Historiografia da Índia

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

A historiografia da Índia refere-se aos estudos, fontes, interpretações e métodos críticos usados por estudiosos para desenvolver uma história da Índia.

Nas últimas décadas houve quatro escolas principais de historiografia sobre como os historiadores estudam a história da Índia: Cambridge, nacionalista, marxista e subalterna. A abordagem "orientalista" outrora comum, com a sua imagem de uma Índia sensual, inescrutável e totalmente espiritual, caiu em desuso com o início de estudos sérios.

Origens[editar | editar código-fonte]

Existem muito poucos textos indianos conhecidos que registam a história antes do século XV, portanto, a evidência histórica de grande parte da história da Índia vem de historiadores estrangeiros como:

  • Indica (Megasthenes) por Megasthenes[1]
  • Um Registo de Reinos Budistas (Foguo Ji 佛 國 記) por Faxian[2]
  • Kitāb al-Hind por Al-Biruni[3][4]
  • Tuḥfat an-Nuẓẓār fī Gharāʾib al-Amṣār wa ʿAjāʾib al-Asfār por Ibn Battuta[5]
  • Grandes Registos Tang Sobre as Regiões Ocidentais por Xuanzang[6]

Principais[editar | editar código-fonte]

Nas últimas décadas, houve quatro escolas principais de historiografia sobre como os historiadores estudam a história da Índia: Cambridge, nacionalista, marxista e subalterna. A abordagem "orientalista" outrora comum, com a sua imagem de uma Índia sensual, inescrutável e totalmente espiritual, caiu em desuso com o início de estudos sérios.[7]

A "Escola de Cambridge", liderada por Anil Seal,[8] Gordon Johnson,[9] Richard Gordon e David A. Washbrook,[10] minimiza a ideologia.[11] No entanto, esta escola de historiografia é criticada pelo preconceito ocidental ou eurocentrismo.[12]

A escola nacionalista originou-se entre historiadores indianos no final do século XIX e no início do século XX, influenciados pelo nacionalismo indiano. Eles focam a sua visão nas conquistas ao longo da história da Índia, ao mesmo tempo que minimizaram os aspectos negativos, o que leva a várias contradições. Os historiadores nacionalistas elogiaram universalmente o governo hindu na Índia, com a cultura sânscrita da casta superior hindu sendo valorizada acima de tudo.[13] Na história moderna, concentram-se no Congresso, Gandhi, Nehru e na política de alto nível. Destacam o Motim de 1857 como uma guerra de libertação, e o movimento 'Quit India' de Gandhi que começou em 1942, como eventos históricos definidores. Esta escola de historiografia foi criticada pelo seu Elitismo.[14] Os historiadores desta escola incluíam Rajendralal Mitra, R. G. Bhandarkar, Romesh Chunder Dutt, Anant Sadashiv Altekar, K. P. Jayaswal, Hem Chandra Raychaudhuri, Radha Kumud Mukherjee, R. C. Majumdar e K. A. Nilakanta Sastri.[13]

Uma outra escola, a dos marxistas, concentra-se em estudos de desenvolvimento económico, propriedade de terras e conflito de classes na Índia pré-colonial e de desindustrialização durante o período colonial. Os marxistas retrataram o movimento de Gandhi como um artifício da elite burguesa para controlar as forças populares, potencialmente revolucionárias, para os seus próprios fins. Mais uma vez, os marxistas são acusados de serem "demasiado" influenciados ideologicamente, e também, ironicamente, elitistas.[15]

A "escola subalterna" teve o seu início na década de 1980 por Ranajit Guha e Gyan Prakash.[16] A escola afasta a atenção das elites e dos políticos para a "história por baixo", focando-se nos camponeses através do folclore, poesia, enigmas, provérbios, canções, história oral e métodos inspirados na antropologia. A escola concentra-se na era colonial antes de 1947 e normalmente dá ênfase à casta e minimiza a classe (um aborrecimento para a escola marxista).[17]

