Rússia, onde mantiveram a lingua alemã ou o seu dialecto hebraico, o Yiddish.

Os leprosos também foram perseguidos, culpados como os Judeus de disseminar a doença (a Lepra naturalmente não tem nenhuma relação com a peste).

Flagelantes: movimento religioso místico que surgiu como reacção à Peste

Vários movimentos religiosos surgiram do terror que alimentava o misticismo e descredibilizava as formas religiosas mais racionais. Os flagelantes que acreditavam na libertação pela auto-martirização e pela dor, cresceram radicalmente em números, e foram no Sacro império romano-germânico e outros estados os principais responsáveis pela perseguição fanática aos Judeus.

Recorrências

A doença voltou a cada geração à Europa até ao inicio do século XVIII. Cada epidemia matava os individuos susceptiveis, deixando os restantes imunes. Só quando uma nova geração não imune crescia é que havia novamente suficiente número de pessoas vulneráveis para a infecção se propagar. No entanto nenhuma destas epidemias foi tão mortal como a primeira, devido às modificações de comportamento e à eliminação dos genes (como alguns do MHC- ver sistema imunitário) que davam especial susceptibilidade aos seus portadores. Epidemias notáveis foram a Peste Espanhola de 1596-1602, que matou quase um milhão de espanhóis, a Peste italiana de 1629-1631, a Grande Peste de Londres de 1664-1665 e a Grande Peste de Viena em 1679. A peste londrina é especialmente interessante porque foi a última naquela cidade. O Grande fogo de Londres logo no ano seguinte, em 1666 queimou completamente as casas de madeira e telhados de colmo comuns até então, e novos materiais como a pedra, os tijolos e as telhas foram usados na contrução de novas casas, contribuindo para afastar os ratos das habitações. O mesmo processo, aliado a melhores condições de higiene e à substituição do rato preto pelo rato cinzento (Rattus norvegicus, que evita as pessoas), e à resistencia genética crescente das populações contribuiram para o declinio continuo das epidemias de peste na Europa.

A Peste na China

As primeiras descrições da peste na China relataram os casos ocorridos em 1334 na província de Hubei, aparentemente casos limitados. Entre 1353 e 1354, com a China sob dominio dos mongóis, uma epidemia muito mais extensa ocorreu, nas provincias de Hubei, Jiangxi, Shanxi, Hunan, Guangdong (Cantão), Guangxi, Henan e Suiyuan. Os autores da época estimaram, talvez exageradamente, que de um terço a dois terços da população da China terá sucumbido, em algumas regiões mais de 90% da população.

A Peste no Médio Oriente

A doença entrou na região pelo sul da estepe, actual Rússia, em 1347, com as tropas do general Malik Asraf que regressava a Bagdad após campanha militar na estepe do Azerbeijão. No final de 1348 já está no Egipto, Palestina e Antioquia, espalhando a morte. Meca foi infectada em 1349, trazida pelos peregrinos para o Hajj, e depois o Iémen em 1351. Morreu cerca de um quarto da população da área.

A "Terceira Pandemia"

A terceira pandemia ocorreu no século XIX, mas a sua disseminação foi efectivamente travada pelos esforços dos médicos.

Iniciou-se provavelmente na estepe da Manchúria, onde as marmotas infectadas foram caçadas em grandes números pelos imigrantes chineses que as vendiam aos ocidentais para produzir casacos. A partir de 1855 espalhou-se por toda a China, ameaçando os europeus de Hong-Kong em 1894, o que levou ao envio de equipas de médicos e bacteriologistas para a região. No entanto foi impossivel espalhar a sua disseminação por navios para portos em todo o mundo, incluindo na Europa e Califórnia. Terá sido nesta altura que os roedores selvagens das pradarias americanas e do Brasil foram infectados.

Esta pandemia matou 12 milhões de pessoas na China e India.

A Ciência da Medicina e a Peste

O primeiro investigador a considerar a peste negra uma doença infeciosa foi Rhases, um médico árabe, no século X.

As primeiras medidas eficazes de saúde pública foram tomadas nos portos mediterrânicos europeus. A quarentena, permitia aos portuários verificar a presença da peste e conter a sua disseminação eficazmente, sequestrando os ocupantes de um navio durante um periodo superior ao da incubação da doença.

No entanto foi aquando da Terceira Pandemia que começou a investigação cientifica mais séria sobre a doença, por investigadores trabalhando na Ásia nos anos de 1890. O francês Paul Louis Simond identificou a pulga dos roedores como principal vector de transmissão. Em 1894, em Hong Kong, o bacteriologista suiço Alexandre Yersin isolou pela primeira vez a Yersinia pestis, e determinou o seu modo de transmissão, tendo sido homenageado com a nomeação a partir do seu nome da espécie responsável. Também em 1894 o médico Japonês Shibasaburo Kitasato identificou independentemente o bacilo responsável.

A última epidemia de peste na Europa ocorreu na Ucrânia e Rússia em 1877-1889, nas regiões da estepe (Urais e Cáspio). Graças às medidas de contenção, morreram apenas 420 pessoas. A localização da última epidemia é reveladora já que é na estepe que se situa o reservatório de roedores que albergam a bactéria endémicamente.

Medicina

Hoje em dia a peste não é um problema maior de saúde.

Yersinia pestis

Há várias espécies do género Yersinia, e a maioria são bactérias inócuas da flora intestinal normal. São da familia das Enterobacteriaceae.

A Y. pestis é um pequeno bacilo encapsulado Gram-negativo, encapsulado e imóvel, aérobio e anaérobio facultativo. Como todos os Gram-negativos, não tolera exposição ao ar seco por muito tempo e contém externamente a molécula lipopolissacarídeo (LPS), ou endotoxina, que activa de forma despropositada o sistema imunitário, levando à produção de citocinas que produzem vasodilatação excessiva com risco de choque séptico e morte.

