Lei do Terço

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José Bento da Cunha Figueiredo, principal arquiteto da Lei do Terço.

A Lei do Terço foi uma reforma eleitoral realizada no Império do Brasil e estabelecida pelo Decreto nº. 2.675 de 20 de outubro de 1875, instituindo a votação em apenas dois terços dos candidatos disponíveis, reservando um terço dos assentos parlamentares ao partido na oposição, buscando, assim, o fim das câmaras e assembleias unânimes ou unipartidárias, recorrentes em boa parte da tradição política do Império.

Contexto[editar | editar código-fonte]

Em 1873, durante o governo do Visconde do Rio Branco, iniciou-se um debate a respeito da necessidade de se reformar o sistema eleitoral do Brasil, demanda histórica do Partido Liberal e até mesmo de membros dissidentes do Partido Conservador. A pouca representação política da oposição, resultante de câmaras dominadas pelo partido governista da ocasião, somada às fraudes sistemáticas e generalizadas do processo eleitoral, levou o deputado Correia de Oliveira a apresentar um projeto de lei instituindo a chamada "votação limitada", em que o eleitor só poderia votar em uma porcentagem específica (dois terços) dos assentos parlamentares disponíveis em sua zona eleitoral, reservando a parte restante (um terço) à oposição.[1]

Os debates a respeito da reforma, que substituiria a Lei dos Círculos de 1860, se iniciaram em 1874, estendendo-se até o ano seguinte, sendo aprovada sob a gestão do terceiro Gabinete Caxias, aos cuidados de José Bento da Cunha Figueiredo, senador e então ministro dos Negócios do Império.

Reforma[editar | editar código-fonte]

Título de Qualificação da Província do Rio Grande do Sul (1878).

Segundo o Decreto nº. 2.675, em seu Artigo 123[2]:

Para Deputados á Assembléa Geral, cujo numero continúa a ser o que se acha actualmente fixado para cada Provincia, emquanto não fôr alterado por lei especial, e para Membros das Assembléas Legislativas Provinciaes, cujo numero tambem continúa a ser o actualmente estabelecido para cada Provincia, votará o eleitor em tantos nomes quantos corresponderem aos dous terços do numero total dos Deputados ou dos Membros da Assembléa Provincial que a Provincia dér.

Dessa maneira, a reforma estabelecia um sistema de voto "limitado" ou "incompleto", garantindo uma terça parte dos assentos parlamentares ao partido derrotado nas eleições, possibilitando uma representação mínima das facções rivais do Império.

A reforma, ainda, foi responsável pelas seguintes medidas[3]:

Resultados[editar | editar código-fonte]

Charge representando a violência e as fraudes nas eleições brasileiras de 1876 (Revista Illustrada, nº 22, 1876).

Segundo os versos satíricos de um votante anônimo em agosto de 1878[4]:

Essa lei fatal do Terço

Bem lida de cabo a rabo

É uma faca de dois gumes

Uma reforma do Diabo!

Quem fere será ferido

Quem está nu vai-se vestir;

Fica escarrado no rosto

Quem para os ares cuspir

Rezai terços e coroas

Rezai rosários também

Mas, isto, em casa e de noite

Que vos fará muito bem.

O terço com que contáveis

Dizer-vol-o agora vou

Ide havê-lo em outra parte

Na Boa Vista! - Gorou.

Em um contexto de crise do Império do Brasil, a Lei do Terço foi desacreditada desde o início de sua elaboração, particularmente por excluir a possibilidade do voto direto, demanda dos liberais e da crescente classe média, porém, rechaçada pelo Imperador e pela maior parte dos conservadores, sendo considerada uma medida radical e que deveria ser encarada como matéria constitucional.[5]

Logo após sua aprovação, a reforma não promoveu de forma completa seu principal objetivo: na 16º legislatura, sob um governo conservador, foram eleitos somente 16 liberais, ao contrário dos cerca de 40 deputados previstos para esse partido. Em algumas províncias, como a de Pernambuco, o resultado foi ainda mais frustrante, não contando com nenhum deputado de oposição eleito. Além disso, as denúncias de fraudes e violência generalizadas continuaram comuns.[6]

O debate a respeito da necessidade de se reformar o sistema eleitoral continuou e a Lei do Terço foi posteriormente substituída pela Lei Saraiva de 1881.

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. SOUZA, Alexandre de Oliveira Bazilio de (2016). «Processos eleitorais na vigência da Lei do Terço (1875-1881)» (PDF). Anpuh-Rio. XVII Encontro de História da Anpuh-Rio (XVII): 1. Consultado em 29 de abril de 2024 
  2. «Lei do Terço». Justiça Eleitoral. Consultado em 30 de abril de 2024 
  3. Silva, Lyana Maria Martins da (19 de agosto de 2014). «Reforma Gorada: a Lei do Terço e a representação das minorias nas eleições de 1876 em Pernambuco». repositorio.ufpe.br. Consultado em 30 de abril de 2024 
  4. «Trecho de poema anônimo de votante da freguesia da Boa Vista, agosto de 1878.» (PDF). Biblioteca Pública Estadual de Pernambuco. Revista de História de Pernambuco (3-4) 1927. Consultado em 30 de abril de 2024 
  5. Silva, Lyana Maria Martins da (19 de agosto de 2014). «Reforma Gorada: a Lei do Terço e a representação das minorias nas eleições de 1876 em Pernambuco». repositorio.ufpe.br. p. 13. Consultado em 30 de abril de 2024 
  6. Souza, Alexandre de Oliveira Bazilio de (2011). «Reformas eleitorais no final do Império : a reinvenção do cidadão brasileiro (1871-1889)»: 6. Consultado em 30 de abril de 2024 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial, 2001.
  • OURÉM, Barão de. Les Débats de Parlement Brésilien relatifs à la Représentation Proportionnelle. Paris: F. Pichon, 1888.

Ver também[editar | editar código-fonte]