Mais recentemente, os nacionalistas hindus criaram uma versão da história como suporte para as suas intenções relativamente ao "hindutva" ("hinduísmo") na sociedade indiana. Esta escola de pensamento ainda está em processo de desenvolvimento.[18] Em março de 2012, Diana L. Eck, professora de Religião Comparada e Estudos Indianos na Universidade de Harvard, escreveu no seu livro "Índia: Uma Geografia Sagrada" que a ideia da Índia data de uma época muito anterior aos britânicos ou aos Mughals e não era apenas um agrupamento de identidades regionais e não era étnica ou racial.[19][20][21][22] Esta escola é conhecida por negar as migrações indo-arianas, visto que considera estrangeiros aqueles cuja ancestralidade e religião têm origens fora do subcontinente indiano, a saber, muçulmanos, cristãos e comunistas. Esta escola afirma que apenas os hindus são os herdeiros legítimos do sul da Ásia.[23]

O debate continua sobre o impacto económico do imperialismo britânico na Índia. A questão foi levantada pelo conservador político britânico Edmund Burke, que na década de 1780 atacou veementemente a Companhia das Índias Orientais alegando que Warren Hastings e outros altos funcionários haviam arruinado a economia e a sociedade indianas. O historiador indiano Rajat Kanta Ray (1998) continua com essa linha de ataque, afirmando que a nova economia implementada pelos britânicos no século XVIII foi uma forma de "saque" e uma catástrofe para a economia tradicional da Índia Mughal. Ray acusa os britânicos de esgotar os estoques de alimentos e dinheiro e de impor altos impostos que ajudaram a causar a terrível fome de 1770, que matou um terço da população de Bengala.[24]

Rejeitando o relato nacionalista indiano em relação aos britânicos como agressores estrangeiros, tomando o poder pela força bruta e empobrecendo toda a Índia, o historiador britânico P. J. Marshall argumenta que os britânicos não estavam no controle total, mas em vez disso eram intervenientes no que era basicamente uma tabuleiro indiano e no qual a sua ascensão ao poder dependeu da excelente cooperação com os outros intervenientes indianos. Marshall admite que grande parte da sua interpretação ainda é rejeitada por muitos historiadores.[25] Marshall argumenta que estudos recentes reinterpretaram a visão de que a prosperidade do governo anteriormente benigno de Mughal deu lugar à pobreza e à anarquia. Marshall argumenta que a chegada dos britânicos não causou uma ruptura brusca com o passado. Os britânicos delegaram amplamente o controlo aos governantes regionais Mughal e mantiveram uma economia geralmente próspera pelo resto do século XVIII. Marshall observa que os britânicos fizeram parceria com banqueiros indianos e aumentaram a receita através de administradores fiscais locais e mantiveram as antigas taxas de tributação Mughal. O professor Ray concorda que a Companhia das Índias Orientais herdou um sistema de tributação oneroso que consumia um terço da produção dos cultivadores indianos.[26]

Insegurança do Raj[editar | editar código-fonte]

No século XX os historiadores geralmente concordavam que a autoridade imperial no Raj estava garantida na era de 1800-1940. Contudo, várias contestações surgiram. Mark Condos e Jon Wilson argumentam que o Raj era cronicamente inseguro.[27][28] Eles argumentam que a ansiedade irracional dos funcionários levou a uma administração caótica com o mínimo de compra social ou coerência ideológica. O Raj não era um estado de confiança capaz de agir como desejava, mas sim um estado psicologicamente em apuros, incapaz de agir excepto em abstracto, em pequena escala ou a curto prazo.[29]