É capaz de variar os seus antigénios externos e é resistente à acção do complemento (secreta enzimas que o destroem). Além disso resiste à morte por fagocitose, através do sistema de secreção tipo III, com que injecta proteínas que bloqueiam por desfosforilação várias proteínas do fagocito envolvidas no processo da fagocitose; destruindo os filamentos de actina; inibindo a formação de citocinas e induzindo a apoptose do macrófago. A sua cápsula é protecção adicional contra a fagocitose.

Transmissão

Rattus rattus, a espécie de ratazana responsável pela disseminação da peste durante a Idade Média

A peste bubónica é uma doença primariamente de roedores (ratos, ratazanas, coelhos, marmotas, esquilos). Espalha-se entre eles por contacto directo ou pelas pulgas, e é-lhes frequentemente fatal.

A peste nos humanos é uma típica zoonose, causada pelo contacto com roedores infectados. As pulgas dos roedores recolhem a bactéria do sangue dos animais infectados, e quando estes morrem, procuram novos hóspedes. Entretanto a bactéria multiplica-se no intestino da pulga. Cães, gatos e seres humanos podem ser infectados, quando a pulga liberta bactérias na pele da vítima. A Y.pestis entra então na linfa através de feridas ou microabrasões na pele, como a da picada da pulga.

Outra forma de infecção é por inalação de gotas de líquido de espirros ou tosse de individuo doente.

Epidemiologia

A amarelo: países com casos de Peste; a vermelho, países com comunidades de roedores selvagens infectados com peste

A peste foi uma epidemia extremamente mortifera na Europa, China, Médio Oriente, Ásia e África durante várias épocas, principalmente durante a baixa Idade Média. A última epidemia significativa ocorreu no fim do século XIX, na China e Índia, mas ainda se registam casos hoje em vários países, principalmente naqueles em que há populações de roedores selvagens infectados. Há cerca de 2000 casos por ano em todo o mundo, nas regiões em que há roedores infectados.

Há hoje populações de roedores com peste endémica no Ocidente dos EUA, sopé dos Himalaias, planicies da Eurásia setentrionais (Mongólia, Manchúria na China, Ucrânia), região dos grandes lagos na África oriental e algumas regiões do Brasil e dos Andes. A transmissão da peste é rara e devido a contacto directo com os animais infectados e não através de pulgas.

Progressão e Sintomas

A bactéria entra por pequenas quebras invisiveis da integridade da pele. Daí espalha-se para os gânglios linfáticos, onde se multiplica.

Após no máximo sete dias, em 90% dos casos surge febre alta, mal estar e os bubos, que são protuberâncias azuladas na pele. São na verdade apenas gânglios linfáticos hemorrágicos e inchados devido à infecção. A cor azul-esverdeada advém da degeneração da hemoglobina. O surgimento dos bubos corresponde a uma taxa média de sobrevivência que pode ser tão baixa como 25% se não for tratada. As bactérias invadem então a corrente sanguinea, onde se multiplicam causando peste septicémica.

A peste septicémica caracteriza-se pelas hemorragias em vários orgãos. As hemorragias para a pele formam manchas escuras, de onde vem o nome de peste negra. Do sangue podem invadir qualquer orgão, sendo comum a infecção do pulmão.

A peste pneumónica pode ser um desenvolvimento da peste bubónica ou uma inalação directa de gotas infecciosas expelidas por outro doente. Há tosse com expectoração sanguinolenta e purulenta altamente infecciosa. A peste inalada tem menor periodo de incubação (2-3 dias) e é logo de inicio pulmonar, sem bubos. Após surgimento dos sintomas pulmonares a peste não tratada é mortal em 100% dos casos.

Mesmo se tratada com antibióticos, excepto se na fase inicial, a peste tem ainda uma mortalidade de 15%.

Diagnóstico

O diagnóstico é feito por recolha de amostras de líquido dos bubos, pús ou sangue e cultura em meios de nutrientes para observação ao microscópio e análise bioquimica.

Prevenção

Fato de "protecção" usado pelos médicos durante a Idade Média quando visitavam doentes vítimas da Peste Bubónica

Evitar o contacto com roedores e erradica-los das áreas de habitação é a única protecção eficaz. O vinagre foi utilizado na Idade Média, já que as pulgas e as ratazanas evitam o seu cheiro.

A peste é de comunicação obrigatória às autoridades. Contactos de individuos afectados ainda hoje são postos em quarentena durante seis dias.

Tratamento

Os antibióticos revolucionaram o tratamento da peste, tornando-a de agente da morte quase certa em doença facilmente controlável. São eficazes a estreptomicina, tetraciclinas e cloramfenicol.

Como arma biológica

A peste foi inicialmente introduzida em Caffa como arma biológica. Cadáveres de Turcos que tinham morrido da doença foram catapultados para dentro das muralhas da cidade, de onde se espalhou dando origem à Peste Negra do século XIV.

Durante a Primeira guerra mundial, o exército do Japão desenvolveu a peste enquanto arma biológica de disseminação por pulgas. Foi usada contra civis chineses e prisioneiros de guerra na Machúria.

Durante a Guerra fria os EUA e a URSS desenvolveram estiropes genéticamente modificadas de bacilos Y.pestis para disseminação aerossolizada pelo ar. A União Soviética provavelmente desenvolveu armas eficazes em grande volume, segundo alguns relatórios dos serviços secretos americanos, mas dados específicos não são conhecidos e é provavel que os arsenais já tenham sido destruídos.

Apontadores

Saber história - A peste negra

Referências

McNeil William; Plagues and Peoples; 1976; Anchor Books