Referências

  1. Allan Dahlaquist (1996). Megasthenes and Indian Religion: A Study in Motives and Types. Motilal Banarsidass. ISBN 978-81-208-1323-6.
  2. «The Travel Records of Chinese Pilgrims Faxian, Xuanzang, and Yijing» (PDF). Columbia University 
  3. Kitab al-Bīrūnī fī Taḥqīq mā li-al-Hind, Hyderabad: Osmania Oriental Publication Bureau, 1958 
  4. Kegan, Paul, ed. (1910), Alberuni's India, 2, London: Trench, Truebner 
  5. Dunn 2005, pp. 310–11; Defrémery & Sanguinetti 1853, pp. 9–10 Vol. 1
  6. Deeg, Max (2007). „Has Xuanzang really been in Mathurā? : Interpretatio Sinica or Interpretatio Occidentalia — How to Critically Read the Records of the Chinese Pilgrim.“ – In: 東アジアの宗教と文化 : 西脇常記教授退休記念論集 = Essays on East Asian religion and culture: Festschrift in honor of Nishiwaki Tsuneki on the occasion of his 65th birthday / クリスティアン・ウィッテルン, 石立善編集 = ed. by Christian Wittern und Shi Lishan. – 京都 [Kyōto] : 西脇常記教授退休記念論集編集委員會; 京都大���人文科學研究所; Christian Wittern, 2007, pp. 35 – 73. See p. 35
  7. Prakash, Gyan (abril de 1990). «Writing Post-Orientalist Histories of the Third World: Perspectives from Indian Historiography». Comparative Studies in Society and History. 32: 383–408. JSTOR 178920. doi:10.1017/s0010417500016534 
  8. Anil Seal, The Emergence of Indian Nationalism: Competition and Collaboration in the Later Nineteenth Century (1971)
  9. Gordon Johnson, Provincial Politics and Indian Nationalism: Bombay and the Indian National Congress 1880–1915 (2005)
  10. Rosalind O'Hanlon and David Washbrook, eds. Religious Cultures in Early Modern India: New Perspectives (2011)
  11. Aravind Ganachari, "Studies in Indian Historiography: 'The Cambridge School'", Indica, March 2010, 47#1, pp 70–93
  12. Hostettler, N. (2013). Eurocentrism: a marxian critical realist critique. [S.l.]: Taylor & Francis. ISBN 978-1-135-18131-4. Consultado em 6 de janeiro de 2017 
  13. a b Thapar, Romila (2004). History of Early India: From the Origins to AD 1300. [S.l.]: University of California Press. pp. 16–17. ISBN 978-0-520-24225-8 
  14. «Ranjit Guha, "On Some Aspects of Historiography of Colonial India"» (PDF) 
  15. Bagchi, Amiya Kumar (janeiro de 1993). «Writing Indian History in the Marxist Mode in a Post-Soviet World». Indian Historical Review. 20: 229–244 
  16. Prakash, Gyan (dezembro de 1994). «Subaltern studies as postcolonial criticism». American Historical Review. 99: 1475–1500. JSTOR 2168385. doi:10.2307/2168385 
  17. Roosa, John (2006). «When the Subaltern Took the Postcolonial Turn». Journal of the Canadian Historical Association. 17: 130–147. doi:10.7202/016593ar 
  18. Menon, Latha (agosto de 2004). «Coming to Terms with the Past: India». History Today. 54. pp. 28–30 
  19. «Harvard scholar says the idea of India dates to a much earlier time than the British or the Mughals» 
  20. «In The Footsteps of Pilgrims» 
  21. «India's spiritual landscape: The heavens and the earth». The Economist. 24 de março de 2012 
  22. Dalrymple, William (27 de julho de 2012). «India: A Sacred Geography by Diana L Eck – review». The Guardian 
  23. Thapar 2004, p. 14.
  24. Rajat Kanta Ray, "Indian Society and the Establishment of British Supremacy, 1765–1818", in The Oxford History of the British Empire: vol. 2, The Eighteenth Century, ed. P. J. Marshall, (1998), pp. 508–529.
  25. P. J. Marshall, "The British in Asia: Trade to Dominion, 1700–1765," in The Oxford History of the British Empire: vol. 2, The Eighteenth Century, ed. P. J. Marshall, (1998), pp. 487–507.
  26. Marshall, "The British in Asia: Trade to Dominion, 1700–1765"
  27. Mark Condos, The Insecurity State: Punjab and the Making of Colonial Power in British India (Cambridge University Press, 2017).
  28. Jon Wilson, India conquered: Britain's Raj and the chaos of empire (Simon and Schuster, 2016).
  29. Joshua Ehrlich, "Anxiety, Chaos, and the Raj." Historical Journal 63.3 (2020): 777–787. DOI: https://doi.org/10.1017/S0018246X1900058X

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Balagangadhara, S. N. (2012). Reconceptualizing India studies. New Delhi: Oxford University Press.
  • Bhattacharjee, JB Historians and Historiography of North East India (2012)
  • Bannerjee, Dr. Gauranganath (1921). India as known to the ancient world. [S.l.]: Humphrey Milford, Oxford University Press, London 
  • Bose, Mihir. "India's Missing Historians: Mihir Bose Discusses the Paradox That India, a Land of History, Has a Surprisingly Weak Tradition of Historiography", History Today 57#9 (2007) pp 34+. online
  • Chakrabarti, Dilip K .: Colonial Indology, 1997, Munshiram Manoharlal: Nova Delhi.
  • Palit, Chittabrata, Indian Historiography (2008).
  • Indian History and Culture Society., Devahuti, D. (2012). Bias in Indian historiography.
  • Elliot, Henry Miers; John Dowson (1867–77). The History of India, as told by its own historians. The Muhammadan Period. London: Trübner and Co.
  • Inden, R. B. (2010). Imagining India. Bloomington, Ind: Indiana University Press.
  • Jain, M. The India They Saw : Foreign Accounts (4 Volumes) Delhi: Ocean Books, 2011.
  • Kahn, Yasmin. "Remembering and Forgetting: South Asia and the Second World War 'em Martin Gegner e Bart Ziino, eds., The Heritage of War (Routledge, 2011) pp 177-193.
  • Mantena, R. (2016). Origins of modern historiography in India: Antiquarianism and philology 1780-1880. Palgrave Macmillan.
  • Mittal, S. C India distorted: A study of British historians on India (1995), on 19th century writers
  • R. C. Majumdar, Historiography in Modem India (Bombaim, 1970) ISBN 9782102227356
  • Rosser, Yvette Claire (2003). Curriculum as Destiny: Forging National Identity in India, Pakistan, and Bangladesh (PDF) (Dissertation). [S.l.]: University of Texas at Austin. Consultado em 17 de setembro de 2018. Cópia arquivada (PDF) em 11 de setembro de 2008 
  • Arvind Sharma, Hinduism and Its Sense of History (Oxford University Press, 2003) ISBN 978-0-19-566531-4
  • E. Sreedharan, A Textbook of Historiography, 500 AC a DC 2000 (2004)
  • hourie, Arun (2014). Eminent historians: Their technology, their line, their fraud. Noida, Uttar Pradesh, India : HarperCollins Publishers. ISBN 9789351365914
  • Trautmann, Thomas R. (1997). Aryans and British India. Berkeley: University of California Press. ISBN 978-0-585-10445-4 
  • Viswanathan, G. (2015). Masks of conquest: Literary study and British rule in India.
  • Antonio de Nicolas, Krishnan Ramaswamy, and Aditi Banerjee (eds.) (2007), Invading the Sacred: An Analysis Of Hinduism Studies in America (Publisher: Rupa & Co.)
  • Vishwa Adluri, Joydeep Bagchee: The Nay Science: A History of German Indology . Oxford University Press, Nova York 2014, ISBN 978-0199931361 ( Introdução, p. 1–29).
  • Warder, A. K., An introduction to Indian historiography (1972).
  • Winks, Robin, ed. The Oxford History of the British Empire: Volume V: Historiography (2001)
  • Weickgenannt, T. N. (2009). Salman Rushdie and Indian historiography: Writing the nation into being. Basingstoke: Palgrave Macmillan.